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Educação Intercultural: Educação indígena na atualidade

Rosângela Gomes Moreira

 

DOI: 10.5281/zenodo.11457321

 

 

Atualmente as discussões com relação à interculturalidade tem aumentado significativamente, muito se tem falado sobre as igualdades e diferenças, educação intercultural e cultura, pois a sociedade da qual fazemos parte é formada por grupos socioculturais diversos. Mas o que queremos de fato dizer, quando nos referimos a interculturalidade?

 

Interculturalidade significa um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade; Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença; Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados; Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade; Uma meta a alcançar. (WALSH, 2001, p.10-11).

 

A interculturalidade atual vigente é completamente distinta do conceito de interculturalidade trazida pela autora citada, pois tal concepção ainda se dá numa visão totalmente funcional, voltada para atender ao sistema capitalista dominante que continua inferiorizando e desumanizando, mantendo a colonialidade do poder na contemporaneidade, promovendo uma política de universalização e homogeneização, sem levar em consideração as diferenças culturais. Para que efetivamente haja mudanças é necessário trabalhar num processo de interculturalidade crítica. Mas o que propõe a interculturalidade crítica?

 

A interculturalidade crítica aponta, pois, para um projeto necessariamente decolonial. Pretende entender e enfrentar a matriz colonial do poder, que articulou historicamente a ideia de “raça” como instrumento de classificação e controle social com o desenvolvimento do capitalismo mundial (moderno, colonial, eurocêntrico), que se iniciou como parte da constituição histórica da América. (FLEURI, 2014, p.92).

 

É com essa interculturalidade que necessitamos trabalhar, propondo uma decolonialidade do saber, desconstruindo a ideia de “raças inferiores”, tão impregnadas pelo poder colonial, valorizando e reconhecendo a importância do encontro entre saberes e culturas diferentes, isso requer muito mais que tolerância e respeito, requer acima de tudo, uma integração sem que se anule a diversidade. Eliminando o pensamento racista e preconceituoso de que uma cultura é superior à outra. Romper com esse sistema capitalista que propõe a homogeneização das classes consideradas “inferiores”, onde a sociedade se divide em classes dominantes e classes subordinadas.

 

 

Desafios da educação na sociedade multicultural

 

O fato de termos uma sociedade multicultural, não significa que vivemos em harmonia com as diferenças, pelo contrário, vivemos em tempos conflituosos onde as diferenças são questionadas, não aceitas, desrespeitadas e desvalorizadas. Fala-se tanto em garantir essa diversidade cultural, mas ao mesmo tempo o que vemos é que o processo de globalização atual trabalha no sentido de uniformização e depredação dessa diversidade tão presente em nossos dias. Esse desrespeito pelas diferenças teve início no final do século XV com a evangelização dos povos indígenas, ditos “pagãos” e a civilização dos ditos “selvagens”. Impondo a cultura do colonizador. Apesar de os movimentos sociais terem avançado na conquista de direitos, sabemos que ainda há muito para conquistar, principalmente pela desconstrução desse processo de dominação e inferiorização com relação ao diferente.

Não podemos nos conformar com a uniformização e padronização de uma sociedade multicultural como a nossa, as diferenças devem ser valorizadas e respeitadas, porque elas existem e constituem a nossa sociedade.

Antônio Flávio Pierucci, 1999 nos traz a seguinte reflexão:

 

Somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo que a resposta se abrigava segura de si no primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou. A começar da segunda metade dos anos setenta, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se, em ritmo acelerado e perturbador, a consciência de que nós, os humanos, somos diferentes de fato (...), mas somos também diferentes de direito. É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente. The right to be different!, como se diz em inglês, o direito à diferença. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou a queremos menos, motiva-nos muito mais, em nossa conduta, em nossas expectativas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e coletivamente diferentes uns dos outros. (PIERUCCI, 1999, p.7)

 

