O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA
Cristiane Mecabô Slamória1
Erci Fernanda Santana²
Silvana Aparecida Tomazeli³
Claudia Sibele Coelho Fiel4
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo central, debater de maneira conceitual sobre os principais desafios para a implementação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar. De modo que foi possível concluir que tratar das questões étnico-raciais por meio da história e cultura afro-brasileiras é um debate importante e que deve ser encarado como uma necessidade para além do cumprimento do currículo escolar, mas como uma forma de forjar uma sociedade mais tolerante e consciente quanto à participação e importância da cultura e identidade afro para a construção da própria cultura e identidade brasileira. Assim, o principal desafio é elaborar um planejamento escolar em que tais fundamentos deixem de ser apenas teóricos, tornando-se práticos e criando consciência em professores e alunos, refletindo suas formas de tratar tais questões dentro e fora da escola e, portanto, construindo uma sociedade munida de um pensamento renovado e adequado sobre as questões étnico-raciais. A justificativa para a escolha do tema paira sobre sua contemporaneidade, além da expectativa de contribuir para o âmbito acadêmico. O método de pesquisa empreendido segue natureza qualitativa, com pesquisa do tipo bibliográfica.
Palavras-chave: Lei nº 10.639/03; história e cultura afro-brasileira; étnico-racial.
ABSTRACT
This article has as main objective, debate conceptually on the main challenges to the implementation of Law No. 10,639 / 03 in the school curriculum. So it was possible to conclude that deal with ethnic and racial issues through history and african-Brazilian culture is an important debate and it should be seen as a necessity in addition to meeting the school curriculum, but as a way to forge a society more tolerant and aware of the participation and importance of culture and african identity for the construction of their own culture and Brazilian identity. Thus, the main challenge is to develop a school plan that such grounds no longer just theoretical, making it practical and creating awareness among teachers and students, reflecting their ways of dealing with such issues inside and outside the school and, therefore, building a society provided with a new and proper thinking about ethnic and racial issues. The rationale for the choice of subject hovers over its contemporaneity, beyond expectation to contribute to the academic environment. The research method undertaken following qualitative nature, with the bibliographical research.
Keywords: Law 10.639 / 03; history and african-Brazilian culture; ethnic-racial.
INTRODUÇÃO
Quando se traça um diálogo cultural entre realidades diferentes, toma-se como base, desde os primórdios da humanidade, a troca de experiências humanas. Certamente, tal prática também passa a gerar conflitos, o que se torna uma parte indispensável para que haja compreensão e aceitação de culturas heterogêneas. Todavia, a fim de que o processo é fundamentado e tal conflito torna-se praticamente valioso, demandando uma conformação de ideias, isto é, de particularidades de cada grupo que precisam ser consideradas o cerne do tema a fim de culminar em uma convergência entre situações, fazendo com que ambas sejam formas significativas de demonstrar diferenças e instalar-se por meio de um elo com a finalidade de alinhar extremos partindo de pontos de maior convergência ou aproximação.
A integração de culturas será então como seguir um caminho tortuoso, contudo, as barreiras não são intransponíveis. A finalidade nesse caso é tornar notável de maneira social a importância da cultura africana ao longo da formação étnica brasileira é importante no sentido de fomentar na sociedade um pensamento reflexivo quanto à história e a representatividade da influência africana na formação das matrizes étnico-sociais brasileiras. Um exercício social que passou a fazer parte da formação social brasileira de maneira tardia, por conta de, não somente sua ampla extensão territorial, mas, sobretudo, pela persistência de uma indiferença intencional atribuída a essa questão.
A escola então passa a ser entendida como um espaço que propícia a convivência da diversidade, bem como de conflitos, fazendo com que a inserção de tal temática seja importante a fim de fundamentar uma troca de experiências, fase em que se insere o debate sobre a cultura e identidade afro-brasileira em integração ao currículo. Tal prática que tornou-se obrigatória por meio da lei nº 10.639/03, tratando da história e cultura afro-brasileira que, todavia, não deve ser encarada tão somente como uma obrigação ou carga curricular. Mas sim, é preciso encarar que os impactos que a tratativa desse assunto pode trazer à sala de aula é um ponto central para fomentar a consciência de docentes e alunos no debate sobre a questão de maneira embasada, segura, promovendo o respeito à diversidade e conscientização étnico-racial, fazendo com que a cultura e identidade afro-brasileiras sejam reconhecidas como parte importante da própria construção sociocultural do Brasil.
