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 DEFICIÊNCIA FÍSICA E TECNOLOGIA ASSISTIVA NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Rosmarí Favaretto Walker

Belmira Batista Chaves

 

 

RESUMO

O presente artigo tem o interesse em se aprofundar sobre a temática da deficiência física, bem como ampliar o seu repertório de práticas direcionadas aos alunos que apresentam essa condição. Assim, foi estruturado para que possa estabelecer um diálogo entre os conceitos teóricos acerca da deficiência física e da Tecnologia Assistiva com a sua atuação prática no Atendimento Educacional Especializado, organizando ações que contribuam com o desenvolvimento pedagógico e global do aluno com deficiência físico-motora. Também, será apresentado e refletido os conceitos da deficiência física, terminologias, tipos de deficiência, comportamento motor e neuroplasticidade, assim como as principais estratégias pedagógicas demandadas.

 

PALAVRAS-CHAVE: Deficiência Física; Comportamento Motor; Neuroplasticidade.

 

 

INTRODUÇÃO

 

No referido estudo, iremos conhecer melhor o Atendimento Educacional Especializado, além de abordar alguns conceitos sobrea deficiência física, comportamento motor e neuroplasticidade, causas  e as classificações da deficiência física, abordando acidente vascular,  amputação, artrite reumatoide juvenil, distrofia muscular, espinha bífida, microcefalia, macrocefalia e hidrocefalia, lesão medular, nanismo e paralisia cerebral, além de estratégias pedagógicas que oferecem adequações gerais., e por objetivo contribuir com a formação de professores, profissionais da educação, familiares e público geral interessados nos processos de desenvolvimento de crianças com deficiência física, suscitando o diálogo entre os conceitos teóricos e práticos.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

A sociedade brasileira e os seus inúmeros contextos, como o educacional, foram determinados legalmente como inclusivos, como notamos na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei n° 13.146, de 2015 –, ao afirmar que:

 

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015, p.6).

 

Para possibilitar o acesso e a participação do aluno com deficiência ao processo de ensino-aprendizado com qualidade, a referida Lei reafirmou a garantia do Atendimento Educacional Especializado, que engloba ofertas pedagógicas, serviços e profissionais de apoio para favorecer o seu desenvolvimento.

Isto posto, normas complementares acompanharam tais determinações, seja pela Resolução n° 4, de 2009, que instituiu as diretrizes para o funcionamento de tal atendimento, seja pelo Decreto n° 7.611, de 2011, que dispôs sobre a Educação Especial e o AEE, o definindo como um meio para que os recursos de acessibilidade e pedagógicos fossem organizados de forma articulada com a proposta pedagógica da escola para complementar ou suplementar a formação dos alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e/ou altas habilidades.

 

 

1.1 Atuação no Atendimento Educacional Especializado

 

O AEE constitui-se como um direito do aluno com deficiência física, para que as suas habilidades e competências sejam desenvolvidas de forma respeitosa às suas particularidades.

Esse direito pode ser visualizado na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei n.º 13.146 de 2015 –, que incumbiu aos sistemas de ensino a implementação de:

Art. 27. III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;

VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva (BRASIL, 2015, p. 7).

 

Percorrendo todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, a função do AEE é possibilitar o acesso do aluno com deficiência física ao currículo escolar, por meio da disponibilização de serviços e recursos de acessibilidade voltados para a exploração de materiais didáticos, espaços, mobiliários, equipamentos, meios de comunicação, informação e transportes, bem como por  estratégias  para superar as possíveis barreiras existentes que podem dificultar a sua participação e o seu desenvolvimento (BRASIL, 2009).

 

Para atuar no alcance desses objetivos, a Resolução n.°4, publicada em 2009, estabeleceu como atribuições do professor do AEE:

I – Identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial;

II – Elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade;

III – organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais;

IV – Acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola;

V – Estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade;

VI – Orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno;

VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação;

VIII – estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares (BRASIL, 2009, p.03).

Apesar de a elaboração do plano de AEE ser responsabilidade do professor atuante nas salas de recursos ou centros de atendimento educacional especializado, o planejamento não deve ser realizado isoladamente. É imprescindível que o professor do AEE estabeleça uma articulação com os profissionais da escola (como professores regentes, profissionais de apoio e gestores), com os terapeutas que realizam atendimentos complementares de saúde e assistência ao aluno com deficiência física, bem como com a família, de forma a estabelecer objetivos e estratégias coletivamente em prol do benefício ao aluno.

Evidências científicas (ROPOLI et al., 2010; SOUZA; PICH, 2013; FRANCO; SCHUTZ, 2019) têm expressado que a construção de um vínculo entre os variados personagens componentes do atendimento educacional de um aluno, do público-alvo da Educação Especial, é significativa para que os procedimentos pedagógicos sejam delineados de forma consonante às necessidades dele.

Sabe por quê?

A atuação colaborativa propicia à família a construção de conhecimentos sobre como auxiliar o filho e sobre as ações necessárias a serem empregadas no cotidiano, considerando ser essa a principal informante a respeito das particularidades do aluno.

Já os gestores têm de conhecer as necessidades dos alunos para se envolverem nas ações e adequações necessárias, fornecendo suporte físico, material e também de formação aos professores.

Os terapeutas contribuem com conhecimentos específicos e atuações complementares que favorecem a participação desse aluno, por meio da superação de barreiras, não apenas nas atividades pedagógicas, mas nos demais cenários da sociedade.

 

Com objetivos e estratégias estabelecidos de forma articulada, o AEE é uma possibilidade de proporcionar intervenções às necessidades dos alunos com deficiência física, que facilitam o seu acesso ao currículo escolar, complementando os programas de intervenção voltados ao desenvolvimento global dos alunos, podendo atuar de forma compensatória para aqueles que não possuem acesso aos atendimentos terapêuticos por dificuldades financeiras (GAMA; FERRACIOLI, 2019).

 

Para auxiliá-lo a desenvolver essa atuação colaborativa, articulada com os diferentes profissionais e transitando nos variados ambientes e momentos da escola, trazemos a proposta de Damázio (2018, p. 848) acerca de 12 ações nas quais o professor pode se debruçar:

Acolhimento inicial e elaboração do plano de AEE de acordo com o perfil do aluno;

Atendimento individual ao aluno ou em subgrupo na sala de recursos multifuncionais;

Adequação de material pedagógico e tecnologia assistiva (TA);

Apoio e assessoria ao estudante na sala de aula comum de ensino regular;

Apoio e assessoria aos professores da sua classe;

Apoio e assessoria ao professor de Artes e Educação Física;

Apoio e assessoria ao profissional de apoio escolar;

Apoio e assessoria aos monitores e estagiários;

Apoio e assessoria aos gestores (direção e coordenação);

Apoio e orientações à família;

Ações Intersetoriais – saúde e ação social;

Elaboração de pareceres e relatórios descritivos analíticos de cunho pedagógico.

 

É preciso ultrapassar as paredes da sala de recursos e transfixar o AEE por toda a escola, dialogando com a comunidade escolar, já que é em toda a escola e até na comunidade que as práticas se efetivam e que a demanda de orientação e atuação podem ser significativas, com possibilidade de troca de conhecimentos e experiências colaborativas.

 

QUESTÃO-CHAVE

Quais as práticas metodológicas mais adequadas para a atuação com o aluno visando a atender a esses objetivos?

Para responder a essa questão, ressaltamos a intervenção pedagógica no AEE, pois sem atenuar as barreiras apresentadas, as dificuldades presentes serão somadas aos problemas futuros, culminando em ampliação de entraves no processo de ensino-aprendizagem. Assim, as melhores estratégias de intervenção se mostraram como aquelas que identificam as barreiras e os déficits e criam estratégias de intervenção para superá-los ou minimizá-los, para, depois, desenvolver outras habilidades, focando nas capacidades de cada aluno.

