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Alfabetização e Letramento: Um diálogo entre Magda Soares e Paulo Freire na formação de cidadãos críticos

Flávia Michelle Ferreira Oliveira

Antonio Carlos de Lima Oliveira

Karen Joana Gomes Silva Rodrigues

Fabiana Cristina Nobre de Oliveira

Willian Quevedo Tonelli

 

DOI: 10.5281/zenodo.13946216

 

 

Introdução

 

Este trabalho tem como objetivo analisar as concepções de alfabetização e letramento propostas por Magda Soares e Paulo Freire, destacando como essas teorias se complementam na formação de cidadãos críticos e participativos. A partir de uma revisão bibliográfica das principais obras de ambos os autores, buscou-se explorar a alfabetização crítica de Freire, que defende a leitura do mundo como parte fundamental do processo educativo, e o letramento social de Soares, que ressalta a importância do uso da leitura e escrita em contextos práticos e sociais. A análise destaca a complementaridade entre essas abordagens, sugerindo que a alfabetização, para ser completa, deve englobar tanto o domínio técnico do código escrito quanto a capacidade crítica de interpretar e agir sobre a realidade social. A pesquisa reforça a importância de integrar essas teorias na prática pedagógica contemporânea, de modo a promover uma educação que não seja apenas instrucional, mas também emancipadora. Além disso, são propostas recomendações para a reformulação de políticas públicas, com o objetivo de incorporar princípios de alfabetização crítica e letramento, capacitando os alunos a se tornarem agentes transformadores em suas comunidades. Por fim, o trabalho sugere que futuras pesquisas explorem a aplicação dessas ideias em contextos diversos, como na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e no contexto da alfabetização digital, ampliando o alcance das contribuições de Soares e Freire para os desafios educacionais contemporâneos.

 

A alfabetização e o letramento são pilares fundamentais para uma educação transformadora e emancipadora. No Brasil, esses processos ultrapassam a mera aquisição técnica da leitura e escrita, sendo essenciais para formar sujeitos críticos e participativos. Em um país com profundas desigualdades, a alfabetização, associada ao letramento, torna-se desafiadora e requer um exame cuidadoso das teorias que a embasam.

Para este estudo, adotou-se a revisão bibliográfica conforme Lakatos e Marconi (2003). A metodologia baseia-se em uma análise das obras de Magda Soares e Paulo Freire, explorando como suas concepções sobre alfabetização e letramento se complementam. Essa revisão visa identificar pontos de convergência entre a abordagem técnico-conceitual de Soares e a perspectiva crítica e política de Freire.

Magda Soares distingue alfabetização (domínio do sistema alfabético) de letramento (uso social da leitura e escrita), defendendo que ambos são indissociáveis (SOARES, 2003). Paulo Freire, por sua vez, vê a alfabetização como um processo político e de conscientização, inserindo a leitura do mundo no ato de alfabetizar (FREIRE, 1987). Para Freire, alfabetizar é possibilitar ao aluno uma leitura crítica da realidade, rompendo com a passividade tradicional.

Ao combinar essas perspectivas, fica claro que alfabetização e letramento devem ser integrados, permitindo que o ensino da leitura e escrita forme cidadãos críticos e ativos. O objetivo central deste trabalho é analisar como as teorias de Freire e Soares se complementam na construção de uma educação que promova não apenas o domínio do código escrito, mas também o desenvolvimento de uma consciência crítica e socialmente engajada.

O presente estudo espera contribuir para o aprimoramento das práticas pedagógicas, oferecendo uma base teórica sólida para educadores. Propõe-se um modelo pedagógico que integre alfabetização técnica com formação crítica, capacitando os alunos a usar a leitura e escrita como instrumentos de transformação social.

Este estudo é relevante em um contexto de crises sociais e políticas, onde a educação deve desempenhar um papel transformador. Soares e Freire oferecem bases teóricas essenciais para enfrentar desafios como a desinformação e a exclusão educacional. O diálogo entre seus pensamentos proporciona uma prática pedagógica emancipadora, permitindo a formação de cidadãos capazes de ler o mundo e agir de maneira crítica e consciente.

 

 

Referencial Teórico

 

Conceitos de Alfabetização e Letramento em Magda Soares

 

A produção intelectual de Magda Soares, especialmente suas obras Alfabetização e Letramento (2003) e Letramento e Alfabetização: As Muitas Facetas (2004), oferece uma contribuição essencial para o entendimento e desenvolvimento das práticas educacionais no Brasil. Nesses trabalhos, Soares busca distinguir e, ao mesmo tempo, articular dois conceitos fundamentais no campo da educação: alfabetização e letramento. Embora relacionados, esses conceitos possuem implicações diferenciadas no processo de formação dos sujeitos, impactando diretamente o modo como a educação é concebida e implementada nas salas de aula.