Em vista do cenário supra exposto desenha-se como objetivo central do presente artigo, debater de maneira conceitual sobre os principais desafios para a implementação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar. A fim de traçar um caminho coerente para o desenvolvimento do tema, elencam-se como objetivos específicos: conceituar o ensino de história e cultura afro-brasileira na escola; e, debater sobre os principais desafios para a implementação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar. Sendo assim, a problemática de pesquisa a ser solucionada à finalização desse, paira sobre a questão: quais são os principais desafios para a implementação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar e o que se espera do planejamento escolar com relação a esse tema?
O presente artigo justifica-se, pois pretende contribuir para o âmbito acadêmico oferecendo através da pesquisa em tela uma visão diferenciada acerca do tema, ampliando o material teórico, que poderá ser utilizado a fim de desenvolver estudos e pesquisas posteriores, estimular o aprofundamento sobre o tema, assuntos relacionados e demais vertentes científicas que possam originar-se a partir do interesse por este.
Sobre o método de pesquisa empreendido Lakatos e Marconi (1996, p. 15) definem que “Pesquisar não é apenas procurar a verdade; é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos”, através desta ótica é possível notar que a pesquisa é algo mais amplo do que se imagina em um primeiro momento.
Segundo Santos e Candeloro (2006) existem duas naturezas diferentes para uma pesquisa metodológica, são elas, qualitativa e quantitativa. Sendo assim:
“A pesquisa de natureza qualitativa é aquela que permite que o acadêmico levante dados subjetivos, bem como outros níveis de consciência da população estudada, a partir de depoimentos dos entrevistados, ou seja, informações pertinentes ao universo a ser investigado, que leve em conta a ideia de processo, de visão sistêmica, de significações e de contexto cultural. [...] A pesquisa qualitativa é a que tem o objetivo de mensurar algumas variáveis, transformando os dados alcançados em ilustrações como tabelas, quadros, gráficos ou figuras. [...] Em geral, o instrumento de levantamento de dados mais adequado a este tipo de pesquisa é o questionário, em que questões fechadas correspondem a respostas codificadas”. (SANTOS e CANDELORO, 2006, p.71-72).
Desta forma, a natureza escolhida para a criação deste trabalho é qualitativa, buscando assim, levantar todas as informações teóricas a fim de se chegar à conclusão, utilizando-se de abordagem exploratória através de pesquisa do tipo bibliográfica para colher e avaliar os dados, as pesquisas bibliográficas podem ser através de obras ou artigos científicos. (GIL, 2008).
DESENVOLVIMENTO
O ensino de história e cultura afro-brasileira na escola
Pessanha et al. (2004) explicam que a prática escolar tende a ofertar informações acerca da produção de conhecimento que não são encontradas no âmbito de sua produção no bojo científico ou em demais instâncias sociais. Tal constatação faz com que os estudos sejam direcionados à investigação da história das disciplinas escolares que lida com fontes primárias, tais como os manuais didáticos e cadernos escolares, com inúmeras páginas escritas que são capazes de revelar uma história que ainda não foi relata, tampouco avaliada.
“A palavra disciplina, tal como se conhece hoje, é uma criação recente. Na França, por exemplo, só é registrada após a Primeira Guerra Mundial, mas guarda a ideia de sua origem: disciplinar, ordenar, controlar. A disciplina escolar seria resultado da passagem dos saberes da sociedade por um filtro específico, a tal ponto que, após algum tempo, ela pode não mais guardar relação com o saber de origem. [...] disciplina é o preço que a sociedade paga à cultura para passá-la de uma geração à outra” (p. 58).
Os autores explicam então que o referencial epistemológico deste campo de investigação, reafirma que as disciplinas escolares não são um reflexo, vulgarização ou adaptação simples das ciências referenciais. Ao passo que a história de determinada disciplina desenrola-se, passa por transformações em seu interior, que tendem a dificultar a avaliação de suas relações sociais, fomentando a impressão de que apenas seus fatores internos, ou os que estão relacionados à ciência de referência, seriam os responsáveis por sua história.
Para Pessanha et al. (2004) vale encontrar os principais pontos do processo, considerando suas forças e os interesses sociais que se encontram em jogo na história de algumas disciplinas, podendo lançar uma luz mais intensa sobre os conteúdos e práticas, objetivando, caso seja necessário, modificá-los a fim de suprir novas necessidades, ao invés de simplesmente reproduzi-los como se fossem elementos neutros e independentes.Neste sentido, como interessa a esta pesquisa, Pereira (s/d) afirma que o ensino de história em séries iniciais escolares, passa por uma série de transformações ao longo dos anos, o que passou a acontecer dado momento em que fora desvinculada da disciplina de geografia, tornando-se específica, atribuindo-se de características próprias.
