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O PROTAGONISMO E AS METODOLOGIAS ATIVAS: QUESTÕES PROPEDÊUTICAS

Helânia Vasconcelos [1]

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir criticamente sobre dois conceitos que nos últimos anos veem tomando espaço na discussão sobre a educação especialmente a do ensino médio: O protagonismo e as metodologias ativas, através de levantamento bibliográfico, consulta a obra de autores como Fajardo (2017),  Kuenzer (1997), Poletti (1988), Rodrigues, (2016), Serrão (2016), Soares, (2004), que discorrem sobre tais conceitos, documentos legais que tratam especificamente do tema: MEC, LDB, BNCC, diretrizes curriculares, este letramento busca entender tais conceitos em seu devir histórico, em outras palavras, até que ponto metodologias ativas e o protagonismo como ações pedagógicas são tão novidades assim e como estes conceitos se contextualizam dentro de uma cenário maior socioeconômico da cultura, então, vigente. Conclui que tais termos em sua operacionalidade não são tão novos assim e que para que se tenha uma operacionalização realmente efetiva destas metodologias é preciso que se estabeleça um diálogo respeitoso e frutífero entre os personagens educacionais tendo, agora, como protagonista o aprendente.

 

Palavras-chave: Educação. Novo ensino médio. Protagonismo. Metodologias ativas.

 

INTRODUÇÃO

 

O ano de 2022 é um ano chave para a educação brasileira, especificamente para o Ensino Médio, a implantação deste Novo Ensino Médio vem sendo gestada já há algum tempo e não deveria pegar ninguém de surpresa, a LDB e a própria BNCC preparavam o caminho para as mudanças pretendidas; mudanças estas que eram necessárias tanto no seu aspecto filosófico quando no funcional; filosófico aqui tomado no sentido de se definir com clareza qual é a missão desta fase do ensino fundamental e como decorrência como ela deveria responder para cumprir esta missão.

Se o projeto irá dar certo ou não ainda é uma tarefa de futurólogos, somente daqui a três anos quando os primeiros alunos que trabalharem nestas novas condições de ensino aprendizagem se confrontarem com os testes para acesso à universidades (ENEM) ou para a inclusão no mercado de trabalho técnico. A operacionalização desta proposta passa por dois caminhos que a caracterizam: o protagonismo e as metodologias ativas é importante esclarecer que o novo ensino médio não se resume a estes dois conceitos mas são aqueles que falam mais de perto as vivencias pedagógicas desta pesquisadora.

Para que estes conceitos sejam devidamente elucidados recorreu-se a uma análise crítica bibliográfica das obras dos autores: Fajardo (2017),  Kuenzer (1997), Poletti (1988), Rodrigues, (2016), Serrão (2016), Soares, (2004), assim como documentos legais que tratam especificamente do tema: MEC, LDB, BNCC. Seu intuito maior é propiciar ao leitor alguns temas de reflexão sobre o assunto no intuito de acrescentar mais dados à questão e ao mesmo tempo propiciar ao leitor uma gama de informações que possibilitem uma ação pedagógica mais consciente e menos radical sobre o tema.

 

O VELHO NOVO ENSINO MÉDIO

 

Entre o momento do domínio do alfa e do Beta, da decodificação e codificação dos signos alfabéticos, o treinamento de sua significação primária e o treinamento especializado existe uma zona penumbrosa denominada “Ensino Médio”. A frase anterior é intencionalmente provocativa, o ensino fundamental constituído de nove anos tem como objetivo como o seu nome sugere e a LDB e a BNCC propõem estabelecer os fundamentos básicos para que este cidadão seja capaz de interagir minimamente com uma sociedade que tem como códigos comunicacionais o ler e escrever (alfabetizado) e entender o que se lê o que se quer comunicar (o letramento).

