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A EXPOSIÇÃO BRINQUEDOS DO BRASIL COMO POSSIBILIDADE DE APRENDIZAGEM LÚDICA

Karina Santiago de Assis

 

RESUMO

A exposição Brinquedos do Brasil consiste em um projeto realizado pelo SESC- Serviço Social do Comércio via departamento nacional, com o objetivo de incentivar o brincar a partir das memórias afetivas e dos brinquedos artesanais existentes em cada estado brasileiro. A exposição construiu um cenário de provocação sensorial, ao tornar visível o quanto interessante é, no fazer diário estimular o brincar com espigas de milhos, pedaços de madeira, borrachas de reaproveitamento, latinhas de alumínio no lugar de carrinhos industriais com moldes prontos e modelos iguais para diversos países. Buscou-se a partir da escola, da programação da sala de aula esse convite de observar o brincar, e convidar o aluno a ver beleza e ludicidade na imaginação e nas possibilidades do artesanato. Assim, o presente artigo apresenta com referência na Base Nacional Comum Curricular a importância da arte, do brincar, o valor histórico e pedagógico do artesanato lúdico, o lugar da arte no planejamento pedagógico, demonstrando o quanto as instituições privadas como o Sistema Social do Comércio – SESC, pode ser parceiro na construção de atividades para o cotidiano da sala de aula.

 

Palavras chaves: Brinquedo. Artesanato. Educação Não Formal. Exposição de artes.

 

INTRODUÇÃO:

 

A arte é compreendida como a possibilidade de promover um novo olhar sobre o mundo, tanto por meio de suas especificidades de linguagem como pelos hibridismos decorrentes dos atravessamentos de fronteiras que geram novas formas de expressão, intertextualidades e transdisciplinaridades. Já a Educação é tomada como processo permanente e infindável de busca individual, coletiva e social de conhecimento para a construção de uma sociedade democrática, solidária e fraterna. Assim, o trabalho em conjunto da arte e educação movimentam e transformam a sociedade.

O artigo apresenta essa inter-relação entre educação e arte, a partir da Exposição Brinquedos do Brasil, uma mostra do artesanato lúdico brasileiro e de como ele afeta positivamente a educação.

É importante citar que a exposição brinquedos do Brasil, consiste em uma mostra de artesanato brasileiro. Os brinquedos carregam memórias afetivas e tornam- se ferramentas lúdico-pedagógicas. Sendo os brinquedos artesanais e construídos por artesãos, cada peça faz parte dos contextos das manualidades e artesanato em artes visuais

A fim de realizar a articulação com a dimensão legal e teórica que perpassa o ensino da Arte, percorri conceitos da Base Nacional Comum Curricular e educação não formal para amparar os estudos e expor o quanto o fazer artístico está alinhado ao processo formativo no desenvolvimento do ser humano, provocando à melhor compreensão de si mesmo, do mundo, de suas potencialidades, do contexto em que vive, de sua capacidade de realizar escolhas e de colaborar para a sociedade. O artigo conceitua e apresenta uma experiência exitosa de arte-educação na educação não formal, que permite diversas possibilidades de exercícios para serem desenvolvidos em sala de aula.

 

DESENVOLVIMENTO:

 

A exposição Brinquedos do Brasil esteve em cartaz na galeria do SESC Arsenal em Cuiabá, Mato Grosso no período de 06/08/2019 a 08/09/2019. Sua programação foi composta por oficinas, seminários e roda de conversas sobre o entrelaçar da educação e da cultura.

Desenvolvido pelo Departamento Nacional do Sesc, a ação é resultado de uma pesquisa elaborada pela psicóloga Adriana Klisys, que percorreu o Brasil para conhecer o trabalho de bonequeiros de diferentes lugares e avaliar de que forma esse ofício pode contribuir para a educação dos mais jovens. Apesar de toda essa variedade, dificilmente esse acervo lúdico chega às escolas, que geralmente escolhem brinquedos industrializados. A proposta do projeto “Brinquedos do Brasil” consistiu em ampliar a oportunidade de os estudantes terem a acesso a diversidade de materiais, texturas, cheiros e cores do brincar de diferentes regiões do país.