A autora explica que, nas últimas décadas, o ensino de história passou a ser consolidado em suas especificidades. Ao passo que nas séries iniciais, inicialmente, a criança não compreende o sentido da história no contexto temporal, temática esta que se encontra imersa no currículo escolar e precisa ser trabalhada para que os alunos fomentem a noção de temporalidade com a disciplina.
“[...] poucos historiadores interessam-se pelo processo de construção do conhecimento histórico em crianças. Muitos sequer acreditam na possibilidade da criança aprender história nas séries iniciais. Nesta perspectiva o ensino de História nas Séries Iniciais, deve buscar envolver as crianças num sentido de valorização de sua própria história, alicerçando-se assim, para a aquisição de história local e do mundo. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997), um dos objetivos mais relevantes quanto ao ensino de História relaciona-se à questão da identidade” (p. 2).
Pereira (s/d) ainda atrela grande importância aos estudos de história e sua constante pauta na formação da noção de identidade, por meio do estabelecimento de relações entre identidades individuais e coletivas, isto é, sociais. De modo que o ensino da história deve possibilitar que os alunos comprometam-se a partir de suas próprias representações, da época em que vivem, imersos em um grupo e, ao mesmo tempo, resgatando a diversidade e praticando a análise crítica de uma memória que é transmitida.
A autora explica que o estudo de história deve encontrar no professor o elo de ligação entre o conhecimento e o aluno, rompendo com o paradigma de que a história é uma ciência da ‘decoreba’. Deste modo, torna-se necessário que novos modos de ser, sentir e saber o mundo sejam construídas no ensino de história, com vistas ao favorecimento da formação do cidadão a fim de que este assuma suas formas de participação social, política, além de atitudes críticas perante a realidade que o cerca, aprendendo a discernir limites e possibilidades de sua atuação e transformação da realidade histórica em que se insere.
“Deste modo, recorrendo novamente aos PCNs (BRASIL, 1997), os conteúdos para os primeiros ciclos do Ensino Fundamental deverão partir da história do cotidiano da criança, em seu tempo e espaço específicos. Porém incluindo contextos históricos mais amplos, partindo do tempo presente e denunciando a existência de tempos passados, e modos de vida e costumes diferentes dos que conhecemos, sempre os relacionando ao tempo presente e ao que a criança conhece, para que não fique apenas no abstrato” (Id.).
Sousa e Pires (2010) alegam que com a proclamação da República, nos primeiros anos de instauração da mesma, não houveram grandes transformações no ensino da história, o que viera fora apenas uma preocupação mais intrínseca com a questão do civismo. Razão pela qual, neste período crescem notavelmente as biografias como uma forma de exaltar sujeitos exemplares em amor e doação à Pátria, bem como uma forma de concretizar o sentimento cívico brasileiro. Momento ainda cuja história religiosa perde um pouco de seu espaço.
“No entanto, foram as reformas do sistema de ensino nas décadas de 30 e 40 que promoveram a centralização das políticas educacionais e colocaram o ensino de História no centro das propostas de formação da unidade nacional, consolidando-a, definitivamente, como disciplina escolar. A partir desse momento, não mais deixaria de haver programas curriculares estruturados com definição de conteúdo, indicação de prioridades, orientação quanto aos procedimentos didáticos e indicação de livros e manuais” (FONSECA, 1998, apud Id.).
Sousa e Pires (2010) ainda explicam que, na realidade, tratava-se de um projeto de integração do governo de Getúlio Vargas que, dentre outras coisas, tinha o objetivo de centralizar o processo de educação a nível nacional, como uma parte do projeto de minimização de liberdades regionais e fortalecimento da União. Tal processo a história funcionou como um integrador ideológico na concepção dos vínculos nacionais.
Deste modo, os autores acreditam que é preciso ainda dizer que o contexto, influenciado por ideias de integração quanto por novas abordagens históricas, ideias de formação nacional que passam a se fomentar, já que a figurava a obra do europeu branco, tornando-se fruto de uma mistura entre etnias existente no Brasil.Farias Junior (2013) acredita que a reflexão sobre o ensino de história, passa a demandar uma alusão a diversas dimensões do ensino que ultrapassam limites de uma avaliação centrada em propostas curriculares ou políticas públicas em vigor no Brasil desde o momento em que a história figurou como disciplina curricular da educação básica.
