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As contribuições da filosofia para o desenvolvimento crítico da criança

Emília Stefani Vieira de Castro da Silva

Kimberly Eduarda da Motta

 

DOI: 10.5281/zenodo.14787556

 

 

Palavras-chave: Contribuições. Filosofia. Crianças.

 

 

Introdução

 

Na complexidade da sociedade atual, a escola deveria buscar desenvolver valores e hábitos para melhor convivência possível com outras pessoas. Alguns desses valores nos são ensinados desde a educação infantil, enquanto outros adquirimos ao longo de nossas vidas, muitas vezes influenciados por diferentes meios como a mídia e a tecnologia. Logo, é importante que a escola desenvolva capacidades reflexivas e argumentativas para a formação de um adulto íntegro e crítico, capaz de filtrar informações e absorver o que lhe é válido.

Entretanto, poucas instituições educacionais trabalham de forma a desenvolver essas capacidades, não tendo no currículo uma disciplina específica que trabalhe questões cotidianas que permita diálogos e formação de argumentos, por exemplo.

A filosofia como conteúdo curricular do Ensino Fundamental ou Infantil é um tema pouco discutido, mas relevante. Acreditamos que seja viável, falar sobre isso, pois a filosofia apresenta resultados positivos quando aplicada ao ensino das crianças. Dessa forma, este trabalho de conclusão de curso busca apontar quais as contribuições nessa área de formação das crianças e de que forma ela pode ser aplicada à sala de aula.

Segundo o filósofo Matthew Lipman, a Filosofia auxilia para que os educandos se expressem com maior clareza, tenham um melhor desempenho em matemática, e desenvolvam a reflexão. Com a reflexão, aumenta-se a possibilidade de tomar atitudes corretas e positivas, tanto para si, como para a sociedade. Trabalhar com crianças partindo de princípios filosóficos de reflexão, permite que desde cedo elas já caminhem para se tornarem cidadãos críticos.

 

 

Objetivo

 

Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo apresentar como a filosofia contribui para o desenvolvimento crítico da criança, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem, e analisar o desenvolvimento da criança seguindo aplicações de filosofia no seu processo de aprendizagem através de pesquisa bibliográfica.

 

 

Metodologia

 

Foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica, na qual revisamos alguns periódicos do google acadêmico. Demos ênfase em artigos sobre o programa Filosofia para Crianças, criado pelo filósofo americano Matthew Lipman, como uma das bases de dados para a pesquisa. Além da leitura de demais artigos, fichamentos e análise do livro “Educação para o Pensar”, obtido através da biblioteca virtual (Biblioteca "Duse Rüegger Ometto"). Também utilizamos o documentário “Ce n’est qu’un début” ou em português, “É apenas o começo”, no qual foi possível observar na prática a aplicação do nosso tema no contexto da educação infantil.

 

 

Revisão da Literatura/Discussão

 

Ao longo dos anos, a educação teve como base de ensino a abordagem tradicional, na qual o professor é detentor de conhecimento e o aluno apenas observa, copia, memoriza e não desenvolve outras capacidades. Entretanto, mesmo com as novas abordagens de ensino, muitas escolas não estão comumente trabalhando de forma que leve os alunos a uma aprendizagem significativa, integrada a realidade do aluno, como consequência do longo período de ensino tradicional.

Não raras vezes, pensam em que medida é que o que está a ser dito faz ou não algum sentido para a sua vida e, muito provavelmente, serão pouquíssimos os que compreendem a verdadeira natureza dos assuntos em discussão de um modo integrador. A ser assim, não é de admirar que serão incapazes de aplicar suas anotações tomadas em lugar de sala de aula a um problema particular das suas vidas. (LIBÓRIO, 2012, s/n)

A Filosofia como disciplina só se tornou exigência curricular no Ensino Médio, em 2008. Porém, a grande maioria dos estudantes no ensino médio e superior possuem um bloqueio para aprender Filosofia, pois trazem consigo alguns preconceitos como a crença de que filósofos são loucos ou ateus. E esse ocorrido pode ser um reflexo do processo de aprendizagem quando crianças. Portanto, é necessário e é possível que seja desconstruído esse pré conceito e estimular os estudantes a quererem estudar Filosofia. (MOSER e SOCZEK, 2013, p. 172)