Vejamos o que a LDB dispõe sobre a formação básica do cidadão, segundo o seu artigo 32º é necessário:

 

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade. (BRASIL, 1996, Art. 32)

 

A BNCC por sua vez prevê que

 

Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, a progressão do conhecimento ocorre pela consolidação das aprendizagens anteriores e pela ampliação das práticas de linguagem e da experiência estética e intercultural das crianças, considerando tanto seus interesses e suas expectativas quanto o que ainda precisam aprender. (....) Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. (BNCC, 2018, p. 58)

 

As palavras chaves em ambos os documentos para os mesmos objetivos são o aprofundamento e consolidação do conhecimento e preparar este individuo para a sociedade e embora nenhum dos documentos fale explicitamente em alfabetização e letramentos são estes os dois conceitos em pauta, espera-se que ao final destes nove anos de treinamento e formação que este individuo se transforme em um cidadão. Ou seja, tenha competência para transitar com um mínimo de proficiência que possibilite, se quiser, estabelecer seu protagonismo como membro efetivo de uma comunidade e para isto, como estabelecem as citações acima, deve dominar as normas cultas da língua (o português) e as relações numéricas básicas, os outros conteúdos programáticos (geografia, história, artes, educação física, etc...), para os efeitos desta reflexão, são elementos necessários para que se possa estabelecer um letramento mínimo da mensagem recebida ou emitida.

Cabe esclarecer que, retomando as ideias de Soares (2004), que a alfabetização é um conceito técnico (decodificar ou não o grafema) e o letramento é um conceito sociocultural, dar significado ao que se descodifica ou codifica, pressupõe uma capacidade de encontrar mais significados signo, em outras palavras, quanto mais dados o decodificador/codificador possuir mais rica será sua significação, assim todas as outras áreas do conhecimento irão enriquecer este processo.

O ensino especializado pode ser entendido, neste momento da reflexão como o ensino universitário, aquele período acadêmico que determinados cidadãos entram em contato com formas de conhecimento específico, uma tal concentração irá permitir a este profissional criar soluções especificas problemas concretos. Entre estes dois momentos educacionais está um meio termo, uma zona penumbrosa que pouco mereceu a atenção das políticas públicas educacionais, até agora, e por que disto?

Para responder a esta pergunta se faz necessário, ainda que brevemente, recorrer a história da educação brasileira e como esta educação está diretamente relacionada à sociedade onde se instaura, em outras palavras se faz necessário perceber o desenvolvimento sócio econômico brasileiro.

E como Prado (2008) e Furtado (2003) afirmam existe uma linha comum à toda a história econômica social do Brasil, desde a exploração do pau-brasil até as grandes exportações do agronegócio: a produção das commodities. Uma economia calcada na exploração de commodities é uma economia que produz matéria prima básica para que outros países possam manufaturá-la e ao fazer isto agregar valor ao seu produto final.

Um exemplo paradigmático pode ser percebido no plantio de algodão no Nordeste. O algodão era produzido nos campos nordestinos, os fardos embarcados para Portugal que os enviava para os teares ingleses que agregando valor ao algodão em forma de tecidos e camisas eram enviados para todo mundo inclusive para Portugal e de lá novamente para o Brasil, onde roupas e tecidos fabricados pelas mãos de trabalhadores nordestinos eram comprados pela classe alta o sudoeste.

Gomes (2012)  que até 1808 com a chegada da vinda da família real portuguesa, não era permitido abrir no Brasil nenhuma fábrica de transformação, todos os produtos manufaturados eram importados via Portugal que se não os produzia os revendia ficando com uma parte do preço como remuneração sem risco, não é por acaso que uma das primeiras ações administrativas de D. João VI foi abrir os portos brasileiros para as nações amigas, isto é, os produtos manufaturados da Inglaterra, que a partir daquele momento podia vender diretamente para o mercado brasileiro, tirando de cena o intermediário português, mas não a corte portuguesa que instaurada no Rio de Janeiro, cobrava uma pequena taxa de importação, naturalmente. A volta de Portugal como intermediário comercial entre o Brasil e o mundo, inclusive foi uma das pautas da corte portuguesa em Portugal que livre do jugo de Napoleão exigia a volta de D. João VI e a recondução do Brasil ao status de colônia.

Gilberto Freire (2012) em “Casa Grande e Senzala” oferece uma formação típica da família abastada brasileira: o primogênito era o herdeiro para ele era necessário o domínio da produção dos bens da família, o segundo filho seria advogado formado em Lisboa para a carreira política, o terceiro militar e se tiver um quarto padre (ou aquele mais obediente ou com saúde mais frágil), o patriarca procurava garantir o futuro da família colocando seus rebentos nas diversas áreas de influência social, para a imensa maioria da população não havia sentido continuar estudando já que suas realizações profissionais esbarravam sempre no cenário já previamente montado, obedecendo a uma lógica (perversa) do mercado.

