Buscar artigo ou registro:

 

 

A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DE TEMAS COMO VIOLÊNCIA, IGUALDADE DE GÊNERO, SEXUALIDADE E ABORTO COM OS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II E ENSINO MÉDIO

Luzinete da Silva Mussi[1]
Lúcio Mussi Júnior[2]

 

 

RESUMO

Frente ao grande índice de violência e abusos contra crianças e adolescentes, bem como contra a mulher em nosso país atualmente, o presente trabalho foca nas ações que podem ser implementadas pela instituição escolar no sentido de levar conhecimento e conscientização aos estudantes, formando cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres, consequentemente mais capazes de constituírem uma sociedade mais justa e igualitária. A insuficiência das políticas públicas empregadas até aqui no sentido de minimizar tais problemas também é verificada. Visando cumprir tais objetivos, este trabalho foi formulado por meio do método de revisão bibliográfica, fundamentando-se em trabalhos de autores como: AMORIM (2018), COTTA (2015), COUTO (2015), PEDROSO (2021), RIBEIRO (2021), entre outros.

 

Palavras-chave: Ludicidade. Ensino. Educação Infantil.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Nosso país enfrenta atualmente um cenário inaceitável no que tange a violência contra a mulher, contra a criança e aos adolescentes. Tal situação, assim como todas as mazelas sociais, é sentida de forma mais intensa pela parte da população menos favorecida econômica, social, cultural ou financeiramente.

Embora tenham havido ganhos com relação a este quadro nas últimas décadas, muito ainda precisa ser feito para que possamos chegar a um patamar ao menos aceitável.

Frente ao presente problema, a escola mostra-se como uma importante aliada da sociedade no sentido de conscientizar as crianças e adolescentes com relação tanto a seus direitos, quanto aos seus deveres como um cidadão, levando até eles um conhecimento libertador e capaz de mostrar caminhos alternativos à triste realidade que podem, eventualmente, estar vivenciando.

Deste modo, o presente trabalho busca entendimento relativo à importância de se trabalhar os temas relativos ao “empoderamento feminino” e o “aborto” junto aos estudantes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, sempre respeitando as especificidades de cada faixa etária e de cada turma.

Faz-se importante destacar que não se trata de uma proposta de “ensinar” ou estimular a prática de sexo, mas sim a busca por apresentar os pontos positivos e a importância do debate com os estudantes com relação ao funcionamento de seu corpo, seus direitos irrefutáveis sobre ele, bem como destacar, em momento adequado, as formas de se proteger de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.

Outro ponto a ser trabalhado é a autoestima principalmente das crianças e jovens do sexo feminino, de modo que sejam capazes de agir com firmeza, buscando ajuda se necessário, em caso de qualquer tipo de abuso físico, psicológico ou sexual.

O aborto (ou abortamento) também faz parte do foco desta pesquisa, já que está diretamente ligado à condição da mulher que pode ter conhecimento e acesso a recursos para evitar a gravidez indesejada, ou pode por alguma “falha” (financeira, social, cultural...), acabar por engravidar em uma situação em que o aborto seja visto como a resolução mais viável, ou a única.

Visando o cumprimento de tais objetivos, valeu-se da metodologia de revisão bibliográfica, à luz dos trabalhos de autores como AMORIM (2018), COTTA (2015), COUTO (2015), PEDROSO (2021), RIBEIRO (2021) e outros.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2021), cerca de 81% dos casos de violência contra a criança acontecem dentro da própria casa da vítima, conforme enfatizado a seguir:

 

A violência contra crianças e adolescentes atingiu o número de 50.098 denúncias no primeiro semestre de 2021. Desse total, 40.822 (81%) ocorreram dentro da casa da vítima. Os dados são do Disque 100, um dos canais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH). No mesmo período em 2020, o número de denúncias chegou a 53.533. A maioria das violações é praticada por pessoas próximas ao convívio familiar. (BRASIL, 2021, s.p.)

