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INFLUÊNCIA DA LÍNGUA ESPANHOLA NO BRASIL

Francisco Ribeiro dos Santos1

Ana Paula Rodrigues2

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo central, debater de maneira conceitual sobre as influências espanholas no Brasil, sobretudo em relação à língua espanhola. A justificativa para a escolha do tema envolve sua relevância social e acadêmica, bem como a contemporaneidade do assunto e a tentativa de contribuir com o despertar pelo interesse no tema a fim de agregar conhecimentos e gerar novos estudos e aprofundamentos. A metodologia de pesquisa é qualitativa, com procedimento de coleta por meio de pesquisa bibliográfica. Dentre os principais achados, foi possível concluir que a Espanha e o Brasil possuem relações desde a colonização brasileira, quando espanhóis ocuparam diversas regiões do território e contribuíram – tal como outras nações e sociedades – para agregar culturas, tradições e sua língua à construção da identidade e cultura nacional. Para além dessa antiga relação, o vínculo comercial do Brasil com os países do Mercosul, foi o mote para a implementação de lei que torna obrigatório o ensino da língua espanhola na rede básica de educação pública brasileira. Uma vez que a maioria desses parceiros comerciais possui a língua espanhola como oficial e valorizá-la aproxima e estreita esses vínculos importantes à econômica e desenvolvimento do Brasil.

Palavras-chave: Brasil. Espanha. Língua espanhola. Educação.

 

ABSTRACT

The main objective of this article is to discuss conceptually the Spanish influences in Brazil, especially in relation to the Spanish language. The justification for choosing the theme involves it’s social and academic relevance, as well as the contemporaneity of the subject and the attempt to contribute to the awakening by the interest in the subject in order to aggregate knowledge and generate new studies and deepening. The research methodology is qualitative, with a collection procedure through bibliographic research. Among the main findings, it was possible to conclude that Spain and Brazil had relations since the Brazilian colonization, when Spaniards occupied several regions of the territory and contributed - as did other nations and societies - to add cultures, traditions and their language to the construction of identity And national culture. In addition to this old relationship, Brazil's trade link with the Mercosur countries was the motto for the implementation of a law that makes it mandatory to teach the Spanish language in the basic Brazilian public education network. Since most of these trading partners have the Spanish language as an official and value it, it brings these important links closer to the economic and development of Brazil.

Keywords: Brazil. Spain. Spanish language. Education.

 

INTRODUÇÃO

Através dos relatos históricos de formação do Brasil, é possível notar que a presença de espanhóis em terras brasileiras ocorre desde os primórdios da colonização. Sendo que a Espanha passou a colonizar diversas regiões brasileiras e espanhóis migraram para elas buscando riquezas, considerando que o país de origem era afetado por diversos problemas socioeconômicos.

Assim, o Brasil se tornou um local alvo para os imigrantes espanhóis que passaram a habitar diversas regiões e trazer, junto a si, elementos tradicionais de sua cultura, língua e aspectos que foram incorporados à própria construção da identidade brasileira que é, por si só, nascida da miscigenação. Além disso, as relações comerciais do Brasil com os países do Mercosul, tornaram a língua espanhola ainda mais valorizada no país, agregando-a aos currículos básicos das redes de ensino públicas.

Em vista do cenário supra exposto, desenha-se como objetivo central do presente artigo, debater de maneira conceitual sobre a influência espanhola no Brasil, sobretudo da língua espanhola no país. A fim de traçar um caminho coerente para o desenvolvimento do tema, elencam-se como objetivos específicos: abordar as relações históricas entre Brasil e Espanha; e, debater sobre as influências da língua espanhola no Brasil.

Sendo assim, a problemática de pesquisa a ser solucionada à finalização desse, paira sobre a questão: quais são as influências da língua espanhola no contexto brasileiro? Além da relevância acadêmica, o presente artigo justifica-se, pois intenciona servir como fonte de informações para o âmbito social, podendo oferecer dados relevantes para que os públicos de interesse envolvidos na área colham dados para notar a importância da abordagem e aplicabilidade do tema em estudo.

Para além, o trabalho também tem a finalidade de fomentar conhecimento no pesquisador, além de seu leitor, que durante o desenvolvimento da pesquisa terá condições de desenvolver um pensamento reflexivo-crítico a fim de formar uma trajetória analítica do tema, culminando assim em sua conclusão apresentada como resultado preliminar deste estudo, podendo resultar em aprofundamentos, demais vertentes e debates acerca do assunto.

