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EU, HUMILDE, SOBREVIVENTE NÁLISE DE UMA HISTÓRIA CONTADA

Ivali Furst Rodrigues dos Santos[1]

Orientador Cleber Fabiano da Silva[2]

Artigo aprovado como requisito parcial para a obtenção do título de especialista no curso de pós-graduação em Contação de Histórias e Literatura Infantil Juvenil da Faculdade de Tecnologia de Curitiba – FATEC PR, tendo obtido a nota 10,0 (dez).

 

RESUMO

Eu, minha história e minhas vivências, desde o meu esperado nascimento em Santa Catarina a mudança a meu novo destino: a cidade de Sorriso no Mato Grosso, as condições, as brincadeiras, as lembranças e o prazer de ter vivenciado tudo isso com a simplicidade do interior. Os medos e a coragem que foram primordiais para que essa história fosse possível, e o prazer de poder escrevê-la tornando a minha mente livre para voar nas lembranças, cicatrizes e boas recordações.

 

Palavras-chave: Vivências. Mudança. Conquista.

  

INTRODUÇÃO

 

Neste relato exponho fatos que correspondem as minhas vivências desde a gravidez até meus dias atuais, com destaque para detalhes que compõe etapas difíceis onde o frio era uma grande barreira que era enfrentada como diversão, onde as dificuldades eram encarradas com muita ousadia e rusticidade, onde a coragem foi primordial para se obter as vitórias por mim conquistadas durante a minha vida, onde o calor trazia e traz conforto deixando para traz os desafios anteriormente enfrentados, e mostrando que cada dificuldade é escada para nosso crescimento.

 

1. EU, HUMILDE SOBREVIVENTE

 

Tão aguardada, tão amada, mesmo sem ter berço de ouro, mas no lugar um berço rústico de bambu, com rodas talhadas em madeira maciça, que ao se movimentarem emitiam um rangido que resultara da pressão da madeira sob a estrutura do mesmo.

O colchão não era de perna de ganso, mas de palhas e capim, que eram cuidadosamente organizados para manter uma superfície o mais condizente possível com uma aconchegante local de descanso e distração.

No inverno agasalhado com roupinhas tecidas em lã, roupas que passavam de uma geração a outra, e que foram tecidas com carinho por alguma pessoa da família que já não é mais recordada, não havia nenhuma combinação, mas fazia seu papel em agasalhar e proteger do frio cortante.

O tempo foi passando e mamãe ia ao médico e voltava com um bebê nos braços, assim logo eu tinha a companhia de dois irmãos, a condição ora tão hostil já se amenizara, a água já chegava até minha casa em uma mangueira, a gravidade trabalhava a nosso favor, o leite fresco era um item presente em todas as manhãs, mas a cada um era deliberado tarefas antes de degustar aquele precioso elixir, ordenhar a sua vaca, pois cada um tinha uma a qual era responsável em ordenhar, tratar os porcos, as galinhas, rapidamente banhar-se e sentar-se à mesa para comer e poder seguir para a escola.

 

Existem muitas maneiras de se chegar ao mundo. Existem algumas maneiras de se conhecer o mundo. Mas não há como escapar: o mundo é uma grande história que se lê diariamente. De olhos abertos podemos perceber que cada um faz parte desse grande livro. Às vezes, nos colocamos na história como personagem principal, às vezes como aquele que se opõe ao herói, ou aquele personagem nem tão principal, mas que está sempre ao lado do “mocinho” e é seu amigo inseparável. Ou, quem sabe, a princesa que na aula de Matemática fica sonhando com o príncipe que vai chegar qualquer dia para salvá-la das garras da rotina? Mas, por outro lado, o melhor mesmo é ser bicho solto com comportamento humano! Ou, quem sabe, apenas alguém que observa e vai dando sentido às coisas. (SISTO, 2011, p. 23).

  

Escola esta que se localizava a alguns quilômetros, e a cada passo a natureza era uma presença agradável, e o sol que timidamente se mostrava dava destaque ao orvalho da noite que deixava tudo com um brilho especial.

Assim seguia com sua mochila feita com reaproveitamento de saco plástico utilizado anteriormente para armazenar açúcar industrializado, por vezes pouco utilizado pois era comum o consumo e a produção de açúcar mascavo em toda a região nomeada Campo do Bugio, comunidade que é dependente de Campo Erê - S.C.

