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UTILIZAÇÃO DE RPGS EDUCATIVOS ON-LINE NO DESENVOLVIMENTO DE CONTEÚDOS MULTIDISCIPLINARES

Léo Ricardo Mussi[1]

Marcia Regina Rocha[2]

 

Introdução

 

Há tempos buscam-se maneiras de motivar os alunos em seu processo de aprendizagem, e para tal, faz-se uso dos mais diversos tipos de recursos, como músicas, filmes, revistas, experimentos... No entanto, tais práticas não retiram a linearidade das atividades, fazendo com que de maneira geral, os estudantes precisem fazer sempre a mesma tarefa, ao mesmo tempo.

Mesmo dentro da gamificação (utilização de jogos de maneira educativa) costuma ser penoso encontrar uma atividade que gere uma resposta positiva de todo o quadro de alunos, ou que possa ser facilmente adaptada aos seus interesses.

Desse modo, é importante ao docente buscar instrumentos pedagógicos que abranjam adequadamente a particularidade dos grupos de alunos trabalhados, de forma a embarca-los em um processo que de fato atinja suas condições de aprendizagem. Isso, ainda, baseando-se nos parâmetros curriculares nacionais (PCN) que ditam que a educação deve estar pautada na interdisciplinaridade e na contextualização.

 

Contexto de aplicação

 

No cerne da interdisciplinaridade, surge em destaque o Role Playng Game (RPG) como forma de ferramenta pedagógica que consegue abraçar adequadamente os anseios dos alunos no que tange a motivação e dos professores no que se refere a um ensino poli disciplinar. Amaral (2008) investigou este recurso, enquanto focou no ensino de matemática, física, história e temas transversais, à luz da teoria histórico-cultural (Vygotsky) sobre a aquisição e construção de conhecimentos.

Vale ressaltar a importância do fortalecimento dos vínculos bem como a exaltação dos valores humanos, como menciona Esclarín (2006, p. 128-129):

 

[...] evidente que, se quisermos colher determinados valores, devemos semeá-los e cultivá-los na prática. [...] A ênfase educativa, portanto, não pode ser colocada simplesmente em educar para, mas em educar em: educar em e para a participação, em e para a cooperação, em e para a convivência, em e para a democracia. As escolas devem ser concebidas e estruturadas como lugares de encontro na diversidade de gênero, de oportunidades, de raças, de culturas.

 

Dessa maneira, o Role Playng Game, trata-se de um jogo interativo-colaborativo onde os jogadores interpretam papeis de personagens inseridos em uma história (aventura) elaborada pelo narrador e que será construída ou resolvida de forma colaborativa. Durante essa narrativa, os jogadores enfrentarão diversas situações-problemas que precisarão solucionar coletivamente, sem fugir de algumas poucas regras estipuladas pelo jogo.

Encarna-se mais fortemente as aplicações pedagógicas, quando nestas referidas situações-problemas, aplicam-se conceitos disciplinares, como a necessidade de utilização das ciências ou de conhecimentos históricos/geográficos para suas resoluções, podendo os jogadores se beneficiarem grandemente de conhecimentos previamente adquiridos em sala, ou até mesmo aprendidos durante as sessões do jogo.

Propõe-se, dessa forma, a aplicação de um RPG on-line interativo e cooperativo para os alunos durante as aulas à distância no período de pandemia. Através dessa prática, poderá ser analisado o aspecto inovador do uso adequado do Role Playing em sala de aula, no estímulo e incentivo dos estudantes.

Para facilitar a realização do projeto, serão usadas as seguintes ferramentas digitais (TICs):

- Roll20 (disponível em roll20.net): onde ocorrerá de fato o RPG, com rolagem de dados e movimentação de personagens podendo ser visualizada por todos os participantes;

- Google Meet: por meio do qual haverá a comunicação dos jogadores e do narrador.

 

Contexto de ensino

 

Tal projeto será aplicado aos alunos do nono ano do ensino fundamental, ainda durante o segundo semestre de 2021. Participarão dessa atividade 30 alunos, divididos em grupos de 3 a 4 estudantes, a serem tutorados cada grupo por um estudante de ensino médio já familiarizado com a didática, e adequadamente instruído pelo professor.

A história a ser narrada para esses alunos será a “Aventura Pronta Colonizadores do Brasil” disponível gratuitamente através do projeto “RPG na Escola”. A referida aventura usa como plano de fundo o período histórico da colonização do Brasil, inserindo os alunos na narrativa como um grupo de portugueses colonizadores e apresentando os desafios da época através das disciplinas de história e geografia. Abrangem-se também as disciplinas de língua portuguesa, matemática e física.