Sobre o método de pesquisa, Fioreze (2002, p. 27) explica que é necessário optar por um em qualquer pesquisa que se disponha a realizar, a escolha do método acaba por validar o resultado final da pesquisa, sendo assim, o autor define: “O método (metodologia) é o conjunto de processos pelos quais se torna possível desenvolver procedimento que permitam alcançar um determinado objetivo”.

Diehl (2006) explica a pesquisa qualitativa como aquela que objetiva a descrição da complexidade que permeia determinado problema, tornando-se preciso seu entendimento e a classificação dos processos de ordem dinâmica que são vivenciados pelos grupos, contribuindo então no processo de mudança, permitindo a compreensão das mais diversas especificidades dos sujeitos. Por sua descrição, essa foi a metodologia eleita para essa pesquisa.

Como procedimento de pesquisa, foi eleita a pesquisa bibliográfica que, segundo Oliveira (2002), apresenta como vantagem central a possibilidade de o pesquisador em cobrir uma ampla gama de acontecimentos, muito mais ampla do que poderia pesquisar de maneira direta. Sendo assim, a bibliografia possibilita encontrar fontes primárias e secundárias, além de materiais científicos e tecnológicos que são necessários para realizar o trabalho científico ou técnico-científico.

 

DESENVOLVIMENTO

 

Relações Brasil e Espanha no contexto histórico

 

Segundo Dubois (1997) a língua e cultura do Império de Roma, foram transportadas por todos os países da Europa, facilitado esse transporte tanto no sentido geográfico quanto bélico. Assim, a cada nova região que era dominada pelos romanos, algum tempo persistia o bilinguismo, isto é, uma situação linguística cujos falantes são encaminhados ao uso alternado, conforme meios ou situações, de duas línguas distintas.

O mesmo autor comenta que tal bilinguismo abriu espaço, gradativamente, a uma relação de substrato, cujo latim se sobrepôs, aos poucos, às línguas nativas das regiões, antes que fossem dominadas. Isso resultou na formação das línguas modernas, tais como o português, espanhol, francês, etc.

Ainda conforme Dubois (1997), embora o português e o espanhol tenham como origem a mesma língua vernácula, isto é, o latim, possuem importantes diferenças entre si, o que é relacionado a fatores de cunho cultural, geográfico e social. Pois o português e o espanhol foram línguas que entraram em contato na Península Ibérica e da América do Sul.

Isso estimulou o surgimento de empréstimos vocabulares, especialmente em regiões de fronteira. Esses empréstimos de línguas que entraram em contato, podem ser agregados aos dicionários, sem que, necessariamente, ocorra uma sobreposição entre as línguas, ao passo que os vocábulos passam a formar parte do acervo lexical das duas, o que forma os adstratos.

Anroux (2008) explica que Espanha e Brasil são países com proximidades que vão além da língua, pois se unem pela cultura, relações econômicas – já que importantes empresas espanholas investem no Brasil e vice-versa, além de outros pontos, como as proximidades de tradições e comportamentos de brasileiros e espanhóis, algo similar.

O autor comenta que, por outro lado, existe uma questão que é pouco abordada, a história das relações entre os países. De forma, certamente a Espanha se relaciona à história dos países ibero-americanos que foram por ela colonizados, enquanto que a colonização do Brasil é, intrinsecamente relacionada à história de Portugal.

Conforme Anroux (2008) houve, contudo, um período entre 1580 e 1640, que os impérios espanhol e português se uniram, pois os reis Felipe II, III e IV foram, ao mesmo tempo, governantes de ambos os países. Esse período foi determinante para a formação do território brasileiro que se conhece na contemporaneidade, ampliando-se o oeste para além da linha que foi demarcada pelo Tratado de Tordesilhas, no século XV e que dividia os territórios das colônias espanholas e portuguesas.

O autor prossegue dizendo que a participação da Espanha também foi preponderante na defesa do território na tentativa de invasão por parte da Holanda, que tentou tomar a região nordeste do Brasil. Esse processo gerou a mobilização de navios, exércitos e recursos da Espanha, bem como muitos foram os espanhóis que perderam a vida para defender o território brasileiro.

