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A INCLUSÃO QUE NÃO EXCLUI

Antonio Carlos Ferrante

 

RESUMO

O presente artigo pretende provocar uma análise da inclusão ao longo da história e uma reflexão a respeito das políticas de inclusão, levando em conta os paradigmas conceituais e princípios que vem sendo progressivamente defendidos em documentos por vários pensadores. Tendo por objetivo entender como funciona a organização da escola para atender a demanda diversificada dos alunos. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como: SASSAKI, (1999), PESSOTTI, (1984), e MAZZOTTA, (1996) entre outros. Portanto, é possível concluir que a educação inclusiva tem por principio a valorização da diversidade humana e seus múltiplos aspectos: culturais, sensoriais, étnicos, físicos e mentais.

 

Palavras-chave: Políticas. Inclusão. Diversidade. Escola.

 

Introdução

 

Este estudo trata-se de uma abordagem ao longo da história a respeito da inclusão dos Portadores de Necessidades Educativas Especiais nas escolas regulares, apresentando os fundamentos dessa educação, destacando inicialmente os aspectos históricos, filosóficos, sócias e antropológicas da educação inclusiva, contemplando principalmente as mudanças de paradigmas a qual se submeteu esse campo da educação.

Nesse contexto o objetivo primordial deste texto é rever uma série de barreiras, além da política e práticas pedagógicas e dos processos de inclusão. É necessário conhecer o desenvolvimento humano e suas relações com o processo de ensino aprendizagem, levando em conta como se dá este processo para cada aluno.

O foco deste artigo é a integração de alunos com deficiência na rede regular de ensino. Sabendo que, para que isso seja realidade, é necessário que os professores sejam apoiados e subsidiados tecnicamente e que tal abordagem não gere um processo de exclusão. Utilizar currículos e metodologias flexíveis, levando em conta a singularidade de cada aluno, respeitando seus interesses, suas ideias e desafios para novas situações. O que realmente vale é oferecer serviços complementares, adotar práticas criativas na sala de aula, adaptar o projeto pedagógico, rever posturas e construir uma nova filosofia educativa.

A inclusão é um processo cheio de imprevistos, sem fórmulas prontas e exige aperfeiçoamento constante. Do ponto de vista burocrático, cabe ao corpo diretivo da escola buscar orientações e suporte das associações de assistências e das autoridades médicas e educacionais sempre que a matrícula de um deficiente for solicitada. Para Bartalotti ET al. (2008) a inclusão vai além do acesso, envolve a possibilidade de permanência e o sucesso de ensino aprendizagem.

 

Desenvolvimento

Desde a antiguidade até os dias atuais as sociedades demonstraram dificuldades em lidar com as diferenças entre as pessoas e de aceitar as deficiências. Isso em todas as culturas, etnias, níveis sociais e econômicos, apenas variando a forma de conceber a deficiência e lidar com seus portadores.

Ao longo do percurso histórico da educação especial inclusiva, ocorreu a substituição da cultura segregacionista para uma cultura integradora, o que provocou, e tem provocado à superação de antigas concepções, levando ao contexto atual de escola inclusiva. Mas para compreender os mitos, preconceitos e até conceitos que a sociedade tem em relação à deficiência, faz-se necessário um resgate do contexto histórico acerca de como essa sociedade foi se modificando seu olhar para a questão do deficiente/diferente.

Seguindo a evolução histórica, a literatura mostra que é possível definir etapas pelas quais este conceito foi sendo modificado. A primeira delas foi a etapa do extermínio, na qual a pessoa com deficiência não tinha direito à vida, sendo banidas da sociedade com a morte, pois naquela época ter filho deficiente era visto como castigo dos céus para expiação dos pecados de seus ancestrais, ou julgavam se tratar de criaturas possuídas por demônios.