 

ATENÇÃO

Nesse sentido, não cabe um referencial metodológico tradicional que homogeneíze as práticas e os alunos, nem que preconize padrões de resultados a serem alcançados por todos em um mesmo intervalo de tempo.

Abarcando os aspectos biopsicossociais de cada pessoa, a literatura existente (SANTOS et al., 2020) apontou a contribuição do modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano, de Brofenbrenner (2002), renomeado de modelo bioecológico. Tal modelo ponderou que o desenvolvimento de uma pessoa ocorre por meio da interação entre ela e o ambiente, em um dado intervalo de tempo, já que pode ser facilitado ou inibido, tanto por fatores internos relacionados aos aspectos biológicos, quanto por fatores externos presentes no contexto e na forma de interação da pessoa com os mesmos.

A partir de uma metodologia flexível, já proposta pela Declaração de Salamanca, e de uma prática docente que contemple as particularidades do desenvolvimento humano e da aprendizagem, como pelo desenho universal da aprendizagem, propicia-se que um tema seja explorado de múltiplas formas, favorecendo a participação dos alunos, ao flexibilizar o objetivo, os materiais, a forma de realização das atividades e das avaliações, como fornecer variados estímulos e possibilidades de atuação ao aluno (BRASIL, 2004; PRAIS, 2017).

Isso mesmo! O professor do AEE possui um papel significativo na orientação aos professores, no que se refere às variadas estratégias e práticas possíveis, adequadas e favorecedoras da participação do aluno com deficiência física, tendo em vista a elaboração de um planejamento que contemple as diversas habilidades dos alunos.

 

 

1.2 Conceitos sobre a deficiência física

 

Para iniciarmos essa reflexão, é importante que você tenha em mente que quando nos referimos às pessoas com alguma condição de deficiência, como a física, nos reportamos não apenas a uma dada nomenclatura, mas a todo um contexto de transformação social, que culminou em conquistas de direitos. Considerando que todos os alunos possuem as suas particularidades, a definição do tipo de condição do seu aluno deve ser empregada apenas para direcionar o seu trabalho em ofertar os recursos e adaptações necessárias, sendo imprescindível que se mantenha o entendimento proposto por Smith (2008, p. 42):

[...] existem duas regras básicas a serem seguidas:

  1. Coloque a pessoa em primeiro lugar;
  2. Não confunda a pessoa com a deficiência.

Fundamentados nessa compreensão, podemos retomar que a pessoa com deficiência foi definida pela Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015, p. 01) da seguinte forma:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Já deficiência física foi especificada no decreto n.º 5.296, de 2004 (BRASIL, 2004, p.01):

Art. 5°. I - a) deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

Qual a demanda de alunos com deficiência física no Atendimento Educacional Especializado?

Para responder a essa questão, trazemos inicialmente os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que, tomando por base a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), produzida pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001), considerou uma deficiência como resultado da interação entre as funções e estruturas corporais e as barreiras socioambientais.

 

Na avaliação do Censo Demográfico de 2010, reformulada no ano de 2018, foi considerada “pessoa com deficiência física” aquela que relatou grande dificuldade ou impossibilidade de caminhar ou subir degraus. Chegou-se ao cálculo de 12.748.663 pessoas com deficiência no Brasil, ou seja, 6,7% da população total, das quais 2,3% autodeclaram-se pessoas com deficiência física (BRASIL, 2011, 2018). Fonte: IBGE (Brasil, 2018).

 

Dentre esse contingente, a Educação Especial no Brasil, atende, segundo dados do Censo Escolar de 2020 (INEP/MEC), uma totalidade de 1.350.921 alunos, dos quais 98,5% encontra-se em classes comuns. Especificamente sobre os alunos que possuem deficiência física, estes correspondem ao terceiro público, em maior quantidade nessa modalidade educacional, abarcando 153.121 estudantes. A maioria desses estudantes se encontra no Ensino Fundamental, conforme é possível analisar na Tabela 1.

Tabela 1 - Matrículas na Educação Especial de alunos com deficiência física – 2020

ETAPAS                            TOTAL              CLASSES COMUNS           CLASSES EXCLUSIVAS

Em todos as etapas          153.895                       130.742                                       23.153

Educação Infantil                20.487                         19.020                                         1.467

Ensino Fundamental        100.416                       86.612                                        13.804

Anos Iniciais                       64.239                         50.918                                            483

Anos Finais                        36.177                          35.694                                              483

Ensino Médio                     17.439                          17.419                                                20

Educação Profissional         2.512                            2.470                                                42

Educação de Jovens e

Adultos (EJA )                    14.433                            6.578                                          7.855

Fonte: INEP/MEC (BRASIL, 2021).

 

Em um período de dez anos, as matrículas da Educação Especial de alunos com deficiência física saltaram de 99.015 (2010) para 153.121 (2021). Também houve acréscimo nas inscrições desses alunos no AEE, que passaram de 16.878 (2010) para 46.465 (2020).

Você pode notar que, com esse expressivo quantitativo de alunos, o AEE precisa contemplar as variabilidades de cada aluno, somadas às particularidades presentes nos diversos tipos de condições possíveis de deficiência física, já que devem exigir estratégias diferenciadas por parte do professor.

Respaldados por pesquisas acadêmicas, como a de Carvalho (2018), podemos entender que, para o atendimento com qualidade ao aluno com deficiência, é imprescindível compreender a condição do aluno, pois esta conduzirá o professor nas ações a serem delineadas. Assim, a partir desse momento, vamos discorrer sobre algumas particularidades do desenvolvimento físico-motor que podem influenciar no seu atendimento aos alunos com deficiência física.

 

 

1.3 Comportamento motor

 

O ser humano pode ser entendido como um sistema aberto, ou seja, um conjunto de partes biológicas que mantêm uma troca constante com o ambiente e a tarefa a ser realizada, em uma interação que estimula a realização de movimentos corporais e a sua evolução para estruturas mais complexas (NEWELL, 1986).

Já dá para imaginar que você precisará compreender os estudos relacionados ao movimento do corpo, que chamamos de comportamento motor, a fim de realizar um bom trabalho com o aluno com alteração físico-motora.

O nosso comportamento motor é composto pelo desenvolvimento motor, a aprendizagem motora e o controle motor. Com o apoio da literatura (ISRAEL; BERTOLDI, 2010; HAYWOOD; GETCHELL, 2016), podemos explicar melhor cada um deles.

O desenvolvimento motor se refere às mudanças que ocorrem na forma de funcionamento e no movimento corporal ao longo da vida, e está relacionado à idade, mas não depende exclusivamente dela.

Vale lembrar que o desenvolvimento motor se difere do crescimento. Enquanto este último compreende o aumento do tamanho da estrutura corporal, por meio do crescimento e da multiplicação celular, o desenvolvimento motor abarca alterações mais complexas, como o próprio crescimento, mas somado à experiência, maturação e aos processos de adaptação orgânica.

A aprendizagem motora, por sua vez, ocupa-se dos processos envolvidos na aquisição de movimentos e habilidades por meio de experiências práticas. Nesse contexto, o controle motor contempla a organização do sistema nervoso e do corpo humano para coordenar os movimentos. Tanto a aprendizagem quanto o controle motor sustentam o desenvolvimento motor.