Algumas tentativas para reverter este quadro, no período da ditadura militar, foram realizadas, com um macro programa de industrialização do país foi intencionado a implementação de um ensino técnico, com resultados pífios, pela simples razão de não haver uma estrutura educacional respondente, já o sistema 3S (SENAC, SESI, SESC) também é uma tentativa de oferecer uma resposta à uma carência que, principalmente, após a redemocratização do país se tornava cada vez mais urgente.

Pode-se contra argumentar que no séc. XXI não é assim, ao contrário, o agronegócio sustentáculo da moderna economia brasileira é uma indústria de alta competência produtiva de commodities, que cada vez mais necessita de mão de obra especializada, especializada não mais no sentido de parágrafos acima mas uma mão de obra que fizesse a ponte entre o conhecimento fundamental e o superior (teórico). Uma formação culta o bastante para produzir cidadãos que fossem capazes de ir além do conhecimento fundamental, mas que não precisassem apresentar o domínio de um quadro teórico característico da formação universitária.  

Foi neste contexto socioeconômico que proliferaram os cursos técnicos e tecnólogos, porem esta iniciativa potencializada pelo governo Lula não teve a resposta necessária para atender a demanda, um dos motivos deste fracasso, existem outros: má gestão, incapacidade administrativa de implantação, descontextualização curricular (criação de cursos técnicos onde não havia demanda para tal) são alguns deles, porém queremos nos ater ao leitmotiv deste tópico: a existência de uma rede de ensino médio, que mesmo apresentado todas as mazelas já mencionadas continuava a existir, foi necessária uma profunda análise e reformulação estrutural e ideária para que o novo ensino médio tivesse o perfil necessário para produzir este novo cidadão que precisa viver e produzir em uma cultura cada vez mais digital, globalizada e que privilegia o técnico (técnico em grego: fazer com as mãos) em detrimento do saber teórico (aqui representado pelo saber universitário) é sob esta perspectiva que serão analisados os dois conceitos tema deste artigo.

 

METODOLOGIAS ATIVAS E O PROTAGONISMO

 

O novo ensino Médio traz como novidade pedagógica uma mudança de foco em sua ação, era dito que no ensino Médio tradicional a ação partia do professor e os alunos eram uma “plateia” e que suas metodologias de transmissão de dados, por consequência, eram de mão única: professor – aluno, a tão mal falada aula expositiva, os ideólogos do novo Ensino Médio colocaram esta falta de conexão com a vida cultural deste aluno, imerso desde o seu nascimento em uma mídia interativa como nunca aconteceu na história das comunicações, como o grande gargalo de todo o projeto, segundo estes autores.

Tal situação leva ao desestímulo e a elevada evasão nesta etapa de formação, esta pesquisadora se permite perguntar se é possível que mesmo com metodologias defasadas no sentido midiático, mas com um conteúdo que fizesse sentido para um mercado de trabalho cada vez mais exigente e carente de um tipo muito especifico de trabalhador, este jovem aprendiz não teria a disciplina de terminar sua formação? A pergunta ocorre na observação de cursos de treinamento empresárias dos quais participamos e que em termos midiáticos são muito pouco ativos, o que se trabalha nestes momentos são os procedimentos e formas de se atuar em uma determinada empresa, e adolescentes que pela manhã se mostravam entediados e dispersos com as aulas do professor, à tarde, na busca do primeiro emprego, se encontram atentos, estimulados e com raras evasões.

Este trabalhador atual passa muito longe da caricatura do apertador de botões eternizada por Charles Chaplin em “Tempos Modernos”, o perfil procurado pelos selecionadores (RH) dos grandes empregadores é de indivíduos com bom domínio técnico (saber fazer o que se propõe), ter capacidade de trabalhar em equipe, e com iniciativa e criatividade para solucionar os problemas e desafios de sua ação profissional.

Os pontos a seguir encontram-se em vários sites (vide relação in bibliografia) especializados nesta temática que aqui são destacados apenas os tópicos: 1. Interesse genuíno na oportunidade; “Os recrutadores buscam por candidatos que realmente se empenham e se mostram animados com a empresa e com o trabalho”. 2. Preocupação com a carreira, “Os recrutadores desejam contratar pessoas que possam fazer contribuições contínuas para sua empresa”. 3. Aprendizado constante “No mercado de trabalho de hoje, as empresas estão em constante mudança e os funcionários devem ser capazes de se adaptar”. 4. Paixão pelo que faz. “Lembre-se: habilidades sempre podem ser aprendidas, mas a paixão não. Ela deve estar dentro de você”.

