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A PEDAGOGIA DA PRESENÇA: UMA REVISÃO DE CONCEITOS

Gislene Mendes Maciel EL-Hassani

 

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar dois dos conceitos basilares da Pedagogia de Presença: o próprio conceito de presença e o conceito de protagonismo, para dimensionar devidamente tais conceitos optou-se por uma pesquisa bibliográfica de caráter biográfico da formação indivíduo Antônio Carlos este levantamento objetiva responder a seguinte pergunta: o quanto dos eventos de sua formação influenciaram em sua proposta pedagógica? Um segundo levantamento bibliografia foi realizado buscando dimensionar a Pedagogia da Presença diante das propostas dos pensadores Paulo Freire, Freinet e Makarenko influencias confessas de Antônio Carlos, e através de uma análise crítica procurar responder por que sendo o conceito de presença e protagonismo, comuns a estes e outros autores devidamente citados as metodologias mais reacionárias ainda continuam sendo operacionalizadas? Através de leitura das obras dos autores acima citados e de comentaristas como Savaini, Stamato, Antunes, Fromm, Gutiérrez, Lipman, além das reflexões de Kahneman sobre o funcionamento do cérebro para a tomada de decisões conclui-se que o operacionalização eficaz destes dois conceitos passam necessariamente por uma prontidão pedagógica por parte do professor e do aluno de modo tal que ambos não caiam na armadilha do jeito mais fácil de transmissão de dados (aula expositiva) porém menos eficaz e da permanência na zona de conforto de ambos os personagens e principalmente por uma vigilância constante por parte de toda a equipe pedagógica acerta desta tarefa de ser presente na vida do outro bem como otimizar o exercício do protagonismo.

 

Palavras-chaves: Pedagogia da Presença. Presença. Protagonismo.

 

INTRODUÇÃO

 

Para entender as características da Pedagogia da Presença é preciso lembrar que todo o pensamento de transformação é um contra-discurso, ou seja, para que se entenda um discurso se faz necessário entender a que ele se antepõe, ignorar esta regra básica é correr o risco de não entender com clareza suas propostas, da mesma forma que na literatura quando um movimento literário é uma crítica ao seu antecessor – do romantismo para o realismo; na arte – do barroco para o neoclássico, para ficar com exemplos básicos. Vale notar que as trajetórias de todas estas correntes de pensamento seguem o mesmo roteiro, se iniciam como um processo crítico/criativo se estabelecem como discurso hegemônico para em seguida por causas dos seus excessos e eles sempre acontecem dar lugar a uma nova proposta, isto vale, a grosso modo, para todas as manifestações culturais inclusive para a educação, e a que situação pedagógica a PP se antepõe?

A uma pedagogia da “ausência”! Para que este conceito de “ausência” fique devidamente explicitado recorre-se a noção de Malinowsky (1978) que estabelece uma pesquisa etnográfica como aquela que o pesquisador interage com o grupo a ser estudado de uma tal forma que o estranhamento inicial de um indivíduo externo ao meio seja dissipado e só aí então se inicia a coleta de dados.

Tomamos de empréstimo a noção etnográfica que de que nenhuma pesquisa social é desprovida dos traços culturais de quem a produz, e o “fenômeno social” a que nos referimos é porque o Prof. Antônio Carlos idealizou a PP e só podemos responder a esta questão se nos debruçarmos em sua biografia emocional: filho de um militar, que desejava que pelo menos um dos seus filhos seguissem sua carreira, o que não aconteceu aliás, mas consolou-se quando Antônio Carlos ingressa no curso de medicina e se escandalizou quando este abandona o curso para se formar em Pedagogia, casa-se com uma ex-freira que viria a se tornar também sua parceira no desenvolvimento do projeto da PP e recém formado se vê na Direção da Escola FEBEM Barão de Camargos para meninas infratoras, em Ouro Preto/Minas Gerais em suas palavras trazia em uma das mãos Paulo Freire na outra um deposito de meninas nas mãos.