Com a aquisição dos movimentos voluntários, por volta de 1 / 2 anos, uma nova fase se inicia, a Fase Motora Fundamental, considerada pela literatura uma das mais importantes, por ser o período em que as principais bases motoras se desenvolvem e dão suporte para as habilidades motoras futuras, que serão utilizadas por toda a vida. Dividida em três estágios, no primeiro – denominado Estágio Inicial – há as primeiras tentativas de realização das habilidades, com uso restrito ou exagerado do corpo, somado a pouca coordenação e ritmo. No estágio seguinte – Estágios Elementares Emergentes –, os movimentos tornam-se mais coordenados, mas se desenham de forma restrita ou exagerada. No último estágio – Estágio Proficiente –, se adquire as habilidades motoras fundamentais com mais coordenação e controle.

As habilidades motoras fundamentais são:

Habilidades Locomotoras: se referem à mudança da localização do corpo em relação a um ponto da superfície, como caminhar, correr e pular;

Habilidades Manipulativas: compreendem movimentos amplos para empregar ou receber a força de um objeto (pegar, lançar, rebater ou chutar), ou movimentos finos ao explorar músculos intrínsecos do pulso, mão e pé (como ao costurar, cortar e digitar);

Habilidades Estabilizadoras ou de Equilíbrio: movimentos que exigem esforços da pessoa para manter a postura corporal em relação à gravidade, como girar ou flexionar o tronco.

Essa fase sustenta o último momento do desenvolvimento motor, nomeado pelos autores de Fase do Movimento Especializado, em que as habilidades são refinadas para o uso no cotidiano, na recreação ou no rendimento esportivo.

Para isso, há o Estágio de Transição, em que a pessoa começa a aplicar as habilidades do movimento fundamental em tarefas específicas;

O Estágio de Aplicação, em que se desencadeia uma sofisticação cognitivo-motora, conduzindo a aprendizados mais amplos;

E o Estágio de Utilização ao Longo da Vida, com o uso do repertório motor adquirido nas tarefas a longo prazo.

Você já havia pensado que no desenvolvimento infanto-juvenil há alguns períodos do desenvolvimento motor em que habilidades são adquiridas em intervalos de tempo relativamente semelhantes e servindo de base para as aprendizagens posteriores?

A importância de se conhecer esses marcos é que eles podem ser sugestivos de alterações físico-motoras, se não se desenvolverem no período estipulado. Para auxiliá-lo a orientar o seu olhar, separamos no Quadro 1, alguns pontos que você pode acompanhar nos seus alunos.

 

Quadro 1 – Marcos referenciais motores

Período                                                         Habilidades desenvolvidas

Até os 3 meses                                           *Ergue a cabeça quando segurado pelo tronco;

*Faz movimentos laterais da cabeça;

*Os braços e as pernas empurram no brincar;

*Segura uma argola.

 

Até os 5 meses                                           *A cabeça fica firme e ereta;

podem culminar em deficiências que comprometem o desenvolvimento do aluno e a sua atuação nas atividades diárias. *Passa de decúbito lateral (deitado de lado) para     *decúbito dorsal (deitado com a barriga para cima);

*Senta com pouco apoio.

 

Até os 8 meses                                           *Passa de decúbito dorsal para decúbito lateral;

*Faz oposição parcial dos polegares (ação do polegar para tocar nos outros dedos);

*Senta-se sozinho momentaneamente;

*Alcança unilateralmente;

*Rota o punho.

 

Até os 10 meses                             *Senta-se sozinho com firmeza;

*Faz oposição completa dos polegares;

*Rola de trás para frente;

*Faz preensão parcial com os dedos.

*Até os 12 meses (1 ano)

*Progressão pré-caminhada;

*Apoia-se para ficar em pé;

*Fica em pé apoiando-se na mobília;

*Realiza movimentos do caminhar;

*Caminha com auxílio.

 

Até os 17 meses                             *Fica em pé sozinho;

*Caminha sozinho.

*Até os 25 meses

*Caminha de costas;

*Sobe e desce escadas com ajuda.

 

Até os 30 meses                             *Pula com ambos os pés saindo do chão;

*Pula do degrau mais baixo.

 

Aos 3 anos                                       *Sobe degraus com pés alternados.

 

Aos 4 anos                                       *Pula em um pé só.

 

Aos 5 anos                                       *Pula corda.

 

Aos 6 e 7 anos                                            *Mantém-se em equilíbrio por 20 segundos sobre um pé só.

 

Fonte: Adaptado de Haywood e Getchell (2016, p.123-124) e Foster, Drummond e Jandial (2021, p.01).

 

1.3.1 Alterações no comportamento motor

Agora que já conhecemos as principais características do comportamento motor, veja, no Quadro 2, as principais diferenças notadas em uma criança com desenvolvimento motor típico e outra atípico com possíveis alterações físico-motoras.

 

Quadro 2 – Características do desenvolvimento motor típico e atípico

Desenvolvimento motor típico                          Desenvolvimento motor atípico

*Reflexos primitivos são suprimidos;                  *Permanência de reflexos primitivos;

*Reações de equilíbrio integradas;                     *Insuficiência de reações de equilíbrio;

*Normotonia (tônus muscular* adequado);             *Hipotonia (diminuição do tônus muscular*), hipertonia (aumento do tônus muscular*) ou flutuação;

*Ausência de reflexos musculares;                                 *Presença de reflexos musculares;

*Movimentos coesos, coordenados e variados;       *Movimentos estereotipados, não complexos, sem seletividade;

*Desenvolve habilidades motoras;                                  *Dificuldade nas habilidades motoras;

*Variedade de movimentos;                                             *Padrões compensatórios** e fixações;

*Sem encurtamentos e alterações físicas;                     *Alterações musculoesqueléticas.

*tônus muscular: grau de contração dos músculos;

**manutenção de outra forma de executar um movimento para compensar a dificuldade da forma convencional.

Fonte: Adaptado de Castilho-Weinert e Forti-Bellani (2011, p. 14).

 

Sabemos que essas alterações na estrutura e no funcionamento do corpo humano

Segundo Haywood e Getchell (2016), essas alterações são chamadas de restrições e, apesar de poderem limitar um movimento, estimulam o desenvolvimento de outra ação motora. Essas restrições podem ser categorizadas em:

Restrições do Ambiente: podem ser físicas – como temperatura, luminosidade, presença de degraus ou tipo de peso – ou sociocultural – como estigmas atribuídos às diferentes características apresentadas pela pessoa, como ao focar nas limitações e não na capacidade;

Restrições da Tarefa: Regras sociais da execução da tarefa e forma de execução;

Restrições do Indivíduo: podem ser estruturais – referentes à estrutura do corpo da pessoa, como alterações ou ausência de membros, alterações na altura ou na constituição muscular – ou funcionais –, relacionadas à função do comportamento da pessoa, como medo ou motivação.

 As restrições do ambiente e da tarefa podem dificultar a participação de uma pessoa com deficiência, como quando o espaço não oferece acessibilidade para o deslocamento da cadeira de rodas ou quando a atividade se apresenta com regras inflexíveis, que afastam aqueles com maior lentidão motora. Por outro lado, sabemos que a adaptação desses dois itens, focando em identificar os possíveis entraves e implementar alternativas, favorece a atuação daqueles que apresentam deficiência física, contornando tais restrições.

Além disso, as próprias restrições do indivíduo não se apresentam como impeditivas. Elas abrem espaço para que outros padrões de movimento sejam desenvolvidos em um processo chamado de neuroplasticidade.

 

 

1.4 Neuroplasticidade

 

Para compreendermos a neuroplasticidade, inicialmente, precisamos discorrer sobre a estrutura e o funcionamento básico do nosso cérebro, por meio da neurociência (área que estuda o sistema nervoso e sua interface com diversos campos, como a educação), para, na sequência, discorrermos acerca de sua forma de atuação nos mecanismos da neuroplasticidade (OLIVEIRA, 2014).