 

Mussi (2017) destaca ainda que os problemas de violência contra a criança e o adolescente, bem como a maioria das mazelas sociais, afetam maioritariamente a população menos favorecida de recursos financeiros, haja vista que a privação de dinheiro impele a condições deficientes de subsistência. Tal problema acaba por afetar todas as áreas da vida destes indivíduos, como condição de moradia, alimentação, segurança, higiene, educação, saúde, cultura, enfim, gera uma condição de permanente calamidade, perpetuando um ciclo de miséria e pobreza.

Mostra-se evidente, portanto, que quanto menor é a renda da família, mais seus integrantes estão expostos a condições que os levam a dificuldades, privações e riscos oriundos de diversas naturezas.

Neste sentido, Mussi (2017) questiona a efetividade da igualdade de direitos garantida pela Constituição Federal de 1988 a todos os brasileiros ao sugerir uma reflexão através do trecho abaixo:

 

Imagina-se que duas crianças nascidas no mesmo dia, na mesma cidade, com os mesmos direitos à vida, saúde, alimentação, educação, segurança, entre outros, devidamente assegurados pela nossa Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Supondo que uma dessas crianças seja o quinto filho de um casal que mora em um barraco improvisado com restos de madeira, localizado em um bairro pobre e violento na periferia. Que a mãe dessa criança seja desempregada e analfabeta. Que o pai dessa criança seja operário e saia de casa às cinco horas da manhã para trabalhar e volte às vinte horas devido à distância e que receba um ordenado de um salário mínimo como única renda de sua família. Vamos supor agora que a outra criança é filha de um dos sócios da empresa que o pai da primeira criança trabalha. Supomos que o pai dessa segunda criança recebe um farto pró-labore, além de participação nos lucros da empresa da qual é sócio. Mora em um bairro nobre da cidade em uma casa que oferece todas as condições de conforto e higiene onde o bebê recém-nascido já possui sua própria suíte montada com tudo de que necessita.

Perante essa situação hipotética, mas similar a muitas que acontecem todos os dias, podem-se fazer várias indagações: - Na prática, essas duas crianças têm o mesmo direito à vida? Terão o mesmo tipo de assistência á saúde? As duas terão a alimentação adequada para seu bom desenvolvimento físico e mental? Terão acesso à educação de qualidade? Esses dois indivíduos terão direitos iguais no tocante ao acesso a laser e ao convívio social? (MUSSI, 2017, s.p.)

 

Fica evidenciado, deste modo, o quanto a desigualdade financeira pode tornar diferente a vida de pessoas que estão em classes sociais diferentes em nosso país. Neste cenário, oportunidades, riscos e até mesmos os direitos parecem distintos desde o nascimento.

Frente à problemática observada nas questões sociais brasileiras, a escola aparece como instituição capaz de levar algum socorro ou alívio, mesmo que de forma limitada. Porém, é preciso que haja, em primeiro lugar, a consciência de seus integrantes de que estão criando o futuro, de que estão formando o cidadão do amanhã e que, só haverá mudança se essas pessoas pensarem de forma diferente do que se pensa hoje. É necessário trabalhar para formar pessoas conscientes e críticas, seres humanos conhecedores de seus direitos e respeitadores dos direitos do próximo.

Entende-se que a maior parte das crianças e adolescentes que sofrem algum tipo de agressão ou abuso, também frequentam a escola. Neste sentido, um trabalho bem executado e capaz de conscientizar estes indivíduos de seus direitos e o acompanhamento na busca por intervenção quando necessário poderia minimizar o problema. De forma análoga, a maioria das meninas que engravidam na adolescência também frequenta a escola regular, e muitas vezes abandonam devido à gravidez. Então um trabalho capaz de levar informações a elas e aos seus eventuais pares, bem como promover o acesso aos métodos anticoncepcionais poderia minimizar o problema. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, os relacionamentos abusivos também seriam reduzidos, já que, ao conscientizar a parte mais vulnerável, esta encontrará mais facilidade em perceber a seriedade dos abusos e mais condições de afastar-se deles e mesmo buscar auxílio, caso necessário.