Nossa luta não é para que sejamos todos iguais e sim, pelo direito a sermos diferentes, pois nossa sociedade é composta por diferentes identidades e culturas. Mas é exatamente por esse contexto de multiculturalismo ao qual estamos inseridos que nos percebemos em constante luta por justiça social e pela construção de uma sociedade plural e democrática, onde todos possam ter direitos, que os encontros entre culturas e saberes diferentes sejam valorizados, que realmente haja uma interculturalidade, trabalhando num processo de desconstrução dessa sociedade moderno-colonial, onde os ditos “diferentes” são considerados inferiores e desvalorizados. Mas essa é uma luta muito complexa, pois para que possamos ter uma sociedade plural e democrática é necessário desconstruirmos essa ideia de universalidade sustentada pelas culturas hegemônicas, com o intuito de dominação e exploração.

Se quisermos fortalecer o processo de ensino aprendizagem intercultural é preciso pensar em uma educação que reconheça e valorize as diferenças culturais nos contextos escolares.

 

O grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade (BRASIL, 1998, p.117).

 

Diante dessa nova consciência de luta pelo direito à diferença, a educação se destaca pelo seu importante papel de transformar a sociedade. De desconstruir a ideia de que somos todos iguais, ou de que devemos ser todos iguais. Destacando o direito à diferença, de valorização e respeito por essas diferenças, rompendo com pedagogias que reduzem a história de diferentes grupos sociais presentes nos livros didáticos e no calendário da escola, que são trabalhados em datas tidas como “comemorativas”, que não se aprofundam na história e na construção de seus valores, promovendo uma interculturalidade superficial, que acaba por reforçar a ideia de inferiorização de alguns grupos sociais e na maioria das vezes naturalizando ou justificando as situações de injustiça e violência que esses grupos foram e ainda são submetidos. A escola que temos hoje, com uma política de educação que promove a homogeneização e monoculturalismo de forma silenciosa necessita enfrentar muitos desafios, a começar pelo modo ao qual reconhecem seus alunos, não mais os vendo como sendo todos iguais e sim reconhecendo suas diferenças e que não existe uma homogeneidade, que a origem e a cultura ao qual fazem parte se diferenciam.

Paulo Freire 2009 enfatiza a importância da escola e suas práticas educativas como lugar de luta e intervenção:

 

Não há prática social mais política que a prática educativa. Com efeito, a educação pode ocultar a realidade da dominação e da alienação ou pode, pelo contrário, denunciá-las, anunciar outros caminhos, convertendo-se assim numa ferramenta emancipatória. O oposto de intervenção é adaptação, é acomodar-se, ou simplesmente adaptar-se a uma realidade sem questioná-la. (FREIRE, 2009, p.34)

 

Sendo assim, Freire nos convida a refletir sobre a educação como forma de emancipação e liberdade, nos opondo a adaptação e acomodação.

 

 

Saberes indígenas e Educação Intercultural

 

Há no Estado de Mato Grosso uma diversidade de povos indígenas, cada povo com as suas singularidades e particularidades. A história dos povos indígenas no Brasil é marcada pelas inúmeras barbáries cometidas contra os indígenas, pelos colonizadores que aqui chegaram, muitas atrocidades marcaram a história desse povo, a negação de sua própria cultura, a escravização, a evangelização com o intuito de tornar os “selvagens” povos “civilizados”. As comunidades indígenas não tinham em suas terras, a escola, o sistema educacional que conhecemos hoje. A educação escolar era de responsabilidade de toda a comunidade e acontecia através da oralidade.

 

A escola entrou na comunidade indígena como um corpo estranho, que ninguém conhecia. Quem a estava colocando sabia o que queria, mas os índios não sabiam, hoje os índios ainda não sabem para que serve a escola. E esse é o problema. A escola entra na comunidade e se apossa dela, tornando-se dona da comunidade, e não a comunidade dona da escola. Agora, nós índios, estamos começando a discutir a questão. (KAINGANG apud FREIRE, 2004 p.28).

 

A escola para índios no Brasil começa a se estruturar a partir de 1549, quando chega ao território nacional a primeira missão jesuítica enviada de Portugal por D. João III. Composta por missionários da Companhia de Jesus e chefiada pelo padre Manuel da Nóbrega, a missão incluía entre seus objetivos o de converter os nativos à fé cristã. Os aldeamentos eram os lugares para onde os índios eram levados pelos jesuítas, sem nenhum contato com o mundo externo. Nessas aldeias os índios passavam a viver sob as normas civis e religiosas impostas pelos padres missionários.