 

 

1.4.1 O sistema nervoso

 

O sistema nervoso é estruturado por duas partes: uma central, composta por encéfalo (que fica no interior da nossa caixa craniana) e medula espinhal (filamento que sai da caixa craniana e percorre a coluna espinhal),e outra periférica, contendo nervos cranianos, espinhais e gânglios (que saem da medula espinhal e percorrem o corpo).

Sistema Nervoso Central composto pelo encéfalo e pela medula espinhal; Sistema Nervoso Periférico composto pelos nervos e pelos gânglios.

Como essas duas partes do sistema nervoso modulam todas as ações do corpo?

Elas atuam nessa função por meio das células da glia e neurônios.

As células da glia participam dos processos neuronais realizando funções variadas, para que a transmissão do impulso elétrico ocorra com maior velocidade, além de produzir a estrutura do cérebro, dos canais medulares e de líquido cerebroespinhal.

Por sua vez, os neurônios possuem ações mais específicas e são compostos por:

Dentritos: ramos que coletam informações para enviar ao corpo celular;

Corpo celular: parte que elabora estímulos sensoriais recebidos pelo dentritos e o envia ao axônio;

Axônio: via pela qual um estímulo é enviado, sendo revestido por bainha de mielina, que permite e acelera esse envio.

 

É importante saber que essas estruturas neuronais estabelecem conexões entre si e com outras partes do corpo, como músculos e glândulas, a partir de estímulos do corpo e do ambiente. Essa conexão ocorre por meio da liberação de íons ou de uma substância química, chamada neurotransmissor, pelo primeiro neurônio (o neurônio pré-sináptico), que é recebido por outro (o neurônio pós-sináptico), gerando impulsos elétricos e a criação de redes de comunicação entre os mesmos (KANDEL, 2014).

 

Nesse movimento, há três tipos de neurônios:

Neurônio sensorial: recebe estímulos sensoriais que chegam ao corpo e levam ao sistema nervoso central para serem decodificados;

Neurônio motor: envia uma resposta do sistema nervoso central para ser executada em alguma parte do corpo;

Neurônio de associação: codifica, armazena e repassa estímulos recebidos do neurônio sensorial para o motor.

Você sabe o que essas conexões têm a ver com a aprendizagem?

A comunicação entre essas células nervosas ocorre por um mecanismo denominado de sinapse, quando um axônio de um neurônio faz contato com o axônio, dentrito ou corpo celular de outro. Com uma estimulação constante, fortalece-se uma dada via neural, aumentando a quantidade de neurotransmissor transmitido e gerando facilidade em reconhecer e responder ao mesmo.

 

A aprendizagem se dá, assim, pela formação de vias neurais estabelecidas durante a realização de uma ação, já que o aprendizado de algo novo aumenta a quantidade e a densidade dos dentritos, além do número de sinapses realizadas (NUDO; PLAUTZ; FROST, 2001).

 

Qual a importância dessas células neuronais e suas comunicações para o trabalho com o aluno com deficiência física?

O fato é que tanto os neurônios quanto as células da glia podem se modificar perante as exigências do ambiente, remodelando o sistema nervoso sob influência dos desafios apresentados, proporcionando o desenvolvimento da pessoa e a superação de dificuldades que podem acometê-la (DUFFAU,2006).

 

 

1.4.2 Neuroplasticidade e o aluno com deficiência física

 

Desde o início do século XIX, os cientistas identificaram que as funções do cérebro se alteravam para contribuir com áreas que necessitavam, mas, em 1906, o psiquiatra italiano Ernesto Lugaro apresentou o termo “Neuroplasticidade”, como a capacidade de adaptação do cérebro em formar novos padrões neuronais (BERLUCCHI, 2002).

 

Com os avanços da neurociência, os estudos têm mostrado que o cérebro muda durante toda a vida, independentemente do diagnóstico, mantendo ações de neuroplasticidade que permitem um contínuo e permanente processo de aprendizagem.

 

Contudo, devemos ressaltar que nas fases do desenvolvimento dos primeiros anos de vida encontram-se os chamados “períodos sensíveis”, em que o desenvolvimento dos circuitos cerebrais é favorecido pela maior facilidade de estabelecimento de conexões neuronais (MORAIS; MELO; OLIVEIRA, 2015).

 

Evidências científicas (FERRARI et al., 2001) explicaram que, por meio da neuroplasticidade, há uma remodulação de conexões nervosas em pessoas com algum tipo de alteração do funcionamento cerebral ou corporal por quatro ações diferentes:

(1) neurônios vizinhos assumem as funções da área prejudicada;

(2) outra área cerebral distante assume as funções da área prejudicada;

(3) há uma reorganização das áreas vizinhas à prejudicada para assumirem demandas maiores;

(4) ocorre a substituição de uma área prejudicada por outra que se desenvolve com maior intensidade.

Você já havia pensado que conexões neurais são sinônimo de aprendizagens?

Toda experiência impacta nosso cérebro, seja movimentos, sensações, aspectos cognitivos ou emocionais, gerando vias de conexões neurais em uma interligação contínua entre o ambiente, a tarefa a ser realizada e os aspectos biológicos da pessoa.

Tarefas baseadas na repetição mecânica não têm tanto valor, pois é realizada por uma ação que já foi automatizada por dada via neural, não impactando na neuroplasticidade, visto que não geram novas conexões neuronais.

Precisa haver um desafio que exija uma busca por soluções, gerando interesse e atenção da pessoa na atividade, levando-a a planejar novas estratégias de ações, unindo assim aspectos cognitivos, afetivos e motores, que conduzirão ao seu desenvolvimento.

Vale ressaltar que deve haver um equilíbrio entre as possibilidades de realização do aluno e o nível de dificuldade da ação, implicando em uma situação desafiadora, mas possível de ser solucionada.

Você pode refletir que o AEE se mostra significativo ao propor a estimulação de movimentos variados e de sensações diversas durante o envolvimento do aluno em um problema educacional.

A literatura de Fachinetti, Gonçalves e Lourenço (2015) apontou que o AEE para o aluno com deficiência física precisa considerar a característica individual do aluno, como a sua capacidade neuromotora e a influência da mesma na realização das ações pedagógicas e de vida diária, como: pegar objetos e se comunicar; os objetivos pedagógicos estabelecidos com base em uma avaliação prévia seguida de planejamento dos mesmos; e, por fim, a relação entre os dois primeiros itens, selecionando e adequando estratégias e recursos para que os objetivos sejam alcançados de forma respeitosa e adequada às necessidades físico-motoras do aluno, considerando os recursos quanto ao seu tamanho, forma, textura e peso.

O estudo de Böck, Rios e Campos (2016) mostrou que, muitas vezes, o aluno com deficiência física é privado de vivenciar situações relacionadas ao movimento corporal, o que prejudica o seu desenvolvimento. Deste modo, o AEE é importante ao promover situações desafiadoras de interação com o meio, conduzindo à neuroplasticidade na medida em que há o desenvolvimento de potenciais motores até então não estimulados.

Causas e classificações da deficiência física e, em seguida, detalharemos quais serão o acidente vascular cerebral, a amputação, a artrite reumatóide juvenil, a distrofia muscular, a espinha bífida, a microcefalia, a macrocefalia e a hidrocefalia, a lesão medular, o nanismo e a paralisia cerebral.

 

 

2.1 Causas e classificações da deficiência física

 

A deficiência física compreende uma série de comprometimentos que podem acarretar em diferentes necessidades e estratégias de ensino. Para auxiliá-lo em sua atuação, algumas definições se mostram necessárias.

Inicialmente, podemos evidenciar que, de acordo com as causas, a deficiência física pode ser classificada em congênita – quando se origina durante a gestação – ou adquirida – quando ocasionada após o nascimento, as quais vamos especificar a seguir com o apoio de Macedo (2008).