E aqui abre-se espaço para o quinto item; embora todos os outros falem de perto do perfil deste novo aluno trabalhado a partir da parte flexível do currículo o quinto item é o projeto de vida em linguagem empresarial, senão, vejamos: Perfil de liderança. “Atualmente, para tornar a rotina de trabalho mais dinâmica, é imprescindível o domínio de algumas habilidades sociais. Algumas são: Comunicação; Trabalho em equipe; Proatividade; Capacidade de resolução de problemas. O sexto item: Valores alinhados com os da empresa. “...a adequação cultural é um fator extremamente importante quando se trata de contratação” encerra a descrição de como o mercado de trabalho quer receber seu futuro funcionário o que parece coincidir com o perfil descrito pelos ideólogos do Novo Ensino Médio. Nas palavras de Paulo Renato Souza, Ministro da Educação, na apresentação do programa de implantação do projeto: “É o novo ensino médio, que vai tornar o estudo mais próximo da vida real e preparar melhor nossos alunos para enfrentar as dificuldades da vida prática e ajudá-los a se tornarem cidadãos conscientes e participativos”.

Como em termos práticos este Novo Ensino Médio responde a este novo paradigma? Um quadro de medidas será implementado e todas elas deverão, pelo menos na teoria, funcionar como as engrenagens de uma máquina, cada uma delas desempenhando o seu papel sem uma hierarquia ou precedência, assim sem esta preocupação de mais ou menos importante tem-se o aumento da carga horária de 800 horas letivas anuais para 1000 horas,  perfazendo um total de três mil horas, das quais o máximo de 1800 horas é destinado a formação comum (BNCC), ou seja, daquele conteúdo curricular necessário para uma uniformização de conteúdos para todos os estudantes. 

Este máximo de 1800 horas comum a todos os estudantes brasileiros será complementado de forma articulada com no mínimo 1200 de conteúdo flexível onde este aluno, espera-se, vai criar sua trilha de capacitação, através do exercício do protagonismo, no exercício de assumir as diretrizes de sua ação pedagógica tendo como base sua capacidade de análise do contexto e criatividade para resolver problemas que antes simplesmente não existiam, o antigo ensino médio apresentava uma única e especifica trilha formativa, vale notar a confluência entre esta proposta e as solicitações do perfil de contratação profissional já expostos.

O protagonismo do aluno é um conceito tão específico que merece um tópico à parte deste artigo, basta saber que tendo em mente que agora o pêndulo da ação pedagógica se inclina para ele, como se estabelecem as metodologias ativas? A característica específica para tal proposta é de que este ato comunicacional seja de mão dupla, professor-aluno; aluno-professor em anteposição ao processo anterior que era de mão única professor-aluno, porém será que em sua essência “as metodologias ativas” são, realmente, uma novidade na história da educação?

Tomemos alguns momentos históricos onde o contexto social estabelece o treinamento de mentes críticas e criativas, da Grécia Clássica, berço da democracia e da Paidéia ocidental, temos três pedagogos que parecem que já utilizavam tais metodologias. Sócrates com sua técnica de interrogatório dirigido, apelidada por ele de Maiêutica, parto de ideias, fazia que através dos seus diálogos (os diálogos menores de Platão e de Xenofonte) que o aluno descobrisse em primeiro lugar sua ignorância, testando sua argumentação nas mais variadas condições.

Um dos exemplos mais esclarecedores desta metodologia ativa é quando Sócrates pergunta a um seu aluno se a mentira é uma coisa má, sendo afirmativa a resposta, Sócrates contrapõe com a situação de um filho doente que o pai mente para o filho dizendo que o remédio é um doce para administra-lo, desconstruindo o primeiro conceito abre-se o espaço para uma dialética formativa, no mesmo caminho sua pergunta quanto a coragem, quando seu aluno lhe apresenta como modelo um soldado que vai para a guerra, o que Sócrates lhe pergunta se uma mãe que dá a luz (naquele tempo não havia cesariana) não tinha demonstrado também coragem, com esta metodologia ativa não foi por acaso que ele foi condenado a beber cicuta, como pode ser visto, metodologias ativas podem oferecer alguns riscos, principalmente em ambientes avessos a pensamentos críticos e inovadores.

