Vida X morte

A morte, do ponto de vista biológico, mostra-se fácil de ser entendida, simplesmente um organismo vivo deixa de ter condições de manter suas funções vitais, então os processos metabólicos cessam e este se deteriora, devolvendo (por assim dizer) os elementos químicos que o compunham à natureza.

Mas quando levamos a morte a pontos de vista socioculturais, nos deparamos com uma complexidade tão ampla quanto a própria consciência humana.

O fato mais concreto é que, independentemente do que possa acontecer após a morte, ela, no mínimo, marca o final de um ciclo e, no caso do ser humano, o fim de um corpo biológico que possuía nome, consciência, sentimentos, familiares, amigos (quem sabe, inimigos), responsabilidades e papeis frente a sociedade, enfim, possuía uma história.

Neste caso, para os que ficam, ainda que você acredite que a consciência ou espírito desta pessoa cujo corpo morreu ainda vive em outro lugar, e mais ainda se a crença for de que tudo acabou junto com o corpo, existe uma separação. Então todos que continuam vivos sabem que, ao menos enquanto estiverem vivos, não voltarão a ver esta pessoa que morreu.

Deste modo, independentemente da cultura, religião ou ideologia, a tristeza e saudade estarão presentes nas pessoas que ficaram, de maneira proporcional à proximidade que tinham com quem partiu.

Homenagens e/ou orações são feitas de acordo com os costumes socioculturais e religiosos de cada grupo, mas um fato é igualmente imutável, ao menos na concepção de vida física, você (enquanto ser humano vivo, lendo este texto) não será capaz de interagir com alguém que já morreu, dizer o quanto o respeita, admira, o ama (ou odeia, quem sabe), conversar sobre alguma coisa (ou sobre nada, talvez), sentir a presença ou se fazer sentir.

Contudo, pensando neste dia de hoje (2 de novembro de 2021) percebo o quanto a vida é importante e finita. Talvez tão importante justamente por ser finita. Deste modo destaco duas questões relativas ao dia de finados.

A primeira é que, lembrar de quem partiu e sentir saudades é inevitável e, na minha opinião, faz parte de sermos humanos. Estes sentimentos podem reviver feridas e fazer corações sagrarem. É, portanto, um momento de lembrar da forma que melhor lhe convier e contar às novas gerações sobre as pessoas que fazem parte de suas histórias, mas que já não estão aqui.

A segunda questão está relacionada à consciência de cada um de nós com relação à vida e a morte, já que a única certeza que temos enquanto seres vivos é a de que, em algum momento, iremos morrer. Sim, pense você o que quiser, mas, chegará a hora em que morrerá e será lembrado pelo que fez (tanto de bom quanto de ruim), talvez também por coisas que cabiam a você fazer (mas que não foram feitas), pelos sorrisos que fez abrir e pelas lágrimas que fez rolarem. Nesse momento, não se pode garantir com certeza se você terá “acabado”, se transformado, mudado de plano, ou, seja lá o que for, mas, no mínimo, terá perdido a capacidade e a condição de interagir com qualquer pessoa que esteja “viva”, terá perdido também seu corpo e seu nome, é … independentemente do quão belo era seu corpo ou qual importante e famoso fosse o seu nome. Quando este momento chegar seus bens materiais não lhe terão nenhuma serventia e, não importa o quão valiosos sejam, não lhe darão o direito de dizer sequer mais uma palavra a pessoa alguma ou passar mais um instante na companhia de alguém.

Por isso, acredito que o dia de finados seja importante para lembrarmos e homenagearmos (cada um à sua maneira) os que já se foram, mas principalmente por isso, é um dia também para pensarmos no valor da vida, de cada instante. Pensarmos nas palavras que devem ser ditas e nas que não valem o tempo desperdiçado, pensarmos nas companhias que valorizamos, nos pontos realmente importantes para nós, tendo em vista que a morte, irremediavelmente, encontrará cada ser vivo, mas não dirá jamais quando será este encontro.

 

M. Júnior