Os aldeamentos assumiam também a função de negar valor às culturas indígenas e impor uma nova ordem social. O ensino praticado centrava-se na catequese, sendo totalmente estruturado sem levar em consideração os princípios tradicionais da educação indígena, bem como as línguas e as culturas desses povos.

 

Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que estudantes indígenas desaprendessem suas culturas e deixassem de ser indivíduos indígenas. Historicamente, a escola pode ter sido o instrumento de execução de uma política que contribuiu para a extinção de mais de mil línguas. (FREIRE, 2004, p.23).

 

A questão indígena no Brasil, não é apenas uma história do passado, é uma questão do presente, viva, que nos possibilita enxergar a importância dessa diversidade cultural que temos em nosso país.

De acordo com Luiz Augusto Passos (2010, p. 25):

 

Cultura não é, jamais, uma coisa exterior a nós, mas é aquilo que queremos para nós, e que negociamos com o grupo humano com o qual convivemos e que nos deu origem. É o nosso lugar e jeito de ser e de estar no mundo com os outros e outras. É morada, é abrigo. É o que nos ex-põe, tira nossa intimidade para fora de nós, para um território público. A cultura é como um espelho projeta para nós mesmos nossa imagem do exterior de nós para nós, e para os outros. Nela, estamos envolvidos nas formas de tempo e espaço que nos faz acessíveis ao mundo.

 

A cultura é o que nos identifica, enquanto sujeitos de uma determinada sociedade. Mas a atual sociedade em que estamos inseridos é fruto de uma história de desrespeito e de dominação, com imposição de valores da sociedade dominante com relação ao diferente e dito “inferior”. É preciso que as culturas sejam respeitadas e valorizadas em suas singularidades. Não existem culturas superiores e sim uma grande diversidade cultural. Os povos indígenas ainda são vistos por muitos como povos culturalmente atrasados.

O desconhecimento e o desrespeito ao outro serviu de justificativa para muitas atrocidades praticadas contra os povos considerados inferiores pelos colonizadores ao longo da história. Zoia (2010, p. 69) afirma que:

 

Apesar de a diversidade cultural fazer parte da história da humanidade desde os seus primórdios, não são poucos os exemplos de genocídios e etnocídios praticados contra os povos considerados “culturalmente” inferiores. Os povos indígenas, a exemplo disso, desde o primeiro momento dos seus contatos com a população não índia passaram por inúmeros processos de desestruturação étnica, como resultado da dominação socioeconômica e cultural que lhes foram impostas pelos países colonizadores.

 

No século XX as políticas de educação destinadas aos povos indígenas continuaram sendo políticas de desagregação, de desvalorização da cultura, da língua, das tradições, tendo como objetivo integrar o índio na sociedade dita “civilizada”. Estamos inseridos em uma sociedade que visa a “universalização” da cultura ocidental. Inferiorizando e deslegitimando o saberes e os modos de vida das outras culturas, provocando aos outros, o sentimento de atraso em relação à sociedade dominante. A educação é o principal caminho para a transformação de uma sociedade que visa a “universalização” da cultura ocidental para atender aos interesses capitalistas. Segundo Marin (2008. p. 15):

 

Antigamente, a modernização e, atualmente, a globalização, propôs um modelo de cultura única, atrás do qual todos os povos deveriam alinhar-se, sem respeito algum à diversidade cultural. Nessa perspectiva, os povos indígenas e as outras culturas são considerados como atrasados e constituem um obstáculo à globalização do capitalismo.

