O uso de histórias em quadrinhos na Educação Infantil
Enevania Aparecida Reducino Sgobbi
DOI: 10.5281/zenodo.13518392
RESUMO
Este estudo aborda o uso das histórias em quadrinhos na Educação Infantil, embora possam ser desprezadas na esfera educacional por sua grande quantidade de ilustrações e linguagem coloquial. O objetivo geral deste estudo de teor qualitativo bibliográfico é investigar a relevância das histórias em quadrinhos para o desenvolvimento das crianças na Educação Infantil, enquanto que os objetivos específicos são identificar o percurso histórico, as leis e os estudos referentes às histórias em quadrinhos.
Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Leitura. Educação Infantil .
Introdução
As histórias em quadrinhos costumam ser interpretadas como mera fonte informal de entretenimento. Embora divertidas, seja por sua grande quantidade de ilustrações, seja pela linguagem usualmente coloquial, podem ser preconceituosamente desprezadas no âmbito educacional.
O objetivo geral deste trabalho é investigar a relevância das histórias em quadrinhos para o desenvolvimento das crianças na Educação Infantil. Os objetivos específicos são identificar o percurso histórico, as leis e o teor dos estudos sobre as histórias em quadrinhos.
Questiona-se a relevância das histórias em quadrinhos no processo de ensino e aprendizagem na Educação Infantil.
A metodologia usada é de pesquisa qualitativa bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. [...] A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.”(GIL, 2008, p.50)
Assim, a pesquisa bibliográfica fornece o respaldo de material previamente existente e possibilita uma pesquisa extensa.
Desenvolvimento
Para que seja investigada a relevância das histórias em quadrinhos no desenvolvimento das crianças na Educação Infantil é significativo conhecer como pode se manifestar a sua presença no ambiente escolar, abordando seu uso pelo docente e alunos, assim como os resultados que podem ser atingidos. Mas antes, é importante investigar a trajetória das histórias em quadrinhos desde o seu início, bem como as leis e os estudos acerca das mesmas.
A história das historias em quadrinhos
O surgimento das histórias em quadrinhos aconteceu no século XIX, com a produção de autores variados, inclusive de Rudolph Töpffer, considerado o pai dos quadrinhos modernos, porque apresentou, segundo McCloud (1995, p.17 apud ALVES; FERREIRA; SOUZA, 2020, p.603) “a primeira relação interdependente de palavras e figuras na Europa.” O escritor suíço em questão publicou as Histoires em Estampes (1846-47) (FOOHS; CORRÊA; TOLEDO, 2021).
Em outubro de 1896 Richard Fenton Outcault publicou uma ilustração diferenciada, a fala de uma personagem da série de humor The Yellow Kid (PAIVA, 2013 apud ALVES; FERREIRA; SOUZA, 2020), escrita dentro do desenho, em discurso direto, ao invés de surgir em forma de legenda e em discurso indireto, iniciando, efetivamente, a disposição das histórias em quadrinhos como são conhecidas na atualidade (BRAGA; PATATI, 2006 apud ALVES; FERREIRA; SOUZA, 2020).
Foohs, Correa e Toledo (2021) destacam a importância de Agostine:
Dentre os autores que publicaram suas HQs antes de Outcault, está Angelo Agostini, italiano radicado no Brasil. Ele publicou no dia 30 de janeiro de 1869, 27 anos antes de Outcault, histórias com seu personagem Nhô Quim no jornal Vida Fluminense. Intituladas de As Aventuras de Nhô Quim, essas histórias chamaram tanto a atenção que fizeram do dia 30 de janeiro o Dia Nacional dos Quadrinhos no Brasil.
Silva (2023) complementa que, ainda em 1896, surgiram os quadrinhos com balões como conhecemos hoje, com Os sobrinhos do Capitão, criação de Rodolfh Dirks. Seguindo esta metodologia apareceram heróis protagonistas como Tarzan (1914), de Edgar R. Burroughs, bem como no gênero ficção científica o herói Flash Gordon (1934), de Alexander Raymond, e no passado medieval o Príncipe Valente(1937), de Harold Foster.