Ao olhar tais dados, nos parece que o cenário da Pedagogia da Presença começa a ser desenhado muito antes, primogênito Antônio Carlos recebe a missão de dar continuidade à carreira do pai, de uma certa maneira compensa está “frustração” entrando para a “respeitada” carreira de médico para logo a seguir abandoná-la para ser professor? Isto em um ambiente militar, de uma família mineira, na década de 70, há de se ter muita coragem e determinação, compondo este quebra cabeças se casa com uma ex-freira viria a ser sua companheira por toda a vida, soma-se a coragem, determinação uma dosagem de humanismo intrínseco, trinta e quatro anos convivendo e trabalhando juntos Maria José e Antônio Carlos não tiveram filhos biológicos mas sempre fizeram questão de exaltar seus “filhos pedagógicos”, uma presença feminina de formação humanista marcando toda uma trajetória de pesquisa e administração.

Por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher, diz a cultura popular o que no caso especifico ficaria melhor ao “lado de todo grande homem existe uma grande mulher”, para sustentar está afirmação basta lembrar no nome da fundação criada por eles: FAMJ – Fundação Antônio Carlos e Maria José Gomes da Costa. Assim temos um recém-formado professor cheio de ideias humanitárias transformadoras “trazia Paulo Freire em uma das mãos” encarregado de dirigir a Escola FEBEM Barão de Camargos para meninas infratoras, em Ouro Preto/MG, o prof. Antônio Carlos iria posteriormente presidir a FEBEM de Minas Gerais entre 1983 e 1985 e implantou um processo de educação que se tornou referência nacional para estudos e trabalhos com crianças e adolescentes privados de liberdade.

O cenário vai se tornando mais nítido, um jovem educador com a cabeça cheia de teorias, disposto a quebrar regras pré-estabelecidas, com uma vivencia de ausência (pai) presença (esposa) muito vívidas que se depara com um ambiente de pura ausência, física, material, mas principalmente emocional como nos conta em depoimento o seu irmão Alfredo Gomes da Costa que em uma live “A pedagogia da Presença e a presença do prof. Antônio Carlos” relata que em uma tentativa de diagnosticar o universo de em que estava trabalhando composto por meninas carentes, abandonadas, inadaptadas e infratoras, todas privadas de liberdade vivendo do mesmo local, sendo submetidas a humilhações e a castigos pesados, um enfoque correcional repressivo, também havia o enfoque assistencialista que visava apenas satisfazer as necessidades biológicas das detentas, e por fim o socioeducativo emancipador compartilhado por Antônio Carlos faz a seguinte pergunta: O que mais lhe incomoda?

Uma delas respondeu: “Para mim o que mais me incomodava e que eu ficava no centro de Belo Horizonte, e eu percebia que quando dava seis horas da tarde o movimento na rua aumentava as pessoas estavam saindo do seus trabalhos e indo para suas casas mas o que mais me doía mesmo não era o fato de eu não ter um trabalho, nem o fato de eu não ter uma casa, o que mais me doía era saber que em nenhum lugar não tinha ninguém me esperando”, segundo seu irmão foi neste momento que Antônio Carlos percebeu a necessidade de criar/sistematizar a PP, um momento sintetizado por uma de suas frases mais famosas: O pão, mesmo saboroso e abundante, se torna amargo, quando temos que comê-lo na solidão e no desencontro.

Para descrever esse momento é possível pensar em dois conceitos de que complementam e se somam: um é o conceito de Gestalt que é uma doutrina da psicologia baseada na ideia da compreensão da totalidade para que haja a percepção das partes, em termos de percepção a Gestalt explica como em um determinado momento partes aparentemente dispares se juntam na percepção de um todo maior que a simples soma de cada uma das partes.

Segundo a Gestalt isto ocorre em consequência de oito leis básicas, que aqui são pensadas como processos mentais – Unidade: Afirma que a nossa percepção de algo pode ser feita a partir de uma única parte ou de várias partes que formam um todo. – Segregação: Aqui está a nossa capacidade de olhar um único objeto e isolar cada uma das partes. -  Semelhança: Essa lei diz que objetos semelhantes, seja por forma ou cor, ou memorias se agrupam. - Proximidade (Agrupamento): a tendência da mente em agrupar conceitos próximos em busca de uma uniformidade; a lei da semelhança – a busca da mente em procurar em um determinado grupo de coisas ou fatos um padrão, também conhecida como apofenia. – Unificação: é quando temos coisas iguais ou parecidas distribuídas em harmonia. – Continuidade: quando a partir de conceitos dispares se procura uma linha unificadora. - Pregnância (Simplicidade): é à medida que indica o nível de facilidade de identificarmos algo. Se conseguimos identificar algo com facilidade, este objeto possui um alto grau de Pregnância. - Fechamento (Preenchimento): Quando percebemos alguma forma incompleta o nosso cérebro tende a fechá-la.