 

O mundo é formado por uma vasta diversidade cultural, e é totalmente inaceitável a ideia de impor uma verdade absoluta. Devemos pensar em uma sociedade plural com a responsabilidade de construir a igualdade dentro das diferenças, respeitando as riquezas da nossa diversidade, promovendo o diálogo e a tolerância entre os povos. É preciso pensar uma educação que consiga compreender essa diversidade pautada no respeito e também na preservação e continuação de uma sociedade multicultural, considerando outras formas de pensar, agir e se situar no mundo, pois essas tantas diferenças nos possibilitam um aprendizado enriquecedor, o diferente tem muito a nos oferecer, para que possamos compreender as várias formas de se estar e viver neste mundo.

Muito se tem avançado com relação ao direito da educação diferenciada aos povos indígenas, uma educação que realmente atenda suas necessidades, voltadas para a valorização e manutenção da cultura.

Alexis Leontiev (2004, p. 291) destaca que:

 

O movimento da história só é, portanto, possível com a transmissão, às novas gerações, das aquisições da cultura humana, isto é, com educação. Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa.

 

Sendo assim podemos afirmar que a transmissão de valores e costumes de um povo através da educação é a forma mais eficaz de manter a cultura viva. As escolas indígenas tem o importante papel de manter a cultura e os saberes tradicionais vivos e ao mesmo tempo ter acesso ao conhecimento produzido pela sociedade não–indígena. O professor é visto como um protagonista importante nesse processo, pois atua como um intermediário cultural, resgatando os conhecimentos indígenas e trazendo o conhecimento de fora, cobrando das autoridades competentes o reconhecimento das especificidades de uma escola indígena.

 

A escola indígena tem como objetivo a conquista da autonomia socioeconômico-cultural de cada povo, contextualizada na recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de sua identidade étnica, no estudo e valorização da própria língua e da própria ciência, sintetizada em seus etnoconhecimentos, bem como no acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade majoritária e das demais sociedades, indígenas e não-indígenas. (BRASIL, 1993, p.12).

 

É necessária uma educação escolar indígena que atenda e comtemple as suas necessidades, uma escola em que os professores sejam indígenas, que sua forma diferenciada de aprendizado seja reconhecida e respeitada, que os sujeitos envolvidos reivindiquem seus direitos e que tenham suas práticas culturais legitimadas. Esse direito a uma educação diferenciada foi garantido e legalizado a partir da Constituição de 1988 com políticas públicas voltadas para um currículo que valorize os conhecimentos tradicionais, o modo como vivem, para que assim possam dar continuidade a sua história, uma educação que possibilite suas práticas educacionais interculturais. Mas é necessário que de fato esse currículo diferenciado seja efetivado.

 

 

Projeto Ação Saberes Indígenas na Escola

 

A educação escolar indígena é a esperança de uma conquista absoluta dos seus direitos, que busque a valorização e a continuação da cultura através das práticas educativas. A Constituição de 1988 é um avanço importante na garantia e valorização da cultura indígena, possibilitando uma educação de qualidade diferenciada, tendo como foco o respeito á diversidade étnica e cultural sendo reconhecidos os saberes e os valores transmitidos pelos indígenas de geração em geração para a revitalização e manutenção da cultura.

 

Fazemos menção à educação como base de nossa reflexão, segundo uma perspectiva intercultural. A educação, assim delineada, poderia ser o eixo da preservação da identidade cultural e criar o espaço democrático, que torne possível o encontro e o diálogo de culturas. Atualmente, essa reflexão é fundamental para imaginar como viver a muliculturalidade que caracteriza as sociedades contemporâneas. (MARIN, 2007, p.140-141).

 

A educação é a única forma de construir uma nova realidade, para que haja efetivamente valorização da cultura e da identidade indígena.

Conforme Alves (2002), “a escola torna-se, portanto, instrumento de valorização dos saberes e dos processos próprios de produção e reprodução da cultura”. Pactuamos com o autor no que se refere ao papel da educação como forma de fortalecer a cultura e permitir que a partir dela se conheça os valores e as normas de outras sociedades, sendo a escola o principal meio dessa mudança com uma educação intercultural. Sabemos que a sociedade não índia conhece pouco sobre a cultura indígena, levando em conta que a maioria dos livros didáticos tem uma grande carência no que se refere á diversidade cultural e que alguns professores não têm preparo para trabalhar esse assunto, fazendo com que os índios ainda sejam vistos como povos de cultura atrasada, são considerados por muitos como um obstáculo ao desenvolvimento, com terras consideradas equivocadamente como improdutivas.