Mostra-se, então, percetível a importância social da escola na constituição de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Pedroso (2021) chama a atenção para o índice da gravidez na adolescência no Brasil, que está acima da média mundial, conforme apresentado abaixo:

 

O índice de gravidez na adolescência no Brasil está acima da média mundial. Em 2020, registrou-se que, a cada mil brasileiras entre 15 e 19 anos, 53 tornam-se mães. No mundo, são 41, conforme relatório lançado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa). A média da América Latina é de 62 meninas, a cada mil, que engravidam nesta faixa etária. Os dados reforçam a necessidade de tratar a gravidez na adolescência como uma questão de saúde pública. (PEDROSO, 2021, s.p.)

 

Corroborando, Amorim (2017) afirma que, de forma geral 55% das gestações em nosso pais não são planejadas. Quando se observa apenas as adolescentes, esse índice sobe para 66%.

Esses números apontam, acima de tudo, o quanto os jovens brasileiros, e ainda pior, isso se perpetua durante a vida adulta, estão abandonados a nível de informação, conscientização e acesso aos meios contraceptivos.

Filippelli, (apud Pedroso, 2021), enfatiza que:

 

A gravidez quando na adolescência, desejada ou não, produz uma série de impactos na vida das jovens, tanto na área familiar, social, quanto pessoal e influencia diretamente a autonomia econômica dela no futuro. Nessa semana temos a oportunidade conscientizar a todos por meio do diálogo quanto a todas essas questões... (PEDROSO, 2021, s.p.)

 

Cotta (2015) acrescenta que no ano de 2014 foram estimas 208 milhões de gestações no planeta, cerca de 41% não foram planejadas, metade destas teriam terminado em aborto.

A autora enfatiza ainda que a falta de atenção ao planejamento familiar além de agravar o problema da gravidez na adolescência e do aborto, ainda aumenta as taxas de mortalidade infantil em decorrência de falta de recursos.

A autora retro citada enfatiza que há consenso cada vez mais abrangente entre os estudiosos de que o homem é igualmente responsável pela gravidez indesejada e que deve ser educado e conscientizado de tal responsabilidade.

Ribeiro (2021) traz à baila um agravante ao problema da gravidez na adolescência ao afirmar que a cada ano ocorrem no Brasil cerca de 19 mil partos de mães que têm entre 10 e 14 anos de idade.

Tais dados causam ainda mais espanto devido ao fato de, segundo a legislação brasileira, manter relações sexuais ou atos libidinosos com crianças menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, ainda que haja o consentimento da vítima, ou que haja uma relação amora estável. Conforme destacado abaixo:

 

A Lei dos Crimes contra a Dignidade Sexual – Lei 12015/2009, trouxe o tipo do art. 217-A do CP - estupro de vulnerável. Embora nova a referida tipologia penal, o que fez a lei foi estabelecer em um único tipo o estupro e o atentado violento ao pudor de vulneráveis, realizando a fusão do que antes estava tipificado no art. 213 e art. 214 c/c art. 224 do CP, aumentando, ainda, a pena. Mas não foi só isso que a lei mudou. Ao contrário da redação anterior que se falava em presunção de violência, agora a lei fala em vulnerabilidade.

Em outras palavras, o art. 217-A do CP sanciona a prática de conjunção carnal ou atos libidinosos contra vulneráveis, estabelecendo as hipóteses de sujeitos sexualmente vulneráveis.

Registre-se, apenas, que ato libidinoso é qualquer conduta – capaz de satisfazer a lascívia do agente – diverso da conjunção carnal. Trata-se de conceito, portanto, abrangente. (COUTO, 2015, s.p.)

 

Tal prerrogativa enfatiza que parte dos direitos constitucionais garantidos ao povo brasileiro parece ser apenas teórico, haja vista que, na prática, os governos parecem incapazes de garanti-los de fato.

Cotta (2015) corrobora acrescentando o seguinte:

 

... também é necessária a existência de uma rede de proteção efetiva, que possa proteger adolescentes dos diversos tipos de violência e oferecer mecanismos para denunciá-la. A família também precisa ser acompanhada de perto, com conhecimento de como acionar os serviços. “Prevenir a gravidez precoce é essencial para cumprir a promessa da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, de não deixar ninguém para trás e de garantir que as meninas possam alcançar seu maior potencial e exercer seus direitos humanos”, acrescenta a representante. (COTTA, 2015, p.d.)