Essa passagem pode ser vista no quadro “A recuperação da Bahia de Todos os Santos”, que se encontra apresentado no Museu do Prado, que se localiza ao lado do quadro de Velázquez, denominado de “A Rendição de Breda”. Anroux (2008) comenta que as disputas por territórios entre os impérios de Portugal e Espanha, se prolongaram por séculos após a separação da coroa.

As resoluções, porém, foram alcançadas por meio do Tratado de Madri, de 1750, e do Tratado de São Ildefonso, de 1777. Para além, é necessário apontar a presença da Espanha em outros pontos da formação do Brasil, tal como a época do Brasil Colônia, cuja presença da Companhia de Jesus no território foi preponderante.

Para Anroux (2008), os jesuítas tiveram uma influência fundamental na educação e proteção dos índios brasileiros, sendo que os jesuítas espanhóis, das Ilhas Canárias, como José de Anchieta, o primeiro santo brasileiro e considerado undador da cidade de São Paulo, foi uma figura de destaque para o Brasil.

Além disso, o urbanismo espanhol também pode ser encontrado diretamente nas cidades que foram fundadas pelos romanos na região do Mediterrâneo, inclusive a Hispania Romana. Assim, outra questão importante é que o Brasil é um país de nacionalidade calcada em imigrantes de diversas origens – europeus, africanos, japoneses, etc.

Dentre eles, segundo Anroux (2008), os espanhóis, que chegaram ao Brasil em momentos diferentes dos séculos XIX e XX, contribuindo de forma significativa com seus esforços para a constituição do Brasil na qualidade de nação, para seu desenvolvimento econômico, social e também cultural. A isso, o autor atribui à Espanha, papel importante na formação do Brasil, embora seja muito menos reconhecida do que Portugal. A região sudeste do Brasil foi a mais povoada pelos imigrantes, sendo que São Paulo foi o estado com a maior concentração de fluxos migratórios de diversas nacionalidades, enquanto que o Rio de Janeiro, mesmo que com volumes de entrada bem distantes desse, também apresentou um grande número de imigrantes entrantes no estado, especialmente caracterizados pela imigração urbana para a capital federal (ANÔNIMO, s/d).Dentre as nacionalidades dos imigrantes, espanhóis, portugueses e, com maior incidência de estudos na bibliografia, os italianos, que foram mais prevalentes nos estados do Sudeste. A imigração italiana para o Brasil ocorreu em grande escala entre 1889 e 1903, no período que foi considerado o auge da imigração subvencionada para latifúndios paulistas, mineiros e fluminenses, além de também para os núcleos e colônias sulistas, ao passo que as décadas posteriores concentraram uma prevalência de imigrantes portugueses (ANÔNIMO, s/d).

Contextualizando o cenário em que se deu esse intenso processo imigratório, Prado Jr. (1976) explica que o mesmo foi desencadeado justamente por esse avanço latifundiário no país. O autor explica então que a corrente migratória europeia no século XIX se interliga intrinsecamente ao processo de transição do trabalho efetivamente escravo para o uso da mão de obra dos imigrantes nos campos de trabalho.

Conforme o autor, gestava-se nesse período uma nova burguesia nacional e também algumas transformações que incidiam sobre o regime trabalhista no Brasil. Na década de 1870, iniciam-se, por exemplo, debates sobre a escassez de mão de obra. O que passou a gerar um interesse comum entre os latifundiários cafeicultores, no aumento da oferta de mão de obra para as plantações de café, o que passou, por sua vez, a acirrar os debates em defesa da abolição, levando à elite cafeeira do país a preocupar-se cada vez mais com essa escassez de operários.

Conforme Beiguelman (1985) dado o início do processo de imigração para alocar os trabalhadores nesses campos de café, logo os países exportadores desses imigrantes, como Alemanha, Itália, Espanha, etc., passaram a fazer objeções relacionadas, especialmente, à forma de exploração do trabalho desses imigrantes, bem como às condições subumanas a que eram submetidos os operários no Brasil.

Contudo, mesmo com tais repercussões nos países de origem, o autor informa que entre 1891 e 1897 houve o maior contingente imigratório vindo da Europa para o Brasil, com trabalhadores exportados, sobretudo da Itália. O fluxo migratório ao Brasil, entre 1905 a 1915, a imigração portuguesa e espanhola chega a ultrapassar a italiana.