Foram várias as agressões ocorridas ao longo dos anos contra os ditos “diferentes”, muitos povos foram proibidos de viverem a sua cultura, de falarem a língua originária, diante da obrigação de conviverem com outras culturas tão diferentes.

No Estado de Mato Grosso concentram-se vários povos de diferentes etnias, entre elas está o povo Apiaká, localizados no município de Juara- MT. Conhecidos como um povo guerreiro, os Apiaká ocupavam as margens do rio Tapajós desde o século XVII. As etnias que ali habitavam tinham uma relação marcada por conflitos. Nesse período ainda não haviam tido contato com os nãos-índios. Até a chegada dos portugueses que acreditavam ter descoberto esse lugar rico em cultura, que na verdade já era habitado pelos índios há muitos anos, antes de sua chegada.

 

Antes do contato com os nãos índios ou Pariwa, os Apiaká viviam na divisa de Mato Grosso com o Pará, eram um povo arredio viviam se deslocando de um lugar para outro entre os rios Juruena e Teles pires, viviam em guerras com outros povos que ali também habitavam. Os Apiaká eram um povo bastante numeroso eram livres possuíam plantações, utilizavam a pesca e a caça para se alimentar. Até terem o primeiro contato com os Pariwa que ocasionou em doenças, mão-de-obra escrava, massacres que modificou de forma cruel a vida, tradição e cultura dos Apiaká (CRIXI e PARECI, 2012. p.197).

 

Crixi e Pareci (2012, p. 198) afirmam que:

 

Nos séculos XX devido à perseguição e violentos massacres as mudanças foram visíveis diminuições da população e dispersão para outras regiões no Amazonas e no Pará. Com isso a cultura e o território se alteram e a novas situações de mudança na vida cotidiana tradicional ocorreram afetando a língua e território.

 

Podemos dizer que a preocupação com a cultura e a tradição do povo Apiaká na atualidade é significativa, pois muito da cultura se perdeu com o contato com os não-índios, mas o impacto maior foi com relação ao desaparecimento da língua originária.

Nos dias atuais, a educação escolar indígena dos Apiaká do Estado de Mato Grosso, tem ganhado um novo significado, com o desejo de se tornar diferenciada, singular e bilíngue, através de parcerias com algumas instituições do Estado como a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) que tem desenvolvido alguns projetos na comunidade como o Projeto Interculturalizando Talentos: Articulações entre Linguagens, História Étnico-Cultural e Educação Ambiental em escolas indígenas, esse projeto foi criado no ano de 2012, algumas das ações desenvolvidas envolveram professores indígenas para que pudessem contribuir para o desenvolvimento do projeto. O objetivo do projeto era resgatar a língua originária Apiaká envolvendo todas as pessoas da comunidade e fortalecer a cultura, o projeto citado contou também com parceria da UFMT (Universidade do Estado de Mato Grosso) que fez algumas orientações durante as oficinas realizadas.

Outro projeto intitulado: Ação Saberes Indígenas na Escola, iniciado em 2017 e com o envolvimento das Universidades UFMT e UNEMAT e do IFMT e CEFAPRO, considerando as várias interferências ocorridas nas comunidades indígenas com relação à imposição de outra cultura e outra língua por parte da sociedade dominante nas escolas indígenas, o projeto propôs a elaboração de materiais didáticos e estudos de alfabetização em línguas indígenas na tentativa de resgatar a língua originária tanto na escrita como na oralidade, envolvendo os conhecimentos dos anciãos e de todos que fazem parte da comunidade.