Ir à escola era uma oportunidade certa de diversão, quando o inverno chegava a brincadeira era fazer barulho quebrando o gelo que era depositado na superfície da relva rasteira presente em todo o percurso, e quando o verão chegava uma nova fase se apresentava, onde era admirável observar os rastos depositados sob a poeira da estrada, deixando caminhos tortuosos de pegadas claramente impressas.

 

O gosto de contar histórias é idêntico ao de escrever – e os primeiros narradores são antepassados anônimos de todos os escritores. O gosto de ouvir é como o gosto de ler. Assim, as bibliotecas, antes de serem estas infinitas estantes, com as vozes presas dentro dos livros, foram vivas e humanas, rumorosas, com gestos, canções, danças entremeadas às narrativas. (MEIRELES, 1984, p. 13).

 

Ah e quando chovia então, cada possa de água era um mundo à parte, no meio do caminho encontrava dois amigos e por coincidência, Marcos e Marcos, eu desengonçada, sardenta e franzina, mas com uma força interior de potencial contínuo.

Com a convivência com os meninos que moravam bem próximo, tornava-se ainda mais evidente seu desejo de voar, mas sua rusticidade não a deixou e se tornou ainda mais intensa, por ser uma questão de sobrevivência.

Mais forte a cada dia, não se deixava abater por detalhes, vencia todas as brigas, batia sem dó, demonstrando sua força, então o olhar passou de vítima a comando.

As festas tão raras que na comunidade ocorriam era só brincadeira, tinha rifa de bolo todo decorado com bolinhas coloridas, com recheio de suco industrializado que vinha embalado em pequenos pacotes e era engrossado com amido, ficávamos por ali observando se sobrava um pouco de recheio ou cobertura para podermos nos deleitar.

Os homens responsáveis por assar a carne, e enquanto isto acontece os demais se distraem jogando carteado ou bocha, para as crianças era montado um jogo com latas empilhadas e um a bola de meia que deveriam ser derrubadas em uma única tentativa, mas cansando-se nos dispersávamos pelo grande pátrio gramado brincado de pega-pega ou de esconde-esconde, quando todos compareciam dava até para jogar umas partidas de queima.

As mulheres por sua vez, colocavam a mandioca para cozinhar e faziam as saladas, quitute sempre presente nestes encontros, aos poucos o cheirinho da carne assando se espalhava e a fome começava a ser uma constante, mas de nada adiantava pedir um petisco, porque sempre repetiam: “se comer a esta hora estraga o almoço”, então novamente ao pátio nos dirigíamos, para uma nova diversão inventar.

O dia anterior a estas festas todos trabalhavam no mutirão, uns faziam a valeta que era rodeada de tijolos para acender as brasas que assariam a carne, outros com seus facões partiam em direção a mata a procura de varas que seriam descascadas e deixadas no molho e servirem de espeto.

As grandes gamelas eram recheadas de carne fresca e coberta com uma mistura de temperos e salmoura, que daria um sabor bem especial a cada corte, cobrindo tudo e armazenando em uma sala bem trancada.

As mulheres lavavam todas as instalações e deixavam tudo organizado para os preparos do dia seguinte, e depois de tudo sentavam em rodas a degustar um chimarrão e a crochetar, tagarelando ora em português ora em alemão, visto que esta região tem muitos destes descendentes.

As instalações eram simples, cobertura de pequenas tábuas feitas com madeira rachada, rústicas, mas que cumpriam bem seu papel, os espaços eram cuidadosamente mantidos limpos revezando-se os responsáveis por tal ofício, o espaço era composto por mesas rústicas e pregadas a cepos fixados no chão, que era utilizada para as refeições e o carteado, ao redor para quebrar o vento eram fixadas folhas de coqueiro, desta forma a brisa passava suave pelo ambiente.

A tarde servia petiscos como: cuca alemã com recheio de suquinho, bolachinhas decoradas com açúcar de todas as cores, ou sagu feito com vinho pois era comum sua produção em algumas famílias.

Era um momento de relaxar depois de manterem suas rotinas de acordar cedo e dormir ainda mais cedo, neste dia as vacas desfrutavam da companhia de suas crias por um período mais longo, separa-os somente depois que a festa acabava, ato não convencional pois era uma prática utilizada logo depois do almoço.

