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A PERCEPÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS EM SALA DE AULA

 Gilmara Oliveira Gomes[1]

                                                            Agna Fernandes[2]

Rodrigo Pomper[3]

Resumo:

Este texto apresenta um estudo realizado com alunos do 6º ao 8º do ensino fundamental, sobre as diversidades existentes, no espaço escolar. Neste estudo, utilizamos como metodologia, a pesquisa qualitativa, seguida de pesquisa de campo, onde os alunos realizaram uma atividade, sobre a sua percepção em relação ao negro, indígena, asiático e europeu. Nesta perspectiva apresentaremos neste texto, a forma como cada grupo é compreendido, pelos alunos.

Palavras-chave: Negro, alunos, diversidade.

 

Esta pesquisa foi realizada  com alunos do 6° ao 8º ano do Ensino fundamental, do período vespertino, numa Escola da Zona Rural de Cáceres-MT. Conversei com cada turma em momentos diferentes. Foram entregues 48 tirinhas para completarem as frases, foram recebidos 47, sendo uma sem resposta. Analisamos também os comentários surgidos no decorrer da atividade. Segundo Müller (2010) a escola foi responsável pela difusão dos estereótipos contra negros e brancos, sendo na República Velha que começaram a discutir a importância da escola, principalmente da pública.

“Qual deveria ser o mecanismo preferencial de transformação das mentalidades e de criação da integração e do sentimento nacional”? A escola. A escola primária e, de preferência, pública, deveria ser oferecida a todos. Começou-se entender que a escola era o espaço privilegiado para a realização de rituais simbólicos que construiriam e reafirmariam o pertencimento à nação e o sentimento de nacionalidade. Por meio da escola seriam difundidos os mitos de origem: a “bravura dos bandeirantes”; a “bondade do senhor de escravos”. Da mesma maneira, não havia instituição melhor para conformar novos valores morais e hábitos de trabalho [...] (MÜLLER, 2010.p.10).

 

Nesta perspectiva a escola constitui-se ainda como um local, onde as ideologias estão sendo aplicadas, vivenciadas. Sendo assim o currículo e as práticas pedagógicas acabam perpetuando este modelo tradicional, racista de compreender a educação como um todo, onde ultrapassa a sala de aula. Neste sentido toda dinâmica que envolve a escola, bem como a contribuição da família, do local onde a mesma está inserida etc. tem que ser percebida e compreendida no currículo escolar. “Sabemos que a memória coletiva não é natural, e sim o resultado de processos sociais, um trabalho de grupos e pessoas, o que implica nas atividades de produção, circulação e consumo de sentidos e valores”. (MÜLLER, 2010.p.11).

A partir desta realidade, podemos constatar que um dos pontos importantes para gerar esta mudança na educação e a reflexão e reformulação do currículo, conforme coloca Marta Diniz:

“Refletir sobre a educação significa refletir sobre o currículo, pois esse é um processo inerente ao campo educacional e, assim, torna-se importante, analisá-lo a partir da evolução de suas teorizações, analisando, identificando e mesmo forjando espaços que nos permitam desenvolver ações concretas de combate às desigualdades. (PAULO, 2011.p.12)

Como um elemento muito importante, dentro da estrutura escolar, nesta perspectiva o currículo compreendido a partir da ótica das relações raciais proporciona uma nova reflexão.

O currículo escolar assume, então, duas dimensões: a formal, que se traduz pelas intenções registradas e documentadas (Projeto Político Pedagógico, Grade escolar, Diários, Planejamentos, Provas, Livros didáticos e outros documentos). Nessa dimensão o professor tem quase que, por completo, o poder de decisão (SANTOS,2010, p.07).