Atualmente, existem estudos e programas que trabalham especificamente com temas voltados para a formação crítica do público jovem, conhecimento de mundo, situações cotidianas, como por exemplo, o programa Filosofia para Crianças, criado pelo filósofo americano Matthew Lipman, na década de 1960, partindo de um experimento com uma história que tratava de temas filosóficos e a leitura permitia os alunos a fazerem perguntas sobre o tema, levando-os a filosofar. Para desenvolver o programa, Lipman criou a Pedagogia da Comunidade de Investigação, na qual as crianças participam ativamente através do diálogo com o professor, sobre problemas para debate, questões centrais sobre a existência humana e problemas cotidianos que podem envolver a comunidade. (SOUZA, 2013, p. 14)

A aplicação da Filosofia para o desenvolvimento da criança na escola é um meio para o desenvolvimento do senso crítico, visto que o mundo vive em conflitos, faz-se necessário que hajam questionamentos sobre os fatos. Além disso, com a vasta acessibilidade às tecnologias, surgiu a concepção de crianças como “nativas digitais”, por ficarem horas em frente à TV, no qual a criança não interage, não discute, apenas ouve, sendo uma influência para o não desenvolvimento crítico, aceitando o que é transmitido pela mídia. Não é atrativo pegar um livro, no silêncio, e refletir sobre o que está lendo, ou então, chegar em casa e revisar o conteúdo estudado na escola, os aparelhos eletrônicos são muito mais atrativos, ocupando o maior tempo na vida dos indivíduos. Portanto, é imprescindível que os professores entendam mais sobre o perfil de seus alunos, e levem em conta as novas dinâmicas sociais, de forma a tornar a aprendizagem construtiva e interessante. (MOSER e SOCZEK, 2013, p. 173)

Considerando a Filosofia como exercício do pensamento, problematizando a nossa existência e nossas crenças, pode ser tomada como uma postura, um trabalho constante e inacabado, com o intuito de exercitar o pensar coletivo, para discutir ideias. Uma forma de abrir caminhos para novos pensamentos e ideias é tornar a leitura e a escrita como ferramentas para a prática filosófica, provocando o pensamento, sendo uma forma de transformar o que se pensa. (LERMER e SCHULER, 2018, p. 294 - 295)

Através da filosofia, pode-se desenvolver a autonomia da criança, assim, tornando-se cidadãos reflexivos capazes de participar positivamente de decisões que implicam o bem-estar da sociedade. A filosofia incumbe reflexões, questionamentos, pensamento crítico, buscando explicações e construção de significados. Os materiais de apoio do Programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman, propõe diálogos de investigação com temas sobre valores morais, e que trabalhem em grupos, estimulando o respeito e o entendimento de que todos são iguais em direitos e que os pensamentos de cada indivíduo deve ser levado em conta, caminhando, assim, para o exercício de uma cidadania responsável. (Gonçalves 2006, s/n)

É na infância que a mente está aberta a aprendizados importantíssimos para o prosseguimento da vida, e ainda mais para a formação humana. É importante iniciar um debate sobre este assunto em escolas e academias, pois se o contato com a filosofia for proporcionado aos alunos desde a infância certamente teremos chances de encontrar no mundo pessoas com melhor capacidade reflexiva. (SOUZA, 2013, p. 14)

Segundo o filósofo americano Matthew Lipman (1990, p.9):

 

Filosofia para crianças vem se revelando extremamente eficaz em desenvolver o pensamento crítico de crianças, sugerindo que o raciocínio é tão ou mais básico que as disciplinas assim chamadas. Numerosas avaliações em vários países demonstrando que os alunos que estudam filosofia expressam-se com maior clareza, leem melhor, escrevem melhor, desempenham-se em matemática, pensam mais criativamente, interessam-se mais pelos estudos, questiona mais e adoram fazer filosofia.

 

O documentário Ce n'est qu'un début (2010) - Apenas o começo, em português - apresenta um projeto de Filosofia com crianças do maternal em uma escola da França. Através do diálogo com as crianças de 3 e 4 anos, a professora discute inúmeros temas que fazem parte do nosso cotidiano e os leva a pensar e falar sobre o que pensam. As crianças em contato com essa prática se mostram com opinião própria e debatem entre si, com argumentos e critérios consideráveis, sendo notório a contribuição da Filosofia no desenvolvimento delas.

As ideias da Filosofia para Crianças, também se associam às ideias de Paulo Freire, que propõe um saber significativo e o mais próximo possível com a realidade vivida, fazendo com que toda “situação educacional” produza um conhecimento, como julgamentos inteligentes, novos conceitos, novos significados, e, uma forma eficiente de realizá-la é através do diálogo.