Menezes (1997) aborda que na cidade do Rio de Janeiro, essa imigração representou um afluxo predominante de sujeitos pobres que provinham de campos do norte e noroeste de Portugal, como Minho, Douro e Trás-os-Montes, bem como de regiões rurais da Espanha, sobretudo de Qaliza; e também das províncias meridionais de Cozenza, Salerno e Potenza, na Itália.

Os espanhóis também fizeram parte da história dos movimentos operários/trabalhadores e na conquista de direitos desses no Brasil. Segundo Menezes (1997) isso ocorreu no início dos anos 1900, quando foram formados os sindicatos do Rio de Janeiro, cujos portugueses e outros imigrantes tinham papel de liderança.

Esse papel se dava, sobretudo nos discursos mais revolucionários que distanciavam a então capital das outras cidades do país, em que outros trabalhadores estrangeiros, sobretudo italianos e espanhóis, fizeram fronte ao processo de organização operária.

Conforme Almeida (s/d) o número elevado e em maioria absoluta de operários estrangeiros em estabelecimentos fabris, oferecia um tom especial ao movimento social que emergia. Eram italianos, espanhóis, portugueses, alemães, entre outros, que trouxeram de seus países ideologias próprias e tradições de luta, passando a liderar então as reivindicações operárias, greves e ainda emprestando uma terminologia própria da sociedade indústria da Europa.

No Rio de Janeiro, conforme a autora, destacava-se o recenseamento de 1906, cujo total de mais de 800 mil habitantes, mais de 100 mil eram trabalhadores, em sua grande maioria, de origem estrangeira (especialmente portugueses e espanhóis). Foi por meio de uma lei sindical em vigor (decreto nº 979/1903) que passou-se a regular praticamente todos os aspectos econômicos e financeiros da organização rural, isto é, da produção rural, o que é consolidado por meio da realização do I Congresso Operário Brasileiro, que ocorreu no ano de 1906, no Rio de Janeiro.

A Confederação Nacional do trabalho espanhola, por sua vez, surgiria em 1910, a união sindical italiana em 1912, a união operária nacional de Portugal, em 1914 e a federação operária regional argentina em 1901, para mencionar algumas das principais confederações operárias que foram influenciadas pela corrente do anarco-sindicalismo pelo mundo.

 

As influências da língua espanhola no Brasil

 

Segundo Werner (2009) a língua espanhola, ou castelhana, teve suas origens no reino medieval de Castilla, cuja denominação se tornou altamente popular no âmbito latino-americano e entre demais falantes das línguas oficiais de países como Espanha, Catalão, Galego e Valenciano, nas regiões de Catalunha, Galícia e Valência, respectivamente. O autor complementa dizendo que:

 

O ‘castelhano’, denominação que designa a língua falada em Castilla, região norte da Espanha. Essa região se expandiu e consolidou mais do que outras, motivada pela luta dos Reis Católicos (Fernando de Aragão e Isabel de Castilla) pela reconquista espanhola do território sob domínio árabe. No século XV, os católicos foram capazes de expulsar os muçulmanos do país e, a partir daí, um período de grandes conquistas começou e Espanha se tornou a mais poderosa nação europeia (WERNER, 2009, p. 36 – tradução própria).

 

O autor comenta ainda que, desde então, a língua espanhola de ampliou e propagou por diversas regiões do mundo ao longo dos anos. Tanto que, na contemporaneidade, o espanhol é a língua oficial de 22 países, sendo que: na Europa – Espanha; Américas: Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela, Colômbia, México, Equador, Guatemala, Honduras, Porto Rico, República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Panamá, Costa Rica e Cuba. Werner (2009) elenca que, na Ásia a língua espanhola é oficial nas Filipinas e na África na Guine Equatorial e nas cidades de Celta e Melilla. Para além, complementa dizendo que:

 

O espanhol também se expandiu como segunda língua comercial do mundo, depois de Inglês. É falada por mais de 450 milhões de pessoas em todo o mundo. É a segunda língua mais falada nos Estados Unidos. Consequentemente, o interesse em aprendê-la e ensiná-la está aumentando. No Brasil, por exemplo, têm contribuído para a assinatura de tratados com o Mercosul e a aprovação da legislação pelo governo, tornando o ensino da língua obrigatório na escola primária (WERNER, 2009, p. 23).