Abrangendo a disciplina de história apresentam-se as dificuldades e ações dos colonizadores de nosso país, e os dilemas (nem sempre éticos) vividos por estes.

Na disciplina de geografia, serão trabalhadas noções de cartografia, além de relevo e alterações geográficas produzidas pelo homem ao longo do tempo.

Para língua portuguesa poderemos observar a evolução da linguagem, bem como as diversas fases da ortografia brasileira e as formas de tratamento entre as pessoas.

Na matemática, são apresentados problemas que dependem de cálculos de porcentagem, unidades de medida e escalas, além das operações fundamentais.

Para a física, ocorrerão na aventura situações-problemas que exigem conhecimento de cálculo de distância percorrida e velocidade média.

A atividade apenas será possível por meio dos recursos digitais que serão utilizados em sua aplicação, sendo estes fundamentais para sua aplicação à distância durante o período de aulas on-line. 

O roll20, ferramenta on-line a ser utilizada para a narrativa, permite que os jogadores montem seus personagens em um tabuleiro digital, além de visualizarem com exatidão as situações e cenários elaborados pelo narrador e essenciais para o desenvolvimento da aventura.

Também ocorre por essa ferramenta a movimentação em campo desses personagens, anotações de inventários (o que carregam) recursos que possuem, habilidades, traços de personalidade e lore (contextos históricos inerentes a cada personagem e elaborados pelo próprio jogador que o controla).

A comunicação ocorrerá por meio do google meet, preferencialmente com uso conjunto de voz e vídeo, onde o narrador apresentará a história aos jogadores, que por sua vez irão conduzi-la sendo total responsáveis pela tomada de decisões, enfrentamento dos dilemas éticos apresentados e resolução de conflitos e problemas introduzidos no ambiente fantasioso da aventura.

A atividade deverá ser distribuída em três aulas semanais de duas horas cada, somando o total de seis hora aula. Em cada aula, será apresentada uma cena, uma espécie de capítulo da aventura dividida em três atos. Após a finalização da atividade, será disponibilizada uma quarta aula para debate das situações narradas e dos conteúdos acadêmicos teóricos presentes na aventura.

Na primeira cena, os jogadores deverão reconhecer e explorar a vila em que se encontram, além de realizar reuniões diplomáticas para recebimento de terras e calcular tempos de viagem através da análise de mapas.

Na segunda cena, os jogadores precisarão gerenciar uma expedição, organizando todos os recursos como contratação de pessoal, compra de equipamentos, provisões e etc. Além disso conhecerão obstáculos naturais comuns durante a colonização, e também serão apresentados às relações entre colonizadores e povos indígenas, bem como seus embates e dilemas.

Na terceira e última cena se dá o desdobramento final da história, bem como o enfoque dos valores e dilemas éticos da colonização do Brasil, principalmente no que tange as relações majoritariamente violentas com os povos indígenas locais.

As avaliações se darão principalmente pela observação dos debates que devem ocorrer na quarta aula, analisando-se principalmente a participação e esforço dos alunos na resolução dos problemas apresentados durante a atividade.

Nessa aula também os alunos deverão trazer relatórios elaborados a partir da atividade, intitulados ludicamente de “diários de viagem”, onde devem ter inserido com o máximo de detalhes possível as experiências vivenciadas por seus personagens durante a aventura, suas descobertas e as explicações disciplinares ou científicas para os desafios que enfrentaram.

Além disso, pela característica digital da atividade, o professor poderá facilmente acompanhar de perto os grupos de alunos durante a aplicação da aventura no decorrer das três primeiras aulas, analisando seus esforços e interações, podendo contar também com relatórios de participação elaborados pelos alunos mais velhos que atuaram como narradores (tutores), sejam esses relatórios escritos ou verbais.

 

O motivo da escolha da atividade (RPG) e de sua aplicação on-line

 

O mais importante a ser ressaltado nesse ponto é a dificuldade de oferecer dinâmicas integradoras em aulas on-line, onde se torna mais difícil ainda manter ativa a atenção acadêmica e a participação dos alunos. Ressalta-se que como anteriormente mencionado, a aplicação da referida gamificação só se torna possível devido as TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) utilizadas para aplicação da narrativa e comunicação dos participantes (nesse caso, Roll20 e Google Meet).