“É necessário pensar sobre os métodos de ensino, sobre a relação entre as propostas curriculares federais e estaduais e suas formas de aplicação nas unidades escolares, sobre a avaliação e emprego de materiais didáticos em sala de aula, sobre a organização e seleção dos conteúdos ensinados, sobre os sistemas de avaliação, entre outros aspectos. Trata-se, como se observa, de uma reflexão que extrapola os limites das práticas e dos saberes docentes, porquanto pretende pensar a disciplina sob a ótica dos objetivos da educação básica brasileira em diferentes momentos históricos e sob as concepções de história produzidas pela historiografia” (p. 127).
Farias Junior (2013) ainda explica que as novas propostas metodologias e os programas para o ensino da história na educação básica, apenas desenvolveram-se com mais solidez ao final da década de 1970, momento em que o regime militar passou a ser fortemente contestado e as instituições políticas de repressão foram enfraquecidas.Entretanto, o autor explica que os embates e entraves do governo quanto à elaboração das diretrizes de ensino, tornaram possível que professores elaborassem seus próprios currículos que, por diversas vezes eram copiados de propostas curriculares existentes anteriormente.De qualquer maneira, o processo de redemocratização passou a imputar expectativas renovadas para o ensino de história, especialmente quando novos projetos apresentados tratavam de ansiar por uma história crítica, dinâmica, participativa, minimizando a história linear, mecanicista, etapista, positivista, factual e heróica.
“Trata-se de uma forma de mostrar que os homens fazem a História e são produtores de seu próprio conhecimento histórico. Sob essa ótica, os programas de 1986, em geral, propagavam, com a pretensão de serem inovadores em relação ao ensino tradicional, uma seleção de conteúdos pautados em uma visão de processo histórico que privilegiava as lutas de classe e as transformações estruturais para explicar a História, o que implicava, em muitos deles, clara fundamentação marxista” (FARIAS JUNIOR, 2013, p. 131).
O autor parte então para a década de 1990, cuja retomada da ação do governo federal na formação de currículos escolares, passa a se fazer novamente presente em todos os níveis de ensino, ao passo que as competências que eram desenvolvidas de maneira mais autônoma por governos estaduais, diluíram-se e passaram a responder ao governo federal.À época, as políticas de educação vinham permeadas da formulação dos parâmetros curriculares nacionais, de 1996, que atribuiu à União o papel de formulador das diretrizes para o ensino superior e para a educação básica, em conjunto com estados e municípios.
Tal natureza centralizadora das iniciativas do governo, passaram a se manifestar não apenas na produção e divulgação dos PCN, mas também nos esforços do Ministério da Educação no cumprimento de instrumentos pedagógico presentes nos parâmetros, por meio de avaliações escolares externas, nacionais, como o sistema de avaliação da educação básica, além de critérios para a aprovação de livros de didáticos, como os do programa nacional do livro didático.Tais órgãos que passaram a orientar estratégias de intervenção partindo da proposta pedagógica dos PCN. O que poderia ser também uma das razões para levar os professores a rejeitar os PCN para o ensino médio, que foram divulgados em 1999, quando tal medida governamental foi vista como uma veiculação de pacotes pedagógicos direcionados à escola, porém, distantes da realidade escolar.
Chegando aos anos 2000, Fonseca (2010) explica que no ano de 2003 fora publicada a lei federal nº 10.639, obrigando a inclusão da história e cultura afro-brasileira e africana dentre os conteúdos das disciplinas de artes, história e língua portuguesa do ensino básico.Em 2004, foram aprovadas por parte do conselho nacional de educação, as diretrizes curriculares nacionais para a educação de relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.
“Essas proposições provocaram alterações na Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 ― Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, com o acréscimo de dois artigos referentes ao ensino de História: o “26-A” trata da obrigatoriedade do ensino da História e Cultura da África e Afro-Brasileira, e define “o que ensinar”, “o conteúdo programático”, “resgatando” a importância do estudo da luta dos africanos e afro-brasileiros, da História e da cultura destes povos. O parágrafo 2º estabelece que os conteúdos devem ser objeto de todas as disciplinas, em especial, das disciplinas Educação Artística, Literatura Brasileira e História Brasileira. O artigo 79- B inclui no calendário o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”” (p. 4).
Fonseca (2010) prossegue dizendo que outras questões curriculares, bem como novas necessidades e possibilidades de educação surgiram na reorganização da estrutura e duração do ensino fundamental no Brasil. Como em 2006, quando fora instituída a lei nº 1.274, ampliando para nove anos o ensino fundamental, com matricula obrigatória a partir dos 6 anos de idade.A partir de então entrou à baila o debate sobre novas diretrizes curriculares nacionais, quando em 2010 fora publicado o parecer CNE nº 7, que tratou de reiterar nas diretrizes a configuração da educação básica, com duração de nove anos e organizado em duas etapas.Assim, Fonseca (2010) explica que, se ao ensino da história cabe o papel de educativo, formativo, cultural e político, bem como sua relação com a formação da cidadania passa por distintos espaços de produção de saberes, é fundamental:
“[...] localizarmos no campo da História questões/temas/problemas considerados relevantes para a formação da consciência histórica dos alunos. Isso requer um diálogo crítico com diferentes sujeitos, lugares, saberes e práticas; entre a multiplicidade de culturas, etnias, sociedades. [...] o papel do professor, no caso de História, como um agente ativo, decisivo na seleção e concretização dos conteúdos e dos significados dos currículos. No entanto, o professor não está sozinho frente aos alunos e aos saberes” (p. 5).