Com estes conceitos em mente é possível, quase, acompanhar todo o processo mental do prof. Antônio Carlos no momento que ouvindo aquele depoimento estabelecendo o insight da PP, o que no seu caso especifico o que pode ser comprovado pela dedicação e devoção ao projeto dele e de Maria José uma epifania, tal o gosto do prof. Antônio Carlos citar os pensadores católicos e a própria postura do professor a serviço de um resgate da presença não apenas assistencialista, mas no sentido walloniano de que ada pessoa evolui apoiada em sua própria história e histórias de outrem, a depender de modo como percebe o outro e o mundo, habita em seu mundo, ainda, como refere para si mesmo as mudanças.

Às vezes, de modo descontínuo, que se constrói entre idas e vindas de reflexões e construções que podem ser singulares e, ao mesmo tempo, manter similaridades com a história do outro, aquela menina não tinha um outro para se construir e foi esta a percepção profunda, intima, visceral por parte de ouvinte (prof. Antônio Carlos) que deflagrou todo o processo que reviveu o conceito de professor apresentado por Guimarães Rosa in Grandes Sertões Veredas, pela boca do jagunço Riobaldo Tatarana “Professor é aquele que de repente aprende”.

O prof. Antônio Carlos percebe em sua totalidade a ausência mais atroz que como tão bem nos lembra Maslow não é a comida a chave da realização humana mas suas interações emocionais e comunitárias, e em sentido contrário suas frustrações estão ligadas as ausências mais profundas do ser humano: Afiliação, Reconhecimento e Autorrealização, está longa digressão acerca deste “construto” cognitivo e emocional da Pedagogia da Presença tem um objetivo especifico: diferencia-la de outras teorias que colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem. Antes de apresentar estas linhas de trabalho e seus pensadores convêm sintetizar, a partir dos dados apresentados as principais características da PP, cabe salientar que o texto abaixo é um resumo do texto de Stamato (2008).

  • É uma andragogia de trabalho sócio-educativo com adolescentes autores de ato infracional. Andragogia no sentido entender que estes adolescentes não são crianças que precisam de serem guiadas por um mentor (pedagogia) mas jovens adultos capazes de gerir seu próprio futuro educacional (andragogia) e é uma andragogia de autores de ato infracional fazemos questão de salientar este ponto já que está proposto foi a princípio pensada para indivíduos de deliberadamente ou não infringiram códigos básicos de conduta social/legal, não se está falando aqui de adolescentes que realizam um enfrentamento social característicos desta idade mas jovens que por um motivo ou outro romperam com os códigos legais de conduta social.
  • Presença ativa e comprometida do educador, para que esta presença abra possibilidades para que jovem se torne “fonte de iniciativa, de liberdade e de compromisso consigo mesmo e com os outros, integrando de forma positiva as manifestações desencontradas de seu querer-ser” (COSTA, 1991, p. 20).
  • Relação educador-educando baseada na reciprocidade, entendida como “a interação na qual duas presenças se revelam mutuamente, aceitando- se e comunicando uma à outra, uma nova consistência, um novo conteúdo, uma nova força” (COSTA, 1991, p. 31).

 

A VISÃO DE HOMEM QUE EMBASA A PEDAGOGIA DA PRESENÇA

 

O homem não é um ser puramente determinado pelas condições de seu meio. Se ele é produto das relações sociais vigentes, não podemos ignorar que ele é também produtor dessas mesmas relações, cabendo-lhe, através de uma prática crítica e transformadora, instaurar um mundo propriamente humano. Por outro lado, o homem não é uma liberdade pura, desencarnada da sociedade e da luta de classes, uma vez que a sua história, embora tendo-o como sujeito, não é feita nas condições escolhidas por ele e, sim, em condições dadas que o antecedem e o ultrapassam. Ao falar do sujeito, que o mundo é, a um tempo, produtor e produto do homem, o qual, ao transformá-lo, engendra em si mesmo sua própria transformação (COSTA, 1991, p. 51).

