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DESAFIOS DA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL

 

Léa Antônia Corrêa da Silva Costa [1]

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo central, debater de maneira conceitual sobre os principais desafios espaço-temporais enfrentados pela escola em tempo integral no Brasil. De modo que foi possível concluir que a educação se dá com a finalidade da formação cidadã do indivíduo, ao passo que a instituição de programas de educação integral nas escolas públicas brasileiras, oferece aos alunos dessas a oportunidade de ampliar sua gama de conhecimentos não somente nas disciplinas escolares, mas em artes, cultura, esportes e lazer, fazendo uso de um tempo ocioso para a agregação de conhecimentos, saberes e capacidades que formarão o sujeito humano e ativo socialmente. Dentre os principais desafios a superar para efetivar a educação integral no Brasil é empreender investimentos em infraestrutura escolar, remuneração e capacitação dos profissionais da educação, para que esses recursos acompanhem, em qualidade, os benefícios que são propostos nos resultados da educação integral. A justificativa para a escolha do tema paira sobre sua contemporaneidade, além da expectativa de contribuir para o âmbito acadêmico. O método de pesquisa empreendido segue natureza qualitativa, com pesquisa do tipo bibliográfica.

Palavras-chave: Educação integral. Desafios. Escola. Programa Mais Educação.

 

ABSTRACT

 

The main objective of this article is to discuss conceptually the main space-time challenges faced by the full-time school in Brazil. Thus, it was possible to conclude that education takes place with the purpose of the citizen's formation of the individual, while the institution of programs of integral education in the Brazilian public schools, offers to the students of these the opportunity to extend its range of knowledge not only in the Disciplines, but in arts, culture, sports and leisure, making use of an idle time for the aggregation of knowledge, knowledge and capacities that will form the human subject and socially active. Among the main challenges to be overcome to achieve integral education in Brazil is to invest in school infrastructure, remuneration and training of education professionals, so that these resources accompany, in quality, the benefits that are proposed in the results of integral education. The justification for the choice of theme hangs on its contemporaneity, in addition to the expectation of contributing to the academic field. The research method followed is qualitative, with research of the bibliographic type.

Key words: Integral education. Challenges. School. More Education Program.

 

 

1.    INTRODUÇÃO

 

É possível compreender que a escola, uma vez como instituição calcada em uma matriz social a fim de realizar a formação humana em distintas temporalidades da vida, passou a se apresentar, em seu panorama histórico, como um dever do Estado e um direito da sociedade. De modo que, tornou-se ainda inquestionável o reconhecimento de sua necessidade em uma conformação social, que traz à baila a questão acerca da real função social da escola.

Assim, em um mundo altamente globalizado, planetarizado e mundializado, bem como permeado por uma série de problemas de ordem social, ambiental, econômica, política, religiosa, etc., a escola se apresenta a fim de responder a cada uma destas questões, além de imbuir-se da responsabilidade de ensinar sobre sexo, meio ambiente, trânsito nas cidades, entre outras temáticas que fazem parte do cotidiano desta sociedade.

Na tentativa de cumprir essa função social da escola e formar um cidadão de maneira completa, a proposta de educação em tempo integral já se viabiliza como uma realidade em unidades escolares públicas do Brasil. Esse tipo de educação que amplia a carga horária dos alunos e oferece atividades além das disciplinas escolares comuns, fazendo com que permaneçam na escola em turno duplo.

A educação integral nas escolas públicas tornou-se viável por meio do Programa Mais Educação, que é uma iniciativa do governo federal e se apresenta como uma estratégia de promoção da educação em tempo integral no país. O objetivo do programa é o desenvolvimento de atividades socioeducativas no contra turno escolar, a fim de ampliar os tempos, espaços e o número de agentes envolvidos no processo educacional, oferecendo mais oportunidades educativas em prol da melhoria da qualidade educacional no Brasil.

Em vista do cenário supra exposto desenha-se como objetivo central do presente artigo, debater de maneira conceitual sobre os desafios da escola em tempo integral. A fim de traçar um caminho coerente para o desenvolvimento do tema, elencam-se como objetivos específicos: conceituar a educação integral; e, debater sobre os principais desafios espaço-temporais do ensino em tempo integral no Brasil. Sendo assim, a problemática de pesquisa a ser solucionada à finalização desse, paira sobre a questão: quais são os principais desafios da escola em tempo integral?