Dentre a deficiência física congênita, as principais causas estão relacionadas aos aspectos genéticos, uso de substâncias ilícitas e medicamentos durante a gestação, alterações na formação intrauterina, exposição excessiva da gestante à radiação, crises hipertensivas da gestante, traumas durante a gestação, insuficiência nutricional materna e infecções maternas, como toxoplasmose, meningite e rubéola. Durante o parto do bebê, geralmente, a deficiência física é derivada de situações de privação de oxigênio, comumente presente quando há a demora em realizar o parto ou quando o cordão umbilical se enrola no pescoço do bebê.

Por outro lado, as deficiências físicas adquiridas estão frequentemente relacionadas aos traumatismos por acidente automobilístico, quedas em piscinas, lesão por arma de fogo e doenças como: tumor, esclerose, meningite e acidente vascular cerebral.

Assim, os comprometimentos da deficiência física podem se apresentar de três modos:

Físico: as complicações ocorrem no aparelho locomotor (musculoesquelético);

Motor: as limitações são originadas de comprometimentos no sistema nervoso;

Físico-motor: as dificuldades compreendem aspectos relacionados ao funcionamento do aparelho locomotor e do sistema nervoso concomitantemente.

A partir dessas causas, é possível delimitar uma classificação chamada topográfica, ou seja, de acordo com o local afetado. É importante você considerar que o sufixo “plegia” é empregado quando há a perda total das funções motoras, já “paresia” quando a perda é parcial. Observe:

Monoplegia/monoparesia: perda total/parcial das funções de apenas um membro, podendo ser inferior (perna) ou superior (braço);

Hemiplegia/hemiparesia: perda total/parcial das funções de um dos hemisférios do corpo, podendo ser o lado direito ou esquerdo;

Paraplegia/paraparesia: perda total/parcial das funções dos membros inferiores (pernas);

Triplegia/triparesia: perda total/parcial das funções de três membros;

Tetraplegia ou quadriplegia/tetraparesia ou quadriparesia: perda total/parcial das funções de membros inferiores (pernas) e membros superiores (braços).

Podemos perceber que há uma grande variabilidade de possibilidades de quadros dentro da deficiência física, os quais levam aos diferentes comprometimentos e a variadas potencialidades a serem exploradas.

 

 

2.2 Acidente vascular cerebral

 

O acidente vascular cerebral (AVC) também pode ocorrer em crianças e adolescentes.

O AVC acontece quando há uma interrupção da circulação sanguínea no encéfalo, que pode ser originada de duas formas diferentes: por uma oclusão dos vasos que impedem a passagem do sangue pela formação de trombos ou placas, chamado de isquêmico; ou pela ruptura de vasos, chamado de hemorrágico; os quais estão ilustrados na Figura 6.

O AVC acontece quando há uma interrupção da circulação sanguínea no encéfalo, que pode ser originada de duas formas diferentes: por uma oclusão dos vasos que impedem a passagem do sangue pela formação de trombos ou placas, chamado de isquêmico; ou pela ruptura de vasos, chamado de hemorrágico.

Os AVC’s podem dar-se no período neonatal, que vai desde a gestação ou até aos primeiros 28 dias após o nascimento; ou na infância, quando a sua ocorrência abrange o período de 29 dias a 18 anos de idade (AAD, 2021).

Apesar de a causa ser variada, a maioria desses episódios está associada a uma doença pré-existente e, por vezes, desconhecida, como alterações na estrutura e função cardíaca, doenças sanguíneas e vasculares.

Segundo a Associação Americana de Derrame (AAD, 2021), alguns sinais servem de alerta e podem ser notados por você durante a sua atuação. No caso de recém-nascidos, os sinais podem ser: contrações de face, braços ou pernas e fraqueza de um lado do corpo; já nas crianças e adolescentes pode haver dor de cabeça súbita e intensa, fraqueza em um dos lados do corpo, dificuldade na compreensão da fala, alteração de visão, tontura ou perda de coordenação.

O IWPP (2004) apontou que as sequelas desse evento dependem do local da ocorrência, bem como da extensão e da gravidade na área afetada, mas podem impactar o desenvolvimento da criança ao ocasionar alterações motoras resultantes em hemiglegia (paralisia total de um lado do corpo) ou hemiparesia (paralisia parcial de um lado do corpo), comprometimento da ma

 

 

2.3 Amputação

 

A amputação designa a perda total ou parcial de um membro do corpo. O autor Winnick (2004) coloca que as alterações nos membros podem aparecer em três possibilidades:

Amielia: quando há a ausência de um membro ou de parte dele;

Desmielia: quando há uma alteração na forma do membro;

Focomelia: quando há a inserção de um membro em um lugar não convencional, como dedos a mais.

Essas situações podem ser oriundas de alteração na formação do bebê durante a gestação ou por consequência de traumas e doenças após o nascimento, como acidentes automobilísticos e sequelas de doenças cardiovasculares, como diabetes ou infecções.

Em uma criança, a amputação é precedida de reflexão e visa proteger a sua condição de saúde, como quando resulta de um processo infeccioso, para proporcionar maior funcionalidade aos seus membros e favorecer o seu desenvolvimento. 

 

Após a amputação, alguns desconfortos podem surgir. O primeiro deles é a dor fantasma, que é a presença de sensações e de dor em um membro que não existe mais, já que ainda está havendo uma reorganização das informações cerebrais que podem levar o sistema nervoso a interpretar sensações no coto como oriundas do membro. Já a alteração da imagem corporal, que é uma representação mental do próprio do corpo, leva comumente à dificuldade em reorganizar a compreensão das formas e tamanhos das diferentes partes do corpo (WEINSTEIN; MORRISSY, 2005).

 

É preciso considerarmos que a amputação provoca não apenas a perda do membro e de suas funções motoras, mas também implica em alterações sensoriais, com a privação de informações provenientes da pele, articulações e músculos. Essas alterações prejudicam a chegada de informações ao sistema nervoso e o controle dos movimentos, afetando a forma como o aluno interage com as atividades.

Além do uso de próteses, em casos de amputação, a neuroplasticidade pode facilitar as ações rotineiras e permite que o aluno construa habilidades motoras alternativas para a aquisição de independência na realização das atividades do seu cotidiano.

 

 

2.4 Artrite reumatoide juvenil

 

Ainda de causa desconhecida, na artrite reumatoide juvenil há uma inflamação das articulações corporais que causa dor e dificulta a movimentação. Seu aparecimento ocorre a partir, principalmente, da faixa etária de 1 a 3 anos; as crianças com artrite reumatoide transitam por períodos em que a condição fica estabilizada e por outros de crise, em que há mais dores, mal-estar e até febre.

Segundo RAMOS (et al., 2006), essa condição apresenta três subtipos:

Oligoarticular (mais de 50% dos casos): há uma inflamação mais branda em até quatro articulações, com maior frequência nas junções maiores, como joelhos, cotovelos e tornozelos;

Poliarticular (de 30% a 40% dos casos): a inflamação ocorre em mais de quatro articulações, grandes ou pequenas, com formação de nódulos sob a pele;

Sistêmico (de 10% a 20% dos casos): a inflamação é acompanhada de febre, mal-estar e possibilidades de inflamação cardíaca e pulmonar.

Assim como os sintomas, a evolução da artrite reumatoide varia, podendo não ocasionar danos permanentes, em algumas crianças; já em outras, desencadeia deficiência funcional significativa nos movimentos corporais, com o comprometimento da cartilagem e da estrutura óssea, alteração no crescimento, perda de funções articulares e atrofias musculares.

Lembre-se de evitar atividades de impacto articular nos períodos de crise e de proporcionar que o aluno informe qual a forma mais confortável de realizar as atividades motoras.