Por esse motivo, o fato de apresentar uma atividade tão chamativa, intrigante e divertida como o RPG cooperativo pode trazer frutos excelentes ao estimular o interesse de participação dos alunos. Ademais, a divisão da turma em grupos de 3 a 4 integrantes a serem tutorados por alunos mais velhos, ajuda diretamente a tornar a atividade mais dinâmica, aumentando diretamente a qualidade dos resultados produzidos.

Tem se notado com base na observação e pesquisas que, conforme aprontam PEREIRA (2003), ROCHA (2006), RODRIGUES (2006) e AMARAL (2008), a utilização do RPG estimula as relações sociais saudáveis e positivas, a pesquisa e a imaginação, além de ricamente gerar vivências e interações sobre ética, sejam inclusas na aventura ou na relação entre jogadores.

O referido jogo, ao ser inserido na proposta educacional ricamente incentiva a coesão narrativa e o aprimoramento da oratória dos participantes, principalmente pela importância do raciocínio e da fala nas atividades, como salientam MARCATTO (1996) e Pavão (2000).

Vale acentuar a essencialidade da cooperação exigida naturalmente entre os jogadores (e não forçada pelo tutor), visto que esse é um elemento essencial do jogo para que os participantes possam alcançar o sucesso nas aventuras propostas, o que por si só melhora de forma significativa as relações sociais entre os próprios estudantes no ambiente escolar, conforme MARCATTO (1996), PAVÃO (2000), RIYIS (2004) e RODRIGUES (2004).

Ademais, como RIYIS (2004) salienta, em jogos de role playing, por atuarem no campo da imaginação, mas simularem uma realidade através da fantasia, se torna fácil apresentar desafios que trabalhem a multidisciplinariedade, visto que a própria vida é multidisciplinar.

Também uma das características mais importantes do RPG é sua ludicidade. Sendo que é através da mente (e com o auxílio das tecnologias) que os jogadores viajam através das eras e das histórias. Tal ludicidade enriquece a possibilidade de contribuição para o processo formativo dos alunos, e vai de encontro às ideias de que a escola deve não apenas se preocupar com os conteúdos e competências apresentadas, mas também (e principalmente) com o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

 

Conclusão

 

A atividade proposta tange a utilização de tecnologias da informação para a introdução de uma aventura de RPG a ser aplicada aos alunos, visando a inclusão da interdisciplinaridade e a atuação fortemente lúdica desse tipo de jogo, que permite aos participantes liberdade e desafios na medida ideal para manterem o interesse e a cooperação durante o projeto.

A ferramenta motiva os estudantes a apreenderem ou reverem conceitos acadêmicos, estimula as relações de cooperação, convivência e respeito, além de manter elevado o nível de atenção durante a realização das atividades, e também um significativo esforço e ativa participação por parte dos alunos.

Ademais, o RPG ajuda os estudantes a ampliarem seus pontos de vista, que são tratados de forma tão linear pela educação tradicional. O estímulo da criatividade e a melhora das relações sociais permite a ampliação do interesse pelos conteúdos teóricos bem como suas aplicações práticas, além de melhorar exponencialmente a fixação destes conhecimentos.

 

REFERÊNCIAS:

 

AMARAL, R. Aventura Pronta Colonizadores do Brasil. RPG na Escola. Recife, 2009. Disponível em: https://rpgnaescola.com.br/data/documents/Aventura-Colonizadores-do-Brasil.pdf

 

AMARAL, R. Uso do RPG pedagógico para o ensino de Física. Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências). Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife: UFRPE, 2008. 226p.

 

ESCLARÍN, Antônio P. Educar para humanizar. São Paulo: Paulinas, 2006.

 

MARCATTO, A. Saindo do quadro – uma metodologia lúdica e participativa baseada no role playing game. 2. ed. São Paulo: A. Marcatto, 1996. 184p.

 

OLIVEIRA, M. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1998. (Coleção Pensamento e Ação no Magistério).

 

PAVÃO, A. A aventura da leitura e da escrita entre mestres de roleplaying game. 2. ed. São Paulo: Devir, 2000. 231p.

 

PEREIRA, C. Construção de personagem & aquisição de linguagem: o desafio do RPG no INES. Dissertação (Mestrado em Design). Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC/RJ, 2003.

 

RIYIS, M. Simples – sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do Autor, 2004. 87p.

 

ROCHA, M. RPG: jogo e conhecimento. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba: UNIMEP, 2006. 144p.

 

RODRIGUES, S. Roleplaying game e a pedagogia da imaginação no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 207p.

 

[1] Advogado e Psicanalista. Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior e em Psicologia Clínica.

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[2] Mestranda em Educação.