O presente artigo justifica-se, pois pretende contribuir para o âmbito acadêmico oferecendo através da pesquisa em tela uma visão diferenciada acerca do tema, ampliando o material teórico, que poderá ser utilizado a fim de desenvolver estudos e pesquisas posteriores, estimular o aprofundamento sobre o tema, assuntos relacionados e demais vertentes científicas que possam originar-se a partir do interesse por este.

Sobre o método de pesquisa empreendido Lakatos e Marconi (1996, p. 15) definem que “Pesquisar não é apenas procurar a verdade; é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos”, através desta ótica é possível notar que a pesquisa é algo mais amplo do que se imagina em um primeiro momento. Segundo Santos e Candeloro (2006) existem duas naturezas diferentes para uma pesquisa metodológica, são elas, qualitativa e quantitativa. Sendo assim:

 

A pesquisa de natureza qualitativa é aquela que permite que o acadêmico levante dados subjetivos, bem como outros níveis de consciência da população estudada, a partir de depoimentos dos entrevistados, ou seja, informações pertinentes ao universo a ser investigado, que leve em conta a ideia de processo, de visão sistêmica, de significações e de contexto cultural. [...] A pesquisa quantitativa é a que tem o objetivo de mensurar algumas variáveis, transformando os dados alcançados em ilustrações como tabelas, quadros, gráficos ou figuras. [...] Em geral, o instrumento de levantamento de dados mais adequado a este tipo de pesquisa é o questionário, em que questões fechadas correspondem a respostas codificadas (SANTOS e CANDELORO, 2006, p.71-72).

 

Desta forma, a natureza escolhida para a criação deste trabalho é qualitativa, buscando assim, levantar todas as informações teóricas a fim de se chegar à conclusão, utilizando-se de abordagem exploratória através de pesquisa do tipo bibliográfica para colher e avaliar os dados, as pesquisas bibliográficas podem ser através de obras ou artigos científicos (GIL, 2008).

 

2.    DESENVOLVIMENTO

 

2.1  Os desafios da escola em tempo integral

 

Nilson et al. (2009) explicam que a intersetorialidade surge como uma estratégia da gestão em educação a fim de alinhar-se ao desafio de implementar a educação de maneira integral na contemporaneidade, especialmente diante de um conjunto de leis e de medidas que intencionar solucionar a questão da proteção integral de crianças e adolescentes.

 

Tal abordagem busca compreender que a escola tem exercido, ao longo da história, um papel reconhecido na educação das novas gerações. Entretanto, ainda que ela alcance o máximo de sua efetividade, encontra limitações em face dos desafios educativos contemporâneos, ou seja, o desenvolvimento integral e suas implicações. Ao mesmo tempo, é importante explicitar a heterogeneidade de agentes educativos que, atuando em diferentes espaços e com estratégias pedagógicas diversas, compõem o conjunto de esforços para o alcance do desenvolvimento integral (p. 8).

 

As autoras explicam ainda que a simples presença de tais medidas não é o bastante para agregar todas as dimensões da integralidade da educação – sejam seus espaços, tempos, indivíduos e conhecimentos. De modo que tal articulação e composição de saberes e de práticas não são elementos meramente espontâneos e, logo, precisam de reconhecimento do alcance e de seus limites para cada instituição. Ao mesmo passo que tais medidas tendem a convocar a atuação em rede, isto é, das relações que se complementam mutuamente e que interdependem uma da outra, tornando necessária sua conexão e reconhecimento de tal complementaridade e tal interdependência.

 

Todo relato sobre as origens do Estado parte da premissa de que “nós” – não nós leitores, mas algum nós genérico, tão amplo a ponto de não excluir ninguém – participamos de seu nascimento. Mas o fato é que o único “nós” que nós conhecemos – nós mesmos e as pessoas próximas a nós – nascem dentro do Estado; e nossos antepassados também nasceram dentro do Estado até onde possamos situar. O Estado existe antes de nós. (Até onde no passado conseguimos nos situar? No pensamento africano, o consenso é que depois de sete gerações não conseguimos mais distinguir entre história e mito.) (COETZEE, 2008, p. 7).

 

Para que se possa realizar um breve estudo sobre a questão da educação integral, é necessário compreender, primeiramente, conceitos também de Escola Integral, Tempo Integral e Ampliação de Jornada Escolar, já que todos estão interligados e relacionados ao foco do estudo em questão. É importante apontar que as políticas públicas direcionadas para o âmbito da educação também deveriam levar em consideração tais pontos e suas implicações no decorrer da história do ensino.