O livro Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos faz parte do projeto de formação lúdica do Sesc – Administração Nacional, Gerência de Educação, uma iniciativa que promove ciclos de conferência sobre o papel dos jogos, brinquedos e brincadeiras, além de estimular a reflexão sobre a escolha do acervo e de propostas a ele relacionadas na Educação Infantil.

O material traz indicação de brinquedos de todas as regiões do Brasil, contatos dos artesãos que os conceberam, bem como curiosidades e formas de uso. A ideia é que os brinquedos artesanais façam parte da escola, ampliando as possibilidades do brincar e a construção de brinquedos pelos professores, crianças e comunidade educativa.

O livro traz um verdadeiro tesouro nacional composto das mais variadas engenhocas que não estão presentes nas escolas: brinquedos de miriti, mamulengos, brinquedos de lata, panelinhas de barro, bolas de borracha da região amazônica, bichinhos de balata (resina vegetal), bonecas de pano, petecas de palha ou de buriti.

E com esse conteúdo também a reflexão, que com tantas variedades de brinquedos, porque apenas oferecer brinquedos plásticos? Quando oferecemos apenas um material, no caso, o plástico acabamos massificando e plastificando a brincadeira. O brinquedo artesanal, o artesanato tem em seu processo a construção transparente que incentiva e valoriza a autoria na construção, estimulando a capacidade de pensar sentir e agir, afinal conhecer como se faz brinquedos é desvincular o brincar do consumo, é uma forma de descobrir-se criador.

A delicadeza do artesanato, do brinquedo artesanal, no brincar é uma fortaleza porque traz traços fortes da identidade de quem o faz. Ao brincar com um conjunto de panelinhas de barro feitas manualmente, as crianças vão perceber que umas são diferentes das outras, e que é preciso cuidado com o material que é frágil e pode quebrar facilmente, essa relação de cuidado e delicadeza o plástico não oferece para a criança. Ao olharmos atentamente um grupo de crianças, teremos que elas estão o tempo todo inventando brinquedos.

A exposição de Artesanato foi dividida na seguinte estrutura: Faz de conta: mundo miniatura da realidade; Faz de conta: mundo miniatura da ficção; Faz de conta: mundo miniatura para se locomover na terra, na água, e no ar;› Faz de conta de mamulengos, marionetes e fantoches; Faz de conta que corremos o mundo por muitas léguas; Brinquedos de habilidade e destreza; Sobre rodas; Brinquedos de miriti; Engenhocas; Engenhocas de empurrar; Brinquedos para ver o belo; Antigamente brincava-se assim, hoje também!, Piões do Brasil (SESC, 2018).

Com a proposta de itinerância nacional o projeto circulou os estados e cada estado construiu sua programação de acordo com as suas potencias.

O SESC Mato Grosso, na sua unidade Arsenal, construiu uma programação dialogando com a educação e promovendo visibilidade ao artesanato, a partir dos brinquedos artesanais. Assim, a programação contou com a estrutura: Exposição Brinquedos do Brasil, acervo completo, na galeria de artes; Exposição de Brinquedos Artesanais, produzidos por artesãos que residem em Mato Grosso (Micheli Sierra – Chapada dos Guimaraes, Sonia Sueli – Chapada dos Guimarães, Wanda Aparecida Pinheiro – Poconé MT, André Toledo – Cuiabá MT, Keila Goés – Cuiabá MT) no foyer do Teatro; 3) Exibição de Filmes com a temática do Brincar, documentário Tarja Branca, Cacau Rhoden; Território do Brincar, Renata Meirelles; Apresentação de teatro: Espetáculo “No Quintal, O Mundo”, com Cia Solta de Teatro; Oficina de Manualidades: “Aprendendo a fazer Brinquedos de Biscuit” com a artesã Sidneia Xavier; “Aprendendo a fazer Brinquedos Tradicionais” com a artesã Micheli Sierra; “Aprendendo a fazer Bonecas e Bonecos de Pano”com a artesã Keila Góes; Aprendendo a fazer Brinquedos Tradicionais em Tecido” com a artesã Miguelina Fernandes”, Palestras: “Dar brinquedos às crianças ou incentivá-las a criá-los?” com a psicóloga Adriana Klisys , Seminário Educação é Brincadeira? O brincar como processo de aprender e Brincadeiras no Jardim, com os brinquedos tradicionais.

