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UMA REFLEXÃO SOBRE A DIFERENÇA ENTRE O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL, ACOLHIMENTO FAMILIAR E ADOÇÃO

Olga Talita Furlan Mazzei1

Cleire de Jesus Furlan2

Ivonete Bertelli3

Meire Teresa Bertele do Nascimento4


RESUMO

A preocupação básica deste estudo é refletir sobre as medidas de proteção estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no que concerne ao acolhimento, a fim de garantir a proteção integral destes sujeitos de direito, mas sempre com o objetivo de favorecer o vínculo familiar. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica na legislação pertinente, em artigos e trabalhos científicos acerca do tema, entre outros, procurando demonstrar que a medida protetiva precisa ser compreendida como o último recurso, buscando antes a prevenção no seio das famílias vulneráveis, e assim os acolhimentos atingirão de fato as suas características de excepcionalidade e provisoriedade. Além disso, foram trazidas algumas diferenças entre o acolhimento familiar e a adoção, a fim de que os institutos sejam reconhecidos em suas diferenças, sendo o acolhimento familiar um programa social reconhecido pelo ECA e a adoção um instituto legal, o qual deve ser respeitado como tal, atentando-se ao cumprimento do seu rito próprio, para garantir a segurança jurídica do ato.

 

Palavras-chave: Medida de Proteção. Acolhimento Institucional. Acolhimento Familiar. Adoção.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem como tema o acolhimento como medida de proteção à criança e ao adolescente, a fim de garantir a proteção integral destes, sem perder de vista, no entanto, o vínculo familiar, bem como, a compreensão bem delimitada entre o acolhimento familiar e a adoção.

Os direitos das crianças e dos adolescentes foram sendo modificados com o passar do tempo, principalmente pela observação de que eram carentes no que diz respeito ao reconhecimento e proteção de fato à infância e juventude.

Tanto nacional como internacionalmente, o ordenamento jurídico traz novas concepções de criança e adolescente como sujeitos de direitos, titulares de proteção, como direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Isso, porque antigamente, o poder dos pais sobre os filhos era absoluto, sem que a vida e a liberdade fossem respeitadas. Bem se sabe que, na Idade Média, não havia se quer conceito de infância, tampouco se preocupava com sua proteção. Na idade moderna, a criança passa a ser vista diferente do adulto, começando a surgir características de infância. Na contemporaneidade, surgem manifestações, inclusive internacionais, em prol dos direitos das crianças e adolescentes, sendo que foi a partir do século XX, que elas passam a ser reconhecidas como sujeitos de direitos.

Na Constituição Federal, o Brasil legitima que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos fundamentais e proteção da família, da sociedade e do Estado:


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).


Dessa forma, os direitos da criança e do adolescente estão no âmbito do Direito Público, e é dever do Estado fiscalizar sua efetivação. Para tanto, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente passa a regular o novo sistema jurídico da Infância e Juventude no país, abolindo a forma irregular como o Código de menores norteava atuação em prol das crianças e adolescentes. Passa a considerar a proteção integral desses sujeitos em desenvolvimento, considerando suas necessidades peculiares à idade, fase e circunstâncias materiais, conforme art.3º do ECA:


Art 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL,1990).


Nesse sentindo, ficam vinculados, ao dever de assegurar os direitos da criança e do adolescente, a família, a comunidade, a sociedade, os Conselhos Tutelares, os governantes em geral, os legisladores, os juízes, os membros do Ministério Público, em razão dos riscos a que as crianças e adolescentes estão sujeitos cotidianamente, buscando sempre o melhor interesse deste público.

O princípio do melhor interesse serve de norteador para a tomada de decisão de todos aqueles que buscam promover a proteção integral da criança e adolescente. É por meio deste princípio, por exemplo, que se respaldam as atitudes do Estado, quando pais e responsáveis legais estão ferindo os direitos das suas crianças e adolescentes, como uma forma de intervenção.

Com o intuito de garantir a proteção devida à população infanto-juvenil, o ECA elenca um dispositivo, o art. 98, que determina a tutela de crianças e adolescentes que se encontram em situação de ameaça ou violação de seus direitos:

 

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III - em razão de sua conduta (BRASIL, 1990).


Nesses casos, devem ser aplicadas as medidas de proteção, em conformidade com o art.101 do ECA, que dentre as quais está o Acolhimento Institucional, tema central deste trabalho, que será melhor analisado no desenvolvimento do artigo.