Como discorrem Castro e Faria (2002) moldes e imposições sobre a questão da escola integral se fazem presentes no Brasil desde as épocas da industrialização. Porém, instaurou-se, primeiramente, através de um projeto concebido por Anísio Teixeira[2] na antiga capital do Brasil, ainda localizada no Rio de Janeiro, fato que ocorreu no começo do séc. XX, seguindo os ideais da época sobre a Escola Nova.

Segundo as autoras, o país vivia um momento de crise social, portanto, a questão da qualidade do ensino público era constantemente questionada, assim como necessidades sociais da época que careciam da extensão da carga horária escolar, formando assim as escolas integrais. Para tanto, o projeto proposto por Anísio Teixeira, para a Escola Integral de Ensino Elementar, seguia os seguintes preceitos:

 

·        Ampliação da jornada escolar;

·        Manter a quantidade e divisões das séries escolares;

·        Acrescentar às atividades regulares, ações educativas (não relacionadas diretamente à formação intelectual); e

·        Capacitação de professores para exercer mais funções.

 

A proposta de Teixeira acerca da educação integral, no entanto, viu-se comprometida quando, em meados do séc. XX houve uma redução significativa da carga horária escolar. Neste cenário, as escolas ofereciam turnos que diminuíam o aproveitamento do dia escolar e da formação dos professores. Sobre este fator do encurtamento do tempo diário letivo,

 

Encurtamos o período das aulas, encurtamos os professores. Nessa escola brasileira tudo pode ser dispensado: prédios, instalações, bibliotecas, professores [...] somente não pode ser dispensada a lista completa de matérias. Qualquer daquelas disciplinas têm de existir no currículo. Uma só que retiremos, porá abaixo todo o edifício de nossa cultura! Ai de quem pensa em tirar uma só daquelas línguas, ou fundir uma disciplina na outra! [...] (TEIXEIRA, 2007, p. 52).

 

O autor utiliza o termo “programa de menos a um maior número de alunos” para retratar esta mesma questão, e continua:

 

A ideia de treinamento para o trabalho aliada à extensão do ensino a todos resultou, na prática, em um programa de menos a um maior número de alunos. Além da redução do curso primário, logo surgiu, para ampliar a matrícula, a inovação dos turnos escolares, ou seja, o funcionamento da escola em vários turnos, com redução do dia escolar e, por fim, a redução do período de formação dos professores. [...] A despeito da tremenda expansão do conhecimento humano, um paradoxal imediatismo escolar reduziu a duração dos cursos e do dia escolar a fim de oferecer a um maior número de alunos uma educação primária reduzida ao mínimo. (Id., p. 125).

 

As unidades de ensino direcionaram a alfabetização, por exemplo, a apenas um ambiente, porém, o professor que era formado para dar aulas para níveis mais elevados, como as series do ensino fundamental, eram direcionados para a preparação de alunos iniciantes no ambiente escolar, sentindo que sua formação estava sendo ‘desperdiçada’. As principais preocupações de Teixeira (2007) com relação à educação:

 

Temos, primeiro de tudo, de restabelecer o verdadeiro conceito de educação, retirando-lhe todo o aspecto formal, herdado de um conceito de escolas para o privilégio e, por isto mesmo, reguladas apenas pela lei e por toda sua parafernália formalística, e caracterizá-la, enfaticamente, como um processo de cultivo e amadurecimento individual, insusceptível de ser burlado, pois corresponde a um crescimento orgânico, humano, governado por normas científicas e técnicas, e não jurídicas, e a ser julgado sempre a posteriori e não pelo cumprimento formal de condições estabelecidas a priori. Restabelecida esta maneira de conceituá-la, a educação deixará de ser campo de arbitrária regulamentação legal, que no Brasil vem fazendo dela um objeto de reivindicação imediata, por intermédio do miraculoso reconhecimento legal ou oficial. O fato de havermos confundido e identificado o processo educativo com um processo de formalismo legal levou a educação a ser julgada por normas equivalentes às da processualística judiciária que é, essencialmente, um regime de prazos e de normas, fixados, de certo modo, por convenção. (TEIXEIRA, 2007, p. 100).