 

O ofício de contar histórias é remoto. Em todas as partes do mundo o encontramos: já os profetas o mencionam. E por ele se perpetua a literatura oral, comunicando de indivíduo e de povo o que os homens, através das idades, têm selecionado da sua experiência como mais indispensável à vida. (MEIRELES, 1984, p. 12).

 

No dia seguinte tudo recomeçava e como sempre as quatro horas era hora de levantar, lavar o rosto, escovar os dentes e partir rumo a estrebaria para tirar o leite, enquanto isso ocorria o feijão já estava cozinhando no fogão a lenha, para ter garantido seu consumo no almoço.

Boneca era um privilégio para poucos, nem se ouvia falar de bonecas industrializadas, televisão não era um eletrodoméstico fundamental então poucos o tinham, as brincadeiras eram feitas sob a sombra dos pés de mandioca, que estavam cuidadosamente limpos por baixo, lá tudo se transformava, cada item como um toquinho de galho ou folhas eram utilizados para cobertura da casas ou animais de estimação, a enxada era uma ferramenta que ganhávamos quando nosso aniversário chegava, era pequena, leve e com um cabo tão branco e lisinho, e ela era a companheira fiel, se transformava em escavadeira, cavoucava valetas que se transformavam em grandes rios que só seriam possíveis de serem transpassados com a construção de grandes pontes.

Os tocos de nó de pinho se transformavam em pessoas que eram decorados com panos velhos que foram desprezados por alguém, eram também as bonecas que dividiam espaço em todas as produções, limões ou ameixas se transformavam em animais e outros objetos encontrados eram parte de todo o projeto de construção.

Nossa cada simples era de madeira serrada no serrote, manipulado por duas pessoas que se posicionavam em lados opostos e com movimentos repetitivos de vai e vem que não se interrompiam até serem decepadas de seu tronco principal, as tábuas utilizadas na cobertura eram rachadas com cunhas e marretas de ferro, mas teria que obter a madeira certa para que este processo ocorresse de forma eficaz.

Todos estes trabalhos eram desenvolvidos em trabalhos de parceria com vizinhos, todos se ajudavam mutuamente e desta forma também podiam contar com a ajuda necessária assim que necessitassem.

Por ser uma região de aclives e declives, as casas geralmente continham um porão que era utilizado como uma grande geladeira, onde eram mantidas as pequenas batatas que serviriam de mudas no próximo plantio, onde tudo que pedia uma temperatura mais amena era armazenado, queijos, salames, as latas que guardavam o melado de cana e a carne coberta de banha, energia não tinha, geladeira nem se ouvia falar, era usado o lampião de querosene para clarear um pouco à frente do nariz.

Quando se olhava para o assoalho se avistava o conteúdo do porão, por haver largas aberturas entre as tábuas, onde a brisa entrava deixando tudo arejado, próximo a janela da cozinha estava plantado um grande pé de pessegueiro, com seus galhos que ao vento faziam-se de esfregões na janela, e como era triste perceber que a arte que havíamos aprontado seria punida com umas puxadas de vara de pessegueiro, conhecíamos o olhar de quem iria apanhar assim que a visita saísse, então ficávamos quietos e inibidos tentando escapar deste castigo mas era inevitável.

Antes mesmo de frequentar a escola meu pai comprou caderno de linhas e caderno de caligrafia, e a cada dia tinha uma tarefa para ser realizada, a mesma era corrigida e uma nova tomava seu lugar, números eram acrescentados e se aprendia ou por temor da vara de pessegueiro ou por promessa de outras subtrações.

Mas quando cheguei a fase escolar com 6 anos já escrevia meu nome, conhecia todas as letras do alfabeto, sabia os números até cem, e escrevia algumas palavras, a letra era uma perfeição exigência mínima de cada tarefa desenvolvida.

Mas de tudo o que era produzido pouco se vendia, apenas o leite que ia para o laticínio, a erva mate que era comprada bruta e verde e trocada por alguns trocados, os bezerros machos era cuidadosamente escolhido para reprodutores ou seriam capados para consumo ou venda, geralmente venda pois o consumo de carne bovina era algo até incomum, tinha tanto frango no pátio, tinha porco no chiqueiro, e um boi era muita carne para armazenar com pouca refrigeração, então a opção de venda.