 

Na contemporaneidade, a língua espanhola é falada nos cinco continentes, sendo seu conhecimento cada vez mais disseminado pelo mundo. Os países que integram o bloco econômico do Mercosul, exceto o Brasil, possuem a língua espanhola como oficial, o que determina sua intensa importância no cone sul-americano e, consequentemente, determina a preponderância de sua aprendizagem no Brasil, sobretudo considerando as relações comerciais que ocorrem nesse bloco.

Durão (1998) entende que, dada a importância da língua espanhola no mundo, o ensino da mesma no Brasil é presenta há tempos no ensino superior, desde a concepção de faculdades de filosofia, ciências e letras. De forma que, há décadas o Brasil forma profissionais e acadêmicos licenciados para ministrar aulas de espanhol ao nível básico. Sobre isso, o autor explica ainda que:

 

A legislação que regia o ensino médio determinava cinco anos de estudos obrigatórios de francês e inglês, enquanto para o estudo do idioma espanhol somente um ano. Sem dúvida alguma, o ensino foi decaindo por não conseguir o valor que era dado aos outros dois idiomas (DURÃO, 1998, p. 10).

 

Ao passo que Abreu (2008) prossegue dizendo que o ensino da língua espanhola no Brasil, por outro lado, não apresentou grandes progressos por décadas, embora não tenha sido esquecido. Isso porque a literatura contou com obras importantes em língua espanhola que foram devidamente traduzidas para a língua portuguesa. Isso demonstra, na concepção do autor, que o espanhol nunca foi ausente do cenário da educação brasileira, ainda que fosse minimamente difundido. O autor elucida ainda que:

 

Acontecimentos marcantes determinaram, nas duas últimas décadas, um novo rumo à expansão do idioma espanhol como segunda língua no Brasil. Em 1985, foram criados os Centros de Línguas do Brasil, na rede pública, incluindo o espanhol. Em 1986, instaurou-se o ensino obrigatório da língua, no 1° e 2° graus, no estado de São Paulo. Em 1991, foi assinado, como já visto, o Tratado de Assunção, criando o Mercado Comum do Sul. Esses fatores podem ser vistos como catalisadores do processo de difusão da língua espanhola (ABREU, 2008, p. 5).

 

O mesmo autor comenta ainda que o ensino da língua espanhola ocupa um lugar de destaque no panorama de ensino brasileiro, de forma que alguns dos fatores desencadeantes para a preponderância do ensino dessa língua, foram: a criação do Mercosul, a localização geográfica do Brasil – que faz fronteira com países cujo espanhol é a língua oficial – e, finalmente, o fato de o espanhol ser um idioma falado por mais de 400 milhões de pessoas no mundo. Acerca desses fatos, o autor complementa dizendo que:

 

O Brasil, por muito tempo, não teve perspectivas voltadas para os países limítrofes. Sua economia foi mais desenvolvida por outras nações. Percebe-se que esse quadro vem-se alterando um pouco, quando o país passa a dar valor ao seu entorno, o que se observa nos empreendimentos comerciais entre eles. Isso passa a ser um fator importante na difusão e no crescimento do mercado, e, consequentemente, na expansão do idioma (ABREU, 2008, p. 5).

 

Não por acaso, por meio da lei nº 11.161/05, o ensino da língua espanhola tornou-se obrigatório na educação básica brasileira, contribuindo para a aquisição do idioma não somente no que tange às regras gramaticais e ortográficas, mas também, visando à formação individual, cultural e profissional dos indivíduos. Essa questão, parte das premissas elencadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que determinam que a aprendizagem da língua estrangeira favorece o desenvolvimento pessoal, intelectual e profissional do indivíduo (CRUZ, 2016).

Portanto, ainda conforme o documento, a aprendizagem de outro idioma deixou de ser uma opção e se tornou uma necessidade, o que fez com que os PCNs determinassem que as instituições de ensino brasileiras, oferecessem ao menos uma língua estrangeira moderna à grade dos alunos matriculados no ensino regular, cuja justificativa do documento é:

 

Pelo seu caráter de sistema simbólico, como qualquer linguagem, elas funcionam como meios para se ter acesso ao conhecimento e, portanto, às diferentes formas de pensar, de criar, de sentir, de agir e de se conceber a realidade, o que propicia ao indivíduo uma formação mais abrangente e ao mesmo tempo mais sólida (BRASIL, 2001 apud CRUZ, 2016, p. 2).

