TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO
NA ESCOLA
Edna Apolinário1
RESUMO
O Brasil também passa a entender que o acesso à escola é um direito de todos, propondo ações educacionais voltadas à integração das pessoas com alguma deficiência. Pautado na concepção mundial de escola inclusiva, o Ministério da Educação (MEC) publicou em 2008 a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, defendendo o direito dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação de se matricularem e frequentarem o ensino comum como os demais alunos. Com isso, definem também que as escolas se organizem para oferecer respostas adequadas à aprendizagem de crianças com autismo/transtornos globais do desenvolvimento. O estudo bibliográfico objetiva colaborar para o debate e a prática educacional, tendo como foco o reconhecimento do impacto positivo da educação no desenvolvimento da pessoa com autismo. Ao final do estudo percebe-se que, a prática urge medidas de transformação do contexto escolar. E preciso que se conheçam melhor conceitos como de cognição, de neurociências, do processo de aprendizado que possam auxiliar os professores com cada aluno no seu dia a dia. Além disso, as práticas devem ser cada vez mais documentadas, pois poucas são as pesquisas que temos ainda quando falamos de inclusão escolar de alunos com TGD.
Palavras-chave: Autismo. Transtornos globais do desenvolvimento. Ambiente escolar.
1 INTRODUÇÃO
Pautado na concepção mundial de escola inclusiva, o Ministério da Educação (MEC) publicou em 2008 a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, defendendo o direito dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação de se matricularem e frequentarem o ensino comum como os demais alunos.
Os Transtornos Globais do Desenvolvimento se distinguem pela seriedade como comprometem o processo evolutivo da criança na comunicação, interação social e manifestações comportamentais, desde os primeiros anos de vida.
No meio profissional é reconhecido que várias oscilações do desenvolvimento infantil podem ser mais bem caracterizadas agregando o conjunto de perturbações instituídas como espectro autista (OZONOFF; ROGERS; HENDREN, 2003). Isso constitui que determinadas pessoas manifestam indícios de quadros clínicos muito aproximados ao autismo, podendo inserir-se em um grupo mais amplo de condições autísticas, em um ininterrupto que se amplia de moderado a severo (ARAÚJO, 2000).
Apesar dos problemas aludidos no espectro autista, verifica-se a eficácia de métodos bem sucedidos nas áreas educacionais e clínicas, cujos efeitos são mais propícios na medida em que comecem mais precocemente (OZONOFF; ROGERS; HENDREN, 2003).
Ao debater sobre o autismo, um dos grandes problemas da inclusão segundo Glat et al (2011, s.p.), é a elaboração de políticas educacionais voltadas para o estabelecimento de uma escola realmente aberta a alunos com suas diferenças, escola esta acessível a todos, dando-lhes garantia de que seus direitos serão respeitados.
Para um crescente número de alunos com autismo, a escola comum concebe lugar favorável à educação, assegurados programas, serviços e apoios apropriados às suas aptidões e necessidades especiais e mediante o desempenho de profissionais qualificados e receptivos (ARAÚJO, 2000).
Este estudo justifica-se pela relevância de aprofundar conhecimentos sobre o tema, pois o debate sobre o lugar mais apropriado para a escolarização da criança com autismo aguarda concordância e tem levado em consideração a intensidade e a diversidade de condições que distinguem os alunos identificados no espectro.
Diante do exposto, o estudo de cunho bibliográfico objetiva colaborar para o debate e a prática educacional, tendo como foco o reconhecimento do impacto positivo da educação no desenvolvimento da pessoa com autismo.
2 TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO
O transtorno global do desenvolvimento inclui o espectro do autismo e transtornos autistas atípicos. Transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação também é chamado de autismo atípico e às vezes é visto como uma forma mais branda de autismo, por exemplo, uma criança com transtorno global de desenvolvimento sem outra especificação pode apresentar transtornos na comunicação ou insistência na repetição/comportamentos restritos, mas não necessariamente ambos (LAMPREIA, 2004).
Os TGD também causam variações na atenção, na concentração e, eventualmente, na coordenação motora. As mudanças de humor sem motivo aparente e os acessos de agressividade são comuns em alguns casos. As crianças apresentam seus interesses de maneira distinta e podem focar sua atenção em uma só atividade, como por exemplo, observar determinados objetos (LAMPREIA, 2004).