Gomes (2022) lembra que os Estados Unidos podem receber o crédito como o país do desenvolvimento da linguagem das tiras cômicas desde meados do século XIX, ao ponto de um crítico cultural apontar as mesmas, já nos anos 1920, como um das sete artes vigorosas do século XX, e também de terem consolidado o gênero narrativo super-heroico com, Superman, seu personagem mais importante. Já a escola franco-belga de desenho possibilitou o estabelecimento de uma linguagem expressiva e detalhada , resumida na expressão ligne claire, e que tem como marco essencial a série Tintin, de Hergé. No Brasil, o verdadeiro ponto de partida da literatura em quadrinhos, no entanto, foi a revista dedicada às crianças denominada O Tico-Tico, cujo primeiro número foi publicado em 11 de outubro de 1905, pela empresa de publicações jornalísticas O Malho. Seus criadores foram Renato de Castro e Manuel Bonfim. O nome da revista foi inspirado na Escola Migalhas do Saber conhecida como Escola Tico Tico, um jardim de infância. A editora S. A. O Malho publicou a revista especialmente para crianças, após sucessos alcançados por publicações similares na Europa, França, Inglaterra e Estados Unidos (SILVA, 2023).
O jornal O Globo de Roberto Marinho, lança o Globo Juvenil, logo depois da criação do Suplemento Juvenil, com a publicação de Lil’Abner (conhecido como Ferdinando), Brucutu, Zé Mulambo e Don Dixon , dentre outros. Na sequência O Globo lança o Gibi que na década de 40 passa a ser publicado mensalmente no tipo comic books, com as aventuras de Capitão Marvel, Príncipe Submarino eTocha Humana. O termo Gibi passa a ser dirigido a toda revista em quadrinhos. Gibi, aliás, significa moleque negrinho, em referência aos meninos que vendiam os jornais com as histórias em quadrinhos (SILVA, 2023).
Da década de 60 em diante, as produções brasileiras ganharam grandes personagens como as criações de Ziraldo,O Pererê e O Menino Maluquinho, além de Bidu, Cebolinha, Piteco, e enfim a Turma da Mônica, do desenhista Mauricio de Souza (SILVA, 2023).
A legislação educacional e as histórias em quadrinhos
De acordo com o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI) a literatura é uma ferramenta no processo de aprendizagem e desenvolvimento, de modo que a prática docente deve ser organizada para a promoção do interesse discente pela leitura de histórias e a familiaridade dos alunos com livros, revistas e até mesmo histórias em quadrinhos (BRASIL, 1998 apud SILVA et al., 2021).
“Atualmente, o uso das histórias em quadrinhos na educação brasileira é estimulado pela Base Nacional Comum Curricular – BNCC [...]” (BRASIL, 2017, p. 50 apud FOOHS; CORRÊA; TOLEDO, 2021, p.82). Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil referem-se, a partir da faixa etária dos bebês, a conhecer e manipular gibis e a escutar textos do gênero quadrinhos (BRASIL, 2017).
Os estudos sobre as histórias em quadrinhos
Tem havido um notável crescimento dos estudos acadêmicos sobre histórias em quadrinhos (HQs) ao longo dos últimos anos. Essa constatação é ratificada pelas introduções de boa parte dos diversos livros lançados há pouco tempo. Porém, a grande novidade é o estabelecimento de um efetivo campo de estudos dedicado às HQs, conhecido pela expressão de língua inglesa comics studies no mundo anglo-saxão. É uma área bastante diversificada, por permitir o diálogo crítico entre estudiosos independentes e pesquisadores bem estabelecidos na academia, além de disciplinas como história, estudos de mídia, artes visuais, filosofia e teoria literária, por exemplo e, ainda, revistas e editoras acadêmicas consagradas , abrindo cada vez mais espaço para artigos oriundos de pesquisas ao redor das HQs, ao lado de uma série de periódicos acadêmicos dedicados unicamenteà pesquisa sobre HQs, como ImageText, Comicalités, Scandinavian Journal of Comic Art, International Journal of Comic Art, European Journal of Comic Art, Comics Grid e Journal of Graphic Novels and Comics. Consequentemente, são muitos os livros e coletâneas que partem de problemáticas tão distintas como memória, identidades, cotidiano e linguagem a partir das HQs, reconhecendo-as enquanto espaço privilegiado para se discutir tais temas. Há o interesse, concomitantemente, na consolidação do campo de estudos sobre HQs por intermédio da preparação de obras de referências, com destaque para uma série de readers contendo artigos essenciais para a teoria e a história das HQs. Em comum, assumem as HQs como agentes sociais os quais, através de formas bastante específicas de narrar graficamente, introduzem questões fundamentais a respeito de temas como diferenças sociais e identitárias (GOMES, 2022).