 

 

2.5 Distrofia muscular

 

A distrofia muscular engloba numerosas condições que levam ao enfraquecimento dos músculos do corpo de forma progressiva, além de problemas respiratórios e cardíacos.

Apoiados em Israel e Bertoldi (2010), apresentamos a você as formas de acometimento que podem originar essas distrofias:

No neurônio motor periférico: alteração do neurônio que envia comandos do cérebro para produzir a movimentação dos músculos, como ocorre na poliomielite;

Nas raízes e nervos periféricos: nervos fora do sistema nervoso central que falham no envio de informações aos músculos, como na Síndrome de Guillain-Barré;

Na junção mioneural: falha de comunicação na junção entre o nervo e o músculo, como na chamada Miastenia Grave;

Na fibra muscular: as células do músculo se degeneram e são substituídas por tecido adiposo ou conjuntivo, como na Síndrome de Duchenne.

Dentre as distrofias mais frequentes, algumas podem ser adquiridas, como na Síndrome de Guillain-Barré, presente em alguns casos de Zica Vírus, mas a maioria apresenta uma causa genética, como na Síndrome de Duchenne.

A Síndrome de Guillain-Barré ocorre a partir de um comprometimento dos nervos, como inflamações ocasionadas por infecções virais ou bacterianas, que dificultam o envio de informações aos músculos. Primeiramente, causa uma diminuição da sensibilidade e de movimentos dos membros inferiores e, depois, superiores, com progressiva fraqueza que pode levar à paralisia em duas a quatro semanas após o início dos sintomas. Apesar de poder evoluir para casos graves, na maioria dos casos, há a recuperação total (LEONHARD et al, 2019).

Por sua vez, a Síndrome de Duchenne está relacionada a um gene ligado ao cromossomo X que impede a formação de uma proteína chamada distrofina, responsável pelo funcionamento adequado das células musculares. Sem essa proteína há a degeneração dos músculos do corpo.

Geralmente aparece em meninos, no período de dois a quatro anos. As meninas carregam o gene, mas sem os sintomas.

 

As manifestações oriundas da degeneração muscular se iniciam nas pernas e na pelve, causando quedas frequentes, dificuldade na marcha e fadiga; seguidas de encurtamento de tendões dos pés, que levam a um andar nas pontas dos pés; comprometimento das articulações de punho, quadril, cotovelo, dedos e punho; além de alterações na coluna vertebral pela extrema fraqueza muscular (WINNICK, 2004).

Por sua vez, a Síndrome de Duchenne está relacionada a um gene ligado ao cromossomo X que impede a formação de uma proteína chamada distrofina, responsável pelo funcionamento adequado das células musculares. Sem essa proteína há a degeneração dos músculos do corpo. Geralmente aparece em meninos no período de dois a quatro anos, já que as meninas carregam o gene, mas sem os sintomas. As manifestações oriundas da degeneração muscular se iniciam nas pernas e na pelve, causando quedas frequentes, dificuldade na marcha e fadiga; seguido de encurtamento de tendões dos pés, que levam a um andar nas pontas dos pés; comprometimento das articulações de punho, quadril, cotovelo, dedos e punho; além de alterações na coluna vertebral pela extrema fraqueza muscular (WINNICK, 2004).

 

Com a evolução do quadro dessa síndrome, é importante estar atento a quais dispositivos podem ser utilizados para apoiar a marcha, como andadores, pois os comprometimentos são progressivos. Em aproximadamente 10 anos, a criança pode passar a utilizar cadeira de rodas, com prejuízo nos membros superiores, inferiores, e nas funções respiratórias e pulmonares.

 

 

2.6 Espinha bífida

 

A espinha bífida decorre de uma alteração na formação da medula espinhal, nas primeiras quatro semanas da gestação. Nesse período, após a fecundação, as células passam por um processo multiplicatório originando um tubo, chamado tubo neural, que formará o encéfalo e irá se prolongar para originar a medula espinhal. Nesse caso, a medula espinhal não se fecha completamente e deixa aberturas entre algumas vértebras.

O comprometimento dependerá do local e da extensão da parte medular comprometida, geralmente, a região mais afetada é a lombossacral. Assim, segundo Winnick (2004), a espinha bífida pode ocorrer de três formas:

Oculta: há uma alteração nas vértebras, mas sem afetar as estruturas componentes da medula espinhal, podendo se apresentar como uma covinha ou esta ser recoberta por tufos de pelos, sendo uma forma leve e sem danos;

Meningocele: o revestimento da medula forma uma saliência com o líquido para fora do canal vertebral, mas a medula e suas raízes nervosas permanecem preservadas. Pode ser realizada uma remoção cirúrgica e raramente deixa sequelas neuromotoras;

Mielomeningocele: nesse caso, a medula, seus revestimentos e feixes nervosos formam uma hérnia para fora do canal vertebral. Nesse subtipo, estão presentes comprometimentos motores e sensoriais das áreas inervadas pela medula abaixo do nível da lesão, geralmente ocasionando paralisia nos membros inferiores, incontinência de esfíncter e bexiga, prejuízo no crescimento físico, além de, frequentemente, estar associada à hidrocefalia, a qual pode ocasionar deficiência cognitiva. Essa condição pode exigir a utilização de aparelhos acessórios para a marcha, como andadores ou cadeira de rodas.

 

 

2.7 Microcefalia, macrocefalia e hidrocefalia

 

 O comprometimento da caixa craniana pode levar a deficiências físicas diversas. Auxiliando no seu conhecimento, vamos explicar as mais comuns, que são a microcefalia, a macrocefalia e hidrocefalia.

Segundo Israel e Bertoldi (2010):

 

... na microcefalia há uma circunferência do crânio bem menor que o normal. Essa condição ganhou destaque nos últimos anos por ser associada a uma consequência do vírus Zica transmitido pelo mosquito Aedes Aegypt, durante o período de gestação, levando à deficiência intelectual e alterações psicomotoras no desenvolvimento do controle postural e da marcha.

 

Já na macrocefalia, a circunferência é maior que a convencional, podendo ser causada pela presença de doenças como tumores ou por acúmulo de líquidos intracranianos, como ocorre na hidrocefalia.

Na hidrocefalia, um líquido chamado de cefalorraquidiano (ou líquor) tem alteração na sua circulação, com acúmulo na caixa craniana, o que pode causar tanto deficiência intelectual quanto déficits motores. Para evitar o aumento de pressão intracraniana pelo excesso de líquido, são comumente realizadas cirurgias e utilizadas válvulas para a drenagem.

 

 

2.8 Lesão medular

 

A lesão medular espinhal corresponde a uma contusão em um segmento da coluna vertebral, sendo o grau do comprometimento dependente de qual parte foi afetada. É irreversível pela não possibilidade de regeneração das fibras nervosas.

A medula espinhal é um dos constituintes do sistema nervoso central, juntamente com o encéfalo. Ela se inicia a partir de um prolongamento do cérebro e se apresenta como um segmento que possui de 42 a 45 centímetros de comprimento, alocada interiormente ao canal vertebral, ou seja, dentro das vértebras da coluna.

Ela é segmentada em 31 partes, despontando de cada uma delas pares de nervos que enviam as informações do cérebro às variadas partes adjacentes do corpo. É o conjunto denominado de sistema nervoso periférico. Esses 31 pares estão distribuídos nas regiões cervical, torácica, lombar e sacral da medula. Essas regiões ou vértebras são denominadas pelas letras C (cervical), T (torácica), L (lombar) e S (sacral), seguidas do número correspondente à sua localização na orientação craniocaudal, ou seja, seguindo uma ordem numérica crescente na orientação da cabeça aos pés.

Os comprometimentos de uma lesão medular vão depender do local em que ocorreu o dano.