 

Contudo, percebe-se a carência de políticas públicas realmente eficientes e capazes de levar conhecimento, conscientização e recursos à população menos favorecida, sobretudo aos mais jovens.

Neste cenário, a escola precisa atuar de maneira mais ativa na formação de nossas crianças e jovens, onde, principalmente os professores e gestores ocupam posição favorável para a adoção de práticas capazes de contribuir para que, ao menos conhecimento e conscientização cheguem até seus alunos.

Neste âmbito, Amorim (2017) afirma que:

 

Discutir a sexualidade humana, os métodos contraceptivos e a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis é também função da escola e pode trazer efeitos positivos importantes, muitos dos quais vêm sendo amplamente estudados na literatura especializada. (AMORIM, 2017, s.p.)

 

Mostra-se de grande importância destacar que não se trata de estimular ou ensinar a fazer sexo, mas sim de levar conhecimento com relação ao funcionamento do corpo humano, bem como das responsabilidades, riscos e direitos envolvidos na maneira como cada indivíduo faz uso de seu corpo. Lembra-se ainda que a observância da faixa etária a ser trabalhada e também do grau de maturidade psicológica apresentado por cada indivíduo devem ser os norteadores de qualquer abordagem que se faça envolvendo temas relativos à sexualidade.

Assim, as abordagens com os estudantes devem sempre ter um carater de levar informação, conscientização e responsabilidade, de modo a minimizar as chances de que se pratiquem atos irresponsáveis e também reduzir os abusos tanto sofridos quanto praticados. Trata-se, portanto, da educação trabalhando em prol da formação de indivíduos mais conscientes.

Corroborando, acrescenta-se que:

 

... a gravidez na adolescência ocorre com maior frequência entre as meninas com menores escolaridade, renda e acesso a serviços públicos, além das que estão em situação de maior vulnerabilidade social. Assim, a discussão do tema ser torna ainda mais urgente uma vez que as mães precoces tendem a ter menos acesso às informações preventivas e também estão mais expostas às práticas de violências.... (COTTA, 2015, p.d.)

 

Percebe-se ainda a necessidade da organização de conversas com os estudantes sobre os temas diversos, porém muito importantes na formação do ser humano, como as questões sociais dos locais onde vivem, o papel da mulher na sociedade, sexualidade, contracepção, respeito ao próximo, entre outros. (PLENARINHO, 2021)

Neste sentido, destaca-se ainda que:

 

Desenvolvendo atividades que permitam que meninos e meninas questionem e compreendam o papel e a importância de cada um na sociedade. Recuperando e valorizando a participação feminina na História do País, nas ciências, nos esportes, na arte, na política. Desconstruindo a ideia de que existem atividades próprias de um ou de outro gênero. (PLENARINHO, 2021, s.p.)

 

Seguindo tal ideia, mostra-se importante que os professores das diversas disciplinas trabalhadas na Educação Básica, sejam capazes também de promover a igualdade entre os gêneros, sempre mostrando aos estudantes a equiparação de qualidades, direitos, capacidades e valores, buscando a formação de indivíduos conscientes de tal igualdade.

Assim, o feminismo, enquanto movimento e ideologia que prega a igualdade entre os gêneros, também deve ser alvo de diálogos junto aos estudantes, conforme enfatizado abaixo:

 

O empoderamento feminino na escola, por exemplo, é uma das medidas capazes de contribuir para o desenvolvimento de mulheres mais preparadas e confiantes, aptas a colaborar com a sociedade para o seu progresso. Nesse sentido, cabe ao professor — diante das circunstâncias — incentivar as reflexões sobre os gêneros, promover a equidade, estimular a empatia e fortalecer o empoderamento feminino na escola, evitando que meninas se sintam menosprezadas frente a situações machistas. (ESCOLA DA INTELIGÊNCIA, 2019, s.p.)