Segundo Resolução nº 4 de 2 de outubro de 2009 em seu art. 4º:
A Resolução detalha que crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento são aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.
Assim, o quadro de transtornos globais do desenvolvimento compreende o autismo clássico, a síndrome de Asperger, a síndrome de Rett e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação (ARAUJO, 2009) . Dentro do amplo quadro de Transtornos Globais do Desenvolvimento encontra-se o autismo infantil, descrito e assim denominado por Kanner, em 1943.
2.1 AUTISMO
Autismo é um termo “empregado pela psiquiatria para nomear comportamentos humanos reunidos ao redor de si mesmos, replicados para a própria pessoa. Esse termo tem sua origem na palavra grega autos, que quer dizer por si mesmo” (ACOSTA; PEARL, 2009, p. 15).
Na década de 1940, Kanner (1966), um psiquiatra austríaco que residiu nos Estados Unidos, dedicou-se aos estudos e à investigação sobre comportamentos que eram considerados estranhos e muito particulares em algumas crianças. Esses comportamentos assinalavam estereotipias por meio de gestos amaneirados e posições estranhas, além de certa dificuldade no modo de se relacionar com as pessoas que ele percebeu como sendo próprias de um quadro de sintomas apresentados por aquelas crianças.
A partir de seus estudos ele publicou em 1943 um artigo no qual descreveu o caso de 11 crianças que apresentavam características pertinentes ao distúrbio de desenvolvimento por ele investigado, o qual denominou um quadro de ‘Distúrbios autísticos do contato afetivo’ com a prevalência de comportamentos estereotipados, além de obsessividade e ecolalia, sendo esta última a tendência de repetir sons e palavras de modo mecânico e inconsciente com relação aos seus sentidos e significados.
Kanner descreveu como características desse grupo de crianças a incapacidade para estabelecer relações com as pessoas, uma série de atrasos e alterações na aquisição e no uso da linguagem e certa obsessão em manter o ambiente intacto junto à tendência de repetir uma sequência limitada de atividades ritualizadas. Segundo suas descrições o alheamento em que viviam era extremo, desde os primeiros anos de vida, como se não estivessem no mundo, sem responder a nenhum estímulo externo, mantendo-se em um isolamento rígido e peculiar. Contudo, as crianças apresentavam uma aparência agradável e inteligente, além de possuírem habilidades especiais e uma memória excepcional (ACOSTA; PEARL, 2009).
Kanner (1966) diferenciava o distúrbio caracterizado como autístico do grupo das esquizofrenias por acreditar não se tratar de uma doença independente, porém, mais um dos sintomas encontrados na esquizofrenia. Para ele, enquanto a pessoa com esquizofrenia tinha como característica isolar-se do mundo, a pessoa com autismo, diferentemente, em tempo algum conseguiu, ao menos, penetrar nesse mundo.Segundo Kanner (1966, p. 35):
Durante suas pesquisas constatou que muitas das crianças que chegaram até ele eram netos ou filhos de médicos, jornalistas, cientistas e estudiosos diversos que apresentavam uma inteligência superior à média e com certa obsessão no ambiente familiar. Como resultado, em 1955 ele considerou que a conduta dos pais e suas crises de personalidade deveriam ser o fator principal para o desenvolvimento do autismo na criança desde sua vida intrauterina. Segundo ele, a gestação deveria ter sido conturbada ou não aceita, de modo que o feto ficasse sem se relacionar com a mãe, sendo esse fato o desencadeador de sua perda da possibilidade de comunicar-se após o nascimento com quem quer que fosse.
Kanner revisou seu conceito sobre autismo por diversas vezes, mas sempre destacando como características as dificuldades no relacionamento com as pessoas, a obsessão por objetos, o apego à rotina, as alterações no desenvolvimento da linguagem, o mutismo. Salientava que era possível perceber essas particularidades durante os dois primeiros anos de vida da criança. Também chegou a considerar que o autismo poderia ser uma manifestação precoce da esquizofrenia infantil.