Quadro 3 - Comprometimentos da lesão medular de acordo com o local da lesão

 

 

VÉRTEBRAS CERVICAIS (C1 a C7)

C1 a C5: paraplegia/paralisia dos músculos da respiração, membros superiores e inferiores, geralmente, sendo fatal.

C5 a C8: paraplegia/paralisia dos membros inferiores, prejuízo nos movimentos do tronco e dos membros superiores.

 

VÉRTEBRAS TORÁCICAS (T1 A T12)

T1: paraplegia/paralisia dos membros inferiores, prejuízo nos movimentos do tronco e mãos.

T2 a L1: paraplegia/paralisia dos movimentos dos membros inferiores e prejuízos no tronco.

 

VÉRTEBRAS LOMBARES (L1 a L5) e VÉRTEBRAS SACRAIS (S1 a S5)

L2 a S5: fraqueza nos membros inferiores, perda do controle do intestino e da bexiga. Fonte: Baseada em Moore e Dalley (2007, p. 382).

 

A ocorrência de paraparesia (perda parcial das funções) ou paralisia (perda total das funções) dependerá da forma como aconteceu a lesão. Se houver uma ruptura completa desse segmento da medula há a perda de movimentos e da sensibilidade das partes do corpo orientadas por esses nervos abaixo do local da lesão. Caso o rompimento seja apenas parcial, resquícios de sensibilidade e movimentos podem estar presentes.

Para além da implicação nos movimentos do corpo, uma lesão na medula induz às alterações na comunicação entre o cérebro, os órgãos e sistemas corporais, já que é da medula de onde partem os nervos que irão se direcionar para todas as regiões do organismo. As principais implicações possíveis são (WINNICK, 2004):

Alteração na regulação da frequência cardíaca e pressão arterial, com baixa resistência cardiorrespiratória;

Dificuldades na termorregulação, com ausência ou excesso de transpiração;

Maior possibilidade de infecção urinária;

Ocorrência de úlceras de pressão, que são feridas que se infeccionam com facilidade pela precária circulação sanguínea, causadas pelo contato intenso de partes do corpo com a superfície da cadeira;

Espasmos musculares, que são movimentos involuntários de forte contração dos músculos;

Ocorrência de disrreflexia autonômica, quando o cérebro reage a um estímulo de dor (como ao se sentar sobre um objeto), mas não consegue identificar a sua causa e gera uma série de respostas orgânicas, como a contração de vasos sanguíneos, o aumento da pressão arterial, alteração na visão e mal-estar.

No caso da disrreflexia autonômica, precisa ser imediatamente verificado o que pode estar causando esse episódio no aluno, para retirá-lo do local, verificando se as funções se normalizam. Caso não normalizem, o encaminhamento ao hospital é urgente para evitar problemas cardiovasculares.

 

 

2.9 Nanismo

 

O nanismo é caracterizado por um menor crescimento corporal em virtude de mutações hormonais ou genéticas. Compreende homens de até 1,45m e mulheres de até 1,40m.

Você deve saber que Winick (2004) apontou que essa condição pode ser classificada em duas categorias, de acordo com a forma de ocorrência: nanismo proporcional, também chamado de hipofisário, em que há uma deficiência na produção de hormônios do crescimento, gerando as partes do corpo menores em tamanho, mas mantendo a proporção em relação à estrutura corporal; e o nanismo desproporcional, também conhecido como acondroplasia, em que alterações genéticas desencadeiam tamanhos corporais menores e diferentes entre as variadas partes do corpo, como pernas e braços mais curtos, dedos menores, maior tamanho da cabeça, pernas arqueadas e aumento da curvatura da região lombar da coluna.

 

 

2.10 Paralisia cerebral

 

A encefalopatia crônica não progressiva, conhecida como paralisia cerebral, alude a uma lesão cerebral permanente, ocorrida antes dos 18 meses de vida. Contudo, é estática, ou seja, não progride para outras áreas do sistema nervoso. Essa condição gera alterações no tônus muscular (grau de contração dos músculos), na postura e na movimentação corporal. De forma geral, não há comprometimentos cognitivos, a menos que a lesão afete a área do córtex responsável pelo processamento de informações.

Note que, recorrendo a Monteiro, Abreu e Valenti (2015), há variadas formas de apresentação dessa condição de acordo com o grau de contração dos músculos:

Espástica: há aumento do tônus muscular, com contração de alguns músculos ou hiperreflexia, que é a ação de estender alguns membros de forma rápida e involuntária;

Discinética: há variações no tônus muscular, com movimentos involuntários e dificuldades de coordenação motora;

Ataxia: há flutuações no tônus muscular entre contração e relaxamento, acompanhados por dificuldades no equilíbrio, para se movimentar e para manter a postura, já que a área lesionada é a do cerebelo, parte cerebral responsável pelo equilíbrio corporal. Tremores, fraqueza e incoordenação motora podem estar presentes;

Hipotônica: há a presença marcante de baixo tônus muscular, com atraso no desenvolvimento motor e fraqueza para manter a postura e andar.

Mista: as lesões ocorrem em mais de uma área do cérebro, com movimentos involuntários, mais de um tipo de alterações no tônus muscular e alterações de equilíbrio, conjuntamente.

A maioria utiliza com essa condição utilizam equipamentos para facilitar a marcha, como órteses e cadeira de rodas. Contudo, lembre-se que cada pessoa apresenta características próprias, já que possui local e extensão cerebral lesionados variados.

Assim, a paralisia pode se apresentar leve e quase imperceptível, como quando o aluno realiza deslocamentos de forma convencional, demonstrando apenas pequenas contrações de mãos; de forma moderada, quando alterações de tônus muscular são notadas e dificultam a realização de movimentações corporais, mas que são possibilitadas por equipamentos como órteses facilitando a marcha; até outras com maior comprometimento, em que são notadas dificuldades significativas para controlar todos os músculos e posturas corporais, não sustentando a cabeça e exigindo cadeira de rodas específica.

Nessa variabilidade de apresentações, algumas complicações podem aparecer associadas e devem ser reconhecidas por você. Uma variação recorrente é a manutenção de reflexos dos primeiros meses de vida, que não desaparecem e podem dificultar a marcha, como:

Reflexo de preensão plantar: ao pressionar a sola do pé, os dedos entram em flexão, o que dificulta o andar e gera uma marcha nas pontas dos pés;

Reflexo de preensão palmar: ao tocar a palma, os dedos e a mão se fecham, podendo haver flexão de cotovelo e dificuldade na manipulação de objetos;

Reflexo de colocação plantar: ao segurar a criança pelas axilas, quando as solas dos pés tocam o chão, há a flexão dos joelhos levantando as pernas e quadril, o que dificulta a manutenção dos pés no solo e a aquisição do andar.

Também merecem atenção as possíveis complicações associadas, como: epilepsia; alterações respiratórias, como variações pulmonares e riscos de aspiração pulmonar (entrada de conteúdo gástrico/oral para as vias respiratórias); alterações oftalmológicas (estrabismo, miopia, glaucoma); distúrbios alimentares, como disfunção na deglutição e refluxo; deficiência no crescimento e disfunções intestinais.

 

PARA REFLETIR

Agora, com essas informações, você saberia delimitar quais as principais estratégias pedagógicas para garantir o aprendizado dos alunos com essas condições e também a sua segurança no ambiente escolar?

 

 

2.11 Estratégias pedagógicas: focando em competências e oferecendo adequações gerais

 

As estratégias para atender ao aluno com deficiência física envolvem mais do que a reunião de técnicas específicas, envolvem a compreensão de um contexto no qual ele está inserido e a sua atuação em direção a superar o foco nas dificuldades do aluno e exaltar as suas potencialidades.

