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LIGUAGEM E IDENTIDADE SOCIAL

Josiene Araújo de Vasconcelos

 

RESUMO:

O presente trabalho tem como objetivo central, realizar um debate conceitual sobre a linguagem como um elemento de construção de identidade social. De modo que foi possível concluir que a linguagem é diversa, podendo variar de uma pessoa para outra, de uma população para outra. Contudo, é observado que a língua que tende a dominar é a culta, que se encontra como padrão das camadas sociais dominantes, o que muitas vezes acaba por inferiorizar outros tipos de linguagem, o que não deveria ocorrer, já que não existe língua certa ou errada, existe a diversidade. Porém, é possível observar que para indivíduos de camadas sociais mais populares, a tendência é engrandecer a língua padrão, acreditando que adquirindo suas habilidades, terão maiores oportunidades de inserir-se em melhores condições de ensino e trabalho. Entretanto, tal pensamento vai de encontro com a função formadora da linguagem, extraindo de cada língua a possibilidade de conferir autonomia, a fim de criar a identidade social que se espera. A justificativa para a escolha do tema consiste em sua contemporaneidade, bem como na expectativa de contribuir para o âmbito acadêmico. O método de pesquisa empreendido segue natureza qualitativa, com pesquisa do tipo bibliográfica.

 

Palavras-chave: Linguagem. Letramento. Sociedade. Letras. 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

É possível compreender que a língua se trata de um bem comum de todo o ser humano, sendo esta determinada, contudo, por aspectos territoriais e culturais de determinado povo. Não é possível então, pensar que uma língua é pior ou melhor que outra, bem como não existe língua superior e inferior à outra, especialmente tratando-se de um país onde a diversidade linguística é tamanha, como no Brasil.

Não há nenhuma outra característica que venha a diversificar de maneira tão clara o ser humano de outros seres vivos, como os animais, por exemplo, como o domínio do elemento linguagem. Os processos comunicacionais entre as sociedades urbanas e industriais são de extrema importância, traduzindo-se na habilidade do sujeito na utilização da língua como meio de interação para com os semelhantes, de modo que possa assim comunicar pensamentos, sentimentos e ações.

O ser humano é passível de possibilidades tamanhas de comunicação, ao passo que cada língua existente corresponde a uma expressão que diz respeito à escolha entre diversas possibilidades linguísticas, de modo que seja possível apresentar variações acerca de funções e valores sociais, regionais, de idade, condição econômica, entre outros indicadores.

A língua torna-se então um sistema repleto de possibilidades que tende a ofertar ao indivíduo um conjunto altamente flexível sobre regras de seleção, combinação e substituição, sem que haja, contudo, o comprometimento ou a alteração de um processo interativo.

Este processo é o que se pode entender como variação linguística, onde não existe uma hierarquia concreta sobre a utilização variada da língua, bem como não há uma utilização linguística que seja melhor ou mais efetiva do que a outra. Sendo que uma comunidade linguística igual pode abarcar usos distintos, inexistindo assim um padrão de linguagem que possa figurar como superior. O que é preciso manter em mente, deste modo, é que as pessoas não falam de maneira idêntica, assim como um mesmo sujeito possui suas próprias variações de fala.

 

  1. ORIGEM DA LÍNGUA E LINGUAGEM

 

A Linguagem é um fenômeno ligado a várias áreas na vida do homem. Biologicamente falando, linguagem é como um software superdesenvolvido normalmente localizado no cérebro humano, ou seja, nascemos com a capacidade de linguagem.

Psicológica e afetivamente falando, sem ela não há como entender a vida interna e externa do homem, pois somente ela permite a exposição objetiva/criativa de pensamentos, emoções, ideias, sentimentos, volições, experiências etc.

Cultural e socialmente falando, esse dom inato permite que o homem crie, recrie, manipule, reproduza, absorva o maior conjunto de conhecimentos, informações, valores, costumes e afins (individuais e coletivos). Para onde o homem for, sua cultura expressa em forma de linguagem irá com ele.