Acerca das pesquisas que analisam as relações entre HQs e América Latina, observa-se o esforço da tentativa em acompanhar a reflexão acadêmica que se desenvolveu recentemente em torno das HQs. O desafio passa por articular uma tradição de pesquisas locais sobre HQs às tendências e avanços observados na bibliografia, escapando da lógica do entusiasta e do fã para uma leitura mais crítica acerca do papel das HQs para possibilitar uma leitura própria sobre a América Latina. Gomes (2022) se surpreende com o contato modesto de obras publicadas nos anos 1960 e 1970 por nomes como Moacy Cirne e Álvaro de Moya, no Brasil, e Oscar Masotta e Oscar Steimberg na Argentina , a título de exemplificação (GOMES, 2022).
Moraes e Araújo (2022) realizaram um trabalho de pesquisa qualitativa descritiva sobre os artigos científicos contidos na base de dados Scielo Brasil no período de 1997 a 2020, em busca baseada nas palavras-chave histórias em quadrinhos. Eles identificaram áreas de conhecimento na pesquisa que revelaram a diversidade contida nos estudos desenvolvidos e analisados das histórias em quadrinhos, como a Administração e Saúde, dentre outras. Isso atesta o quanto é possível utilizar essa linguagem em contextos e lugares diferentes, contribuindo para a produção de conhecimento sobre o ensino e práticas pedagógicas desenvolvidas desde a educação básica até a universidade a partir das HQs.
As histórias em quadrinhos na escola
As histórias em quadrinhos no ambiente escolar são um excelente instrumento de trabalho na Educação Infantil em rodas de leituras e contação de história por serem muito ricas em imagens, proporcionando diversão tanto para o leitor quanto para o ouvinte (SILVA et al., 2021). E a criança também pode entrar em contato individualmente com as histórias em quadrinhos, informalmente, na sala de aula.
Ademais, quando bem utilizados, a linguagem e os elementos contidos nos quadrinhos podem ser aliados do ensino, pois o texto juntamente com a imagem colabora na compreensão dos conceitos que, se estivessem relacionados somente com as palavras , ficariam abstratos (SANTOS, 2001 apud SILVA et al., 2021). Logo, a utilização das histórias em quadrinhos pode iniciar a criança no caminho para a consolidação do exercício da leitura e do prazer de ler (SILVA et al., 2021).
Silva (2023) lembra que a literatura quadrinizada tornou-se um grande investimento cultural e a combinação de texto e imagem desperta o interesse pela leitura, especialmente em crianças. Entretanto, esse tipo de literatura fora muito criticada nas décadas passadas, pois julgava-se prejudicial à cognição infantil, por instigar a falta de leitura clássica e produtiva. Hoje, porém, os críticos de literatura salientam que as crianças que têm contato com quadrinhos apresentam facilidade na alfabetização e pouca resistência à leitura de outros tipos de literatura. De acordo com o autor e pesquisador de HQ, Flavio Calazans “ uma produção quadrinizada bem pesquisada, séria e detalhada, torna-se tão ou mais útil que um filme ou documentário” (SILVA, 2023, p.89).