 

O papel da consciência

  • a consciência reflete o mundo: [...] atividade de busca e aquisição de conteúdos para a conscientização, [...]por meio da qual educando e educador perscrutam a circunstância que os envolve, buscando reter aqueles aspetos mais significativos, capazes de possibilitar uma posterior elucidação do mundo. Trata-se do momento da eleição dos temas que servirão de ponto de partida do processo de conscientização;
  • a consciência compreende o mundo: a contribuição do educador para que o educando ascenda da simples apreensão e da interpretação ingênua do mundo à sua compreensão é, através do diálogo, da reflexão conjunta, distinguir os nexos entre os conteúdos. É o momento de relacionar isto com aquilo e aquilo com aquilo-outro. Esse exercício solidariza a visão da circunstância dispersa e atomizada nos escaninhos, nos departamentos, nos compartimentos de uma visão fragmentada do real;
  • a consciência significa o mundo: significar o mundo é assumir diante dele uma atitude de não-indiferença, é atribuir-lhe um valor [...] que não seja imposto de fora do educando, mas que seja extraído por ele mesmo de sua própria existência de vida [...];
  • a consciência projeta o mundo: projetar o mundo é atribuir um sentido aos acontecimentos do dia-a-dia, de modo a que o nosso esforço seja capaz de encaminhá-lo numa determinada direção [...] é romper com o imediatismo [...] e desdobrar a vontade transformadora no plano da temporalidade [...] Projetar o mundo, para o educando, é uma atividade revestida de um duplo caráter: um projeto de vida pessoal e um projeto de vida mais amplo, relacionado ao exercício do papel de cidadão trabalhador numa sociedade de classes;
  • a consciência preside à transformação do mundo: esse é o momento supremo, a consumação mesma do processo de conscientização. É quando o educando passa a agir sobre sua circunstância tendo como suporte de sua atuação a compreensão da realidade e os valores que elegeu a partir dessa compreensão, e tendo como bússola o seu projeto que nasceu da sua atividade crítica (confrontação entre o “ser” e o “dever ser”) sobre o movimento da realidade onde ele está inserido (COSTA, 1991, p. 52-53).

A Pedagogia da Presença se caracteriza como uma proposta diretiva, crítica e democrática, em que o educador, a partir de um posicionamento objetivo e claro, dá voz ao educando para que se coloque e defenda seu ponto de vista, num plano de direitos, deveres, espaços e limites de poder de cada um.

 

Da organização

 

Se estrutura segundo três níveis básicos de organização: o primeiro se refere à “organização das bases materiais do processo”, o segundo, à “organização das relações no interior do processo”, e o terceiro, à “organização da representação do processo nas consciências do educador e do educando” (COSTA, 1991, p. 65).

A criação de espaços de participação, a alavancagem de processos que dão coesão à comunidade educativa em torno de objetivos e metas de caráter coletivo, as formas de auto e de co-gestão, a definição do regime de vida, a divisão do trabalho, as formas de distribuição e exercício do poder na comunidade, a estruturação dos eventos cívicos, religiosos, esportivos , artísticos e culturais, a definição do conjunto de oportunidades educativas, a busca e a criação de opções para o uso do tempo livre, tudo isso são formas que, a cada momento, o esforço de organização da comunidade educativa vai assumindo (COSTA, 1991, p. 67)

O terceiro nível, a organização da representação do processo educativo nas consciências do educador e do educando, é o momento mais significativo desta proposta. Refere-se à busca, no contexto pessoal, interpessoal e social do educando, de temas capazes de evocar vivências e experiências para a construção da representação de si mesmo, que vai nortear sua caminhada e suas escolhas. É neste nível que o diálogo ganha destaque como instrumento mediador que concretiza a relação educador-educando como uma relação propriamente humana.

 

Os teóricos

A escolha destes teóricos deve-se principalmente as próprias citações do prof. Antônio Carlos, no final deste tópico elencamos outros teóricos que tem como protagonismo do aluno, este tópico tem um duplo objetivo apresentar as características únicas da PP diante de outras propostas de igual teor e tentar responder por que se tantos outros pensadores se preocuparam com este tipo de protagonismo ele não se tornou uma metodologia hegemônica? Cabe também esclarecer que, por uma questão de espaço físico as teorias de Paulo Freire, Freinet e Makarenko não serão apresentados em sua totalidade mas diante da PP, já devidamente expostas.

Paulo Freire

O método de alfabetização de adultos de Paulo Freire parte de uma realidade bastante diferente da de Costa, os adultos em Anjicos (primeira experiência de alfabetização freiriana) partia de um grupo de adultos engajados em um processo de produção de subemprego e que por carecer do domínio técnico da alfabetização se viam explorados.