Formalmente falando, a linguagem, manifestada por meio de sinais verbais ou não verbais, permite ao homem uma adaptação incrível em diferentes situações comunicativas; para isso, ele precisa adquirir competência comunicativa.

A expressão do pensamento e a interação entre as pessoas são os principais objetivos da linguagem. Quando falamos, escrevemos, gesticulamos ou usamos quaisquer outros signos (sinais), o propósito é fazer-se entender. Muitas vezes falamos com nós mesmos em voz alta ou em pensamento para organizar nossas ideias; de qualquer maneira, estamos nos comunicando. Assim, precisamos dela para viver, reviver e conviver.

É sempre importante dizer que usamos a linguagem para representar o mundo real e o mundo das ideias, portanto a linguagem não é o espelho da realidade externa, apenas. Por meio dela construímos e organizamos nossa realidade com toda nossa herança cultural e subjetividade.

É a linguagem verbal que nos deve interessar para os concursos públicos. Em vestibulares, há muitas questões de linguagem não verbal.

Segundo Bagno et. al. (2002) a língua pode ser reconhecida como um bem comum que a todos é direcionada, passando a ser determinada por meio do território e da cultura do povo local.

Os autores explicam ainda que não é possível pensar na língua como algo melhor ou pior, não existe uma língua que seja superior ou inferior à outra, especialmente em um país como o Brasil, onde a diversidade linguística se encontra de maneira tão acentuada.

Para os autores não existe também outro tipo de característica que determine de maneira tão singular o animal humano das outras espécies animais, como o domínio da língua. Esta que tem se demonstrado como eixo central para o desenvolvimento cultural e social de toda a humanidade.

Assim, é importante manter os processos de comunicação sobre as sociedades urbanas e industriais, que por sua vez passam a demonstrar-se por meio da habilidade falante no uso da língua para interação com seres semelhantes, de modo que possam trocar e comunicar seus pensamentos, sentimentos e ações por meio de signos vocais, que consiste na língua.

Deste modo, Bagno et. al. (2002) explicam que o ser humano é um ser com inúmeras capacidades de comunicação, ao passo que cada língua diz respeito a um tipo de expressão que será eleita em meio a uma série de possibilidades linguísticas, explicitando assim as variações que são relevantes no sentido de promulgar valores sociais e regionais, distinguir faixas etárias, posições econômicas, entre outras particularidades.

Os autores prosseguem dizendo que a língua passa a se explicitar tal como um sistema que oferece oportunidades dentro de um grupo flexível no que concerne às normas de seleção, combinação e substituição, sem que haja o comprometimento ou alteração da interação.

Isto pode ser compreendido, ainda segundo os autores, como variação linguística, onde não existe uma hierarquia determinada entre a utilização dos diversos tipos de línguas, bem como não existe uma utilização que seja linguisticamente superior à outra.

Assim, mesmo dentro de uma mesma comunidade linguística é possível coexistirem utilizações distintas, sem que haja necessariamente um padrão de linguagem que seja considerado superior. Bem como os indivíduos não falam de um modo único, até mesmo uma única pessoa não fala sempre do mesmo modo.

 

  • A importância do letramento para aquisição de linguagem

 

De acordo com Macedo (2005), a princípio o termo letramento fora utilizado em uma abordagem antropológica. No âmbito da escrita e da leitura o termo foi implementado apenas em 1970. Até então entendia-se por letramento a “codificação e decodificação de símbolos organizados em qualquer sistema que representa, de forma permanente e precisa, a linguagem oral”, (MACEDO, 2005:32).

Ainda segundo Macedo (idem), anterior a este período a escrita era compreendida como algo autônomo, ou seja, não tinha ligação com o contexto. Era totalmente desvinculada da oralidade e do contexto social.