 

Ainda de acordo com o autor, a necessidade flagrante da educação integral pairava sobre a “incapacidade da República para estender a educação a todos”. Sobre este assunto o autor afirma:

 

Quando na década de 1920 a 1930, começou a amadurecer mais a consciência política da Nação e se iniciou a batalha pelo voto secreto e livre, e esta batalha devia ser acompanhada (uma vez que não precedida) da óbvia contrapartida – a educação do povo. Não se dirá que lhe tenha faltado completamente este eco, este reclamo educacional. Foi, com efeito, nesse período que a ideia de estender a educação a todos começou a medrar. Mas, de que modo? Até então, os educadores com a indiferença das classes governantes, vinham mantendo uma escola pública de cinco anos, seguida de um curso complementar. Quando os políticos, entretanto, resolveram tomar conhecimento do problema, forçados pela conjuntura social do Brasil, a primeira revelação que não lhe era possível senti-lo em sua integridade, mas, apenas, sentir a necessidade de escamoteá-lo, patenteou-se na solução proposta: - reduzir as séries, para atingir maior número de alunos. E foi exatamente aqui, em São Paulo, em 1920, que houve a tentativa da escola primária de dois anos (!) que, embora combatida e, felizmente, malograda, passou a ser padrão inspirador de outras simplificações da educação brasileira (TEIXEIRA, 2007, p. 94).

 

Coelho (2009) afirma que existe um debate teórico que envolve a questão das escolas integrais, ideais que são defendidos, geralmente, pela ótica político-filosófica. A autora destaca a importância de compreender os tipos de recursos e práticas que evoluíram e foram aplicados a esta questão no decorrer dos anos, no Brasil. Ainda de acordo com Coelho (2009), mesmo no séc. XX alguns movimentos defensores do modelo acadêmico de educação integral passaram a surgir “com propostas político-sociais e teórico-metodológicas diversas” (COELHO, 2009, p. 88).

Em relação à educação integral como ferramenta de políticas públicas, Teixeira aparece como um dos grandes destaques que, não só defendiam, mas também se responsabilizaram pela implementação deste tipo de ensino no país. A grande premissa das expectativas de Teixeira pairava sobre uma educação integrada, em um contra turno, que não se focasse apenas no complemento da educação formal ofertada nas unidades de ensino regulares, mas, suas pretensões eram de que os alunos tivessem acesso a novas propostas educacionais e atividades diferenciadas. Sobre esta questão Coelho (2009) discorre:

 

[...] havia uma clara diferenciação entre as atividades ditas escolares – que aconteciam nas escolas-classe, em um turno – e as atividades diversificadas – que ocorriam na escola-parque, no turno contrário ao anterior. Acreditamos que essa diferenciação aponta para uma dissociação entre o que se denomina atividades escolares e outras atividades que poderiam, inclusive, ser entendidas e avaliadas como mais prazerosas diferentes daquelas realizadas nas escolas-classe e caracteriza, a nosso ver, uma concepção de educação integral em que a formação completa não é vista integradamente. (COELHO, 2009, p.91).

 

Segundo a autora supracitada o partidarismo que Anísio Teixeira fazia sobre a questão da educação integral possuía certas motivações, ele acreditava que este modelo de educação seria o objetivo principal para que houvesse a formação de cidadãos preparados para o progresso e aptos a desenvolver-se em uma civilização prestes a se tornar tecnológica e passar por contínuas evoluções industriais e relacionadas a aspectos “político-desenvolvimentistas, o que constitui pressuposto importante do pensamento/ação liberal” (COELHO, 2009, p. 89).

Na cidade de São Paulo, desde 2005 existe o Programa São Paulo é uma Escola, com o objetivo de catalogar alternativas existentes na cidade, que ofereçam aos professores oportunidades de capacitação e continuação de formação e também oferecendo o auxílio para educadores em sala de aula e no monitoramento de atividades pré e pós-aulas, sejam recreativas, esportivas ou culturais, que passam a ser controladas também por pedagogos em formação e agentes comunitários. Na cidade de Belo Horizonte, o Programa Escola Integrada, oferecendo serviços semelhantes, existe desde 2006.

De acordo com Cavaliere (2006) os programas existentes, especialmente, nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro serviram de molde para que houvesse a tomada de decisão final sobre a implementação da educação integral no país, através do Programa Mais Educação. Em termos legislativos, existe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sob nº 9.394/1996, a Lei prevê a carga horária permitida para que os alunos permaneçam nas unidades de ensino, considerando regular a carga de quatro horas diárias, porém, ressaltando a crescente extensão deste período para tempo integral (BRASIL, 1996, art. 34º caput e § 2º).