 

O diálogo "aprofunda a tomada de consciência", nos diz Freire. Essa tomada de consciência e consequente aprofundamento não se dariam  isoladamente nos seres humanos e sim, nestes inter-relacionados, quer com a realidade, quer com outros homens. Esse esforço seria sempre social, coletivo. (GIACOMASSI, 2009, p. 4495)

 

Por meio do diálogo, podemos não somente, criar situações problematizadoras, como também aprender a perguntar e “sem perguntas assumidas como próprias não ocorre o esforço real e produtivo pela busca de respostas.” (GIACOMASSI, 2009, p. 4495). Questionando de forma coletiva, a aprendizagem seria mediada pelo diálogo e como antes dito por Lipman, os “diálogos de investigação” seriam colocados em prática.

 

Freire e Lipman creem que toda relação ensino-aprendizagem precisa passar pelo diálogo como forma básica de comunicação. O pensamento construtivista é dialógico, pois é centrado no problema, e também é igualitário, autocorretivo e baseado nos interesses, visões e crenças dos envolvidos. (GIACOMASSI, 2009, p. 4497)

 

A autora Giacomassi (2009), em sua monografia de pós-graduação, descreveu a experiência de uma escola em curitiba que possui em sua grade a disciplina “Iniciação à Filosofia”, que se baseia no programa de Matthew Lipman e as ideias de Paulo Freire, a partir de Temas Geradores e Investigação Filosófica. Os alunos pesquisam os problemas e interesses da comunidade e na sala de aula buscam possíveis soluções, através do diálogo coletivo.

 

Buscando tratar o conhecimento de forma emancipatória, provocamos uma série de discussões entre os educadores da escola, objetivando a construção de uma proposta pedagógica que valorizasse a intersubjetividade e formas dialógicas de interpretação da realidade, com o objetivo de colocar em suspenso as maneiras rotineiras e cristalizadas de conhecer. (GIACOMASSI, 2009, p. 4497)

 

Beserra e Zoia (2012, p.134) também relataram a experiência de duas escolas no estado do Mato Grosso. “No entendimento da escola o ensino de filosofia possibilita à criança no desenvolvimento de uma consciência crítica, reflexiva e sensível em relação a si mesma e à realidade do mundo.” Os professores trabalham com auxílio de apostilas sobre amor, solidariedade, comportamento e promovem o diálogo. Em outra escola a disciplina incluída no currículo é Ética e trabalham com valores, respeitos e convivência e utiliza dinâmicas e recursos pedagógicos como apoio para o desenvolvimento da criatividade e participação dos educandos.

 

Pode-se destacar o papel dos professores em estimular as crianças sobre o pensar crítico e criativo, através do diálogo participativo nas aulas, e também na formação das crianças no exercício da cidadania através dos valores éticos, para tornarem um cidadão consciente. (BESERRA e ZOIA, 2012, p. 138)

 

Além disso, não faz-se necessário que haja uma matéria específica para filosofar. Em todas as coisas há uma imensidão de significados, verdades e descobertas, para se questionar e refletir. Uma sugestão é que seja trabalhado de forma interdisciplinar, sem competir nem impor à outra disciplina sua própria perspectiva, o objetivo é discutir as várias perspectivas, e através do diálogo pode-se chegar à novos aprendizados, que em disciplinas separadas, talvez nunca houvessem sido descobertos. (HERMAN, 2015, p. 222-223)

A prática de filosofar enquanto criança influencia na sua conduta quando for adulto, assim, podendo ser um cidadão capaz de participar positivamente da democracia, procurando compreender e defender o que é melhor para a sociedade. E, são nas discussões e debates que se iniciam as investigações filosóficas, buscando a verdade, através de questionamentos e reflexões. Não se pode perder a essência das crianças que questionam todos os acontecimentos, os “porquês” devem  ser  investigados  e  respondidos,  sem  ignorar  ou  desmerecer tais questionamentos, motivando e estimulando essa prática para que não seja perdida ao longo dos anos.