O projeto Ação Saberes Indígenas na Escola é uma proposta de educação intercultural onde os saberes indígenas e os saberes ocidentais são trabalhados conjuntamente, valorizando os saberes tradicionais como forma de manutenção da cultura e os saberes ocidentais como necessários para a sua sobrevivência, uma vez que as comunidades indígenas em sua maioria não vivem mais isoladas. A escola nesse sentido é vista como um espaço de acesso e construção de novos conhecimentos e direito a uma educação diferenciada. Nesse sentido, podemos afirmar que:

 

[...] a dimensão cultural é intrínseca aos processos pedagógicos, “está no chão da escola” e potencia processos de aprendizagem mais significativos e produtivos, na medida em que reconhece e valoriza a cada um dos sujeitos neles implicados, combate todas as formas de silenciamento, invisibilização e/ou inferiorização de determinados sujeitos socioculturais, favorecendo a construção de identidades culturais abertas e de sujeitos de direito, assim como a valorização do outro, do diferente, e o diálogo intercultural. (CANDAU, 2011, p.253).

 

É com esse pensamento que os povos indígenas veem buscando através da educação reafirmar sua cultura, através de uma educação que lhes possibilite combater o silenciamento, a invisibilização e a inferiorização da qual foram sujeitados durante décadas. Hoje buscam por uma formação adequada para que possam trabalhar em suas comunidades como professores que possam atender as necessidades de seu povo, garantindo de fato, uma educação intercultural no sentido real da palavra.

A Faculdade Indígena Intercultural (Faindi) vinculada ao campus universitário Deputado Estadual Renê Barbour, localizado na cidade de Barra do Bugres no estado de Mato Grosso oferece cursos diferenciados para a formação de professores indígenas desde 2001, com o objetivo de reforçar as ações para a Educação Superior Indígena em nosso estado. No ano de 2008 tornou-se Faculdade Indígena Intercultural. Oferecendo cursos de licenciatura intercultural indígena e pedagogia intercultural. Ao todo são 120 alunos matriculados, na pedagogia são 57 frequentando as aulas. E um total de 23 etnias do Estado de Mato Grosso. Os povos indígenas que ali se fazem presentes reconhecem que a escola é o espaço onde se oportuniza uma educação que trabalhe com o intuito de legitimar as diferenças, de se valorizar e também valorizar o outro. A educação que os povos indígenas lutaram e ainda lutam é uma educação que busca uma formação social integral do ser humano, que tenha consciência das suas responsabilidades, do seu papel como ser social, em busca de uma formação que a comunidade considera importante para a continuação da cultura e o conhecimento do outro para garantir seus direitos e sua sobrevivência. Boaventura de Sousa Santos propõe uma educação emancipatória, que vise o inconformismo.

 

[...] um projeto de aprendizagem de conhecimentos conflitantes com o objetivo de através dele, produzir imagens radicais e desestabilizadoras dos conflitos sociais em que se traduziram no passado, imagens capazes de potenciar a indignação e a rebeldia. Educação, pois, para o inconformismo (SANTOS, 1996, p.17).

 

Nesse sentido, é de fundamental importância resgatar os acontecimentos do passado, mostrando as novas gerações esse passado de lutas, resistência e sofrimento como forma educativa e como contribuições importantes na formação das subjetividades inconformistas, preservando sua cultura e se constituindo como seres emancipados e de direitos. A educação escolar indígena oportuniza o conhecimento dos diversos saberes produzidos pelos diversos grupos sociais, dialogando entre o conhecimento escolar socialmente valorizado e os saberes tradicionais indispensáveis para a manutenção da cultura, enriquecendo a educação na interação entre esses diferentes saberes, promovendo assim, uma educação intercultural de fato.

É a tomada de consciência política – das populações primitivas – que tornou nosso século (XX) o mais revolucionário da história”. Eric Hobsbawm.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

 

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2019.

 

CRIXI, José Maria. A Cultura do Povo Apiaká na Escola Estadual Indígena de Educação Básica Leonardo Crixi Apiaká; 2012; Monografia; (Aperfeiçoamento/Especialização em Especialização Diversidade e Educação) - Universidade do Estado de Mato Grosso.

 

FLEURI, Reinaldo Matias. Série-Estudos- Periódicos do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB, Campo Grande, MS, n.37, p.89-106, jan./jun, 2014. Disponível em: <http://www.serie-estudos.ucdb.br/index.php/serie-estudos/article/view/771>. Acesso em 18set. 2019.

 

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