As Medidas de Proteção e aplicação de fato


Como se sabe, o ECA prevê no art. 98 medidas de proteção a serem aplicadas à criança e ao adolescente sempre que estes estiverem com seus direitos ameaçados ou violados, tanto por ação ou por omissão da sociedade ou do Estado, como por falta, por ameaça ou por abuso dos pais ou responsáveis, ou ainda, dependendo da conduta destes. Uma dessas medidas protetivas previstas na referida legislação é o acolhimento.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, há modalidades de acolhimento que precisam ser bem compreendidas, a fim de que seja efetivado o objetivo maior que é a defesa do direito das crianças e adolescentes, sempre privilegiando o melhor interesse destes.

Busca-se a compreensão dos projetos diferenciados, e, portanto, as características de cada modalidade de acolhimento, a fim de que não haja prejuízos futuros em relação à vida socioafetiva dos infantes e adolescentes, bem como, que seja realizado o procedimento jurídico seguro para cada situação. No art,101 do ECA temos:

 

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - (Revogado)

IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - (Revogado)

VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

VIII - (Revogado)

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência


Tratando-se do tema acolhimento de crianças e adolescentes, encontramos no ordenamento jurídico o acolhimento institucional e acolhimento familiar. Muito importante desde já, relatar que os procedimentos são bem diferentes, afinal, um deles é realizado por meio do Estado, previsto na legislação, enquanto o outro é realizado por uma família acolhedora que teve sua implementação através de um novo programa que obteve força legal com a mudança do ECA.

O Acolhimento Institucional veio para substituir o termo abrigo, utilizado inicialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente, e existe com objetivo de prestar o serviço de cuidado e de desenvolvimento às crianças e adolescentes, cujos pais e responsáveis encontram-se inaptos para cumprir sua função. A entidade de acolhimento institucional tem o propósito de fazer com que as crianças e adolescentes possam ser prioritariamente reintegradas às suas famílias de origem; ou, ser reinseridas socialmente por meio da adoção ou ainda quando atingirem a maioridade aos 18 anos.

Essas entidades devem elaborar um projeto político pedagógico que vise qualidade no serviço prestado, contemplando aspectos como: infraestrutura física que garanta espaços reservados e adequados à criança e ao adolescente e suas necessidades de desenvolvimento; receptividade e acolhimento; não permitir que grupos de crianças/adolescentes com vínculos de parentesco sejam separados, relação de afetividade com cuidadores, organização dos registros sobre a história de vida e desenvolvimento de cada criança/adolescente, estímulo e fortalecimento da convivência comunitária e desligamento gradativo.


(...) é relevante repensar, recuperar e investir no universo institucional dessas entidades, superando os estigmas que acompanham a realidade das instituições como lugar do “fracasso”, permitindo que o mesmo seja visto como um local de possibilidades, de acolhimento, de afeto e proteção. (ARPINI E QUINTANA, 2003, P.29)


Já, o Acolhimento Familiar é uma modalidade de acolhimento prevista no Estatuto da Criança e Adolescente realizado nas residências de famílias devidamente cadastradas, selecionadas e formadas por equipe técnica de profissionais da área da Infância e Juventude. Este acolhimento acontece em ambiente familiar, dando para crianças ou adolescentes, afastados da família biológica por determinação judicial, uma forma de segurança e convivência saudável, MAS deve ser muito bem compreendida pelos sujeitos envolvidos, como medida de proteção excepcional e provisória, não se tratando de uma Adoção.


As medidas específicas de proteção estabelecidas no art. 101 são propostas quando da ameaça ou da violação dos direitos reconhecidos na Lei da Criança e do Adolescente [...] focalizando o Estado enquanto responsáveis por sua proteção [...]. No caso específico do abrigo (medida VI), este é definido através do parágrafo único do art. 101 como uma medida provisória e excepcional, portanto, uma opção extrema, embora imprescindível, por ser uma retaguarda para a devida aplicação das medidas (CURY, 2005, p. 325).


Nas modalidades de acolhimento, além dos pensamentos de garantir aos infantes e adolescentes a proteção integral, deve-se ter um esforço prioritário de restabelecer os lações à família biológica (que podem ser os pais, irmãos ou parentes próximos). Para tanto, necessário é que os familiares tenham todo acompanhamento psicossocial para que este objetivo de reintegração seja alcançado.