Na década de 1950 Kanner enfocou o autismo como sendo uma psicose em razão da ausência de comprovação dos laboratórios pelos exames que foram realizados junto às crianças, contudo, procurou insistir na consolidação conceituai da síndrome. Em 1968 considerou a necessidade de haver um diagnóstico diferenciado com deficientes mentais e afásicos, sugeriu que novas expectativas fossem estudadas por meio da bioquímica e em 1973 ponderou a pertinência da Síndrome do Autismo como parte do quadro das psicoses infantis.
Kanner foi o precursor da descoberta e da construção do conceito de autismo no século XX. Depois dele surgiram vários outros pesquisadores que foram registrando seus estudos e hipóteses sobre a origem da síndrome.
Em 1944, Bruno Bettelheim, psicanalista, formulou sua hipótese sobre o autismo, tal como é comentada por Acosta e Pearl (2009, p. 112):
A criança encontra no isolamento autístico (como os prisioneiros de Dachau) o único recurso possível a uma experiência intolerável do mundo exterior, experiência negativa vivida muito precocemente em sua relação com a mãe e seu ambiente familiar. É por isso que fala de "crianças vítimas de graves perturbações afetivas" (o que por sinal é totalmente verdadeiro para certas crianças que ele acolheu, mas que não eram necessariamente autistas). [...] Bettelheim abriu as portas a teorias extremamente culpabilizantes para os pais, que se viram como a causa primeira do atraso de seus filhos.
Frances Tustin, psicanalista, referia-se aos autistas como "crianças encapsuladas" a partir da hipótese de que o desenvolvimento psicológico teria paralisado em um estágio prematuro da vida do bebê, em razão de um trauma prove¬niente da percepção sobre a separação do corpo da criança do corpo de sua mãe, provocando uma experiência psíquica fantasmática (KLIN, 2006).
Em uma de suas conferências realizadas em Paris, ela destacou a criança autista como uma criança tomada de pânico, apesar de, muitas vezes, parecer passiva e indiferente, evidenciando que a criança autista luta contra suas angústias por meio de asseguramento com o auxílio de formas ou objetos. Enfatizava a importância de uma abordagem educativa para os autistas, referindo-se a Montessori, Rudolf Steiner e Walden, que haviam estabelecido um método educativo para os portadores da síndrome (ACOSTA; PEARL, 2009).
Em seu livro publicado a respeito do autismo, Ritvo (1976) descreveu que existiam déficits cognitivos nessas crianças desde o nascimento e defendeu a possibilidade de haver comorbidade da síndrome com outras patologias específicas, em que o autismo derivaria de uma patologia exclusiva do sistema nervoso central.
Nesse cenário apresentado, surgem dúvidas e contestações sobre a real origem do autismo. Na verdade, não é difícil perceber que até os dias atuais esses questionamentos continuam efervescendo muitos estudiosos e pesquisadores em muitos países.
A psicogenicidade, influenciada pela escola francesa, concebe o autismo como decorrente de uma desorganização da personalidade no quadro das psicoses, ou seja, o autismo estaria relacionado às doenças causadas por transtornos psíquicos, segundo a Classificação Internacional das Doenças Mentais (C3D-9).
Em controvérsia, os estudiosos partidários da visão de organicidade, entendem o autismo como decorrente dos Transtornos Globais de Desenvolvimento das habilidades de comunicação verbal e não verbal e da atividade imaginativa. E identificado por sinais e sintomas comportamentais, conforme a American Psychiatric Association (DSM-III-R, 1989).
O autismo infantil, descrito e assim denominado por Kanner (1966), se caracteriza pela presença de prejuízos significativos nas áreas da interação social, comunicação e comportamento.
Quanto à interação social, observa-se ausência ou dificuldade de iniciá-la ou mantê-la. As trocas recíprocas sobre determinada temática não têm uma fluência sequencial típica. Essa característica pode conduzir erroneamente o avaliador a uma suspeita de transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. A diferença é que este comportamento ocorre no autismo porque a criança encontra-se centrada exclusivamente nos seus interesses pessoais, uma vez que não há gatilho interno para estabelecer interesse e continuidade em temáticas interativas externas.