Seu mais ilustre discípulo, Platão, tinha no frontispício de sua academia a seguinte inscrição “Não entre quem não souber geometria”, ao mesmo tempo um rigoroso critério diagnóstico, um belo exemplo de aula invertida já que pressupõe um conhecimento estabelecido pelo professor e adquirido pelo aluno, que posteriormente (através do protagonismo do aluno) será debatido, em um processo dialógico de retro alimentação. Já Aristóteles, discípulo de Platão, tinha como metodologia o processo peripatético, ou seja, ensinar caminhando, com seus quatro ou cinco alunos, durante muitos anos Alexandre, o Grande, e outros jovens príncipes da Macedônia, foram alunos do inventor da lógica formal, caminhavam e o mestre aproveitava as mudanças de cenário para de forma ativa interacionar os elementos do passeio com os conteúdos discutidos.

Já os monges medievais eram treinados para, em uma sociedade de iletrados serem os olhos e os ouvidos dos papas, bem formados em uma ideologia católica de obediência irrestrita aos superiores eram enviados para as mais diversas cortes europeias onde prestavam seus serviços de confessores e escribas de uma classe dominante analfabeta, assim, devidamente condicionados por uma metodologia de submissão ao poder papal, todas as informações obtidas através das confissões ou das comunicações oficiais entre os nobres eram compartilhadas com o Papa que ficava sabendo o que se falava e o que se pensava com o seu rebanho, o domínio papal não tinha o menor interesse em abrir deste conhecimento (conhecimento é poder) não por acaso o domínio da igreja católica se estendeu por milênios e só foi quebrado com a reforma protestante.

Uma das primeiras atitudes de Lutero foi traduzir a bíblia latina, só os padres que sabiam latim podiam lê-la para o alemão, sua língua local. Esta relação entre metodologias ativas versus ambientes ditatoriais tem na biografia de Freinet uma ótima ilustração, este educador francês pouco antes da ascensão do nazismo desenvolvia muitas metodologias ativas preconizadas até hoje: o diário de viagem, o passeio pedagógico, o jornal entre classes, são propostas freinetianas que foram devidamente expurgadas e seu inventor exilado pela ditadura nazista que se tornava hegemônico na época. No Brasil a proposta de Paulo Freire para o ensino de adultos usando metodologias ativas (palavra geradora, aula dialógica, interação professor aluno) treinamento para um diálogo crítico e criativo, foi substituído no regime de ditadura (golpe de 64) pelo MOBRAL um Paulo Freire sem Paulo Freire.

O advento do computador, o mundo WWW redimensionou os processos comunicacionais; até sua hegemonia nos meios comunicacionais (salvo o telefone) eram de mão única, com a internet e os terminais individuais a interatividade (fonte recepção) ascendeu ao nível do diálogo, com o receptor interagindo em tempo real, no universo pedagógico este desafio não foi devidamente entendido, muitos teóricos postulavam que a chave para a recuperação da educação brasileira, especialmente, no ensino médio  seria o uso das mídias interativas que reproduzindo as mídias do mundo WWW com sua fluidez de dados estabeleceria um novo patamar de excelência.

Tal linha de pensamento deixa de lado que no universo pedagógico estas características têm que ficar atreladas ao conteúdo de qualidade e que a informação, às vezes, se torna desinformação, se não acontecer a figura do mediador, ou seja, por mais que a mídia seja ativa e interativa vai depender da mediação de um professor competente e da absorção correta do conteúdo proposto.

A mesma confusão entre fins e meios acontece no uso do jogo, enquanto alguns advogam que se aprende brincando, o correto, parece, ser que se aprende através do jogo, uma professora que apresenta amarelinha para sua turma, faz com que seus alunos aprendam as regras da amarelinha, já uma professora que usa os jogos de amarelinha para apresentar os números pares e impares, usa do jogo, da mesma forma um jogo WWW de construção de uma sociedade por si só, não faz acontecer a aprendizagem sobre a cultura medieval ou viking que se está montando, porém necessita de um professor para explorar a primeira e a mais básica e importante metodologia ativa: a aula dialógica.

 

O PROTAGONISMO – O CONDUTOR DA AÇÃO – DO TEATRO GREGO À SALA DE AULA

 

O conceito de aula dialógica, aula que se estabelece um diálogo, nos leva ao amago do protagonismo. O conceito de protagonismo como muitos outros conceitos modernos é uma invenção grega, surgiu no teatro clássico, a figura daquele que “conduzia a ação”, sua invenção se deve a Téspis considerado o inventor do teatro, a ele é creditado esta inovação: fazer a narrativa se desenvolver a partir de um determinado personagem, logo a seguir, por uma necessidade narrativa, surge o antagonista, ou, aquele que se antepõe ao protagonista, o vilão, e não deixa de ser curioso que, pelo menos nos palcos, quanto mais terrível o vilão melhor é o protagonista, para completar o cenário temos os coadjuvantes, aqueles que explicam ou sofrem a ação, mas que definitivamente não possuem seu primado.