O milho era separado armazenado as espigas maiores para serem semeadas no próximo plantio e as demais serviam para a alimentação das vacas, galinhas e porcos, e quando a colheita era ainda mais produtiva, era levado até a cidade para a troca em farinha branca e um pouco de fubá, que era usado para produzir a polenta e o pão de milho que era assado no forno a lenha que fora construído com barro e tijolos, próximo a cozinha

O feijão e o arroz que produzíamos era armazenado para consumo pois seria uma garantia de não faltar o básico até a próxima safra, o manguá era usado para facilitar o trabalho e descascar as pequenas vagens e sementes, um pedaço de madeira que era preso a uma corda e batido brutalmente contra a pilha de produto armazenada sobre um tecido ou lona, desta forma era mais rápido o destrincha mento do produto, visto que os outros afazeres aguardavam, muitos descascavam o arroz utilizando um pilão que era socado até soltar a casca e depois soprado para sair a casca ao vento, assim mesmo estando todos os grãos quebrados era um alimento básico do dia a dia.

Quando se anunciava que teria mutirão para carnear porco, vinha gente de longe e de perto para ajudar, quando o dia amanhecia a água que foi esquentada no tacho utilizando torras de madeira para fazer o brazedo, já borbulhava, cada um assumia uma função, um matava o porco os demais o arrastavam e o levavam para o local onde seria feito a raspagem do pelo, em seguida a buchada era retirada e as mulheres seguiam para o riacho fazer a limpeza das tripas que eram viradas ao avesso para serem bem higienizadas e em seguida mergulhadas no vinagre para matar os possíveis vermes que ainda poderiam armazenar, o estômago do porco, popular “Buchinho”, era uma iguaria muito apreciada, bem lavada com uma camada interna removida e recheada com arroz cozido, temperado com temperos frescos, costurada e reservada para ser frita no almoço, os rins coração, minga e fígado eram temperados só com sal e alho e espetados e assados ali mesmo no calor da brasa.

A cabeça desossada e os demais miúdos eram reservados para fazer o sabão de soda, o sangue era utilizado para fazer a morcilha, junto com o corinho que era cozido e moído com muitos temperos.

Todos só paravam quando tudo estava terminado, a banha era colocada sobre a carne já frita que era armazenada em grandes latas de dezoito litros, mantendo-se assim conservada.

E o torresmo era muito apreciado quente com sal e limão, todos compartilhavam deste rodizio, comendo, tomando chimarrão e contando histórias, mas um dia tudo isso mudou, meu pai contou que iria conhecer o Mato Grosso, um lugar distante onde havia muitos animais selvagens, muito pântano, mas que era um lugar próspero.

Em 1979 partiu em viagem chegando até Sorriso, onde ganhou um lote urbano e levantou uma pequena casa de madeira inacabada, depois de alguns meses retornou e colocou sua propriedade e demais pertences a venda, e assim que surgiu comprador ele fechou negócio e carregamos a mudança em um caminhão grande que partiria no dia seguinte levando os móveis, alguns pertences, o carro e uma vaca de leite que minha mãe apreciava, na mesma noite embarcamos em um ônibus, rumo a Mato Grosso, era uma quarta-feira quando partimos chegando a nosso destino no domingo à noite, com poucas paradas, dormíamos como dava, nas poltronas quando vazias ou no corredor, foi uma longa viagem com poucos recursos e condições precárias, com uma parada obrigatória em um vilarejo chamado: Posto Gil, onde todos eram obrigatoriamente vacinados contra febre amarela, era uma operação da SUCAN, que vigiava esta barreira apoiada pelo exército, era utilizado as pistolas de pressão que penetrava latente um a um dos componentes da fila que se alongava a cada automóvel que ali encostava, uma carteirinha era entregue para comprovar a vacina.

Seguimos viagem e chegamos até Sorriso sem muitas alterações, apenas aquela estradinha de terra, com cascalho que fora utilizado para fazer um aterro por se tratar de algumas partes correspondentes a características de região pantaneira.