É preciso superar atitudes e conceitos historicamente construídos e atribuídos às pessoas inferiorizadas por apresentar determinada característica. Essa descrença nas potencialidades de alguém transparece a partir de pensamentos e falas que consideram que uma pessoa não consegue participar de ações pela sua condição, por sentimentos de pena ao associar a condição a algo negativo e incapacitante, ou até mesmo quando se supervaloriza a sua característica, colocando-o como herói por conseguir realizar ações consideradas improváveis naquela condição. Essas atitudes impedem que o aluno seja visto por suas potencialidades e que estratégias de ensino sejam organizadas.

Ao trabalhar com um aluno com deficiência física, as diferenças precisam ser vistas com naturalidade. Assim como as estratégias de ensino devem ser respaldadas pela compreensão de que todos os alunos possuem competências de aprendizado e de se desenvolver, não focando o olhar na deficiência.

É imprescindível reconhecer que todo aluno é diferente e que as singularidades de cada um não os torna superiores, nem inferiores uns aos outros. A partir disso, adequações são possíveis de serem pensadas e implementadas.

 

Sabendo que o AEE tem por função primordial promover o acesso do aluno ao currículo escolar, vamos detalhar algumas estratégias para valorizar as especificidades dos alunos, garantindo-lhes melhor acesso ao currículo (MUNSTER, 2013; BISOL; VALENTINI, 2015; BISOL, et l., 2018)

 

Inicialmente, o ESPAÇO apresenta-se como o primeiro elemento a ser considerado, por ser a porta de acesso do aluno ao ensino. As suas dimensões devem ser possíveis de serem percorridas por todos os alunos, sem obstáculos, com amplitude suficiente para as variadas movimentações de equipamentos que se fizerem necessários, como cadeira de rodas ou andador, disponibilizando recursos e materiais pelo espaço ao alcance de todos.

O TEMPO também precisa ser organizado de forma a ser suficiente para que todos completem as suas atividades. É sabido que algumas dificuldades motoras podem levar a movimentos mais lentos e a maiores esforços dos alunos para a realização de determinadas atividades, o que exige uma disponibilização de tempo maior.

Sobre a TAREFA, é necessário analisar se a ação motora exigida pela atividade é possível de ser realizada, buscando estratégias para abranger a todos na participação, ajustando a complexidade da atividade ao nível de desempenho do aluno e construindo formas de realizá-la segundo as suas aptidões.

Os MATERIAIS também são elementos que podem ser acessados por estratégias que facilitam a sua manipulação. A textura da superfície, a dimensão e o peso influenciam decisivamente, sabendo que superfícies rugosas e ásperas, como velcro, facilitam a exploração por aqueles com dificuldades na coordenação motora fina; os objetos de peso leve, como bexigas, são apropriados aos que apresentam fraqueza ou lentidão motora; os mais pesados, como bolas de borracha, contribuem com o maior controle dos que apresentam movimentos involuntários e incoordenação; materiais de pequenas dimensões são mais fáceis de serem manipulados por aqueles com baixa estatura; materiais maiores, como folhas com linhas em tamanho ampliado, favorecem a escrita para aqueles com dificuldades na coordenação motora fina; e materiais macios, como bolas de espuma, são adequados quando é necessário evitar possíveis traumas do objeto em partes do corpo, como na cabeça.

A atenção se direciona em ofertar condições para que todos participem, sabendo que a divisão dos alunos em grupos pequenos evita, por exemplo, trombadas que podem machucá-los, além de promover a participação ativa de todos. Também é necessário se atentar ao posicionamento do professor e dos demais alunos de forma a ser confortável para todos, como: todos no chão para permitir o contato visual daqueles com nanismo, ou todos em roda sentados em cadeiras para permanecerem na altura do aluno com cadeira de rodas.

Para além de promover o acesso físico e cognitivo ao currículo escolar, também precisa considerar os aspectos sociais das atividades da vida diária, bem como os aspectos psicológicos acerca dos comprometimentos.

Em alunos com deficiência física, o uso de órteses ou cadeira de rodas, assim como a lentidão na execução de atos motores, como caminhar, recortar ou alimentar-se, pode gerar inibição pelos olhares e questionamentos dos demais alunos, exigindo um trabalho focado nas habilidades socioemocionais.

Enfatizar as competências de cada aluno é contributivo, como também ações visando interações positivas perante a diversidade, considerando as diferenças com naturalidade.

A seleção das estratégias e recursos para o desenvolvimento cognitivo-motor ou socioemocional dependerão não apenas da condição de deficiência apresentada, mas das particularidades de cada aluno.

Exemplificando: condições em que a deficiência física seja concomitante aos comprometimentos cognitivos, como em alguns casos de hidrocefalia, atividades que associam o desenvolvimento motor ao cognitivo podem ser exploradas, como circuitos motores para o aluno buscar as peças de um quebra-cabeça para montá-lo, além da música “Escravos de Jó”, que explora o raciocínio e a coordenação.

Por fim, mas não menos importante, cuidados para prevenção de acidentes e complicações da condição do aluno precisam ser tomados. Para isso, ao receber o aluno, você precisará buscar informações sobre a sua condição e possíveis comorbidades, para que se possa explorar o desenvolvimento do aluno com segurança, com ações como:

Durante o deslocamento pelo ambiente, atentar-se para dificuldades de equilíbrio durante a marcha, como em caso de amputação de membros inferiores, ou na condução da cadeira de rodas quando obstáculos despontarem, para evitar quedas daqueles;

Verificar a adequação do ambiente quanto à temperatura e exposição ao sol, lembrando que alunos com lesão medular podem apresentar alterações na termorregulação e não devem ser expostos ao sol e às altas temperaturas;

Evitar machucados por contusões ou batidas de partes do corpo, já que a sensibilidade pode não estar presente;

Evitar atividades que gerem compressão de regiões com maior facilidade de serem lesionadas, como impedir contatos na região da coluna em que há a espinha bífida ou traumas na cabeça daqueles com hidrocefalia que utilizam válvulas cranianas, provenientes de boladas, trombada com um colega ou atividades de cabeceio de objetos.

Tendo em vista os cuidados necessários e as variadas singularidades de cada aluno, o respeito às suas necessidades deve estar vinculado ao proporcionar o desenvolvimento da autonomia e independência. Algumas atitudes do professor são necessárias, como: perguntar ao aluno a melhor forma de ajudá-lo em seus movimentos, quando necessário, fornecendo o apoio que o mesmo precisar e, ao mesmo tempo, estimulando a sua independência na execução daquelas ações que são possíveis de serem realizadas com independência.

Além disso, ações de infantilização direcionados àqueles com deficiência, com falas e atitudes que transparecem pena ou exaltam limitações do aluno, devem ser combatidas.

Dúvidas dos demais alunos podem surgir a respeito da condição apresentada por um aluno e a mesma precisa ser discutida, mas sem expor o aluno, com a mediação necessária para que a interação ocorra de forma positiva.

É fundamental construir conhecimentos e mediar interações positivas para desenvolver o respeito e a valorização das diferenças.

 

 

CONCLUSÃO

 

Acredito que a referida pesquisa contribuiu para perceber que a participação do aluno com deficiência física, em uma atividade pedagógica, abrange a associação de três fatores: a condição físico-motora apresentada, o ambiente vivenciado e a tarefa a ser realizada. Conhecer cada um desses três elementos contribui para se encontrar, a partir das dificuldades apresentadas no processo de ensino-aprendizagem, alternativas solucionadoras.

Porém notei que, em um agir proativo, pesquisador e reflexivo, o AEE transfigura-se como um campo que explora as potencialidades de cada aluno com deficiência física para o desenvolver de suas funcionalidades e que todos os alunos possuem potenciais e que a Tecnologia Assistiva respalda o seu desenvolvimento.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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