Na proposta educacional do Novo Ensino Médio este primado da ação, antes do professor, passa a ser do aluno, e o professor passa a ter o papel antagonista, aqui tomado como aquele que faz com que o protagonista cresça e exercite suas melhores capacidades, ao contrário do que acontece no teatro este antagonista não é um vilão, o antagonista pedagógico exerce sim a função de se contrapor mas no sentido de fazer crescer: um mentor, outro conceito grego, que não tem o objetivo de humilhar, destruir, mas de fazer crescer, testar e orientar, levando este jovem a empreender uma trajetória heroica (afinal somos todos heróis de nossa trajetória pessoal) em prol de sua realização.

Estimular este desenvolvimento esta reflexão ao ponto crucial de ser professor diante de todas estas mudanças. Nos parágrafos anteriores foi colocado que o professor abre mão do protagonismo do ato de educar em prol do aluno, ao fazer disto sua tarefa não fica menos árdua e importante, ao contrário, sua missão ao estimular o crescimento, orientar a trajetória e preparar o estudante para os inevitáveis desafios, parece ser ainda mais complexa, quando era o protagonista “dizia” sua fala, agora no cenário da sala de aula, cabendo-lhe o papel de antagonista/mentor seu texto precisa ser construído no espaço do diálogo que sem ele qualquer “metodologia ativa” é “desativada”, a única diferença é o diálogo, uma pequena diferença mas que faz toda a diferença, e para exemplificar este momento nada mais simbólico que lembrar a primeira cena da Odisseia, poema creditado a Homero, que narra a luta de Odisseu (Ulisses em grego) para voltar para casa.

A cena em tela é quando o adolescente Telêmaco, filho de Odisseu é visitado por Mentor (o nome do seu professor) que de substantivo próprio passa a ser substantivo comum e neste caso especifico adjetivo, existem professores que não são mentores, mas não existem mentores que não sejam professores e são estes que fazem toda a diferença e para marcar esta diferença a história nos conta que não foi o Mentor real que deu instruções a Telêmaco para sair a procura do seu pai mas a própria deusa da inteligência: Palas Ateneia travestida que apresenta o desafio de sair de sua zona  de conforto abrir mão do seu comodismo e embarcar em uma jornada de crescimento pessoal que todo o jovem precisa empreender e é melhor que o faça com bons mentores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A cena anteriormente descrita parece ilustrar com perfeição os desafios do novo Ensino Médio, tanto de sua mudança do eixo quanto de sua metodologia. O jovem Telêmaco precisa sair de sua zona de conforto (de sua aula onde é apenas um coadjuvante) para enfrentar os desafios de construir sua história, para isto se faz necessário a figura da inteligência operacionalizada – Palas Ateneia (seu pai Zeus a criou de suas meninges) travestida de mentor, assim, parece ser o papel do professor, não diminuído, ao contrário, assumindo matizes muito mais profundas e instigantes; exercendo o seu papel de orientador, lançando mão de todas as metodologias possíveis para que através do diálogo se tornem realmente metodologias ativas.

Aspectos geopolíticos, sociais e econômicos sempre determinam as estruturas da escola que como um organismo vivo age e reage conforme seus estímulos, as demandas de um novo tempo exigem do cidadão competências e habilidades que a proposta o antigo modelo de ensino Médio já não conseguia responder e como na mais básica das leis de adaptação este dinossauro acadêmico não soube se adaptar as mudanças pedagógicos impostas pela queda no meteoro da globalização, 2022 é de algumas formas o marco zero para uma nova ecologia educacional, inevitavelmente erros serão cometidos, caminhos serão truncados, ideias que pareceram boas no papel irão se apresentar inócuas na sala de aula, mas é um caminho sem volta e cabe a cada um dos atores da educação se envolverem nestes novos processos quer queira, quer não, sob pena de se extinguirem irremediavelmente.

 

REFERENCIAS

 

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[1] Pós graduada em Língua Portuguesa – UniCEUB – Brasília – DF -  (61)3340-1600