Quando chegamos no domingo à meia noite no hotel que era o ponto de parada do ônibus, nos preocupamos em nos recolhermos as instalações do hotel que estava com grande lotação, depois de uma longa espera conseguimos um quarto com duas camas beliches, então colocamos dois colchões no chão e nós três que ainda éramos crianças ali repousamos enquanto cada um dos meus pais ocupou seu lugar em uma das camas, mas como chovia ininterruptamente, goteiras começaram a ocorrer no quarto mas mesmo com os movimentos para ludibriar estes pingos gelados não obtivemos sucesso, foi uma longa noite.

Na manhã seguinte depois de um banho e um café recolhemos nossas bagagens e partimos ruma a casa que outrora havia sido construída parcialmente por meu pai, quando lá chegamos depois de muito andar, encontramos a casa em meio ao cerrado leve pertinente a região, agora que chegamos como iríamos fazer, a casa erguida sobre cepos não tinha assoalho, apenas paredes que a rodeavam e cobertura, sem portas ou janelas, então iniciou-se a busca por fornecedores que obtivessem tábuas para venda para fazer o assoalho da casa, e com sucesso foi realizado parcialmente no mesmo dia, então já tínhamos um teto e também um lugar para repousar, mesmo que de forma bruta, sem qualquer conforto.

Tinha um córrego que cortava a cidade e fomos conhece-lo por ser próximo de nossa casa, lá buscávamos a água para o consumo e para cozinhar, o banho era lá mesmo, a roupa e a louças também eram lavadas ali, o clima era tão agradável já tínhamos esquecido dos momentos de angústia que passávamos quando dava geada.

Para nos protegermos do frio eu e meus irmãos dormíamos na mesma cama, para nos aquecermos mutuamente, uma coberta de penas era o que nos mantinha aquecidos, mas o frio doía não dava nem para se mexer porque a cama estrava tão gelada que não era possível esquentar-se mais.

 

Quando se conta uma história começa-se a abrir espaço para o pensamento mágico. A palavra, com seu poder de evocar imagens, vai instaurando uma ordem mágico-poética, que resulta do gesto sonoro e do gesto corporal, embalados por uma emissão emocional, capaz de levar o ouvinte a uma suspensão temporal. Não é mais o tempo cronológico que interessa e, sim, o tempo afetivo. É ele o elo da comunicação. (SISTO, 2011, p. 24).

 

Quando íamos a escola nos divertíamos quebrando as placas de gelo que estavam congeladas sobre a relva baixa do caminho, na mão levávamos uma vela para ser colocada sobre a mesa de madeira da sala multisseriada, acesa mantinha as mãos aquecidas para que não congelassem e assim conseguissem ter coordenação para promover a escrita.

Quando os sinais demostravam que poderia ter uma geada severa, as plantas em vasos coloridos eram depositadas na sala de casa promovendo proteção para não serem queimadas pelo frio gelado.

Mas agora estas lembranças ficaram no passado, aqui éramos livres com roupas leves, com pés descalços, saíamos a especular o novo território, uma manhã nos deparamos com um largo rasto de cobra que durante a noite nos visitou, mas não a percebemos, mas ninguém foi procura-la pois tudo era novo e a fama era de haver neste ambiente hostil cobras enormes onde serviríamos como perfeitas iscas para tal.

Com o tempo nos familiarizamos com estes rastos deixados por enormes repteis, não era incomum perceber sua presença, e as lagartixas que estavam por toda a parte, temíamos ser mordidos mas depois que ganhamos um bodoque feito com tiras de câmara de pneu cortados cuidadosamente e amarrados com o mesmo material, um pequeno pacote plástico amarrado a uma tira de pano continha pequenas pedras que serviam de munição quando fosse utilizado, assim ocupamos nossos dias, fazendo nossas refeições utilizando somente um caldeirão elevado sob o fogo com o uso de uma vara de madeira que estava apoiada em duas forquilhas posicionadas em lados contrários.

Pratos somente dois foram encontrados para ser adquiridos, e assim revezamos em cada refeição para que todos pudessem alimenta-se.

Depois de dez dias o caminhão de mudança chegou e para decepção da minha mãe sua vaca que era parte da carga, a qual tinha tanto estima havia ficado para traz, mesmo desolada foi descarregando os itens que estavam armazenados no caminhão e aos poucos tudo foi sendo organizando agora no espaço complementado com todo o assoalho e com divisórias que separavam os quartos dos demais cômodos.