Segundo Street (apud Macedo 2007), não se deve praticar o letramento de modo isolado do contexto ideológico e político. Street propõe então um modelo autônomo e ideológico que deve ser seguido como letramento.

 

“O modelo autônomo apresenta a escrita como uma “tecnologia do intelecto”, como um objeto abstrato, neutro e descontextualizado da linguagem oral no que diz respeito ao tempo e ao espaço. Nessa visão percebe-se a dicotomia entre a oralidade e a escrita, e ainda mais, declara as vantagens da escrita e leitura sobre a “pobreza da oralidade””. (MACEDO, 2005, p. 32).

 

Este modelo de letramento leva em consideração o contexto onde a leitura e a escrita será praticada, ou seja, considera as condições de produção do letramento.

Macedo nos disciplina acerca deste quesito destacando que, “o letramento passa a ser um fenômeno situado dentro de contextos sociais e inter-relacionados com outros sistemas simbólicos, como o verbal, o visual e o gestual, assinalados por diferenças na distribuição de poder”, (2005, p. 34).

Existem outros autores que seguem a mesma linha de raciocínio, como é o caso de Barton, Hamilton e Ivanic (2000), que compreendem que as práticas de letramento estão intimamente ligadas à cultura, ou seja, para estes o letramento usa diversas formas culturais e se manifesta por meio da escrita. Assim, podemos então compreender que as práticas são consequências do letramento.

Magda Soares é uma das autoras brasileiras que se dedicaram ao tema. Junto à mesma Mary Kato, Leda Tfouni e Ângela Kleiman nos apresentam um novo horizonte no que tange as práticas sociais da escrita.

De acordo com Soares,

 

“O termo letramento é a tradução da palavra da língua inglesa Literacy, vem do latim littera que quer dizer letra, com o sufixo – cy, que denota qualidade, condição, ou seja, literacy é o “estado ou condição  que assume aquele que aprende a ler e escrever”. Esse conceito traz para o grupo social em que a escrita é introduzida ou para os indivíduos que a aprendam usar, a ideia de que ela, a escrita, acarreta consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas [...]” (1998:17).

 

Para Kleiman, o letramento é “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como a tecnologia, em contextos específicos, e enfatiza a relação entre letramento e oralidade”, (apud Macedo, 2005: 33). A autora destaca ainda que mesmo sendo de suma importância para o sistema de escrita, o letramento também se apresenta na oralidade, como é o caso do rádio, neste caso o texto ouvido demonstra marcas de planejamento estruturados e também de léxicos que são típicos da escrita.

O termo letramento fora introduzido no Brasil em 1980, mas as publicações vieram mais tarde, visto que não havia conceituação. Kleiman (1995) e Soares (1998) foram as primeiras a publicarem de maneira conceitual, abordando um viés teórico-metodológico da educação.

Soares (1998) destaca que no Brasil o letramento causou apenas um despertar desde que o Estado passou a compreender que a grande problemática não era a alfabetização, no que tange a leitura e a escrita, mas sim o que fazer de posse destes artifícios. Como se envolver em práticas sociais onde a leitura e a escrita estão totalmente inseridas.

A escolarização de modo efetivo e real é de fato a primeira condição para que uma sociedade se torne letrada. O segundo passo é criar condições que proporcionem a este sujeito um espaço letrado, onde ele posse se inserir com total ou o máximo de acesso.

Para Soares (1998), é a ausência destes ambientes letradas que fazem com que as campanhas de alfabetização no Brasil não obtenham êxito. A autora destaca, que em grande parte dos casos os alfabetizados saem do âmbito escolar, porém não encontram condições de letramento e assim não conseguem se tornar letrados.

De fato, se trata de um desafio constante, propiciar o aprendizado e o acesso às práticas que mantenham e ampliem este não tem sido algo simples. A possibilidade de acesso ao mundo letrado permite que o cidadão viva melhor e consequentemente contribua para que os seus vivam na mesma situação. 