A história da educação especial conta que, na Grécia antiga, a perfeição do corpo era cultuada, por isso os portadores de deficiências eram sacrificados ou escondidos. Há relatos de que apontam que, quando nascia uma criança que apresentava alguma deficiência havia um “conselho” que decidia se deveria viver ou morrer. Nessa época, acreditava-se que o “comportamento diferente” era consequência de forças sobrenaturais, sugerindo a crença em uma origem demoníaca das doenças e, mais especificamente, da deficiência mental.

Com o advento do cristianismo, na Idade Média, houve uma mudança significativa na organização político-administrativa, surgindo o clero no cenário religioso/político. Intensificou-se a crença no sobrenatural e as pessoas com deficiência foram reconhecidas como portadoras de alma, sendo também filhos de Deus. Essa concepção cristã trouxe valores éticos à sociedade, pois lhe apresentou e impôs o dever de amar o próximo. Então, por caridade, os deficientes começaram a ser acolhidos em instituições religiosas, onde eram vistos como doentes e incapazes.

De acordo com a literatura, o entendimento das instituições ficou conhecido como a etapa do assistencialismo no que se refere a história da educação especial. Nessa face, os doentes, defeituosos e mentalmente afetados não podiam mais ser exterminados, pois eram também filhos de Deus, embora estivessem abandonados a própria sorte, já que dependiam da boa vontade e caridade humanas.

No século XVIII, os estudos na área da medicina permitiram verificar que muitas deficiências eram o resultado de lesões e disfunções no organismo. Segundo Pessotti (1984), a ciência permitiu questionar dogmas religiosos, surgindo estudos sistemáticos na área médica com o propósito de explicar os comportamentos dos deficientes. Isto representou um marco no que se refere às necessidades básicas de saúde dessas pessoas, mas instituiu uma fase de segregação institucional, já que, com o objetivo de aliviar a sobrecarga da família e da sociedade, as pessoas com deficiência foram mandadas para asilos e hospitais, juntamente com doentes psiquiátricos, delinquentes e prostitutas.

Esse período de transformações econômicas e sociais, intensificado pela Revolução Industrial, levou a uma mudança no quadro da concepção de deficiência, pois há de acordo com Pessotti (1984), uma aceleração e consolidação da produção capitalista, modificando o tipo de capacitação dos trabalhadores, exigindo uma escolarização em massa da população. Com isso, uma parte da população considerada produtiva passa a ser classificada como menos eficiente o que quer dizer, em outras palavras, “deficiente”, já que não eram capazes de aprender de acordo com as normas estabelecidas pela escola nessa época.

Ao final do século XIX e inicio do século XX, ainda segundo Pessotti (1984), criam-se instituições para atender os deficientes mentais moderados e profundos. Mas o foco era diminuir o incomodo causado por esse tipo de população, e não atender suas especificidade e necessidades. Surgiram espaços específicos para tal fim, como se fossem asilos, para que os deficientes não causassem transtornos ao resto da população. Essa fase recebeu o nome de etapa da segregação institucional, e escolas, hospitais e residências clinicas foram utilizadas como locais de educação especial.

De acordo com Mazzotta (1996), observando a evolução histórica da deficiência no que se refere ao atendimento educacional, a área denominada educação especial expandiu-se no Brasil, com a criação de entidades filantrópicas assistenciais especializadas destinadas à população das classes menos favorecidas. Ao lado dessas instituições surgiram clinicas e escolas privadas para o atendimento das necessidades especiais das classes mais altas. Também nesse período, segundo Marchesi e Martin (1995), entre os anos 60 e 70, o termo, “deficiência” foi substituído pelo conceito de “necessidades educativas especiais”, indicando que se um aluno apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarização, isso exige uma atenção mais especifica e maiores recursos educacionais do que os necessários para sua idade. Essa mudança acarretou readequações referentes à organização curricular, formação de professores, novos métodos de ensino e outras posturas na atuação e responsabilidade das administrações educacionais.