Depois de alguns dias uma empresa do ramo de marcenaria instalou-se bem próximo de nossa casa e meu pai foi chamado para trabalhar, assim fomos progredindo adquirindo mais lotes que aos poucos foram modificando suas paisagens com construções que se expandiram rapidamente por toda a região, agora o progresso já estava chegando a uns cem metros de casa chegou o encanamento de água, onde foi posicionado todos os tanques de lavar roupa para utilizar-se deste encanamento para facilitar as lavagens.

No entanto a água era descontínua e devido a este detalhe lá se tornou um ponto de encontro da vizinhança que vinha lavar suas roupas e aproveitava para conhece-se mutuamente, mas um acidente com uma máquina dilacerou a mão de meu pai, e depois de cinco horas de cirurgia e sem garantia de recuperação teve alta, mesmo muito fraco pela grande perda de sangue.

O hospital era uma casa com uma pequena farmácia, uma sala de cirurgia, uma enfermaria e uma pequena sala de espera, construído com tábuas de madeira, muito comum e acessível nesta época.

Aos poucos tudo foi voltando a rotina mesmo que meu pai tenha perdido o movimento dos dedos ainda os manteve, pois, alguns pequenos vasos mantiveram-se intactos, garantindo vida a eles.

Os casos mais comuns eram febre amarela e malária e com este propósito o hospital foi implantado, mas mesmo com condições tão adversas fez perfeitamente seu papel diante desta emergência.

Nossa diversão era brincar, em frente a nossa casa foi depositada uma caixa de amianto onde armazenava-se água para o consumo, mas ais domingos nos era permitido brincar dentro dela antes que minha mãe a limpasse para ser novamente enchida para o consumo da semana.

O pátio era limpo e socado igual cimento de tanto brincar com bolas de gude, onde encontrávamos uma tábua já nos reuníamos em mutirão para removê-la para nosso espaço onde tínhamos um quadrado que nos dava apoio para assim passávamos o dia pulando tábua, ou pulávamos corda e brincávamos de esconde-esconde, bicicleta ou pega-pega mesmo durante as noites de lua cheia.

A vida era simples, as amizades sinceras e os momentos preciosos, mas agora eu cresci e estou aqui podendo contar um pouco da minha história para vocês, sou pedagoga com pós-graduação em Neuropsicopedagogia, com segunda formação em Artes Visuais e almejando a conclusão de uma segunda pós em Contação de História.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Cada linha foi fluindo naturalmente, cada fato vivido me fez ver o quanto foi importante ter presenciado cada dificuldade, cada incerteza, pois me tornou forte o bastante para enfrentar todos os desafios que haveriam de chegar, se tornaram degraus que sutilmente fui escalando, não digo que não há cicatrizes, mas eles me lembram de cada barreira que enfrentei deixando claro que a mão de Deus sempre nos guia e nos deixa à vontade para que façamos nossas escolhas, nem sempre acertadas mas com toda a certeza ele sempre anda ao nosso lado nos apoiando nos momentos de torpor e angustia, por esta razão agradeço todo dia, a cada momento, em todas as batidas do meu coração.

 

REFERÊNCIAS

 

FABIANO, Cleber. Um passeio com Chapeuzinho Vermelho: a formação do leitor literário. Curitiba: Palavras Arteiras, 2018.

SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Chapecó: Argos, 2001.

MEIRELES, Cecília. Problemas da Literatura Infantil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

 

[1] Graduado em Pedagogia e Artes Visuais com pós em Neuropsicopedagogia, com experiência em turmas d

e Educação Infantil, atualmente atuando também no CEMFOR (Centro de Formação), onde ministra temas de formação pertinentes aos professores de Arte do Município de Sorriso.

[2] Orientador. Doutor e mestre em Educação. Graduado em Letras. Diretor pedagógico da FATUM Educação. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Letras e Pedagogia. Ministra cursos, palestras e consultorias em várias cidades do Brasil. Escritor de livros teóricos sobre crítica da Literatura Infantil. Presidente da Academia Brasileira de Contadores de Histórias. Participou de seminários e congressos internacionais nas áreas de Literatura Infantil e Contação de Histórias.