Para Soares (2003), a alfabetização refere-se ao domínio técnico do código alfabético, ou seja, o processo de ensino e aprendizagem que permite ao indivíduo ler e escrever a partir do entendimento dos princípios da representação gráfica das palavras. Trata-se, portanto, de um processo de natureza cognitiva e instrumental, cujo objetivo é que o educando adquira a capacidade de decodificar o sistema escrito de uma língua. Em seu conceito, alfabetização está vinculada à instrução formal, geralmente associada aos primeiros anos do ensino escolar.

O letramento, por outro lado, extrapola o domínio da técnica de leitura e escrita, estando relacionado às práticas sociais que envolvem o uso dessas habilidades em diferentes contextos de comunicação e interação social. Conforme Soares (2004), o letramento inclui a utilização prática da linguagem escrita nas esferas públicas e privadas da vida cotidiana, sendo assim uma prática social. Portanto, o letramento envolve tanto a dimensão funcional da leitura e da escrita quanto a capacidade crítica de interpretar e interagir com os textos, situando-se no campo da experiência cultural e comunicacional do indivíduo.

Um ponto central nas obras de Soares é sua defesa da indissociabilidade entre alfabetização e letramento. Para a autora, embora seja possível conceitualmente diferenciá-los, ambos devem ocorrer de maneira integrada no processo educativo. Não se trata apenas de ensinar o aluno a decodificar palavras, mas de capacitá-lo a utilizar essa habilidade para se inserir nas práticas sociais que envolvem a escrita. Nesse sentido, a alfabetização, ao ser desconectada das práticas de letramento, corre o risco de ser limitada a uma atividade mecânica, desprovida de significado social e cultural.

Ao abordar essa indissociabilidade, Soares (2004) argumenta que a alfabetização só será plena se estiver imersa no contexto do letramento, uma vez que esse processo é o que possibilita ao indivíduo o uso efetivo da leitura e escrita em sua vida cotidiana e no exercício da cidadania. Essa visão impacta diretamente a formação de sujeitos críticos, pois o letramento crítico permite que o aluno não apenas compreenda e use o sistema escrito, mas também participe ativamente da construção e interpretação de sentidos dentro de seu meio social. Essa abordagem defende que, ao alfabetizar, a escola deve também letrar, integrando os processos de aprendizado do código escrito com a capacidade de agir de forma crítica no mundo letrado.

Portanto, a articulação entre alfabetização e letramento, tal como proposta por Soares, torna-se fundamental para uma educação que visa à formação de cidadãos autônomos e críticos, preparados não apenas para decodificar textos, mas para ler e interpretar o mundo por meio das diversas práticas sociais da escrita. Dessa forma, ao ampliar o conceito de alfabetização, incorporando o letramento, Soares redefine o papel da educação no processo de transformação social e cultural, apontando para a necessidade de uma prática pedagógica que promova a inclusão e a emancipação dos sujeitos educados.

 

 

Diálogo entre Soares e Freire

 

O diálogo entre as concepções de Magda Soares e Paulo Freire revela-se profícuo para a construção de uma prática pedagógica que vise à formação de sujeitos críticos e socialmente engajados. Embora as abordagens desses dois pensadores se desenvolvam em contextos teóricos distintos, há paralelos importantes que podem ser traçados entre suas visões sobre alfabetização e letramento, sobretudo no que tange ao papel social e político desses processos.

Enquanto Magda Soares concentra-se na dimensão social do letramento, entendendo-o como o uso prático da leitura e escrita nas esferas de convivência social, Paulo Freire enfatiza a leitura crítica do mundo, que antecede a leitura da palavra e está intrinsecamente ligada à conscientização dos oprimidos sobre sua realidade social e histórica. Soares (2003) propõe que o letramento envolve não apenas a capacidade de ler e escrever, mas o uso dessas habilidades em contextos concretos, possibilitando que o sujeito participe das práticas sociais que requerem o domínio da escrita. Por outro lado, Freire (1987) amplia esse entendimento ao argumentar que o ato de ler o mundo é o ponto de partida para que o educando se reconheça como sujeito ativo, capaz de intervir em sua realidade.

O ponto de convergência entre ambos está na percepção de que a alfabetização não pode ser limitada ao domínio técnico do código escrito. Freire, ao propor sua alfabetização crítica, complementa a abordagem de Soares ao reforçar que o letramento não é apenas um fim funcional, mas um meio para a conscientização e emancipação. O conceito de letramento em Soares, que enfatiza o uso social da leitura e escrita, dialoga diretamente com a proposta freiriana de que a alfabetização deve servir como ferramenta de libertação. Para Freire (1987), o processo de alfabetização crítica não se restringe à decodificação da escrita, mas envolve a leitura das relações de poder e de opressão que permeiam a sociedade. Assim, pode-se afirmar que a alfabetização crítica de Freire complementa o letramento de Soares ao inserir a prática social da leitura e escrita em um contexto de luta e conscientização política.