A programação da exposição construiu esse entrelace entre arte e educação. O público teve acesso a bonecas de pano, petecas de buriti, panelinhas de barro, brinquedos de lata ou de miriti entre outros, todos esses brinquedos e incentivo ao brincar convidou o público a desconectar dos smartphones e internet e se conectaram com o mundo do fazer artesanal e a riqueza cultural expressa em cada artesanato.

Em educação e cultura o SESC, possui um olhar bem cuidadoso com políticas que visam o desenvolvimento do público em geral e dos comerciários, a instituição está em todo o país visando democratizar o acesso ao cinema, teatro, concertos, museus, exposições de artes e bibliotecas entre outros. Em sua programação entrelaça entretenimento e diversão com educação para promover cultura de qualidade e ajudar na formação lúdica de milhões de brasileiros. Grande parte das atrações culturais do Sesc são gratuitas e chegam em locais que geralmente não recebem circuitos comerciais. Além disso, ensina a fazer Cultura por meio de cursos, oficinas e palestras que se multiplicam nas unidades.

Tal perspectiva vem ao encontro de pensamento de Gadotti (2012), para o qual a educação não formal, “Processa-se fora da esfera escolar e é veiculada pelos museus, meios de comunicação e outras instituições que organizam eventos de diversa ordem, tais como cursos livres, feiras e encontros”. (GADOTTI, 2012, p.58).

Na exposição os brinquedos artesanais, mais do que entreterem, exerceram a função de instrumentos pedagógicos, sendo potenciais estímulos para o ensino/aprendizagem através da ludicidade e da interação direta com o objeto.

Foi analisado durante o período da exposição Brinquedos do Brasil, por meio das visitas, o encantamento dos profissionais de educação sobre o tema, era nítida a busca por parte dos profissionais em encontrar em um brinquedo a possibilidade de aplicação de um conteúdo do currículo desde matemática, ciências, português e principalmente artes. Os professores ao se interessarem em levar a exposição para a sala de aula eles vão de encontro com o que a Base Nacional Comum Curricular apresenta de pressupostos teóricos e práticos para o ensino dos diferentes componentes curriculares, dentre os quais a arte, tendo em vista a imprescindibilidade deste conhecimento para o processo formativo integral das crianças. Em se tratando da arte, Barbosa (2009, p 14), declara que:

 

Arte não se ensina, contamina-se pela arte, e assevera: ensino como transmissão, não se ensina nada. Você provoca experiência. E é através da experiência que a gente vai aprendendo e vai separando o que é essencial do que é acidental.

 

Na perspectiva do currículo, ao se colocar à disposição para planejar contextos significativos de aprendizagem, se faz importante em especial, ter claro o papel do professor e o lugar que a criança ocupa como ator social e centro do processo ensino- aprendizagem. Para as crianças, toda e qualquer atividade desenvolvida no contexto escolar carece de estar perpassada de dada intenção educativa, o que demanda reflexão, preparo e planejamento.

Na BNCC, a Arte está inserida na área das Linguagens. Tal componente curricular é compreendido como uma prática de linguagem pela qual “[…] os sujeitos (inter)agem no mundo e constroem significados coletivos” (BRASIL, 2016, p. 86). Diante disso, observo que o documento aponta a linguagem como prática e, como o documento afirma:

 

As práticas de linguagem permitem a construção de referências e entendimentos comuns para a vida em sociedade e abrem possibilidades de expandir o mundo em que se vive, ampliando os modos de atuação e de relacionar-se (BRASIL, 2016, p. 86).