              A partir dessa definição sobre o currículo, podemos constatar que o mesmo faz parte de um conjunto de documentos e ações, onde perpassa pelo professor a iniciativa de formular/aplicar estratégias que possibilitem um novo viés da história do negro, que não se limita apenas na sala de aula, mais em todas as relações que envolvem o espaço escolar. Desta forma o currículo necessita ser pensado a partir da ótica da diversidade que compõe a escola. Conforme Trindade (1994), as posições adquiridas pela escola, perpassam o currículo e refletem no aluno. Exemplificando sobre o uniforme como um ato que carrega várias intenções, afirma que

É interessante notar e destacar que os alunos inconscientemente lutam contra o racismo, ou seja, lutam pela sua diferença, dão sempre um jeitinho de mudar o uniforme, ou vindo com outra blusa/camisa por dentro, ou com meia colorida, outro tipo de sapato, de jeans... Bota um adesivo nos cadernos, tem os que mantêm os cadernos limpinhos ("que dá até gosto pegar") e os donos dos cadernos "bagunçados", sem capa, "orelhudos". (TRINDADE, 1994, p.63).

 

              Santos (2010) aborda que o currículo está estritamente ligado à institucionalização concreta que caracteriza a escola, pois parte da escola a escolha do conteúdo, embora atenda algumas realidades sociais, não consegue em muitos casos compreender as relações raciais, que compõem o seu ambiente. Pois, ainda conforme Santos (2010) o currículo não é uma realidade abstrata, mas um meio aonde as políticas educacionais vão ganhando forma na interação do espaço escolar, visto que através do currículo toda dinâmica da escola acontece. Desse modo,

Ao analisarmos a maneira como estão dispostos os conteúdos nos currículos, logo se percebe que estes não contemplam informações sobre a história dos africanos e de seus descendentes no Brasil, nem suas contribuições à construção de nossa sociedade. Quando muito o negro é lembrado no 13 de maio e no 20 de novembro. É claro que ao se lembrar da população negra só em dois dias de festas, a escola está contribuindo para a permanência do preconceito, da discriminação e das desigualdades raciais (SANTOS,2010, p.13).

 

              Segundo Oliva (2003), temos que reconhecer a relevância de estudar a História da África, independente de qualquer outra motivação, como ocorre em grande parte das escolas que se limitam às datas citadas acima. O autor coloca ainda que precisamos dar a mesma prioridade para a história da África, como damos a Mesopotâmia, a Grécia etc. Oliva (2003) explana, que o fato não se situa em esses conteúdos não serem importantes, mas que a História da África também é de suma importância, pois ela está interligada com a História do Brasil. Por isso devemos conhecer a História da África, para apresentarmos a mesma com propriedade, possibilitando ao aluno um novo olhar sobre esse continente, longe das lentes eurocêntricas. Assim, algumas diretrizes foram sendo alteradas para essa finalidade.

              Dessa forma, Dias (2005) coloca que com a LDB 9.394/96, nos decorridos sete anos de sua aprovação e implementação, a questão de raça, mesmo que secundariamente, ocupou espaço no texto da Lei e, portanto, nas atenções de quem a produziu. Entretanto esses pontos não foram explorados com grande relevância. Sendo assim, fez-se necessário a alteração da Lei 9.394/96.

(...) diante do inciso I da Lei 9.394/1996, relativo ao respeito à igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; diante dos Arts 26, 26A e 79 B da Lei 9.394/1996, estes últimos introduzidos por força da Lei 10.639/2003, proponho ao Conselho Pleno:

 

  1. a) instituir as Diretrizes explicitadas neste parecer e no projeto de Resolução em anexo, para serem executadas pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e modalidades, cabendo aos sistemas de ensino, no âmbito de sua jurisdição, orientá-los, promover a formação dos professores para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e para Educação das Relações Ético-Raciais, assim como supervisionar o cumprimento das diretrizes;
  2. b) recomendar que este Parecer seja amplamente divulgado, ficando disponível no site do Conselho Nacional de Educação, para consulta dos professores e de outros interessados (Brasil, 2004, p.28).

 

 A partir de discussões intelectuais e políticas, conforme Parente (2009) aborda, uma das mais significativas conquistas do Movimento Negro brasileiro na busca pela promoção da igualdade racial foi à promulgação da Lei nº 10.639/03 e, em decorrência, o Parecer CNE/CP 3/2004 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Desta forma ambos atendem às demandas do Movimento Negro e da população afro-brasileira pela efetivação da educação antirracista, anti-discriminatória e multicultural.