Um aspecto central para ambos os autores é o papel do educador. Soares e Freire convergem na visão de que o professor não pode ser apenas um transmissor de conhecimento, mas deve atuar como mediador entre o aluno e o mundo. No contexto do letramento, conforme Soares (2004), o professor deve proporcionar aos alunos oportunidades de usar a leitura e a escrita em situações significativas, que envolvam a participação ativa do sujeito nas práticas sociais que demandam o uso da língua escrita. Da mesma forma, Freire (1987) defende que o educador deve criar condições para que o educando desenvolva uma leitura crítica do mundo, promovendo o diálogo e a problematização da realidade. Nesse sentido, o papel do educador, para ambos os autores, transcende a mera instrução técnica e envolve a formação de sujeitos críticos e conscientes.

A mediação pedagógica, no entanto, deve ser compreendida como um processo dialógico. Para Freire (1987), o educador e o educando são co-construtores do conhecimento, e o ensino não pode ser imposto, mas sim construído em conjunto por meio do diálogo e da reflexão crítica sobre a realidade. Nesse aspecto, a pedagogia dialógica de Freire complementa a prática do letramento de Soares, pois ambos defendem que o conhecimento se dá na interação entre sujeito e mundo. O educador, portanto, deve possibilitar que o aluno não apenas aprenda a ler e escrever, mas também compreenda os contextos sociais, políticos e culturais nos quais essa prática se insere, transformando-se em agente de mudança.

A partir do que foi desenvolvido, compreende-se que, a articulação entre o letramento de Soares e a alfabetização crítica de Freire oferece um caminho pedagógico voltado para a transformação social, no qual o ato de ensinar a ler e escrever está intrinsecamente ligado à formação de sujeitos críticos. O educador, nesse contexto, atua como facilitador de processos que integram a capacidade técnica com a prática crítica, permitindo que os educandos se apropriem da linguagem escrita de forma consciente e socialmente engajada.

A análise das concepções de alfabetização e letramento em Magda Soares e Paulo Freire revela uma complementaridade significativa entre seus pensamentos. Enquanto Soares destaca o letramento como prática social e defende a indissociabilidade entre alfabetização e o uso da escrita em contextos concretos, Freire enfatiza a alfabetização crítica, que transcende o domínio técnico e promove a leitura crítica do mundo. Ambos autores compartilham a visão de que o processo educativo não deve ser limitado à mera decodificação do código escrito, mas deve, sobretudo, capacitar os educandos a refletirem criticamente sobre suas realidades e a agirem sobre elas. A combinação dessas teorias resulta em uma pedagogia que visa à formação de sujeitos críticos e socialmente conscientes, ampliando o escopo da alfabetização para além do domínio da língua escrita, integrando-a à transformação social.

Dessa forma, é crucial integrar as teorias de Freire e Soares na prática educativa contemporânea. Essa integração permite que o processo de ensino e aprendizagem se torne não apenas uma via para o desenvolvimento técnico, mas também uma ferramenta para a construção de uma cidadania ativa e transformadora. Na medida em que a alfabetização crítica de Freire oferece uma abordagem emancipadora, o letramento social de Soares complementa esse processo, fornecendo aos educandos os instrumentos necessários para navegar no mundo letrado, participando das práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Tal abordagem é fundamental para que a educação desempenhe seu papel como prática da liberdade, como preconizado por Freire.

Com base nas teorias de Soares e Freire, é recomendável que as práticas pedagógicas sejam desenvolvidas com um enfoque que integre a alfabetização crítica e o letramento social. Os educadores devem ser incentivados a promover, em suas salas de aula, uma educação que ultrapasse o ensino técnico, incorporando atividades que relacionem a leitura e a escrita com as realidades sociais dos alunos. As práticas pedagógicas precisam oferecer aos estudantes a oportunidade de ler criticamente o mundo, ao mesmo tempo em que utilizam a escrita de forma ativa em contextos reais, promovendo assim uma compreensão mais profunda e crítica da sociedade.

Além disso, sugere-se que as políticas educacionais sejam reformuladas para integrar de maneira mais ampla as propostas de Freire e Soares. As políticas de alfabetização no Brasil devem incluir, em seus fundamentos, a formação crítica e social dos alunos, estimulando a participação ativa e o engajamento com o mundo letrado. Isso implica em repensar currículos, promover formações continuadas para os professores e garantir que os programas educacionais estejam alinhados com uma visão mais crítica e emancipadora da alfabetização.

Futuras pesquisas podem se concentrar em explorar a implementação prática das ideias de Freire e Soares em contextos variados. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa um campo frutífero para a aplicação dessas teorias, dado que muitos desses estudantes têm trajetórias de vida marcadas pela exclusão social e educacional, tornando a alfabetização crítica e o letramento social ainda mais urgentes. Além disso, outro campo a ser explorado é o contexto da alfabetização digital, considerando o impacto crescente das tecnologias na educação. A aplicação dos princípios freirianos de conscientização e das práticas de letramento de Soares pode oferecer ferramentas essenciais para que os estudantes adquiram uma leitura crítica do mundo digital.

Em suma, a combinação das teorias de Freire e Soares proporciona um caminho promissor para a criação de práticas pedagógicas que não apenas ensinam a ler e escrever, mas formam cidadãos conscientes de seu papel na sociedade, capacitados a agir sobre suas realidades e a promover transformações sociais.

 

 

Referências

 

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