Muito tem se falado acerca do baixo rendimento de alunos no que tange aos processos de escrita e principalmente de leitura. Alguns alegam que tal fato decorre da má formação dos docentes e/ou falta de compromisso dos mesmos, todavia não se pode deixar de compreender que a falta de materiais, a ineficácia de políticas educacionais, a alta carga horária dos educadores e o desinteresse dos discentes também colabora para tal cenário.

Neste contexto vários atores tem tentado propor novas diretrizes, novos olhares na busca de ao menos amenizar a drástica situação que parece piorar cada vez mais. Nesta busca, constatou-se que a pratica da alfabetização tem sido voltada apenas para o ensino do código, no que tange ao agrupamento de letras e na decifração das mesmas. Vale salientar que não estamos aqui questionando o método, que foi eficiente em muitas ocasiões visto que grande parte da sociedade fora alfabetizada desta forma, mas atualmente tal método não mais se justifica, até mesmo por se tratar de outras realidades.

No ensino simples e codificado o resultado é o analfabetismo funcional, ou seja, sujeitos que mesmo depois de terem frequentado a escola não conseguem entender e/ou construir sentidos acerca do leem, muito menos podem estabelecer relações comunicativas através de textos.

Neste contexto, é preciso então agir contra esta realidade e assim surge então no Brasil, mais precisamente na década de 1980 discussões acerca do letramento e seus avanços nas práticas escolares. Era necessário que educadores compreendessem que o texto escrito é muito mais que um simples sistema de códigos. Assim, o Letramento chama a atenção para uma visão ampla onde leitura e escrita agem em conjunto como práticas sociais, que são produzidas e devem ser interpretadas de acordo com seu contexto.

Analisando o que fora exposto até aqui, o que pode ser visto é que existe um discurso educacional que se vincula ao ensino da alfabetização, destacando que essa não favorece a leitura e a escrita como prática social. Assim, uma das soluções para o problema seria o letramento, visto que esse assume uma perspectiva de que o ensino pode possibilitar o alcance às práticas sociais. Assim, parece ser necessário abrir um espaço e discutir acerca da temática, onde estudos apontam que alfabetização e práticas sociais trabalhadas de forma conjunta não é algo novo como parece.

Mortatti (2004) fez um levantamento da história da educação no estado brasileiro, onde o mesmo destaca os contextos onde a leitura e a escrita são apropriadas e onde são inaugurados os termos “analfabeto”, “alfabetizado”, “letramento”, dentre outros relacionados ao meio educacional. Neste resgate o autor apresenta Anísio Teixeira e Francisco Campos, que compreendiam que escrita e leitura eram fundamentais para a efetivação das práticas sociais.

Francisco Campos disciplinava que:

 

“... saber ler e escrever não são (...) títulos insuficientes à cidadania digna desse nome. Não basta, pois, difundir o ensino primário (...). Se este ensino não forma os homens, não orienta a inteligência e não destila o senso comum, que é o eixo em torno do qual se organiza a personalidade humana, pode fazer eleitores, não terá feito cidadãos’.” (apud MORTATTI, 2004: 63).   

 

Segundo Mortatti, Teixeira também tem papel importante neste cenário, visto que fora:

 

“... reformador da instrução pública baiana, em 1926, e diretor geral da instrução pública do Distrito Federal em 1931-1935, por sua vez, a opção por um ‘ensino primário incompleto’, como proposto na reforma paulista de 1920, era inaceitável para outros estados brasileiros, como a Bahia, onde se deveria evitar a iniciação nas letras do alfabeto e nos rudimentos da aritmética, história e geografia, pois sem perspectiva de continuidade de seu uso, esses instrumentos seriam ‘um elemento de desequilíbrio social’. Isso porque entendia educação como um ‘(...) processo de contínua transformação, reconstrução e reajustamento do homem ao seu ambiente social móvel e progressivo’, (MORTATTI, 2004: 63).

