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Resumo Expandido

Marcos Antônio Pires

 

 

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NOGUEIRA, Maria Alice. A Sociologia da Educação do Final dos Anos 60/Início dos Anos 70: O nascimento do Paradigma da Reprodução. Em Aberto, Brasília, ano 9, nº. 46, abr. jun. 1990.

 

Nesse artigo, Maria Alice Nogueira procura descobrir e examinar em linhas gerais as condições históricas e teórico-metodológicas que balburdiaram e culminaram o aparecimento do “paradigma da reprodução” que se fez presente de forma dominante na Sociologia da Educação Ocidental nos anos 70.

O artigo é composto de 10 páginas e está organizado da seguinte forma: INTRODUÇÃO, dois SUBTÍTULOS, sendo que o primeiro se desdobra em dois TÓPICOS. Dessa maneira, logo nas primeiras linhas da introdução à sua obra, Alice Nogueira diz que embora a “problemática reprodutiva” tenha dominado as discussões em torno da Sociologia da Educação entre os anos 60 e 70, a autora chama a atenção para um paradoxo que se firmou a partir de então, quando a Instituição Escolar procurou assumir um caráter interpretativo focado nas questões locais, construídas concretamente e vivenciadas por atores pertencentes às Instituições das quais se faz uma releitura da sua função social.

Ela enfoca também que muitos pesquisadores levantaram hipóteses a respeito e a partir de então é atribuída à escola uma pequena margem de independência em seu funcionamento reprodutivo, ora marcada pela participação das relações sociais (Bourdieu e Passeron. 1964, 1970) e (Althusser, 1970: Baudelot e Establet. 1971: Bowles e Gintis, 1976).

Concomitante a essa problemática, a autora procura esclarecer duas questões importantes: Primeiro – O aparelho escolar passou por uma ampliação no ensino secundário, ou seja, universalizou-se. Isso implicou mais alunos, professores, conteúdos e métodos de ensino que ocasionou num maior conhecimento da população escolarizada e gestão desses sistemas. Como consequência, multiplicaram-se os financiamentos no campo da pesquisa educacional, principalmente, nos países anglo-saxões onde as pesquisas empíricas tinham sólidas raízes; Segundo – Associado a esse ideário a escola surge com força e fomenta discussões acerca das “desigualdades educacionais e as condições para uma democratização das oportunidades escolares”.

Diante dessas controvérsias e conflitos políticos nasce um novo paradigma marcado pelo período pós-guerra.

No primeiro subtítulo, Alice Nogueira aborda as condições históricas de emergência do paradigma da reprodução no contexto econômico, social e político. Nesse subtítulo, a autora enfoca a conjuntura do pós-guerra que levou um progresso aparente à sociedade nos países ocidentais nos anos 50 e 60. A economia mundial cresceu durante três décadas (50 a 70), mas no final da década de 70, sofreu um declínio significativo, motivada por uma recessão.

Não obstante, as políticas desenvolvimentistas tomaram novos rumos, visto que as mudanças em vários setores (administrativos, burocráticos, etc.) ocorriam em ritmo acelerado graças às atividades terciárias que ultrapassaram as anteriores (primárias e secundárias). A autora chama a atenção para outro ponto importante no tocante à corrida pela produção do conhecimento tecnológico que tinha fins estritamente bélicos. Estados Unidos e União Soviética travaram uma corrida sem precedentes rumo aos domínios da produção científica, desencadeando assim, na guerra fria.

Em conformidade a isso, a autora menciona o baby-boom do pós-guerra que elevou as taxas de natalidade ocasionando uma verdadeira explosão demográfica, posteriormente ocasionando num estampido de revoltas sociais (conflitos raciais, culturais, de classe e entre nações) na década de 60. O clima positivista embasado na crendice de mudança social não foi suficiente para calar a sede de mudanças por parte da sociedade da época. Porém, Alice Nogueira faz menção à França como país onde aconteceu algo de inusitado – o movimento estudantil – maio de 68. Ela comenta que em meio aos protestos, os estudantes questionavam as funções sociais da Universidade. Notadamente, o maio de 68 francês assinalou o que se chamou de “fortalecimento da politização da juventude”.