Em comum temos o protagonismo do aluno, o papel do professor como mediador e o respeito ao conhecimento prévio do aluno, porem aqui temos uma outra diferença enquanto o público freiriano é de indivíduos que além de um letramento da vida, possuem uma motivação muito especifica: sanar uma dificuldade operacional: o domínio dos grafemas, em contraponto com o público original da PP que são de adolescentes desconectados com o tecido social, como já relatado anteriormente.

Este pormenor nos traz indagações sobre a operacionalidade de cada uma especificamente quanto a disposição de aprendizagem do aluno em cada uma das propostas, partindo do pressuposto que o método freiriano é para adultos é possível pensa-lo não apenas para a alfabetização mas levando em conta sua preocupação basilar em respeitar o contexto de mundo deste aluno é possível pensar sua aplicação em todos os níveis do fundamental ao superior, e mesmo com o professor como mediador existe uma vontade do aprendente em desenvolver seus estudos, já na PP em sua condição primordial temos adolescentes desconectadas socialmente, com baixa autoestima pessoal e acadêmica indivíduos que se perguntam incessantemente para que fazer isto (estudar)?

Para entendermos o quanto são diferentes estes dois públicos é necessário recorrer ao conceito de Síndrome da Desesperança Apreendida, este conceito desenvolvido por um dos mais eminentes psicopedagogos do século passado Reuven Feuerstein (1921/2014) estabelece em síntese uma “não atitude” pedagógica, basicamente indivíduos que não tendo nenhuma disfunção congnitiva ou comunicacional simplesmente não tem coragem de se predispor de sair de sua zona de conforto para tentar algo novo, tal síndrome pode ser representada pela frase “Não adianta perder tempo comigo não professor, eu sou burro mesmo, todos dizem isto”.

Segundo Feurstein tal atitude sem sua gênese em uma série de insucessos de apropriação de conceitos, é preciso notar que o processo de apropriação de conhecimentos é em termos psicológicos um salto, uma quebra de paradigmas, sair de sua zona de conforto e acomodar/assimilar este novo conhecimento se esta operação repetidamente fracassa e o meio em que este aluno transida não lhe dá suporte, ele toma a atitude de defesa de “não aprendente” e se a isto vem se somar um descaso daquele que deveria estar atente a todo este processo a Síndrome da Desesperança Apreendida acontece, e agora é possível apreender em toda a dimensão uma falta de esperança (desesperança) em realizar algo não por que não seja capaz mas por que os que o circundam lhe ensinaram a ser incapaz, tendo este cenário, que certamente ocorria na FEBEM com as adolescentes pergunta-se: só lá acontece este tipo de Síndrome? Será que em um ambiente desconectado da realidade do aprendente, com matérias estanques, com professores que em muitos casos por vicissitudes profissionais ou emocionais não consegue ou não pode dar um suporte que se constitua em uma real presença isto não aconteça?

Freinet

O prof. Antônio Carlos e Paulo Freire entendem que o protagonismo se desenvolve em um adolescente ou no adulto respectivamente. Mas será possível desenvolver este protagonismo em crianças da escola fundamental ou mesmo de uma pré-escola? Freinet prova que sim.

Celèstin Freinet nasceu em outubro de 1896, França, em uma cidade pequena bom aluno Freinet foi transferido para uma cidade maior, formado dando baixo no exército, logo após o termino da I Guerra Mundial em 1920 foi nomeado professor adjunto em uma escola rural e desde cedo debatia uma nova concepção de infância e educação. Freinet achava que a escola devia ser aberta à vida, ao meio humano, meio social e acabar com as antigas relações entre mestre e aluno. Para ele a pedagogia só era válida se apoiasse as necessidades do aluno, nos seus sentimentos, nas suas aspirações. Em 1927, as ideias e práticas de Freinet já haviam extrapolado os limites de sua escola e de sua aldeia, seu intenso trabalho e o ineditismo de suas ideias incomodam o pensamento conservador e ele é afastado de suas funções para logo em seguida fundar sua própria escola, nesta ocasião publica o primeiro número da Biblioteca de Trabalho, composto por brochuras escritas por seus alunos, publica também o Fichário escolar cooperativo. Fica conhecendo Elise, uma artista plástica que começa a trabalhar como sua ajudante. Depois, de algum tempo Célestin Freinet casa-se com Elise e escreve o livro “A Imprensa na Escola”, cria também a revista “La Gerbe” (O Ramalhete) com vários poemas infantis. Funda também a Cooperativa de Ensino Leigo e os dois vão trabalhar na cidade de Saint Paul. Começam a receber muitas correspondências por causa das atividades desenvolvidas na Escola e na Cooperativa.