Sendo assim, nas interações, entrecruzamento de relações, saberes e práticas em que se formam determinadas culturas, os professores devem ler, interpretar, traduzir, construir e reconstruir as propostas curriculares que são apresentadas, seja por parte das instituições e prescrições administrativas, seja por livros didáticos e outros materiais, seja por demandas da opinião pública, do mercado, das famílias e dos próprios alunos, já que tal exercício é complexo e fomenta um ato político, cultural e pedagógico.Neste novo contexto do ensino de história, que segue a modernização da sociedade e das temáticas que a envolvem, Teixeira (2008) explica que, por conta da modernização de cidades, nota-se uma desvalorização constante e um desconhecimento profundo acerca do patrimônio cultural. De modo que a experiência na disciplina de história, passa a tornar reflexiva a questão sobre as necessidades de investimento sobre uma educação que paire sobre a valorização de tais bens culturais.
Principais desafios da implementação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar
Segundo Silva e Silveira (2013), foi por meio da lei nº 9.394/96 que as Diretrizes e Bases da Educação Nacional foram promulgadas, posteriormente alteradas por meio da lei nº 10.639/03, no sentido de incluir no currículo oficial da rede de ensino, a educação obrigatória da temática história e cultura afro-brasileira, entre demais providencias atreladas ao êxito de tal normalização.Os autores explicam que a criação de tais leis que fomentam a ampliação das culturas afro e indígena no ensino regular, é promover um ambiente de ensino em redes municipais, estaduais e federal, cuja política seja de antirracismo, com a promoção da valorização e do resgate histórico, bem como de contribuições e influências dos povos negro e indígena nos âmbitos sociais, culturais, políticos e econômicos, no Brasil.
Ainda conforme Silva e Silveira (2013) o conjunto de tais orientações busca ainda uma educação calcada na pluralidade étnico-racial, instigando a formação de cidadãos que consigam interagir e negociar direitos legais, valorizando então as identidades étnicas. Tal questão é importante trabalhar, conforme os autores, já que:
“Num sistema de valores que assegura a superioridade européia como valor dominante a igualdade entre todos só pode ser uma ilusão. Se, juridicamente, no período republicano, seria imposto um código de leis para todos, no cotidiano funcionaria algo bem diferente, pois as relações sociais eram fortemente marcadas por diferenças de raça, cor, religião e educação escolar” (p. 29).
Além disso, existem dados muito práticos que demonstram a importância de trabalhar a história e cultura afro-brasileira nas salas de aula, basta uma rápida verificação dos números encontrados na sociedade brasileira em relação à população negra, especialmente quando relacionados à educação formal (BRASIL, 2008). A população brasileira é formada por 92.120.000 de pessoas brancas e 91.231.000 de pessoas negras.
Sobre o acesso à educação, a publicação ainda informa que as pessoas negras são a maioria das que se encontram fora da escola, em todas as faixas de idade. Entre sete e 14 anos são 2,39% de pessoas negras sem acesso à escola, enquanto os brancos sem acesso são de 1%. Entre a faixa de 15 a 17 anos de idade, o percentual de indivíduos negros sem acesso à escola é de 6,02%, o dobro do percentual de brancos na mesma situação, que é de 3,7%. Entre 18 e 24 anos, os negros sem acesso à educação representam 46%, enquanto os brancos ficam no percentual de 39% (BRASIL, 2008).
Os o tempo de estudo da população, a mesma publicação estima que negros com 15 anos ou mais de idade, tinham, em 2006, uma média de 1,7 ano de estudo a menos que os brancos, com o valor de 6,4 anos de estudo no total, enquanto os brancos ficaram com uma média de 8,1 anos de estudo. Sobre a frequência escolar, a publicação aponta que, em 2005, a taxa líquida de matriculas de jovens negros entre 11 e 14 anos era de 68%, sendo que os demais 32% eram desistentes ou pertencentes ao primeiro ciclo do ensino fundamental, causas da repetência (BRASIL, 2008).