Com relação à Lei nº 10.172/2001, do Plano Nacional de Educação, constam metas referidas à Educação Infantil, ressaltando a necessidade de assegurar a educação em tempo integral para crianças de zero a seis anos de idade. Para o ensino fundamental, a Lei prevê a extensão da jornada escolar diária para, no mínimo, sete horas, assegurando que alunos de baixa renda tenham acesso a duas refeições diárias completas, tarefas do ensino regular, além de acesso a ações culturais e esportivas.

A mesma Lei refere também como meta a implantação gradual da “jornada de trabalho do professor de tempo integral, quando conveniente, cumprida em um único estabelecimento escolar” (BRASIL, 2001). Dito isto, é necessário levar em conta a diferenciação e aproximação que existe entre os termos e conceituação de Educação Integral (CAVALIERE, 2010) e Escola de Tempo Integral (MOLL, 2010). A definição feita pela primeira autora:

 

Educação integral. Ação educacional que envolve diversas e abrangentes dimensões da formação dos indivíduos. Quando associada à educação não-intencional, diz respeito aos processos socializadores e formadores amplos que são praticados por todas as sociedades, por meio do conjunto de seus atores e ações, sendo uma decorrência necessária da convivência entre adultos e crianças. [...] Quando referida à educação escolar, apresenta o sentido de religação entre a ação intencional da instituição escolar e a vida no sentido amplo (CAVALIERE, 2010).

 

Seguida pelas considerações de Moll:

 

Escola de tempo integral. Em sentido restrito refere-se à organização escolar na qual o tempo de permanência dos estudantes se amplia para alem do turno escolar, também denominada, em alguns países, como jornada escolar completa. Em sentido amplo, abrange o debate da educação integral – consideradas as necessidades formativas nos campos cognitivo, estético, ético, lúdico, físico-motor, espiritual, entre outros – no qual a categoria “tempo escolar” reveste-se de relevante significado tanto em relação a sua ampliação, quanto em relação à necessidade de sua reinvenção no cotidiano escolar (MOLL, 2010, p. 27).

 

É necessário ressaltar, porém, que para estender o horário de ensino, é preciso que as escolas ofereçam condições para tal, a fim de trazer aos alunos os reais benefícios dos quais se doutrina o programa de educação integral, e não somente cumprindo a lei sem que qualquer tipo de adaptação, investimento e capacitação sejam feitos na unidade de ensino, a fim de extrair da educação integral suas aplicabilidades concretas.

Castro e Faria (2002) ressaltam que, algumas escolas impedidas, pela falta de investimento, de implantar a educação integral, ofertam aos alunos atividades extraclasses, estas que, por sua vez, são realizadas sem diretriz concreta, quase que amadoramente.

 

Na impossibilidade de ampliar o atendimento em horário integral – até hoje considerado um privilégio pelo investimento que envolve – muitas redes municipais vêm oferecendo atividades extraclasses que representam algumas horas a mais na escola. Em algumas redes, permite-se que alunos do ensino fundamental freqüentem os dois turnos escolares, numa forma precária e improvisada de oferta de horário integral (CASTRO; FARIA, 2002, p. 85).

 

A terminologia educação, por si só, já deveria englobar a ideia de integralidade, sem necessitar de adjetivações, porém, a história demonstra o contrário, que no decorrer dos anos a educação foi perdendo cada vez mais sua diretriz de que a educação deve ser integral, portanto, é necessário que se abra uma vertente e seja feita a tal adjetivação. Referente a este aspecto:

 

Da perspectiva de uma educação integral, a pergunta que se faz é se vale a pena ampliarmos o tempo dessa escola que aí está. E a conclusão a que chegamos é que, antes (e este é um ‘antes’ lógico, não cronológico) é preciso investir num conceito de educação integral, ou seja, um conceito que supere o senso comum e leve em conta toda a integralidade do ato de educar. Dessa forma, nem se precisará levantar a bandeira do tempo integral porque, para fazer-se a educação integral, esse tempo maior necessariamente terá que ser levado em conta. [...] A escola que aí está fracassa, portanto, porque é parcial. É por isso que precisamos pensar sobre a educação integral. (PARO, 1988, p. 18-20)

 

Seguindo esta mesma linha de pensamento: 

 

[...] a educação integral se caracteriza pela busca de uma formação a mais completa possível para o ser humano. No entanto, não há hegemonia no tocante ao que se convenciona chamar de ‘formação completa’, ou seja, quais pressupostos teóricos e abordagens metodológicas a constituirão. (COELHO, 2009, p.90)

 

Portanto, nota-se após a colocação dos autores, que mais do que a busca por um programa de implantação do ensino integral, o mais urgente é a busca e reformulação das escolas, para que tenham capacidade de atender tais programas, ou que, para que mesmo sem os programas, a educação seja oferecida ao aluno de maneira integral.