 

Ainda de acordo com a autora o que se percebe é que esses discursos já apresentavam um novo rumo para as discussões apresentadas, ou seja, discutiam a modernização social, função e finalidade da escola. Cabe ressaltar que mesmo não se tratando de algo especifico da alfabetização, já se configurava como uma semente que viria a brotar. Assim, aprender a ler e escrever já naquele período significava o envolvimento com a atuação social, ou seja, ia além da simples aprendizagem do código.

Muitos são os que defendem o letramento, todavia não são raros os casos onde professores das séries iniciais se opõem a este conceito, visto que o consideram como um reducionismo no que tange a conceituação e a justificação de seus trabalhos.

Diante deste contexto é preciso analisar os termos de maneira não dicotômica, pois caso contrário o conceito base desta questão seria deturpado. A crença nessa dualidade letramento/alfabetização pode proporcionar um desvio na atenção acerca do conceito sobre língua escrita, ou seja, coloca-a de maneira fragmentada. É preciso sempre considerar que os sistemas de linguagem sempre possuem muitas facetas. Neste quesito, Carlino e Santana disciplinam:

 

“Para analisar as propriedades da língua escrita, diferenciaremos instrumentalmente dois aspectos da mesma:

- sistema de escrita, que permite sua materialização em um papel, e

- a linguagem escrita, variedade da língua específica dos usos escritos.

Ambos aspectos, sistema de escrita e linguagem escrita, devem considerar-se como as duas caras de uma mesma moeda, a língua escrita”. (1996: 21).

 

Logo, é preciso considerar a interação dos elementos que envolvem o processo de alfabetização da língua escrita, considerando o sistema e a linguagem que se agrupam neste contexto.

Iremos então fazer uma breve revisão acerca das concepções do que é alfabetizar. Tomaremos como base as considerações de Gontijo (2007), que compreender que a alfabetização é classificada em quatro nivelações:

 

“Nível Representativo: A língua escrita é uma mera transcrição da linguagem oral. A alfabetização consiste na aquisição das habilidades de codificação e decodificação. O ensino enfatiza as características superficiais do código escrito.

Nível Funcional: A língua escrita é uma transcrição da linguagem oral, porém, dependente do contexto social. A alfabetização consiste na aquisição das habilidades para o enfrentamento das demandas cotidianas da leitura e da escrita. O ensino enfatiza os diferentes e significativos usos da língua escrita.

Nível Informativo: A língua escrita transmite informações que geram conhecimentos. A alfabetização consiste na aquisição das habilidades para acesso à informação através da leitura. O ensino enfatiza a leitura e a escrita é um instrumento para demonstrar, registrar o aprendido.

Nível Epistêmico: A língua escrita é um modo específico de comunicação. A alfabetização consiste na aquisição de um instrumento para transformar o conhecimento. O ensino enfatiza o uso da escrita e da leitura para pensar, criar, investigar, avaliar”. (GONTIJO, 2007: 55).

 

 

Gontijo ainda destaca que tais níveis podem ser perceptíveis de maneira inclusiva e/ou sequenciada, todavia é de suma importância que se reconheça as características fundamentas para que seja compreendida o trabalho elaborado com a língua escrita.  Logo, a alfabetização:

 

 “... quando capacita indivíduos a utilizar a língua escrita com suas finalidades sociais e os tornam mais capazes de utilizar reflexivamente a escrita. Nesse sentido, é impossível deixar de mencionar a importância da função epistêmica”, (idem).