Sobre a taxa de escolarização na idade certa, nota-se uma profunda desigualdade no ensino médio e também no superior. No ensino médio, a diferença é tamanha, enquanto as matrículas de brancos ficam em 58,3%, os negros matriculados ocupam o percentual de 37,94%. No ensino superior a diferença entre brancos e negros matriculados é de 12,7%, de modo que a taxa de escolarização na idade certa é de 18,5% de brancos, para 6,1% da população negra. Quanto às taxas de analfabetismo, entre jovens e adultos negros de 15 anos ou mais, 14,6% não lêem ou escrevem, o percentual de indivíduo brancos é de 6,5% (BRASIL, 2008). Sendo assim:
“Os dados indicam que a continuidade das políticas universalistas na educação brasileira deve ser acompanhada de uma preocupação permanente de reconhecer a pluralidade e diversidade da população brasileira de forma a contemplar as especificidades e necessidades dos diferentes grupos étnico-raciais. Assim, a efetivação de um plano nacional para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana pode permitir, a negros e não-negros, novas possibilidades educacionais com base no conhecimento das diferenças socioculturais presentes na formação do país” (BRASIL, 2008, p. 25).
Santana e Alves (2010) empreendem um estudo empírico a fim de descobrir os principais desafios que a escolas enfrentam na implementação da lei nº 10.639/03 no currículo – a pesquisa tem como campo de estudo o estado da Bahia que, a título de curiosidade, é o estado do nordeste que possui a maior proporção de negros em sua população, enquanto a região nordeste é a região brasileira que concentra a maior população negra, com 35,8 milhões de habitantes, desses um percentual de 14,4%, se encontram na Bahia.
Nas entrevistas que realizaram com autoridades da educação nas escolas do estado, os autores descobriram que não existe uma política efetiva que trate de efetivar a implementação da lei nº 10.639/03, sendo que termos como “intencionalidade” e “falta de sistematização” são comumente utilizados como justificativa para o não tratamento das questões afro-brasileiras de maneira concreta. Os autores então expõem que não é mais possível tentar justificar essa ausência com o argumento da falta de equipe que agregue esse trabalho, já que o debate é responsabilidade de todos os indivíduos que formam parte do sistema de ensino. Em suas impressões, os autores elucidam que notaram:
“O que nos parece é que a Educação escolar e todos os seus elementos fundamentais, especialmente educadores e educandos entram numa crise de sentido, pois a presença do componente negro africano neste processo continua sendo relegada, graças aos valores eurocêntricos dominantes e justificadores da desigualdade racial e social quanto ao lugar e imagem do negro na nossa sociedade. A falta de uma ação mais concreta ou o argumento de que os professores não se encontram preparados para lidarem com as questões trazidas pela referida Lei, evidencia, em muitos dos casos, um ideal de escola que se mantêm avessa à diversidade cultural e que pouco problematiza as questões étnico-raciais em nossa sociedade, contribuindo, assim, na manutenção dos lugares sociais de desprestígio para o povo negro e afro-brasileiro” (SANTANA; ALVES, 2010, p. 8).
Em suma, os autores sintetizam que as percepções acerca das tensões e dos principais desafios que pairam sobre a efetivação da lei mencionada no currículo escolar, é justamente a falta de sistematização, o que pode ser resultado de uma falta intrínseca de comprometimento com a mudança, com a melhoria, com a transformação de uma cultura eurocêntrica no cerne de um país cuja diversidade é tamanha, demandando que todas as culturas e identidades sejam igualmente estudadas, conhecidas e respeitadas, forjando uma política de tolerância e respeito.
Santana e Alves (2010) ainda observam que alguns professores notam e atuam, de maneira individual, na busca pela efetivação da lei no currículo, porém, o desafio está longe de ser concluído, enquanto não houver a eliminação de jogos de poder, mudança na cultura social quanto às questões étnico-raciais e, especialmente, uma estruturação na rede e nos profissionais de educação, para que passem a enxergar seu trabalho como a base da formação social mais importante, ao invés de tratar tais questões com uma aparente displicência, para dizer o mínimo.
Silva e Silveira (2013) reconhecem que o advento da lei nº 10.693/03 tenha sido uma evolução importante no combate ao racismo no Brasil e na promoção da valorização da cultura negra, a fim de contribuir para o resgate da cidadania da população negra no país, a implementação da mesma e sua efetivação no currículo escolar ainda é permeada de desafios. Os autores conseguiram elencar cinco principais problemas a serem superados que são observados nesse sentido:
- É decisivo, para o sucesso da implementação da Lei, que a direção da Escola assuma este desafio, disponibilizando material didático, liberando professores para cursos de capacitação e incluindo o tema no Plano Político Pedagógico da Escola. Além disso, é necessário que alguns professores resolvam assumir o tema e o incluam em suas aulas. [...].