 

Partindo da ideia de que a linguagem se refere às diferentes maneiras dos seres humanos relacionarem-se, a BNCC menciona as distintas linguagens como “[…] linguagem verbal, musical, visual e corporal que abrangem diversas formas de experiências: estéticas, sensoriais, sensíveis, corporais, sonoras, cinestésicas, imagéticas, performativas” (BRASIL, 2016, p. 86).

A BNCC evidencia que cada prática de linguagem exige um conhecimento específico, com capacidade para possibilitar ao estudante visualizar o mundo e a si próprio de uma maneira singular.

É perceptível, portanto, que a Arte necessita ser compreendida na perspectiva de uma linguagem humana que une razão e emoção e que esses conceitos não acontecem de forma separada. A BNCC destaca, ainda que a Arte na escola permite o “[...] diálogo intercultural, pluriétnico e plurilíngue” (BRASIL, 2016, p. 112). Nesta direção, a arte evidencia que as noções de estética e poética não podem ser restringidas à produção artística legitimada. Nesse espécto a exposição Brinquedos do Brasil está alinhada a essa perspectiva.

 

CONSIDERAÇÔES FINAIS:

 

O presente artigo é um convite para a percepção das possíveis construções existentes no ensino de artes nas escolas. A arte educação é um processo de compartilhamento de saberes e baseada na horizontalidade das relações entre a instituição e o público, nesse lugar articula-se a produção simbólica e poética do ser humano, pois lida diretamente com símbolos, imaginários e subjetividades, já a prática educativa têm seu caráter processual, ou seja, o objetivo é proporcionar experiências que estimulem os aspectos cognitivos, sociais e afetivos dos diversos públicos, potencializando o pensamento crítico, sensível e reflexivo, em detrimento das concepções que privilegiam o produto final.

Perceber que uma peça artesanal pode se tornar fonte de estudo para construção de propostas lúdico pedagógicas e consequentemente plano de aulas, é olhar para além dos livros como referências bibliográficas e práticas educacionais e valorizar na prática esse processo de compartilhamento. Através do material educativo, apresentar o artesão, o seu fazer e a história daquele artesanato em seu contexto, é uma ação que amplia o repertório de cada aluno, e lhe apresenta outro contexto de construção do mundo, a artesania.

Assim, encontramos nas visualidades, a fruição e a contemplação, em locais como exposições de artes e museus, e eles se encontram como apoio direto no fazer educacional. A arte e a educação se associam de forma muito ampla e eficaz para o estímulo da sensibilidade e o senso crítico de cada um. E por esse motivo, é legitima o incentivo para a investigação contínua nesse encontro.

Quando a escola provoca esse passo de encontro com a arte, ela exercita um direito constitucional garantido para todas as pessoas, o acesso à arte e às manifestações culturais, e reconhece nos processos formativos cada sujeito se constrói pelas experiências individuais e coletivas.

 

REFERÊNCIAS

 

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos de 1980 e novos tempos.

São Paulo: Perspectiva, 2009.

 

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Ed., Coleção Ciências da Educação, 1994.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – segunda versão. Brasília: MEC, 2016.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018 .

 

BRASIL. Decreto-Lei n° 9.853 de 13 de setembro de 1946. Atribui a Confederação Nacional do Comércio o encargo de criar e organizar o Serviço Social do Comércio e dá outras providências. Brasília, 1946.

 

GADOTTI, Moacir. Educação popular, educação social, educação comunitária conceitos e práticas diversas,  cimentadas por uma causa comum. In: CONGRESSO    INTERNACIONAL            DE      PEDAGOGIA            SOCIAL,        2012.  Anais... Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/pdf/cips/n4v2/13.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2021.

 

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008, P. 28.

 

LAKATOS, Maria Eva. MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico. 4 ed/. São PAulo. Revista e Ampliada. Atlas, 1992.

 

LÜDKE, M., ANDRÉ, M. E. C. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

 

SESC. Departamento Nacional. Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos. Rio de Janeiro : Sesc, Departamento Nacional, 2018.