 

De fato, o que se espera é que a alfabetização e o letramento continuem a caminhar em conjunto, influenciando as práticas de alfabetização, mas não reduzindo-as ao simples ensino no código, mas sim como uma prática social. Todavia, é preciso considerar as afirmações de Kato, onde segundo a autora as crianças utilizam formas estratégicas diferenciadas para ler e escrever:

 

“[...] cujos resultados mostram que a criança, na fase da alfabetização, não usa necessariamente a mesma estratégia para escrever e para ler. Constatou-se que ela usa a estratégia fonológica (escrever como se fala) apenas para escrever, mas não para ler. A estratégia, nessa atividade, é muito mais pautada em estratégias visuais inferenciais. Os autores mostram, por exemplo, que as crianças são capazes de ler palavras como bycicle e picture, embora não sejam capazes de reconhecê-las, o que mostra que a leitura e a escritura apóiam-se, nessa fase, em estratégias diferentes”. (KATO, 1986: 122-123).

 

Além disso, acerca da fala da criança e do dialeto da própria escola é preciso “desautomatizar o uso do próprio dialeto para amoldar a produção à norma prescritiva pela escola é, para a criança, um processo lento e gradual.” (KATO: 1986: 123).

Ainda segundo a autora já citada, para a atuação pedagógica a saída seria:

 

“O que proponho é que a iniciação à leitura se dê através de textos autênticos, escritos na norma padrão, e a iniciação à produção escrita preveja um período inicial em que haja por parte da escola, uma larga tolerância em relação aos desvios de ordem dialetal. A ênfase seria dada à fluência na escrita, e não sobre a precisão gramatical ou ortográfica. Aos poucos, através de exercícios bem elaborados e, sobretudo, através da leitura, a criança seria levada a monitorar sua escrita para atender aos padrões dessa modalidade”. (KATO, 1986: 123).

 

Mesmo que existam diversas formações teóricas a respeito da temática, acreditamos que é importante considerar o ponto de vista de Kato acerca da alfabetização. Seu modo de ver a alfabetização e o letramento vai além do senso comum, visto que propõe uma união entre língua falada e oral também na escrita.

Ao observamos as considerações de Kato, podemos estabelecer um paralelo com os estudos de Pécora (1992). O autor também trata da língua, mas no que tange a análise de períodos frasais no ensino superior. Todavia mesmo sendo campos de estudo diferente as afirmativas podem ser utilizadas em qualquer setor do ensino. Nas palavras de Pécora ao analisar a escrita de seus alunos, percebeu-se que:

 

“A maioria absoluta das redações [...] pautava sua reflexão por uma colagem mal ajambrada de frases feitas e acabadas, retiradas de fontes não muito diversificadas. [...]. Tratava-se, portanto, de uma falsa produção, de uma falsificação do processo ativo de elaboração de um discurso capaz de preservar a individualidade de seu sujeito e de renová-la, desdobrá-la, na leitura de seus possíveis interlocutores. Tratava-se de uma redução auto-anuladora da virtualidade de uma linguagem sempre permeável ao momento particular em que se manifesta, às individualidades em jogo, ao jogo das intenções e finalidades, à história que significa. Na verdade, tratava-se de uma reprodução, da entrega de cada um ao mesmo passado – de ninguém: reproduziam alguns poucos modelos, oficialescos e consagrados, com variações transparentes. Nesse caso, o erro mais grave, o problema maior, não estava na dificuldade de assimilação de algumas normas e exceções do português padrão, mas, justamente, na excessiva facilidade em se assimilar um padrão de linguagem, portanto, um padrão de referências para pensar e interpretar o mundo, para constituir a própria experiência. Pessoas vindas dos lugares mais distantes entre si, de situações econômicas não tão distantes assim, chegavam para o vestibular na hora marcada, tomavam o lápis e a folha, e escreviam o esboço de um testamento em favor de uma mesma cartilha”. (PÉCORA, 1992: 14-15).

 

No trecho citado é possível perceber que as contribuições são significativas para com o ensino, independentemente do nível. Sem dúvida nenhuma podemos trazer as reflexões de Pécora ao campo do ensino de escrita na escola, considerando as funções do aprendizado da mesma na atuação social do indivíduo.