 

Cruz (2016) explica que, para além, conhecer uma língua estrangeira favorece o desenvolvimento do cidadão, contribuindo para sua inclusão social, sendo que, na tentativa de fortalecer os vínculos comerciais do Brasil com os demais países do Mercosul, optar pela obrigatoriedade do ensino da língua espanhola no país, certamente foi uma ação estratégica importante.

Isso porque, conforme o autor, esse processo de ensino da língua espanhola no Brasil, favorece as relações com os países que fazem fronteira com o Brasil, já que todos são hispanofalantes. Dada a lei nº 11.161/05, buscou-se facilitar o entendimento e comunicação entre brasileiros e falantes da língua espanhola, considerando que o idioma é o oficial de diversos países do mundo.

Ainda conforme Cruz (2016), a instituição da mencionada lei, versa que os brasileiros estejam aptos a se comunicar em língua espanhola, considerando a possibilidade real de contato por meio de manifestações diversas do uso dessa língua. Seja por meio da música, cinema, política, etc. De forma que, para que as determinações desses documentos se tornam viáveis na prática, o autor acredita ser necessário capacitar instituições de ensino para intermediar o conhecimento da língua espanhola.

Segundo Elys (2007), nos últimos anos a língua espanhola passou por uma ampla disseminação em todo o mundo, devido à globalização, a cultura hispânica se atribuiu de maior importância, já que a busca das pessoas por novas informações e conhecimentos culturais, se amplia de forma importante. O autor comenta que, para além de receber influências da Espanha, o Brasil faz fronteiras com países que tem o espanhol como língua oficial.

Isso torna notável a proximidade do país com a cultura espanhola, por meio da arte, culinária, manifestações culturais, etc. Sobre essa questão, o autor explica que: “Geralmente, as pessoas entendem cultura como as tradições e costumes de uma determinada comunidade, a maneira de viver e seus valores morais. Entretanto, o que mais representa a cultura de um povo é a sua língua” (ELYS, 2007, p. 12).

Camargo (2004) aponta que, ainda que o Mercosul tenha sido o maior responsável pela disseminação do ensino da língua espanhola no Brasil, na década de 1990, de forma paradoxal, a maioria dos materiais didáticos utilizados no país para o ensino de tal idioma é de origem peninsular, o que, conforme o autor, é devido a dois principais fatos:

 

Por um lado, à ausência de uma política clara e eficiente de difusão linguístico-cultural entre os países que compõem o Mercosul o que, consequentemente, também implicou na ausência de uma política de publicação e distribuição de materiais didáticos pertinentes para o ensino do espanhol falado e escrito na região. Por outro lado, à existência destas mesmas políticas na Espanha, políticas estas que se materializam quando este país criou, concomitante ao Mercosul, o Instituto Cervantes com o objetivo precípuo de divulgar a língua e a cultura espanhola pelo mundo (CAMARGO, 2004, p. 143).

 

Segundo o autor, como a Espanha emergiu, na década de 1980, de vicissitudes impostas por décadas de ditadura franquista e se inclui na União Europeia, tais fatos encaminharam à criação de diversas filiais do mencionado instituto, em diversos países do mundo. No Brasil, a filial se localiza em São Paulo e há uma no Rio de Janeiro.

Camargo (2004) aponta que tais centros tratam de ofertar cursos diversos, como a formação de professores de língua espanhola em nível básico e também superior. Tais tipos de formação que, conforme o autor, implicam no ensino da língua espanhola no Brasil, dentre elas:

 

O fato de que a Espanha, com uma certa tradição no ensino de línguas – o que não implica necessariamente propostas metodológicas inovadoras –, vem propondo pelo mundo afora o ensino de uma variante apresentada como espanhol padrão culto [grifo da autora]. [...] Essa variante é ensinada por professores falantes nativos de outras variantes, consideradas padrão em seus respectivos países. Contudo, muitos desses falantes qualificam suas variantes – com maior ou menor grau de consciência e em diferentes medidas – como inferiores quando comparadas à variante ibérica padrão proposta nos livros didáticos e fitas hoje disponíveis para o ensino do castelhano no Brasil (BUGEL, 1998 apud CAMARGO, 2004, p. 143).