Parente (2006) acredita que o debate que paira sobre a questão da educação integral se relaciona diretamente com a escola de tempo integral, requerendo mais do que uma discussão acerca da extensão da carga horária escolar. O autor afirma também que este debate tem se tornado constante também pelo fato de articulações entre âmbitos escolares e não-escolares, educação formal ou informal e Estado e sociedade estarem constantemente à baila.

Compreende-se, portanto, que quando a discussão passa de escola integral, para aumento da jornada escolar para o período integral, apreende-se que a escola estabelece relações intrínsecas com outras instituições, organizações e movimentos de ordem social, permitindo também que não só o conhecimento seja estendido, mas também os espaços escolares e aptos a ações educacionais. Não constitui via de regra, mas as escolas têm atuado em busca de inovações no currículo para que os alunos sintam-se mais motivados e interessados, promovendo a estes um estreitamento de relação entre escola e vida.

Esta abertura permite com que elementos que, por vezes, passam despercebidos do ensino regular, sejam implantados através de ações educativas, tais como arte, música, dança e esportes, bem como, ações que incorporem ao programa de ensino elementos que fazem parte do cotidiano do cidadão contemporâneo, com a informática. Portanto, é importante notar os benefícios que há em ampliar espaços educacionais e de que estes, não precisam, necessariamente, existir apenas nos limites das unidades de ensino.

Após a implantação do Programa Mais Educação, gestores de alguns municípios que receberam a iniciativa, passaram a notar a necessidade de realizar uma integração de esforços direcionados para que as ações do Programa sejam efetivas e ofereçam, de fato, educação de qualidade aos alunos pretendidos. Para tanto, existem as ações de rede com a finalidade de articular esforços das Secretarias Municipais; Estado, Organizações Privadas e Sociedade Civil e as instituições de ensino formal e informal, públicas ou privadas.

Estas ações em rede demonstram que existem outros espaços educacionais que não somente as escolas, fazendo-se notar também que, exatamente pela variedade existente de tais ambientes que estimulem o cognitivo o tempo dedicado ao aprendizado passa por uma significante transformação, estendendo tais modificações sociais e temporais para o próprio conceito de escola.

O que pode-se concluir acerca deste ponto é que, a educação integral deve ter em vista não somente ampliações de cargas horárias, mas especialmente, métodos de aplicação que serão de fundamental importância na qualidade de ensino oferecida ao indivíduo e destes dependerá o êxito, ou não, da ampliação da jornada escolar. Sendo assim, educação integral está intimamente relacionada com a escola integral.

Oliveira (2009) entende que a proposta de educação em tempo integral deve ser bem estruturada e organizada, caso contrário, corre-se o alto risco de que se torne mais um elemento para sobrecarregar o trabalho dos profissionais docentes. Assim, o trabalho com a educação integral demanda que os professores se envolvam, organizem, preparem-se efetivamente para enfrentar todos os desafios dessa modalidade educacional com disposição e seguros de que podem contar com o apoio de toda a equipe escolar.

Castro e Lopes (2011) debatem, conforme achados empíricos, sobre os desafios e possibilidades que encontraram na escola em tempo integral. Os autores verificam que a organização do espaço e do tempo não passou por grandes alterações. Pois as aulas de disciplinas do currículo básico e das oficinas, respeitam os moldes de uma aula tradicional expositiva.

Os autores apontam então que no ano de 2007 ocorreu a possibilidade de que as escolas técnicas intercalassem suas aulas do currículo básico com as oficinas curriculares, entre os períodos da manhã e tarde. Isso se tornou possível para o segundo ciclo, uma vez que no primeiro existe uma clara separação, já que a maior parte das aulas do currículo básico se dá no período da manhã e as oficinas à tarde.