Analisando alguns dos estudos de Pécora é possível perceber que ele trata de forma implícita acerca das dificuldades de quem escreve, mas em um outro nível, ou seja, no campo da compreensão dos sentidos que são postos na escrita. Para ele é necessário atuar de maneira dedicada a estas questões, para que no segundo momento a ortografia seja trabalhada.

Quando Pécora destaca,

 

“o problema maior, não estava na dificuldade de assimilação de algumas normas e exceções do português padrão, mas, justamente, na excessiva facilidade em se assimilar um padrão de linguagem, portanto, um padrão de referências para pensar e interpretar o mundo, para constituir a própria experiência”, (1992: 15).

 

Ou seja, timidamente discute que o que é ensinado no âmbito escolar não consegue de fato atingir a realidade. Aqui se fala no campo gramatical.

Em sua dissertação de mestrado, “E as crianças eram difíceis: A redação na escola”, Franchi (1998), afirma que atuou na terceira serie como educadora, em um local próximo a cidade de Campinas-SP, mesmo neste período já havia separação de alunos que eram marcados e separados pelo insucesso. Na busca pelo auxilio a estes a autora tentava atender aos objetivos do ensino e da escola. Assim, procurava atividades que tratassem do contexto dos alunos. Franchi compreendia que a linguagem é de fato,

 

“... mediadora para a construção dos sistemas de referência próprios às outras áreas do conhecimento humano. Limitar a capacidade do exercício da linguagem é limitar a capacidade desse trabalho individual e social: o regresso na linguagem é o regresso em todas as áreas do conhecimento, e sobretudo é uma redução das possibilidades de uma interferência ativa, dinâmica e transformadora” (FRANCHI, 1998: 47).

 

Todavia vale salientar que mesmo que se trate da terceira série do ensino fundamental as afirmações de Franchi podem ser aplicadas em diversos setores do conhecimento. Acerca de sua atuação a autora discorre:

 

“[...] hoje percebo que a possibilidade de utilizar mesmo as técnicas simples de análise que utilizei e o apoio de uma bibliografia mesmo tão limitada me teriam evitado alguns enganos de decisão e a seleção mais adequada de algumas atividades e procedimentos. Posso avaliar melhor agora as deficiências de minha avaliação, para um diagnóstico mais instrutivo da situação da linguagem das crianças. Em termos gerais, ficam duas observações: a primeira, relativa à necessidade de se colocarem os lingüistas ou os teóricos da linguagem também a serviço da formulação de técnicas simples e de utilização rápida e fácil para o uso do professor nas situações concretas, e não só para as pesquisas acadêmicas, levando em consideração sobretudo a necessidade de um diagnóstico quase imediato, em tempo de utilizar-se na prática escolar do dia-a-dia e de todo o dia. A segunda observação, a de que não se devem minimizar esses instrumentos de análise, porque a intuição não nos diz tudo; particularmente, não nos permite encontrar as razões mais internas ao próprio processo de redigir dos alunos, aspectos relativos à própria estruturação do texto, certamente relevantes para instruir e informar a seleção dos objetivos e estratégias no planejamento curricular”. (FRANCHI, 1998: 42-43).

 

Ana Luiza Bustamante Smolka apresenta em seu livro “A criança na fase inicial da escrita: alfabetização como processo discursivo, compreensões acerca da união entre linguística, psicologia e pedagogia”, o foco dos estudos de Smolka é a aquisição da linguagem escrita por crianças em idade pré-escolar e serie inicial.

Logo no início da obra somos instigados pela autora,

 

“Enquanto as autoridades se desgastam e as comissões se debatem em discussões sobre o ‘ensino da língua e da gramática’, sobre a alfabetização, a volta ao tradicional, a disciplina e a informática, o que acontece nas escolas com relação à alfabetização e quais as condições de trabalho e de vida das crianças e dos professores?” (SMOLKA, 2001: 15).

 

A autora nos provoca, possibilitando uma reflexão sobre a inocuidade de inúmeras ações no campo da educação. Ainda neste contexto Smolka nos apresenta as diferenças acerca de ensinar e ensino.