Aberta aos alunos em 1935, o Ministério da Educação recusa-se a reconhecê-la. Apesar disto, Freinet trabalha arduamente criando o Conselho Cooperativo (gestão participativa), os jornais murais, a imprensa escolar, as fichas autocorretivas, a correspondência escolar, os ateliers de arte, continuando suas aulas-passeio, o Livro da Vida. Durante a segunda guerra mundial a escola é devastada, Célestin Freinet vai preso e encaminhado ao campo de concentração de Var, lá ele fica seriamente doente, mas enquanto é mantido preso dá aula para os seus companheiros. Sua esposa Elise Freinet luta pela sua libertação e consegue. Logo após a sua liberdade Célestin Freinet se alia ao Movimento da Resistência Francesa. Depois da 2ª Guerra Mundial, Freinet é acusado de espionagem, mas não é isso que lhe tira a confiança na pedagogia. Apesar de ter tantos problemas, Freinet luta até à morte pelas suas ideias de pedagogia, morrendo a 8 de outubro de 1966 em Vence na França.

Este pequeno resumo biográfico tem como objetivo mostrar como que como em todos os outros pensadores “transformadores” o “status quo” se insurge contra o novo como é o caso do método de alfabetização de Paulo Freire que é transformado pela ditadura militar no MOBRAL e na resistência passiva de tantas instituições da FEBEM à PP. Cada um dos teóricos apresentados neste tópico sofreu uma reação às suas ideias e teve que pagar um preço pelas suas propostas.

No caso especifico de Freinet sua filosofia de educação apesar de ser cunhada em um ambiente pedagógico de 70 anos atrás parece bastante atual, crítica da escola tradicional por ser contraria à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança, autoritária, com regras rígidas da organização de trabalho com um conteúdo determinado de forma arbitrária, compartimentado e defasado em relação à realidade social e ao progresso das ciências. (sic), sua proposta pedagógica é de uma escola centrada na criança, que é vista não como um indivíduo isolado, mas, fazendo parte de uma comunidade.

Atribui grande ênfase ao trabalho: as atividades manuais tem tanta importância quanto as intelectuais, a disciplina e a autoridade resultam do trabalho organizado. Questiona as tarefas escolares (repetitivas e enfadonhas) opostas aos jogos(atividades lúdicas, recreio), propõe o trabalho/jogo como atividade fundamental. Freinet elabora toda uma pedagogia, com técnicas construídas com base na experimentação e documentação, que dão à criança instrumentos para aprofundar seu conhecimento e desenvolver sua ação, nos termos de hoje: desenvolver o seu protagonismo e especifica que o trabalho embora adaptado à criança, deve ser uma atividade verdadeira e não uma atividade para brincar, assim como a organização escolar não deve ser uma caricatura da sociedade.

Um verdadeiro alerta para todos os projetos de vida a serem implementados de 2022 em diante. Suas técnicas são um verdadeiro manual de protagonismo: As aulas-passeio, Freinet saía com seus alunos passeando pelas proximidades, fazendo observações e descobertas sobre aspectos da natureza, da vida social, econômica e cultural da região. Debates eram realizados e registrados no Livro da Vida. A imprensa escolar, está criação possibilitou a construção de textos mais próximos dos interesses dos alunos. A livre expressão é muito valorizada na Pedagogia Freinet. Nos ateliers de arte os alunos tinham oportunidade de exercitar a criatividade exprimindo seus sentimentos, suas emoções, suas impressões, suas reflexões.

Outra técnica criada por Freinet foram as fichas auto-corretivas para trabalho individual, seus alunos eram incentivados a participar de projetos como jardinagem, artes, artesanato em áreas especificas de interesse para ele a escola tradicional estava baseada na matéria a ensinar e nos programas que definiam esta matéria hierarquizando-a. A escola do futuro girará à volta da criança, membro da comunidade. A criança deve ter a possibilidade de escolher o seu caminho consoante as suas aptidões, gostos e necessidades. A escola do futuro deverá preparar os jovens para uma vida profissional, enfim para a realidade que as espera “lá fora”.