Gradativamente, os quadrinhos vêm ganhando espaço na educação, contribuindo no processo de ensino e aprendizagem discente. No entanto, de acordo com Bettio, Lopes e Marinho (2018 apud MORAES; ARAÚJO, 2022), o domínio da tecnologia, hodiernamente, afetou um pouco o interesse pela leitura dos alunos mais novos. Em consequência disso, é preciso estimular esse grupo ao hábito da leitura, a fim de que tenham condições de desenvolverem habilidades com a leitura e escrita; ademais, devem ser enfatizadas práticas educativas direcionadas para as realidades dessa faixa etária, posto que levar para sala de aula algo que atrai as crianças, pode motivá-las para aspectos referentes a leitura na escola. Dito isso, o contato com as HQs como forma de leitura pode proporcionar ao estudante a execução de um trabalho criativo, expressivo e artístico, significativo para o desenvolvimento de sua criatividade e imaginação (MORAES; ARAÚJO, 2022).
O docente deve aproveitar sua presença na sala de aula para observar quando agir para impulsionar os seus alunos em relação a leitura. Por intermédio das “[...] imagens as crianças criam diferentes situações e tentam mostrar aos alunos que já sabem ler, assim chamando a atenção de quem está por perto.” (SILVA et al., 2021, p.13). Em momentos desse tipo é preciso estimular e incentivar o interesse discente pela leitura.
O professor precisa deixar a criança confortável no meio em que se encontra, de modo que ela sinta-se não apenas uma ouvinte, mas também uma leitora. Uma sugestão interessante é deixar os gibis expostos e ao alcance delas, instigando-as, movidas pela curiosidade, a saberem o que são, para que servem e como podem ser lidos. Inicialmente, as crianças se concentrarão nas imagens e, gradativamente, despertarão para a leitura (SILVA et al., 2021).
Silva (2023) ensina que as histórias em quadrinhos podem ser usadas pelo docente como ferramentas de aprendizagem de múltiplas disciplinas:
A utilização das HQs como ferramenta da aprendizagem, possibilita um universo de multidisciplinaridade no processo de ensino e avaliação. A leitura da imagem associada ao texto e contexto do que se pretende mediar como conhecimento tem se mostrado eficaz na sala de aula (SILVA, 2023, p.93).
Assim, a título de exemplificação, o professor pode abordar, com as personagens da Turma da Mônica, várias questões, desde abordagens geográficas, como regionalismo, zona urbana, zona rural, pois alguns personagens moram na cidade, outros no campo e até em matas, até questões políticas e sociais, bem como a higiene e saúde, facilmente discutidas com o personagem Cascão (SILVA, 2023).
Conclusão
A relevância das histórias em quadrinhos para o desenvolvimento das crianças na Educação Infantil é comprovadamente real. Elas divertem o leitor e o ouvinte, a combinação do texto e imagem auxiliam na compreensão dos conceitos ao mesmo tempo em que desperta o interesse pela leitura, além de facilitar a alfabetização e a aceitação da leitura de outros tipos de literatura. Ademais, o contato com as histórias em quadrinhos pode proporcionar o desenvolvimento da criatividade e imaginação infantil. Mesmo que a criança ainda não saiba ler, pode criar diversas situações com as imagens e, aos poucos, despertará para o processo de ler. Além de tudo isso, as histórias em quadrinhos podem ser usadas como ferramentas de aprendizagem multimídia disciplinar.
O percurso histórico das histórias em quadrinhos abrange o seu surgimento no século XIX, em solo europueu, com a primeira relação interdependente de palavras e figuras, passando pela fala pioneira de uma personagem escrita dentro do desenho, em discurso direto, até o surgimento dos quadrinhos com balões como são conhecidos na atualidade. Em suas duas versões, desde meados do século XIX, sejam como tiras cômicas, sejam como gibis, as HQs têm conquistado espaço, estando presentes na legislação educacional, como, por exemplo, no Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil e na Base nacional Comum Curricular e constando de estudos acadêmicos expressivos.
Referências
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