   Mesmo com essas alterações na legislação educacional, é necessário qualificação, ou seja, esse saber que é produzido nas instituições de ensino superior, que consequentemente chega às escolas e por fim ao aluno, se confronta com o racismo que perpassa todas essas esferas, resultando no descaso dessas orientações, que em muitos lugares não acontecem efetivamente, exceto nas datas impostas pelo calendário escolar que referenciam o negro.

   Nesse contexto deparamo-nos com as atividades apresentadas para os alunos, podemos constatar a presença de conteúdos que falam sobre o negro, todavia com uma apresentação breve, resumida. Entretanto o que nos chamou a atenção é que primeiramente foram apresentados definições objetivas para cada grupo, evidenciando que não houve mudanças significativas no cumprimento da Lei 10.639/03. Vejamos algumas respostas.

O europeu é: bonito, chique, esperto, elegante, da Europa, estudioso, conquistou o Brasil, pessoa trabalhadora, muito inteligente, parecem frios, descobriram vários países, muito exploradores, criador e inovador, forte, um cidadão, um homem que planeja seu futuro, uma pessoa branca e muito habilidosa.

O asiático é: Muito bom, lindo, meio louco, da Ásia, muito inteligente, legais, muito discriminado, chato, pessoa que são consciente do que faz, muito trabalhador, muito desenvolvido, os asiáticos são pessoas avançadas, são oriundos dos países de primeiro mundo, os mais desenvolvidos do mundo, são muito transportadores de mercadoria, um país, forte, o homem da Ásia são um povo tecnológico, nadador, pessoa que tem o olho mais puxado, sambista, japonês, jogador.

O negro é: lindo, legal, importante, escravo, feio, inteligente, africano, especial, um cara muito maneiro, da África, muito trabalhador,tem gente que acha negro horroroso mais eu não porque é racismo quem acha isso, pessoa que sofre racismo, nos somos da raça negra, a maioria são maconheiros, muito diferente, os negros gostam de capoeira,forró e feijoada, negro as pessoas discrimina, mas nos somos do mesmo sangue, divertido, feio, uma pessoa que sofre preconceito, não presta, uma das principais raças do Brasil é discriminado etc.

O indígena é: lindo, exemplo de uma vida simples e feliz, um índio, muito legal, não tem roupa, é índio, esforçado, e a nossa cultura, uma pessoa que não veste roupa, um caçador e pescador, muito ruim, que tem de tudo, mora em aldeias, índios nós fazemos parte de onde moram, são diferentes das pessoas das cidades, lutam pela demarcação de territórios, muito burro, moram em floresta, moram no Brasil, etc.

Durante esta atividade, enquanto os alunos estavam completando as frases, podemos perceber que a história da conquista deste território pelos europeus, ainda se faz muito presente no imaginário dos mesmos, a forma linear, caracterizada, pelo mito da pacificação por parte dos dominados se reflete em algumas das respostas. Onde o europeu é o civilizador, o asiático avançado, o negro atrasado e o indígena estigmatizado pela permanência nas comunidades. Por estes conflitos e disparidades a serem resolvidas que precisamos trabalhar a partir das legislações e orientações vigentes sobre a diversidade racial em ambiente escolar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília/DF, 2004.

MONTEIRO, Edenar. Cotidiano Escolar e Estratégias de Combate à discriminação racial. Edenar Monteiro, et al. Cuiabá: EdUFMT,2011.

MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. Pensamento social brasileiro e a construção social do racismo. Cuiabá: UAB/EdUFMT, 2010.

MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. Pensamento social brasileiro e a construção social do racismo. Cuiabá: UAB/EdUFMT, 2011.

PAULO, Marta Diniz. Raça, Currículo e Práxis Pedagógica. Cuiabá: EdUFMT, 2011.

SANTOS, S.A. A lei 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In: Educação Anti-Racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secad/Mec, Brasília, 2010.

 

[1]Professora da Rede Municipal de Educação. Especialista em Relações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira, pela UFMT/IE/NEPRE.

[2] Professora da Rede Municipal de Sorriso/MT. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Instituição de Ensino Superior de Nova Andradina.

[3] [3]Professor da Rede Municipal de Educação. Licenciado em Letras pela Universidade do Estado de Mato Gross/UNEMAT.