Impõe-se, portanto, uma readaptação da escola pública a fim de oferecer às crianças do séc. XX uma educação que responda às necessidades individuais, sociais, intelectuais, técnicas e morais da vida do povo no tempo da eletricidade, da aviação, do cinema, da rádio… se trocarmos de século e de mídia o texto não nos parece semelhante a alguma coisa que tenhamos lido recentemente sobre a necessidade de uma mudança radical sobre a educação tanto no ensino fundamental como no ensino médio, porem este texto e estas ideias foram concebidas a 60 anos atrás.

Makarenko

Entre as várias propostas aqui elencadas a que mais se aproxima da PP pelo menos quantos aos seus elementos sociais iniciais é a de Makarenko, este pedagogo russo representando de uma proposta comunista de sociedade tem no centro de sua reflexão pedagógica o trabalho na produção da existência humana, de acordo com uma visão mais geral da história proposta por Karl Marx de que é a luta de classes o motos dos acontecimentos sociais marcados pelos processos de produção faz todo o sentido pensar em uma educação para e pelo trabalho, obedecendo esta lógica é possível afirmar  como quer Saviani (2007)

 

(...) a  existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo. (SAVIANI, 2007, p. 154)

 

É sempre bom lembrar que esta centralidade no trabalho de forma não alienante também está presente da PP assim os primeiros alunos/as de Makarenko, na proposta socialista russa da primeira metade do século XX era constituída de crianças e menores infratores, segundo Makarenko (1976) as normas – as regras devem ser discutidas junto ao coletivo e este coletivo deve acontecer de forma autônoma e disciplinada, com critérios e hábitos de trabalho e estudo. De modo que o educar é um processo prático (formação de hábitos que se tornam a “segunda natureza”), de longo prazo, que requer dos educadores uma filosofia do meio-termo – ser severo de forma carinhosa – e capacidade de dar significado as regras. Através deste breve resumo fica clara a influência das ideias de Makarenko no construto teórico da PP.

Neste tópico elencamos três teóricos que o próprio prof. Antonio Carlos cita como importantes para a formação da PP porem existem vários outros que tem na centralidade pedagógica os conceitos de: presença emocional e protagonismo estudantil é possível citar Comenius (theco, 1592/1670); Wallon, (francês, 1879-1962), Carl Roger, (americano, 1902/1987); Ausubel (americano, 1918/2008) uma singela relação que mostra que pensadores de todas as épocas e lugares se insurgiram contra a relação professor aluno vigente e a falta de protagonismo observada.

Todos se insurgem contra um momento de opressão pedagógica e social como pode ser devidamente observado em cada uma das suas biografias, e como por que apesar de parecer claro que a pedagogia da Presença, sob suas diversas formas é a mais eficiente das formas para a transformação do aluno e do professor, a pedagogia do “distanciamento” teima em ser praticada? É possível elencar duas hipóteses. Primeira por ser mais fácil: quando ao método de transmissão!

Para que se entenda esta afirmação em toda a sua plenitude é necessário recorrer as modernas pesquisas sobre o funcionamento do cérebro em especial a neurologia e o estudo das tomadas das decisões, sobre este tópico a leitura da obra de Kahneman “Rápido e Devagar – Duas formas de pensar”, já na década de 1970 Kahneman e seu amigo Amos Tversky começaram a desenvolver uma teoria de como o cérebro toma decisões, uma teoria que obteve o Prêmio Nobel de Economia em 2002, em síntese Kahneman divide a mente em dois sistemas, o primeiro é a parte que toma decisões de maneira automática e rápida e não pode ser desligado, sua estrutura de respostas se baseia, muitas vezes, em um sistema de crenças e pré-conceitos, é atraído por informações compactadas, diretas que já tragam prontas informações e juízos de valor, (opiniões), este sistema trabalha normalmente na zona de conforto e do menor esforço, sua rapidez nos leva a tomar atitudes preconceituosas e no campo pedagógico a errar questões que exigem atenção quando se pode por exemplo para marcar a opção errada e você marca a certa.

O sistema dois é mais lento e exige esforço e atenção, é nele que acontecem os processos de síntese, criação e aprendizagem significativa, mas isto exige esforço e paciência, como um sedentário que começa a fazer atividades físicas, nos primeiros dias todo doí, a vontade de ficar no mesmo lugar é permanente e se encontra sempre uma desculpa para não realizar as tarefas físicas programadas, trabalhar neste sistema é estar sempre fora da sua zona de conforto, em outras palavras, trabalhar no seu limite. Kahneman destaca que o sistema 2 é muitas vezes preguiçoso.