Já no Quadro Educacional, a autora comenta que após a guerra, registraram-se altas taxas de escolarização nos países industrializados. Isso se deu em todo sistema de ensino nos diferentes graus. Porém, no campo científico e tecnológico, a guerra fria contribuiu de forma indireta, visto que os países do leste e do oeste corriam pela eficiência de seus sistemas.

Embora, tenha-se garantido alguns avanços para com os escolares (a extensão da obrigatoriedade escolar), nos Estados Unidos nos anos 60 as medidas de cunho assistencialistas não compensaram os déficits culturais a que se propunham. Portanto, do ponto de vista global, Alice Nogueira classifica essas experiências como negativas, já que o otimismo chegava ao fim e os esforços de democratização de oportunidades escolares não haviam se concretizado a contento, ou seja, as políticas pseudo-igualitárias haviam falhado.

No segundo subtítulo é estudada, não de forma profunda, a conjuntura teórica: Sociologia e Sociologia da Educação. Nos anos 50 e 60 a Sociologia em particular avançou significativamente, dentre alguns fatos que corroboraram para o progresso sociológico, destacam-se a criação dos grandes organismos internacionais como a UNESCO, a OCDE, dentre outros.

Para a Sociologia, uma nova era se firmava - a “era da suspeita”, do questionável... a vida social passou a ser regida por discursos demagógicos, protecionistas e vazios que garantiam o poder absoluto dos dominantes. (grifo meu).

Segundo a autora, a Sociologia da Educação ganha espaço nas discussões e por sua vez, evoluiu no âmbito escolar dando uma nova corrente de pesquisa – empirismo metodológico. Essa linha de pesquisa consistia em investigações empíricas quantitativas. Identificou-se também que o objeto da pesquisa recaiu sobre as desigualdades educacionais e sobre a problemática da democratização do ensino, além dos critérios (sócio-econômicos, desempenho escolar, fatores sociais: idade, sexo, habitat, profissão, etc.) que balisaram os cálculos para a emissão das taxas. A autora diz ser desnecessário lembrar que os estudos foram situados numa visão de análise macro, não adentrando de fato nas escolas/salas de aula.

Ainda no campo da Sociologia da Educação, Alice Nogueira faz uma análise superficial das enquetes sociais e coletas de dados descritivos que ora passou a denominar-se “aritmética política”. A autora respaldada nos pesquisadores abaixo acrescenta que essa tradição se manifestou na longa série de relatórios nacionais ingleses e norte-americanos encomendados e financiados pelos poderes públicos nas décadas de 50 e 60, com o fim específico de conhecer o funcionamento dos sistemas escolares (ROBINS – 1963 e PLOWDEN – 1967 na Grã-Bretanha; COLEMAN – 1966 NOS Estados Unidos, et al).

Alice Nogueira cita também a França como país dominante das práticas de estudos empíricos na Sociologia da Educação. Nesse país, a pesquisa assumiu a forma de “demografia escolar” cuja origem se deu pelos trabalhos desenvolvidos pelo INED (Institut National d’Études Démographiques). A partir de então, a autora dá como exemplo, a maior enquete já desenvolvida pelos pesquisadores do INED – enquete de 1962-72 – o trabalho foi desenvolvido através de uma grande amostra envolvendo 17.461 alunos em escala nacional, acompanhou-se o itinerário no interior do sistema escolar durante dez (10) anos.

Alice Nogueira em resumo ao último subtítulo confirma que todo o estoque de pesquisas apresentaram um fato estatístico irrecusável: as disparidades sociais quanto às oportunidades de acesso e de sucesso na escola. Fator que passou a ocupar um lugar central na Sociologia da Educação. Por fim, a autora lembra que nesse desalento histórico (’60), os protestos políticos, culturais e as teorias explicativas das relações entre escola e estrutura social passaram a designar-se de “paradigma da reprodução”.