Somente quando, ainda que com todos esses esforços, o retorno à família biológica não se mostra possível, é que se deve fazer a destituição do poder familiar, e com este processo, devidamente transitado, encaminha-se a criança ou o adolescente para adoção por meio do Cadastro Nacional de Adoção.

Como comentado no parágrafo anterior, a adoção é uma medida excepcional, que deve ser considerada somente quando a reintegração familiar é impossível. Tratando-se de um procedimento legal, é o ato de assumir como filho, de modo definitivo e irrevogável, uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa.

Deve-se ter bem claro que o processo é legal, e portanto deve-se respeitar todo o rito processual pertinente, para que se obtenha a segurança jurídica do ato.

Torna-se muito clara a diferença aqui da família acolhedora e da família adotante, sendo que uma não poderá ter o papel da outra. O acolhimento tem seu caráter temporário e excepcional, diferente da adoção. Portanto, não é indicado, por exemplo, que uma família habilitada para adoção, seja participante do projeto da Família acolhedora, tendo em vista o vínculo afetivo e objetivo de vida que se tem. O desejo de construir uma família não pode ser conflitante ao desejo de acolher temporariamente uma criança ou adolescente, sendo que para cada ação, há um procedimento totalmente diferenciado.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O acolhimento institucional e o acolhimento familiar precisão ser reconhecidas como medidas provisórias e excepcionais, a serem utilizadas apenas enquanto se busca uma reintegração familiar. Deve ser considerado apenas quando não houver mais possibilidade alguma de manter a criança ou do adolescente na família biológica, esgotando-se todas as opções de favorecer a família, auxiliando-a em suas necessidades físicas e sociais, fazendo com que esta criança ou adolescente permaneça na instituição de acolhimento por tempo estritamente necessário.

Tem-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, o cuidado de estabelecer princípios que regem as medidas de proteção, princípios estes de fundamental importância para a aplicação das medidas protetivas. Um deles é o principio que estabelece o inciso X do art. 101 do Estatuto, e versa sobre prevalência da família.

No cumprimento do princípio supracitado, ainda que acolhidas em instituições, o ECA confirma a garantia do Principio da Prevalência na Família, quando em seu art. 101 § 8º, aduz:


ART 101, § 8º - Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo programa de acolhimento familiar ou institucional fará imediata comunicação à autoridade judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo.


Deste modo, a medida de proteção não deverá ser vista por nenhum dos sujeitos desta relação jurídica como medida permanente nem mesmo de longo prazo, para evitar o rompimento severo das relações familiares, o que causaria um dano de difícil reparação à criança ou adolescente, assim como, o acolhimento não deve, em hipótese algum, ser um meio de adoção, uma vez que foi devidamente demostrado a grande diferença entre os institutos.


REFERÊNCIAS


ARPINI, D. M.; QUINTANA, A. M. Identidade, família e relações sociais em adolescente de grupos populares. Revista Estudos de Psicologia, Campinas, v. 20, n. 1, p. 27-36, jan./abr. 2003.


______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: DF. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompiladohtm.htm . Acesso em: 28 out. 2019.


______. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: DF. 1990. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm . Acesso em: 28 out. 2019.


CURY, Munir. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.


GOMES, Patrícia Vasconcelos Guimarães. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: uma reflexão sobre a garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes no Brasil. Revistas Científicas Duc In Altum. Disponível em Acesso https://www.faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/academico/article/view/781/639. Acesso em 28 out. 2019.


SANTOS, Luciana Belo. A excepcionalidade e provisoriedade do acolhimento institucional nas medidas de proteção à criança. Disponível em https://lucianaderbe.jusbrasil.com.br/artigos/213902440/a-excepcionalidade-e-provisoriedade-do-acolhimento-institucional-nas-medidas-de-protecao-a-crianca Acesso em 27 out.2019.

1Graduada em Letras Português/Inglês pela UNIPAR, Especialista em Educação Especial pela UNIVALE, Especialista em Linguagens, Códigos e Tecnologias pela UNINTER, Bacharel em Direito pela UNIC e Especialista em Direito da Criança, adolescente e Idoso pela FACULDADE ÚNICA.

2Graduada em Letras Português/Inglês pela UNIPAR, Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura pela UNINTER.

3Graduada em Pedagogia pela UNINTER, Especialista em Psicopedagogia pela Associação Varzeagrandense de Ensino e Cultura.

4Graduada em Pedagogia pela UNINTER, Especialista em Psicopedagogia pela Associação Varzeagrandense de Ensino e Cultura.