A dificuldade de entendimento e de obtenção de prazer com base nos tópicos propostos por outros se deve, em grande parte, a uma hiperatenção em um tópico perseverativo que pode estar presente em sua rede neural sem nenhuma correlação com o vigente no momento da tentativa de comunicação interativa.
Quanto às características da comunicação no autismo, destaca-se o uso limitado de comunicação não verbal, como contato visual, expressões faciais, gestos, linguagem corporal. É comum a criança não responder ao chamado pelo nome ou ao gesto de tchau. Ao compreendermos essa característica, é importante, por exemplo, verificar se os conteúdos solicitados em sala de aula foram apreendidos de fato pelo aluno, considerando a possibilidade de este ter entendido que o assunto não eia dirigido para si. As falas de professores orientadas ao grupo como um todo não são muitas vezes entendidas como pertinentes a si, uma vez que generalizações não o envolvem.
Dentre os comportamentos não verbais de comunicação, destaca-se a inabilidade para compartilhar a atenção com outrem, como não acompanhar com o olhar o apontar para um objeto ("Olhe, um pássaro!").
Comportamentos de companheirismo frequentemente apresentam-se empobrecidos. A criança pode ter uma reação agressiva quando tirada da brincadeira individual para atividade coletiva. Atividades de esporte em grupo, por exemplo, podem deixá-la tão embevecida com a bola que, além de gerar a emergência de estímulos frouxamente inibidos no seu desenvolvimento (exemplos: textura, olfato, coloração, incidência da luz) também podem dificultar seu engajamento na sequência das regras do jogo, entre elas o compartilhar da bola.
Há um aparente desinteresse intrínseco pelos outros. As dificuldades de modulação entre input/output/feedback na comunicação podem aumentar o ensinamento e a busca por sua zona de conforto, transparecendo ao grupo a falta de engajamento nas relações interpessoais. Alguns comportamentos, como ficar vagando pelo pátio ou em sala de aula, são reveladores da inabilidade que essas crianças têm em compartilhar experiências sociais ou emocionais com os outros (ACOSTA; PEARL, 2009).
Do mesmo modo, as brincadeiras simbólicas, como o brincar de "faz de conta" encontram-se pouco presentes ou até ausentes. Isso porque o pensar com concretude, a necessidade de ter vivenciado a situação, inúmeras vezes, e a limitada função de imitação dificultam, ou mesmo incapacitam, a habilidade desenvolvimental prioritária para a abstração (TUCHMAN; RAPIN, 2009, p. 58).
Quanto aos comportamentos repetitivos/estereotipados, a dificuldade de inibir o aprendizado básico, de compactar a memorização, faz da repetição um eterno recomeço. A medida que a criança entende que repetir o mesmo assunto tende a acarretar reações de insatisfação nos cuidadores e colegas, ela pode gerar mudanças na apresentação.
Outra característica marcante nos portadores de autismo diz respeito àqueles comportamentos marcados por extrema resistência ou estresse para mudança de rotinas. Entende-se que a busca pela estabilidade remete ao conhecido, ao não ameaçado, e, assim sendo, a mesmice não gera sobressaltos provocados por súbitas oscilações de input sensorial fracamente inibido em seu desenvolvimento. Esse olhar não é o único a tentar explicar a busca da mesmice, mas certamente nos possibilita entender um pouco do que o sujeito com autismo busca, ou seja, não ter sobressaltos com o novo. Mas com isso a criança também não experiência as mudanças que poderiam gerar aprendizado (ACOSTA; PEARL, 2009).
Já o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, os sujeitos recebem esse diagnóstico se apresentarem determinadas, mas não todas, as especialidades do autismo clássico. O seu grau de funcionalidade é comumente moderado a alto.
2.2 SÍNDROME DE ASPERGER
Em 1944, Hans Asperger, um pediatra austríaco com interesse em educação especial, descreveu quatro crianças que tinham dificuldade em se integrar socialmente em grupos. Desconhecendo a descrição de Kanner sobre autismo infantil precoce publicado só um ano antes, Asperger denominou a condição por ele descrita como "psicopatia autística", indicando um transtorno estável de personalidade marcado pelo isolamento social (VEIGA; TORALLES, 2002).