 

A Escola da Inteligência ainda destaca que devem ser incorporadas às práticas escolares, atividades capazes de levar os estudantes a questionamentos e à busca pela compreensão do papel e da importância assumida por cada um frente à sociedade em que vive. Desta forma é possível fortalecer o entendimento de igualdade de gênero.

Outro ponto de grande importância está relacionado a levar até os estudantes o conhecimento relativo à questão da violência contra a mulher, estimulando os debates amplos sobre o tema, conforme exemplificado abaixo:

 

Peça que os(as) estudantes pesquisem na internet notícias sobre casos de violência contra a mulher, sobre as estatísticas mais recentes. Eles(as) devem analisá-las e comentá-las com a turma. Peça que digam quem são os agressores mais comuns, o que os moveu. Peça que definam o termo feminicídio e o que ele significa. (PLENARINHO, 2021, s.p.)

 

Assim, a Internet e os meios digitais mostram-se como importantes aliados dos professores no trabalho com os temas retro citados, são práticas capazes de envolver os estudantes na própria pesquisa e estimular a discussão. Livros e revistas também são de grande valia neste trabalho, assim como palestras específicas, mas não se podem descartar casos em que conversas individualizadas possam ser necessárias, bem como o auxílio ao aluno que precisa de ajuda em outras esferas, como sociais, profissionais, legais ou até mesmo policiais.

Neste sentido, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos destaca a funcionalidade do serviço “Disque 100”, conforme observa-se a seguir:

 

O Disque 100 é um serviço gratuito para denúncias de violações de direitos humanos. Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia pelos serviços, que funcionam 24h por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. Além de cadastrar e encaminhar os casos aos órgãos competentes, a Ouvidoria recebe reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. (BRASIL, 2021, s.p.)

 

Voltando às discussões relativas ao abortamento, apresenta-se abaixo um texto focado no convite à reflexão e debate sobre o tema:

 

O corpo é meu!

 

Vamos supor que eu tenha um carro. Eu comprei, paguei por ele com o meu dinheiro e transferi para meu nome. Este carro é meu e está pago, logo eu posso fazer o que quiser com ele. Eu posso mudar de cor, trocar os estofamentos, tirar o banco de traz e colocar caixas de som no lugar. Posso até pegar um machado e quebrar todos os vidros dele, quebrar também os faróis, drenar o óleo do motor e deixar funcionando até travar completamente. Jogá-lo de uma ribanceira ou atear fogo nele. Eu posso fazer tudo isso se eu quiser e não existe uma lei que possa me punir por isso, a menos que eu tenha colocado outras pessoas em risco por isso. Eu não posso andar na rua com o carro em más condições, mas posso fazer o que eu quiser com ele e você que está lendo este texto agora não poderá fazer nada contra mim (ao menos legalmente). Pode até me taxar de louco, mas vai ficar só nisso.

Agora, vamos imaginar uma situação hipotética:

– Eu não quebrei o meu carro, ele está perfeito. Então eu resolvo ir ao clube no domingo e você também está indo pra lá. Então eu permito que você entre no meu carro e vá comigo. Sim, eu permito, visto que nesta hipótese ninguém me forçou a aceitar você dentro do meu carro e eu tenho à disposição inúmeros recursos que poderiam evitar que você ou qualquer outra pessoa entrasse no meu carro.

Pois bem, estamos nós (felizes ou não) a caminho do clube. Porém, no meio do trajeto eu percebo que você me atrapalha. Sim, sua presença me incomoda e além do mais eu quero chegar no clube sozinho e não com alguém inconveniente como você do meu lado. E se eu tiver que cuidar de você no clube? Nem pensar! Sou novo demais pra isso e você atrapalharia totalmente meus planos e minha vida.

Então eu posso parar no acostamento e pedir a você que desça e chame um táxi, um Uber, ou faça seja lá o que queira fazer. Pronto, você segue seu rumo e eu sigo o meu!

Seria bem fácil se fosse assim.

Mas não é!