 

Camargo (2004) explica que, é notável que o discurso hegemônico empreendido pelo espanhol peninsular, passa a se impor não somente a professores falantes de língua hispânica, mas também aos latino-americanos. Dessa forma, nota-se sua cristalização ainda no imaginário de professores e alunos brasileiros, o que pode ser explicado por um preconceito que existe em relação às variedades sociolinguísticas de forma geral.

O autor entende que, muitos brasileiros, por exemplo, creem que Portugal é um país em que se fala corretamente o português, assim como muitos acreditam que o verdadeiro inglês é falado na Inglaterra e não nos Estados Unidos. Nesse caso, passam-se a atribuir juízos de valor às línguas faladas nesses países, atribuindo-as como erradas. Nesse sentido, o autor evoca a questão do preconceito linguístico abordado por Marcos Bagno, que aponta que:

 

É curioso como muitos brasileiros assumem esse mesmo preconceito negativo também em relação a outras línguas, defendendo sempre a língua da metrópole contra a língua da ex-colônia. É o nosso eterno trauma de inferioridade, nosso desejo de nos aproximarmos, o máximo possível, do cultuado padrão “ideal”, que é a Europa (BAGNO, 2002 apud CAMARGO, 2004, p. 144).

 

Camargo (2004) acredita que esse preconceito se dá devido a um sentimento de inferioridade que emana do próprio brasileiro. Sendo que um argumento análogo é utilizado para a rejeição das variantes latinas do espanhol na hora de estudar a língua, já que muitos autores tratam de perpetuar a ideia de que os espanhóis que colonizaram a América, provinham de um extrato social inferior, resultando em uma transfiguração da língua espanhola para um idioma popular e “vulgar” em diversos países latino-americanos.

O autor finaliza sua percepção dizendo que, se o Mercosul surgiu com o propósito de unir os países do Cone Sul, tal união, ainda que seja registrada, não foi efetivamente viabilizada. Isso porque ainda persistem grandes obstáculos para superar e efetivar esse processo. No sentido linguístico, por exemplo, tampouco ocorreu a interação entre os países latino-americanos e o Brasil, já que existe uma subserviência em relação à Espanha, ainda que as relações entre esse e o Brasil – embora consolidadas – se encontra incompletas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Através das pesquisas realizadas a fim de compor o presente artigo, foi possível compreender que as relações entre Brasil e Espanha se iniciaram ainda no processo de colonização do primeiro, quando espanhóis passaram a ocupar diversas regiões do território brasileiro. Essa ocupação fez com que aspectos de sua tradição, cultura e língua, fossem incorporados à própria identidade brasileira, que é formada com base na miscigenação.

Sendo assim, a língua espanhola se tornou importante no país, uma importância que se intensificou com a formação do bloco Mercosul, cujos países que o compõem, majoritariamente, possuem o espanhol como língua oficial. Na tentativa de aproximar vínculos e estreitar parcerias comerciais com essas nações, foi instituída em lei a obrigatoriedade do ensino da língua espanhola na rede pública de ensino no Brasil.

Certamente essa relação ainda reserva algumas questões linguísticas, sobretudo relacionadas às formas provenientes da língua espanhola da Espanha de fato, cujos países que adotam como oficial, ainda são subservientes a essa, tal como a língua portuguesa do Brasil ainda é, muitas vezes, subalternizada ao ser comparada com aquela que lhe deu origem, a de Portugal.

O fato é que a cultura espanhola faz parte das diversas culturas, nações e sociedades que contribuíram com a formação da cultura brasileira e da identidade nacional, uma vez que essa é uma formação permeada por parcelas agregadas de diversos países e culturas distintas. O que faz da Espanha também uma fonte importante e a ser valorizada como contribuinte nessa formação.

A partir dessa perspectiva bibliográfica, é possível compreender que os objetivos propostos a esse artigo foram cumpridos, ainda que tenham sido encontradas algumas limitações relacionadas à disponibilidade bibliográfica para a abordagem do assunto. Isso significa que os achados nessa pesquisa são apenas o passo inicial que deve abrir espaço e novas oportunidades de explorar e aprofundar os estudos sobre essa temática e outras relacionadas.

 

REFERÊNCIAS

 

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1 Francisco Ribeiro dos Santos, professor Licenciado em Pedagogia Plena pela faculdade URCA. Professor efetivo da rede Municipal de Lucas do Rio Verde MT.

2 Ana Paula Rodrigues