A síndrome de Asperger (SA) constitui uma alteração invasiva do desenvolvimento caracterizada por uma disfunção social e por deficit no foco de interesse e comunicação ocorrendo na presença de inteligência normal. Apesar de ter as habilidades intelectuais preservadas, as crianças apresentaram uma notável pobreza na comunicação não verbal, que envolve tanto gestos como tom afetivo de voz, empatia pobre e uma tendência a intelectualizar as emoções, uma inclinação a ter uma fala prolixa, em monólogo e às vezes incoerente, uma linguagem tendendo ao formalismo (VEIGA; TORALLES, 2002).
Dada à falta de definições diagnosticas até recentemente, não é surpreendente que a prevalência da condição seja desconhecida, ainda que tenha sido relatado um índice de prevalência de 2 a 4 em 10.000 (KLIN, 2006).
Contrastando um pouco com a representação social no autismo, os indivíduos com SA encontram-se socialmente isolados, mas não são usualmente inibidos na presença dos demais. Normalmente, eles abordam os demais, mas de uma forma inapropriada e excêntrica. Por exemplo, podem estabelecer com o interlocutor, geralmente um adulto, uma conversação em monólogo caracterizada por uma linguagem prolixa, pedante, sobre um tópico favorito e geralmente não usual e bem delimitado (KLIN, 2006, p. 9).
Cronicamente frustrados pelos seus repetidos fracassos de envolver outras pessoas e de estabelecer relações de amizade, alguns indivíduos com SA desenvolvem sintomas de transtorno de ansiedade ou de humor que podem requerer tratamento, incluindo medicação. Eles também podem reagir de forma inapropriada ou não compreendei- o valor do contexto da interação afetiva, geralmente transmitindo um sentido de insensibilidade, formalidade ou desconsideração pelas expressões emocionais das demais pessoas (KLIN, 2006).
Alguns autores sugerem que a genética da SA é mais forte do que o autismo. Uma série de estudos descreveu a ocorrência de SA como característica de membros da família, especialmente nos pais e avós. Alguns pesquisadores têm sugerido que a natureza fortemente genética do SA pode ser uma das diferenças desta condição com o autismo.
2.3 SÍNDROME DE RETT
A síndrome de Rett (RS) é um transtorno invasivo do desenvolvimento, registrado em 1966, pelo neurologista pediátrico austríaco Andreas Rett. Essa síndrome ocorre quase exclusivamente em meninas e apresenta um curso tipicamente degenerativo. A mutação específica relacionada com a síndrome de Rett foi identificada em 1999 (VEIGA; TORALLES, 2002).
A mutação do gene MECP2, que se encontra no cromossomo X, pode originar-se como um caso esporádico ou ser proveniente de uma mutação na linhagem germinal. Estima-se que atinja uma em cada 10.000 ou 15.000 meninas, sendo uma das causas mais frequentes de atraso mental nesse gênero (VEIGA; TORALLES, 2002). O diagnóstico clínico baseia-se num perfil típico de regressão do neurodesenvolvimento.
A forma clássica é caracterizada por um período pré-natal e perinatal sem incidentes e por um desenvolvimento psicomotor aparentemente normal nos primeiros seis meses de vida, a que se segue perda de competências já adquiridas. A regressão envolve especificamente as capacidades manipulativas com propósito e comunicativas incluindo a vocalização, assim como a deterioração da interação social e das funções cognitivas. As estereotipias manuais com perda de funcionalidade, intensas e por vezes contínuas, são a marca da síndrome. Durante esse processo, o perímetro cefálico, que é normal ao nascimento, evolui para microcefalia.
3 DISCUSSÃO SOBRE A ESCOLA E PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM TGD
Sabe-se que uma das explicações neurobiológicas para aprendizado é a de que ele se dá durante a aquisição das memórias. Um dos mais importantes pré-requisitos para uma boa aquisição das memórias é a presença de atenção. Segundo Araujo (2004, p. 171):
Todos nós sabemos o quanto as crianças com autismo costumam ser desatentas. Ora, senão há atenção, não há consolidação. Se não há consolidação, não há o que ser evocado. Ou seja, não há aprendizado. A consolidação e também a evocação das memórias são muito influenciadas pelo nível de ansiedade do estudante. Todos nós sabemos que muitas crianças com autismo podem ser ansiosas.