Controlar pensamentos e comportamentos é uma atribuição dele, mas o autocontrole e o esforço cognitivo são formas de trabalho mental e, por natureza, temos aversão a este tipo de esforço, ora a PP trabalho com dois conceitos que na perspectiva de Kahneman são extremamente trabalhosos as relações interpessoais, o viver em grupo é uma das atividades cerebrais mais trabalhosas, não é por acaso que a maior porção do nosso cérebro é dedicada a gerenciar estes mecanismos, não possuímos um cérebro mas três com programação diferentes, cerebelo responsável pelas ações dos mecanismos de sobrevivência, também conhecido como complexo R (de réptil) o primeiro a ser desenvolvido, o segundo: o Límbico (centro das emoções) comum em todos os mamíferos gregários especialmente complexo nos antropoides e o neocortex responsável pelas funções de cognição e imaginação.

E mais fácil manter uma relação social onde as posições já estão devidamente conhecidas e a hierarquia determinada, (zona de conforto); manter um diálogo realmente democrático, se colocar no lugar do outro, se tornar presente emocionalmente é uma tarefa que exige esforço constante de ambos os atores, da mesma forma o protagonismo que irá exigir um posicionamento consciente de cada passo que este estudante irá dar na sua formação, sua zona de conforte é naturalmente aceitar que o protagonismo volte para as mãos do professor assim irá se exigir da responsabilidade do “não protagonismo”, já que uma das consequências atitudinais desta proposta é a que a proclamada responsabilidade pelo sucesso acadêmico que a pedagógica atribuía ao professor que era considerado afinal de contos o protagonista da aprendizagem este novo ensino médio ao mover o pendulo do protagonismo para o aluno lhe concedendo o poder da escolha lhe lembra que com isto também se estabelecem grandes responsabilidades. Grandes poderes, grandes responsabilidades.

A segunda hipótese se estabelece na própria condição de ser da escola como espaço educacional, neste espaço convivem duas forças de que opõe e se complementam, são elas: as forças de formação e de crítica; as forças de formações correspondem aquelas que se destinam segundo a constituição de 1988 art. 205 sua inserção em um mercado de trabalho, e podemos aumentar este alcance pensando em Makarenko em toda a sociedade, e pensando radicalmente: está inserção dever ser a melhor possível, da melhor qualidade técnica, transmitindo ao estudante da melhor forma possível de maneira mais eficaz uma prática que lhe permita transacionar com o mercado de trabalho e consequentemente com toda a sociedade.

Já as forças críticas são representadas pelo exercício da cidadania, ora só se pode exercer em plenitude sua condição de cidadão quem tem plena consciência crítica e o protagonismo de suas ações, acontece que como qualquer instituição social com o passar do tempo seus agentes acabam caindo no comodismo e o poder da burocracia (o poder da mesa: birô: do francês - bureau) acaba prevalecendo. Assim a burocracia pedagogia tende a seguir o caminho da formação rasa e descompromissada com qualquer vínculo de formação, na verdade não fazendo nenhuma das duas tarefas nem formar trabalhadores eficientes e eficazes nem cidadãos capazes de serem protagonistas de sua história. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao se debruçar sobre a biografia destes pensadores é possível perceber o quanto determinados eventos oriundos de suas vivencias emocionais se tornaram importantes para a construção teórica de suas propostas ao mesmo tempo ser imprescindível entender o contexto histórico e as suas propostas das quais estes pensadores se insurgem, ao mesmo tempo, em sentido contrário, fica o alerta que sem estes dois cuidados propedêuticos os riscos de uma análise distorcida do fato analisado é grande demais para ser aceito em um discurso que se pretende competente.

Por outro lado fica claro dos desafios da implantação de tal mudança, que como visto nos parágrafos anteriores foi intenta diversas vezes e, pelo menos, no Brasil com resultados píficos – a tendência do professor e do aluno devido as estruturas mentais já expostas em seguir o caminho condicional mais fácil (aula expositiva) e o cultura da burocracia que procura apenas cumprir o que se estabelece sem se preocupar com os resultados, ambos os desafios devem ser suplantados pela fomentação da capacidade dialógicas dos atores e sua empatia e a predisposição em sair de sua zona de conforto, há de se transformar porem jamais perder a ternura.

 

REFERÊNCIAS

 

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