 

Em algum tempo, as crianças que agora estão na escola serão pais. Se pudermos, de algum modo, preservar o seu senso natural de deslumbramento, sua prontidão em buscar o significado e sua vontade de compreender o porquê de as coisas serem como são, haverá uma esperança de que ao menos essa geração não sirva aos seus próprios filhos como modelo de aceitação passiva. (LIPMAN, OSKANIAN e SHARP apud EVANGELISTA e GOMES, 2003, p. 15)

 

 

Considerações finais

 

Conforme vimos até aqui, a prática da Filosofia com crianças contribui para que os alunos desenvolvam o raciocínio crítico, reflexões sobre os valores e situações cotidianas que causam dúvidas e questionamentos, e que a partir do diálogo e da investigação, possam resolver os problemas. Além disso o ensino da Filosofia desde a infância, auxilia também na educação, exercitando o pensar. Assim sendo, ela contribui na formação de um indivíduo crítico, que questiona, busca argumentos e reflete.

Não somente, o ato de filosofar pode ser aplicado em sala de aula como disciplina específica, num momento reservado para dialogar, refletir e pensar, mas também pode ser apresentada de modo interdisciplinar, em meio a outras disciplinas, em momentos de dúvidas e questionamentos.

Sendo assim, neste trabalho de conclusão de curso baseado em pesquisas bibliográficas, foram apontados os resultados de experiências e práticas da Filosofia com crianças e formas de como desenvolver esse exercício em sala de aula, que só contribuem positivamente para o desenvolvimento crítico da criança, sendo uma proposta relevante à ser trabalhada em sala de aula.

 

 

Referências

 

APENAS O COMEÇO. Direção: Jean - Pierre Pozzi e Pierre Barougier. Produção de Cilvy  Aupin  e  Frédérique  Albrecht.  Youtube,  França,  2010.  Disponível  em:<https://youtu.be/IBRyBckaIkU>. Acesso em: 28 ago. 2020

 

BESERRA, Josélia de Oliveira; ZOIA, Alceu. EDUCAÇÃO PARA O PENSAR: filosofia para as crianças. Revista Eventos Pedagógicos, Sinop, v. 3, n. 3, p. 130-139,         dez.     2012.            Disponível     em: <http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/eventos/article/view/949>. Acesso em: 22 abr. 2020.

 

EVANGELISTA, Francisco; GOMES, Paulo de Tarso (org.). Educação para o pensar. Campinas, SP: Alínea, 2003. 211 p., brochura, 21 cm. ISBN 8575160672.

 

GIACOMASSI, Rejane. Diálogo e investigação filosófica com crianças. 2009. 14 f. Monografia (Especialização) - Curso de Psicopedagogia, Pontifícia Universidade Católica   do        Paraná,            Curitiba,         2009.  Disponível     em: <https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/3318_1707.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2020.

 

GONÇALVES, Daniela. O valor e a utilidade da filosofia para crianças. 2006. 111 f. Tese (Doutorado) - Curso de Filosofia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto,            Ribeirão         Preto, 2006.  Disponível            em:<http://repositorio.esepf.pt/bitstream/20.500.11796/890/2/Cad4_FilosofiaDaniela.pdf> Acesso em: 11 mar. 2020.

 

HERMANN, Nadja. PENSAR ARRISCADO: A relação entre filosofia e educação. Educ. Pesqui., São Paulo , v. 41, n. 1, p. 217-228, Mar. 2015 .     Disponível em<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022015000100217 &lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11 Mar. 2020.

 

LERMEN, Sabrina; SCHULER, Betina. Filosofia com crianças na escola: práticas de leitura, escrita e exercício do pensamento na problematização do tempo. Holos, [s.l.], v. 2, n. 00, p.289-306, 11 jun. 2018. Disponível em: <http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6090>. Acesso em: 11 mar. 2020.

 

LIBÓRIO, Pedro. Filosofia para crianças uma proposta para (re)pensar a educação? 2012. 10 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Estudos da Criança, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2012. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/15567754.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2020.

 

LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. 3. ed. São Paulo, SP: Summus, 1988. 256 p., brochura, 21 cm. ISBN 9788532300607.

 

MOSER, Alvino; SOCKZEK, Daniel. Filosofia para crianças: apontamentos reflexivos. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 2, n. 39, p.         171,    jan/jun.           2013.            Disponível     em: <https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/337>. Acesso em: 25 mar. 2020.

 

SOUZA, Tania Silva de. O ensino de filosofia para crianças na perspectiva de matthew lipman. 2013. 26 f. TCC (Graduação) - Curso de Filosofia, Unesp de Marília,         Marília,           2013.            Disponível     em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/taniasouza.p df>. Acesso em: 11 mar. 2020.