Modestamente, a autora nos leva a compreender em primeiro lugar, o caráter fragmentário dos dados coletados pelas pesquisas (survey), assim como, pelos levantamentos e estudos demográficos que segundo ELA deveriam integrar uma análise mais abrangente e globalizante, capaz de interpretar os fracassos dos ideais de democratização do ensino; Em segundo lugar, Alice Nogueira atribui ao pensamento marxista um papel importante na formulação da sociologia crítica, já que se contrapôs à ideologia reformista da pesquisa e das políticas de combate às desigualdades.

Ela nos convida a reconhecer a importância da pesquisa empírica dos anos 50/60 para a elaboração da sociologia da reprodução que sem os compêndios estatísticos estabelecidos nesses anos, seria impensável a existência desta. E ainda reforça seu discurso quando afirma contundentemente que os principais representantes das teorias da reprodução (Bourdieu, Passeron, Baudelot e Establet) recorreram largamente aos dados do INED, dentre outros pesquisadores e fontes de dados. Portanto, o paradigma da reprodução constituiu-se numa nova maneira de olhar velhos dados.

É gratificante percorrer as referências bibliográficas da autora, pois Alice Nogueira é, com um extenso trabalho bibliográfico publicado, uma profunda conhecedora e estudiosa destas problemáticas sociais e educacionais. Muito embora ela tenha se limitado a um levantamento preliminar de hipóteses mediante algo já demonstrado, o artigo nos leva a um momento de pura inflexão cronológica pelas quais as ciências socioeducacionais passaram na década de 70. Para nós educadores é importante recorrer a estudos anteriores para que possamos compreender os posteriores que muitas vezes se tornaram plágios, modificados apenas na roupagem.

Os tempos passam, as coisas se transformam, aprimoram-se, tornam-se mais versáteis e interativas. Mas a educação parece não mudar e quando muda, assemelha-se a passos de tartaruga. Assim é o Brasil... ainda se reproduz nas escolas o conhecimento sistematizado, pronto, acabado, algo que na maioria das vezes é tido como verdade absoluta. Desta forma a escola se torna categoricamente “aparelho ideológico do estado” e consoante a isso, reproduz a violência simbólica.

A escola precisa trazer para o seu meio as discussões que envolvem os aspectos socioeducacionais; A escola precisa se tornar um espaço de acolhimento onde a comunidade, a família e todos aqueles que a integram possam refletir acerca das problemáticas que os rodeiam; A escola deve se tornar um espaço facilitador do conhecimento empírico onde o popular e o erudito possam se complementar. Somente dessa forma, a escola deixará de ser mera reprodutora do conhecimento já construído e passará a ter um papel ativo na construção e na investigação do saber científico.

MARIA ALICE NOGUEIRA é graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santo André (1973) e em Ciências da Educação pela Universidade de Paris V (1975). Possui doutorado em Educação pela Universidade de Paris V (1986). Realizou dois estágios de pós-doutorado: na Universidade de Paris V/CNRS (1996) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2006). É Professora-Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também é coordenadora do OSFE (Observatório Sociológico Família-Escola). Em 2000, foi professora visitante convidada na Universidade de Lille III, na França. Foi coordenadora do GT Sociologia da Educação da Anped. Coordena o GT Educação e Sociedade da Sociedade Brasileira de Sociologia, desde 2004. É coordenadora da coleção Ciências Sociais da Educação da Editora Vozes e participa do conselho editorial dos seguintes periódicos: Educação e Sociedade (CEDES), Educação e Realidade (UFRGS), Fórum Sociológico (Universidade Nova de Lisboa), Revista de la Asociación de Sociologia de la Educación - ASE (Espanha), Sociologia On Line - Revista da Associação Portuguesa de Sociologia. Foi organizadora do I e do II Colóquio Luso-Brasileiro de Sociologia da Educação (2008 e 2010). Foi membro do CA-Educação do CNPq (2009-2013). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq desde 1988. Suas pesquisas focalizam as relações família-escola em diferentes meios sociais, em particular entre as classes médias e as elites, bem como as trajetórias escolares dos jovens pertencentes a esses meios sociais.

 

http://lattes.cnpq.br/5028014182882409

Marcos Antônio Pires

 

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