 

“[...] fui percebendo, cada vez mais, a necessidade de distinguir entre a tarefa de ensinar e a relação de ensino. A relação de ensino parece se constituir nas interações pessoais. Mas a tarefa de ensinar é instituída pela escola, vira profissão (ou missão). Será que vira mesmo profissão? A tarefa de ensinar, organizada e imposta socialmente, baseia-se na relação de ensino, mas, muitas vezes, oculta e distorce essa relação. Desse modo a ilusão e o disfarce acabam sendo produzidos, não pela constituição da relação de ensino, mas pela instituição da tarefa de ensinar. Em várias circunstâncias, a tarefa rompe a relação e produz a “ilusão”. Ou seja, da forma como tem sido vista na escola, a tarefa de ensinar adquire algumas características (é linear, unilateral, estática) porque, do lugar em que o professor se coloca (e é colocado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento; pensa que o possui e pensa que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança. Aparentemente, então, o aprendizado da criança fica condicionado à transmissão do conhecimento do professor”. (SMOLKA, 2001, p. 31, grifos da autora).

 

O recorte de Smolka aqui apresentado nos possibilita compreender que através do reconhecimento de sua função o professor passa a ser apto para se auto avaliar. Ou seja, a partir do momento em que o professor se auto reconhece, ele deixa de ser um mero transmissor de conteúdo.

Mais a frente em sua obra, Smolka destaca como a escrita inicial é entendida pelo educador:

 

“O problema [...] é que a alfabetização não implica, obviamente apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança com escrita. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo o que escrevo e por quê? A criança pode escrever para si mesma, palavras soltas, tipo lista, para não esquecer; tipo repertório, para organizar o que já sabe. Pode escrever, ou tentar escrever um texto, mesmo fragmentado, para registrar, narrar, dizer... Mas, essa escrita precisa sempre ser permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor”. (SMOLKA, 2001: 69).

 

É necessário voltar-nos as teorias, seguir os princípios que norteiam a educação, avaliando se de fato estes nos auxiliam, ou não. Sem dúvida este conhecimento representa uma parte significativa e fundamental no que tange ao trabalho educativo e também pedagógico.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A partir das pesquisas realizadas para a composição deste trabalho foi possível constatar que a linguagem é um elemento de extrema importância e uma das características centrais capazes de distinguir o ser humano dos animais, sua capacidade de comunicação por meio do uso da língua.

De modo que foi possível notar ainda que a língua é um elemento extremamente variável, ocorrendo de maneiras diferentes que dependem totalmente de aspectos regionais e culturais, porém, sem esquecer que cada língua é tão importante quanto à outra, não devendo haver distinções ou superiorização de uma em detrimento da outra.

Contudo, na realidade é possível notar atitudes opostas, onde determinadas culturas regionais imputam sobre sua população uma condição linguística que é tida pelo restante da sociedade como inferior, errada. Esta questão faz com que a língua cultura, que é o padrão imposto pelas camadas sociais mais beneficiadas, seja motivo de engrandecimento por estas populações mais humildes, de modo que sua própria língua se torna motivo de vergonha.

Este cenário fomenta ainda uma situação de exclusão social, já que o indivíduo, ao invés de ver sua língua valorizada pela sociedade, somente encontrará oportunidades de inserção em melhores condições de ensino e trabalho, se adquirir a linguagem padrão.

Deste modo, foi possível concluir que a linguagem pode sim ser um meio de aquisição de identidade social, contudo, é preciso antes que toda a sociedade seja educada no sentido de aceitar a diversidade linguística existente no Brasil, combatendo o preconceito de línguas que não somente a culta e ressaltando a estes indivíduos as mesmas oportunidades que os ‘letrados’, assim a prática de sua própria linguagem será um instrumento que, por si só, construirá neste sujeito a identidade, bem como do seu grupo social.

 

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