- Na maioria das vezes, os professores e professoras mais empenhados em ministrar os conteúdos da Lei 10693 são eles mesmos negros, ou, pelo menos, afro descendentes, e/ou tem afinidades por casamento e pertencimento cultural a instituições afro-brasileiras. [...] ao contrário dos professores e professoras de origem européia, que vêem nestes conteúdos apenas mais um conteúdo – com o qual tem ou não uma empatia qualquer. Sendo assim, percebemos que o pertencimento étnico-racial acaba sendo um fator fundamental a ser considerado para o sucesso dos propósitos da Lei.
- Este pertencimento étnico racial também precisa ser percebido com relação aos alunos. Tanto professores quanto licenciandos têm relatado as seguintes situações com relação aos alunos e alunas no Ensino Fundamental e Médio. As turmas são, majoritariamente, formadas por alunas e alunos brancos de origem européia. [...].
- Os alunos e alunas “de cor” têm dificuldade em se adaptar às suas turmas. Como são muito poucos, percebe-se uma situação na qual eles, muitas vezes, se sentem desambientados. [...].
- Todos os estudantes de Ensino Médio e candidatos ao vestibular da UFPR pelo Programa de cotas raciais já entrevistados nesse período [2008/2010] – em torno de 1000 pessoas – declararam terem sido alvo de piadas de cunho racista na qual cor de pele, cabelo crespo, lábios carnudos e nariz redondo são - permitam a expressão - “denegridos”. A unanimidade desta experiência aponta, mais uma vez, que estamos diante de um padrão cultural difícil de lidar e que precisa ser trabalhado no contexto escolar, propiciado pela Lei 10.639. [...] (SILVA; SILVEIRA, 2013, p. 32).
Os autores então sintetizam, de maneira acertada, que o processo de lidar com padrões culturais tão profundamente arraigados e perpetuados na sociedade não é uma tarefa fácil. Primeiramente, é necessário tomar conhecimento sobre eles, abordar sobre a cultura e identidade brasileira de maneira mais ampla. É preciso também refletir sobre a situação do negro que, há muito – perante estudos científicos – sente-se deslocado do ambiente social no Brasil meridional, é preciso debater sobre a prática de “brincadeiras” e “piadinhas” de conteúdo racial e, especialmente, é preciso discutir sobre a profunda indiferença da população branca – ou não negra, em casos de mestiços que não se consideram negros – perante os desafios que enfrentam as pessoas negras.
“Esta (in)diferença não é exclusiva do Brasil meridional, todavia. Diante de uma evidente branquitude normativa – é normal ser branco – resta, para as pessoas negras e “de cor”, certo desconforto, difícil de ser formulado e percebido pelos “normais”, mas profundamente sentido e (re)ssentido pelos negros” (SILVA; SILVEIRA, 2013, p. 34).
Assim, existe um consenso dos pesquisadores em relação ao fato de que o desafio central para a efetivação e consolidação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar, é o fomento da integração da teoria e da prática. Isso a fim de eliminar esse abismo existente entre o que é apresentado nos livros e o que realmente se prática no cotidiano escolar, uma lacuna tão grande que, muitas vezes, chega mesmo a ser vista como somente uma utopia. O desafio então é complexo, já que se trata de construir uma política de diversidade, de aceitação da diferença e da derrocada de visões predominantes – e dominantes – no mundo (DEL’RÉ, 2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das pesquisas realizadas a fim de compor o presente artigo, foi possível notar que existe uma indubitável importância na implementação da lei nº 10.639/03 no currículo escolar, a fim de representar uma luta do movimento negro no Brasil, que luta por seu espaço e representatividade na sociedade. Ainda que existam desafios e até mesmo dificuldades quanto à implementação da legislação na realidade escolar, certamente o mecanismo é uma conquista importante, abrindo caminhos para a construção de novas relações sociais mais tolerantes e diversas.
O Brasil, embora possua raízes africanas muito diretas e presentes, ainda é um país permeado de preconceitos étnico-raciais, realidade que certamente não será alterada por uma lei, todavia, o importante é romper um silêncio que se perpetuou durante muitos anos, especialmente no ambiente escolar, sobre a representação sociocultural do negro, assim, a lei torna-se um mecanismo primário da mudança, de atitude, de pensamento, de cultura brasileira.