A memória é conceituada como a capacidade que os seres humanos possuem de separar e organizar as informações dos estímulos recebidos. Na aprendizagem, esse processo é de extrema relevância (GODINHO et al. 1999). A memória permite evocar informações passadas, confrontando-as com outras mais recentes. E é dessa associação de informações que resulta a dinâmica das nossas relações sociais e a formação das impressões acerca das outras pessoas.
A teoria da cognição social elucida o modo como o desenvolvimento cognitivo auxilia e possibilita a formação do apego. O interesse pelo meio social nas crianças é evidente desde o nascimento. A criança busca seus parceiros sociais por mecanismos básicos de socialização, como a atenção seletiva para faces sorridentes ou vozes agudas e brincadeiras. O desenvolvimento das habilidades sociais, cognitivas e de comunicação se estabelece a partir dessa troca (ARAUJO, 2004).
Os indivíduos com TGD apresentam alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro, bem como deficit significativo em habilidades sociocognitivas, prejuízos no reconhecimento, entendimento e compartilhamento de suas emoções com os outros. Com base nosconceitos de cognição social, pode-se pensar que os TGD são um transtorno de cognição social (GODINHO et al. 1999).
A inabilidade social é resultante da dificuldade em entender o próprio estado mental, assim como o dos outros. Esse prejuízo parece advir do escasso contato olho a olho e da incapacidade de imitação de outras funções primárias na construção de um cérebro social (MERCADANTE; ROSÁRIO, 2009).
A partir do direito e de experiências que estão acontecendo no Brasil percebe-se em crianças, adolescentes e jovens com TGD uma melhora em seus quadros clínicos quando elas frequentam classes comuns do ensino regular. Diversos trabalhos têm sido publicados nos quais são contadas experiências individuais e pontuais de alunos com TGD em escolas regulares, seja no ensino infantil, seja no ensino fundamental (CARVALHO, 2009).
A educação é a base de toda construção social, intelectual, de interação e crescimento individual. Se a criança for estimulada a descobrir seu potencial desde cedo, as dificuldades deixam de persistir em tudo o que ela faz, ela precisa de novos desafios para aprender a viver cada vez mais com autonomia, e não há lugar melhor do que a escola para que isso se concretize. O acesso de crianças com TGD à rede regular pode promover grandes avanços em seu desenvolvimento nos processos de ensino-aprendizagem, socialização e inserção ao meio social, principalmente quando contamos com profissionais capacitados nas escolas e o auxílio de uma equipe multidisciplinar (CARVALHO, 2009).
A inclusão escolar promove às crianças com TGD oportunidades de convivência com outras crianças da mesma idade, tomando-se um espaço de aprendizagem e desenvolvimento social. Possibilita-se o estímulo de suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo. Acredita-se que as habilidades sociais são passíveis de serem adquiridas pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem social. A oportunidade de interação com pares é a base para o desenvolvimento de qualquer criança (TUCHMAN; RAPIN, 2009).
Embasado nesses conceitos, fica claro que crianças sem dificuldades em seu desenvolvimento fornecem exemplos de interação para crianças com TGD ainda que a compreensão social seja complexa.
Acredita-se que a convivência compartilhada das crianças com TGD na escola possa possibilitar os contatos sociais e favorecer não só o seu desenvolvimento, mas o das outras crianças, na medida em que estas últimas convivam e aprendam com as diferenças. Entretanto, esse processo requer respeito às diferenças de cada criança (MERCADANTE; ROSÁRIO, 2009, p. 102).
Segundo Rossi, Carvalho e Almeida (2007, p. 615):
Em meio às queixas de parca capacitação dos professores e de veículos de informação técnica sobre o autismo, as intervenções educativas que ocorrem nas escolas destinadas a atender a essa clientela revelam-se de forma acrítica e sem teorização, o que determina ser essas práticas examinadas, teorizadas e que o processo e o fruto do trabalho investigativo resultem em produções científicas organizadas e socializadas e na formação de novos pesquisadores na área.
Essas considerações induzem a reflexão sobre a maneira como o TDG desafia a comunidade escolar.