 

Mesmo existindo a prescrição de que a escola ‘otimizasse’ o uso de outros espaços e tempos educativos, percebemos que quase não houve alterações nesse sentido. Os alunos afirmavam que o uso da biblioteca era restrito a algumas oficinas curriculares e todas as aulas obedeciam à regra: caderno, lousa, giz, cadeira. A ausência de passeios e excursões era uma reclamação constante nos depoimentos dos alunos, bem como o cansaço provocado por uma rotina de 9 horas baseada em lições escritas. Quanto à jornada de trabalho do professor, também não houve alterações visto que ela estava constituída, muitas vezes, por trabalho em um número grande de escolas (mais de 5 em alguns casos), que não eram, necessariamente, do mesmo município (CASTRO; LOPES, 2011, p. 266).

 

Os autores constatam então que existem, no geral, poucas experiências educacionais e pesquisas acerca da escola pública em tempo integral no Brasil. Isso porque existe uma ausência de um modelo ideal a ser seguido e adotado. Contudo, na presença de referências positivas e negativas que podem nortear a concepção de uma escola de educação em tempo integral capaz de atender às necessidades da população, entendem que os desafios envolvem debater sobre o que efetivamente é a educação em tempo integral e como seria necessário operacionaliza-la a fim de beneficiar a classe popular.

Castro e Lopes (2011) finalizam dizendo que, fato é que a educação em tempo integral se encontra ainda em estágio inicial no país, demandante de muitas pesquisas e aprofundamentos sobre finalidades e organização. Além disso, existem limites estruturais e pedagógicos que ainda desafiam o êxito dessa educação integral. Todavia, os autores não duvidam de que a escola em tempo integral é, em potencial e na contemporaneidade, um local que privilegia o desenvolvimento integral do aluno, objetivando sua emancipação plena enquanto ser humano e não somente seu preparo para o mercado de trabalho.

 

3.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Através das pesquisas realizadas a fim de compor o presente artigo, foi possível compreender que a educação é um elemento essencial para a melhoria da sociedade. Isso demonstra a necessidade dos investimentos nesse setor. Quando se lança um olhar sobre o programa mais educação, que trata da educação em tempo integral, pode-se notar uma inovação positiva, que contribui para a oferta do ensino de qualidade e o cumprimento do objetivo de oferecer aos alunos de escolas públicas, um contato maior com as artes, conhecimento, cultura, esportes e lazer.

Dessa forma, cada vez mais indivíduos encontram a oportunidade de se tornarem pessoas melhores e mais bem capacitadas para enfrentar as situações da vida. A formação cidadã é uma das principais premissas da educação integral. Porém, para que essa proposta funcione integralmente na prática, é necessário superar ainda alguns desafios, como a ampliação de investimentos em infraestrutura escolar, formação e remuneração dos profissionais da educação.

Certamente existem essas barreiras que precisam ser superadas a fim de que o caráter positivo do programa seja efetivamente cumprido e que a implantação do programa seja efetivamente acompanhada por investimentos que tornem seus resultados possíveis. Contudo, além dessas dificuldades e dos pontos de estrangulamento que impõem esses desafios para a educação integral, é preciso reconhecer seus benefícios.

Isso porque a implantação da educação integral, especialmente em escolas públicas de regiões brasileiras mais vulneráveis socioeconomicamente, possui a capacidade de melhorar o rendimento escolar, suprindo também as necessidades extracurriculares dos alunos, além de tranquilizar os familiares em relação ao cotidiano de crianças e adolescentes, pois existe um aproveitamento melhor do tempo ocioso desses, que é dedicado à formação cidadã, esportes, lazer e ao desenvolvimento como um todo, uma vez que a educação é justamente isso, significativa e fundamental para formar humanos.

Conclui-se o presente artigo com a crença de que tanto objetivo geral quanto específicos foram atendidos, bem como a problemática de pesquisa foi solucionada. Contudo, como não era de intento, o assunto não fora esgotado, fora dado um primeiro e importante passo para o fomento de conhecimento e estímulo para o aprofundamento no tema, que pode ser feito em estudos posteriores, que visem corroborar, refutar ou complementar as constatações obtidas até o momento.

 

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TEIXEIRA, A. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007. (Coleção Anísio Teixeira).



[1] Professora Licenciada em Pedagogia Plena pela faculdade Facinter. Professora efetiva da rede Municipal de Lucas do Rio Verde MT.

[2] Anísio Teixeira foi um jurista, educador, escrito e intelectual brasileiro que formou parte importante da história do ensino brasileiro, em especial, entre os anos 1920 e 1930.