Nós estamos atravessando um túnel. Sim, havia um longo túnel no trajeto até o clube e agora estamos dentro dele. O trânsito é intenso, não tem acostamento e, como você já deve estar imaginando, não há como parar e muito menos voltar ao ponto de partida. Então a única opção é atravessar todo o túnel com o inconveniente de sua presença dentro do meu carro e, só do outro lado, parar no acostamento e deixar você em um local onde alguém possa ficar com pena e te dar uma carona.

Já que estamos neste ponto, gostaria de lembrar que somos humanos, sentimos emoções e muitas vezes elas se desordenam a tal ponto que nossos horizontes vão se fechando até restarem poucas (ou pouquíssimas opções).

Sim, o túnel é bem longo e os sentimentos travam grande batalha em minha mente. Sua presença me incomoda e o simples fato de eu lembrar que você está dentro do meu carro já torna minha vida um inferno. Você começa a perceber que a situação está ficando tensa e vasculha a memória recente em busca de algo que tenha feito para me deixar irritado e nada. Você então, se lembra de que eu não lancei mão de nenhum recurso que te impedisse de entrar em meu carro e agora percebe que minha ira cresce de forma desordenada.

Neste momento eu cheguei ao meu limite e tento te empurrar do banco do carona para que se estatele em meio aos veículos que vêm atrás, mas sozinho eu não consigo e você já não sabe o que vai acontecer e nem tampouco por quanto tempo ainda estará vido.

Em meio a todo esse desespero percebe-se que um outro veículo alcança o meu passando a andar ao lado, tão encostado que basta eu abrir o vidro para que o outro condutor possa tocar em você. Nem um de nós sabe quem é essa pessoa, de onde veio ou pra onde ela vai. Mas sabemos que ele pode me ajudar.

Você agora está desesperado e sabe que o fim chegou, mas não há nada a se fazer, não há pra onde fugir. Nesse momento o condutor desse outro veículo mostra-me ferramentas com as quais ele poderá remover você do meu carro. Não me interesso pelos detalhes, só quero que faça!

Ele passa o preço! Eu passo o dinheiro!

É desesperador! É horrível. Eu acabei de tirar uma vida humana. Uma vida que eu mesmo deixei que entrasse no meu carro!

O interior do veículo está todo ensanguentado agora e até pequenos pedaços seus ainda estão ali para apodrecerem sozinhos, já que não houveram tempo e vontade de fazer um trabalho melhor.

Eu tinha urgência e ninguém deveria saber!

Mas eu me consolo! Eu nem te conhecia ainda. Não sabia quem era você, ou quem seria um dia. E o sangue do interior do carro vai secando com o tempo. Daqui há pouco nem dá mais pra perceber.

O importante é que o carro é meu e estou sozinho novamente. Estou livre!

E caso você tenha achado essa hipótese estranha, lembre-se: nessa situação hipotética o carra é meu!

– Meu carro, minhas regras! (MUSSI, 2020, s.p.)

 

Faz-se necessário enfatizar ainda que em algumas ocasiões o abortamento pode mostrar-se indicado e até mesmo necessária por motivos diversos, no entanto, na grande maioria dos casos trata-se de um problema que pode ser evitado ao posso que se pode evitar a gravidez indesejada por meio de educação, conscientização e acesso aos métodos contraceptivos.

Fica assim evidente uma chacina silenciosa que pode ser evitada pela simples mudança de paradigma para um trabalho (realmente eficaz) voltado para a prevenção da gravides não planejada a partir dos diversos métodos e opções com os quais contamos na atualidade, ao invés de permitir que uma vida surja e inicie seu desenvolvimento para então ser extinta de forma brutal e clandestina, colocando em risco até mesmo a saúde da mulher.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Percebe-se por meio do presente trabalho, a escola como instituição social capaz de contribuir para a diminuição do problema de violência e abusos contra crianças e adolescentes, bem como colaborar mais ativamente na constituição de uma sociedade justa e igualitária.

Neste sentido, professores e gestores foram apontados como os principais agentes transformadores da realidade, já que podem levar o conhecimento até os estudantes, promovendo a conscientização e contribuindo de alguma forma para a solução e prevenção de situações de violências e abusos.