O relacionamento do professor foi analisado em alguns trabalhos. Quando os professores percebiam mais positivamente seu relacionamento com os alunos com TGD, o número de problemas de comportamento dessas crianças era menor, e elas foram mais socialmente incluídas na sala de aula (CARVALHO, 2009). Fica claro que quando o docente consegue trabalhar seus receios, sua falta de conhecimento, e a escola abraça o aluno com TGD como um índividuo que faz parte da escola, o êxito nos procedimentos é expressivo (CARVALHO, 2009).
Bosa (2002), em um estudo exploratório sobre as expectativas dos professores diante da possibilidade de inclusão de alunos com autismo em suas classes, demonstrou que os professores manifestaram uma tendência a centralizar suas preocupações mais em fatores pessoais, como medo e ansiedade perante a sintomatologia do que na criança em si. Além disso, os professores apresentam ideias distorcidas a respeito do autismo, principalmente quanto à capacidade de comunicação.
Serra (2008) verificou os efeitos da inclusão, nos comportamentos de uma criança com autismo, na escola regular. Os resultados mostraram que a inclusão trouxe benefícios para a criança, como a melhora significativa da concentração nas atividades propostas, bom estabelecimento de relacionamentos com os colegas e no comportamento de atender as ordens. Além disso, efeitos positivos na família proporcionaram um maior investimento na aprendizagem da criança e um maior aumento nas suas potencialidades. Outro fator importante observado foram os benefícios que a escola teve a partir da inclusão desse aluno, bem como o ingresso de outras crianças com deficiências na escola, com a equipe passando a estudar teorias que embasam a educação especial nos grupos de formação continuada de professores.
Portanto, o desafio atual encontra-se ligado à escolarização de pessoas com TGD no ensino regular como forma de inclusão educacional e social. O tratamento cede lugar à educação, sendo desenvolvido em ambientes naturalísticos e objetivando não apenas a presença de todos os alunos no mesmo local, mas a sua participação, sua aceitação e sua aprendizagem (MERCADANTE; ROSÁRIO, 2009).
Para oferecer uma boa qualidade nas experiências educacionais das pessoas com TGD no contexto escolar, é imprescindível a aquisição, a apropriação e a integração por parte da escola daqueles conhecimentos outrora situados fora dela. Urge uma integração do conhecimento produzido até hoje pelas diversas áreas para que este seja disponibilizado e compartilhado na inclusão educacional escolar (SCHMIDT, 2013, p.19).
Tais mudanças colocam a instituição escolar como foco central de atenção ao TGD, envolvendo todos aqueles que nela atuam: gestores, equipe, professores e alunos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível verificar que o propósito fundamental neste trabalho, foi atingido, visto que, a legislação brasileira deixa claro o direito à educação e a inclusão dos alunos portadores de TGD no espaço escolar.
Assim, não há como negligenciar a importância da cognição como pré-requisito para qualquer aprendizado, pois crianças com autismo clássico podem ter déficit cognitivo. Resulta então que diferentes crianças, que têm diferentes autismos, aprendem de forma diferente. Os pacientes com Asperger, por exemplo, têm a linguagem preservada, ainda que com alterações na sua forma de se expressar. Já que muita informação necessita ser traduzida em grafemas e fonemas, o problema maior é ensinar aquelas crianças com autismo que não adquiriram a linguagem falada e/ou escrita.
Cada criança é única devendo ser educada de uma maneira distinta. A escola necessita, com base na sua realidade e nas particularidades individuais de cada educando, procurar estratégias para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra com propriedade. A possibilidade que cada educando traz e os desígnios delineados no projeto político-pedagógico de cada escola é que fará com que a educação seja de qualidade para todos. É nesse ambiente que elas podem aprender com outros alunos, praticar a sociabilidade por mais afetada que seja e, finalmente, desempenhar um direito indisponível, o da educação.
A prática urge medidas de transformação do contexto escolar. É preciso que se conheçam melhor conceitos como de cognição, de neurociências, do processo de aprendizado que possam auxiliar os professores com cada aluno no seu dia a dia. Além disso, as práticas devem ser cada vez mais documentadas, pois poucas são as pesquisas que temos ainda quando falamos de inclusão escolar de alunos com TGD.
REFERÊNCIAS
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