Assim, é preciso encarar que o desafio da implementação da lei vai para além dos muros da escola, parte de uma necessidade de reestruturação do pensamento da sociedade brasileira perante a história e a cultura afro-brasileira. De modo que é necessário então fundamentar um planejamento escolar que consiga integrar teoria e prática das questões étnico-raciais no âmbito escolar, formando na consciência de alunos e professores uma nova mentalidade que será refletida no modo como esses indivíduos tratam as questões fora da escola, forjando assim uma sociedade que pensa além, que encara a cultura afro-brasileira como uma parcela representante e importante da própria cultura brasileira, da própria identidade do país.
Conclui-se o presente artigo com a crença de que tanto objetivo geral quanto específicos foram atendidos, bem como a problemática de pesquisa foi solucionada. Contudo, como não era de intento, o assunto não fora esgotado, fora dado um primeiro e importante passo para o fomento de conhecimento e estímulo para o aprofundamento no tema, que pode ser feito em estudos posteriores, que visem corroborar, refutar ou complementar as constatações obtidas até o momento, o que pode contribuir com uma visão mais sólida e pertinente ao âmbito acadêmico-científico.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação/UNESCO. Contribuições para Implementação da Lei 10.639/2003. Brasil: MEC/MJ/SEPPIR, 2008.
DEL’RÉ, V. S. A naturalização dos educadores frente aos problemas étnico-raciais, a discriminação e a desigualdade racial. In: PINHEL, A. M.; et al. (orgs.). Universidade Federal do Paraná. Pró-Reitoria de Graduação e Educação Profissional. Coordenação de Estudos e Pesquisas Inovadoras na Graduação Cadernos Desafios na implementação da Lei 10.639/03. Curitiba: UFPR, 2013, p. 38-49.
FARIAS JUNIOR, J. P. de. Ensino de História: trajetórias de uma disciplina na educação básica. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences Maringá, v. 35, n. 1, p. 127-134, Jan.-June, 2013.
FONSECA, S. G. A história na educação básica: conteúdos, abordagens e metodologias. Anais do I seminário nacional: currículo em movimento – Perspectivas Atuais Belo Horizonte, novembro de 2010.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 3. Ed. São Paulo: atlas, 1996.
PEREIRA, J. C. C. O ensino de história nas séries iniciais. s/d. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada10/_files/VOvTHqqQ.pdf>. Acesso em: fev. 2016.
PESSANHA, E. C.; et al. Da história das disciplinas escolares à história da cultura escolar: uma trajetória de pesquisa. Revista Brasileira de Educação, Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27.
SANTANA, J. V. J. de; ALVES, J. S. Tensões e desafios para a implantação da lei 10.639/03 no município de Itapetinga – BA. Revista África e Africanidades - Ano 2 - n. 8, fev. 2010.
SANTOS, V. dos.; CANDELORO, R. J. Trabalhos acadêmicos uma orientação para a pesquisa e normas técnicas. Porto Alegre: Editora Age, 2006.
SILVA, A. T.; SILVEIRA, M. S. da. A questão racial no cotidiano escolar. In: PINHEL, A. M.; et al. (orgs.). Universidade Federal do Paraná. Pró-Reitoria de Graduação e Educação Profissional. Coordenação de Estudos e Pesquisas Inovadoras na Graduação Cadernos Desafios na implementação da Lei 10.639/03. Curitiba: UFPR, 2013, p. 21-37.
SOUZA, R. J. de; PIRES, J. R. F. Os desafios do ensino de História no Brasil. Professores em Formação, ISEC/ISED. Nº 1. 2º semestre de 2010.
TEIXEIRA, C. A. R. A educação patrimonial no ensino de história. Biblos, Rio Grande, 22 (1): 199-211, 2008.
11 Possui graduação em Licenciatura Plena em História (UNOESC 2000), Pós Graduada em Ciências Humanas: História e Geografia do Brasil (FIA 2001). Cursando Mestrado Profissional Em Educação no Grupo Educacional Vanguard. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
² Graduada em Pedagogia-União das Faculdades de Alta Floresta – UNIFLOR - Mato grosso-Especialista em Planejamento Educacional-Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO - Rio de Janeiro -Cursando Mestrado Profissional Em Educação no Grupo Educacional Vanguard
³ Graduada em Ciências Biológicas - UNEMAT - Universidade de Mato Grosso - Especialista em Interdisciplinaridade Instituto Cuiabano - Cursando Mestrado Profissional em Educação no Grupo Educacional Vanguard
4 Graduada em Matemática – UNIPLAC – Universidade do Planalto Catarinense (1999),Pós Educação Matemática- UNEMAT- Cursando Mestrado Profissional Em Educação no Grupo Educacional Vanguard