Ficou evidente a carência sofrida pelas camadas menos favorecidas da população em termos de conhecimento, conscientização e acesso a meios contraceptivos. Assim, é notório que a gravidez indesejada se mostra como um problema de saúde pública e a causa do índice tão grande de abortamentos que vêm acontecendo no Brasil.

Contudo, está claro que ações governamentais realmente eficazes são urgentes, mas que a escola assume papel de destaque no que se refere a promover a mudança através da educação e da conscientização.

 

 

REFERÊNCIAS

 

AMORIM, Melania. Educação sexual nas escolas previne gestações não planejadas e aborto. Catarinas. 2018. Disponível em: https://catarinas.info/educacao-sexual-nas-escolas-previne-gestacoes-nao-planejadas-e-aborto/. Acesso jan. 2022.

 

BRASIL. 81% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorrem dentro de casa. Brasília. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/julho/81-dos-casos-de-violencia-contra-criancas-e-adolescentes-ocorrem-dentro-de-casa. Acesso jan. 2022.

 

COTTA, Carolina. SAÚDE - Educação sexual é o caminho para diminuir gravidez na adolescência. Ministério Publico do Paraná. 2015. Disponível em: https://crianca.mppr.mp.br/2015/10/12212,37/. Acesso jan. 2022.

 

COUTO, Cleber. Estupro de vulnerável menor de 14 anos. Jusbrasil. 2015. Disponível em: https://professorclebercouto.jusbrasil.com.br/artigos/211166374/estupro-de-vulneravel-menor-de-14-anos-vulnerabilidade-absoluta-ou-relativa. Acesso jan. 2022.

 

ESCOLA DA INTELIGÊNCIA. Empoderamento feminino na escola. Como ensinar? EI Educação Socioemocional. 2019. Disponível em: https://escoladainteligencia.com.br/blog/empoderamento-feminino-na-escola-como-ensinar/. Acesso jan. 2022.

 

MUSSI, Lúcio J. DETERMINISMO E EXCLUSÃO SOCIAL: ATÉ QUE PONTO NOSSOS DIREITOS SÃO IGUAIS? Revista Científica ISCI. N.1, 2017. Disponível em: http://isciweb.com.br/revista/21-numero-01-2017/260-determinismo-e-exclusao-social-ate-que-ponto-nossos-direitos-sao-iguais. Acesso jan. 2022.

 

____________. O único veículo. Instituto Saber de Ciências Integradas. 2020. Disponível em: http://isciweb.com.br/blog/o-unico-veiculo/#more-638. Acesso jan. 2022.

 

PEDROSO, Mônica. GDF e ONU promovem debates com jovens sobre planejamento reprodutivo, direitos sexuais e maternidade precoce. Fala Adolescente. 2021. Disponível em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2021/02/01/fala-adolescente/. Acesso jan. 2022.

 

PLENARINHO. Trabalhando o empoderamento feminino em sala de aula. Câmara dos Deputados. Brasília. 2021. Disponível em: https://plenarinho.leg.br/index.php/2021/03/trabalhando-o-empoderamento-feminino-em-sala-de-aula/. Acesso jan. 2022.

 

RIBEIRO, Fernando. Apesar da redução dos índices de gravidez na adolescência, Brasil tem cerca de 19 mil nascimentos, ao ano, de mães entre 10 a 14 anos. UNFPA Brasil. 2021. Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/news/apesar-da-redu%C3%A7%C3%A3o-dos-%C3%ADndices-de-gravidez-na-adolesc%C3%AAncia-brasil-tem-cerca-de-19-mil. Acesso jan. 2022.

 

[1] Diretora do Instituto Saber de Ciências Integradas e Coordenadora do Polo Sinop do Grupo PROMINAS (instituição que oferece cursos de Pós-graduação, Graduação e Complementação Pedagógica). Pedagoga. Licenciada em Educação Física. Psicopedagoga Clínica e Institucional. Especialista em Sociologia e Filosofia e em Gestão Educacional. Mestra em Ciências da Educação. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

[2] O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.