Sendo este um pouco do resgate histórico da Educação Especial, e as mudança alcançada, mesmo não sendo a ideal, já que a inclusão trata-se da capacidade de entender e reconhecer o outro, e, assim, ter o privilégio de conviver com pessoas diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção: o aluno com deficiência física, os que têm comprometimento mental, os superdotados, todas as minorias e as crianças que é discriminada por qualquer motivo. “Estar junto é se aglomerar no cinema, no ônibus e até na sala de aula com pessoas que conhecemos. Já inclusão é estar com, é interagir com o outro” (MANTOAN, 1998).

Portanto a inclusão depende de mudança de valores da sociedade e a vivência de um novo paradigma que não se faz com simples recomendações técnicas, como se fossem receitas de bolo, mas com reflexões dos professores, diretores, pais, alunos e comunidade. A prática da inclusão propõe um modo de interação social, no qual há uma transformação de valores e atitudes que exige mudanças na estrutura da sociedade e da escola.

A perspectiva de inclusão é que todos tenham assegurados os direitos de acesso e permanência ao ensino regular (SILVA; SOUZA; VIDAL, 2006). Aranha (2000) destaca que a ideia de inclusão se fundamenta em uma filosofia que possa reconhecer e aceitar a diversidade na vida em sociedade. Isto significa garantia de acesso de todos a todas as oportunidades, independentemente das peculiaridades de cada individuo ou grupo social.

Esse olhar aponta para a proposta das escolas inclusivas, que deve estar focada no desenvolvimento de um sistema que leve em conta a necessidade de todos os alunos e na busca de estruturação em função dessas escolas. O sucesso escolar contribui para valorizar o individuo, aumenta sua autoestima, colaborando com a inclusão e aceitação na sociedade. Pessoas com deficiências estão presentes em todos os setores da sociedade e necessitamos de uma reflexão sobre nossas práticas a fim de garantir participação plena e igualdade, do ponto de vista profissional, pessoal e social. Uma sociedade inclusiva começa pela educação.

Preconceito, discriminação, negligencia, opressão são concepções que emergem quando o tema a ser tratado são os alunos com necessidades especiais. Ao longo de muitos anos, tem-se tentado mudar essas visões, pois o fato de os alunos serem especiais e necessitarem de atendimento educacional especializado não significa que não possam ter os mesmos direitos e deveres de todo cidadão considerado “normal”. Nos últimos anos, têm surgido vários trabalhos com o propósito de divulgar estudos sobre a inclusão, como Amaral (1993), Nunes e Ferreira (1994), Glat ET AL. (1994) e Torezan, Moreno e Reily (1995).

Durante séculos, os deficientes viveram sob preconceito, à margem da sociedade. A história da educação especial no Brasil mostra toda uma evolução na conquista dos direitos humanos, hoje mais bem sintetizados, porém nem sempre cumpridos.

Faleiro (2001) constatou que os alunos incluídos apresentam ganhos quanto à socialização e à aprendizagem; contudo, a escola não fornece o apoio necessário para a inclusão desses alunos. De acordo com Sassaki (1999, p. 44 - 42) a inclusão:

 

[...] repousa em princípios até então considerados incomuns, tais como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação. SASSAKI (1999, pag. 41–42)

 

Sassaki (2001, p. 1) afirma:

 

[...] para garantir que medidas de acesso e permanência na escola sejam implementadas de acordo com a nova visão da sociedade, de educação e de cidadania em relação à diversidade humana e as diferenças individuais, todas as pessoas devem ser aceitas e valorizadas pelo que cada uma possui para construir o bem comum, aprender e ensinar, estudar e trabalhar, cumprir deveres, usufruírem direitos e ser feliz. SASSAKI (1999, pag. 1).

 

Vindo de encontro com as ideias de Fonseca (1995), quando coloca que só haverá inclusão se houver uma efetiva interação entre alunos com necessidades especiais e alunos que não apresentam deficiências, possibilitando um convívio social. Em pesquisa sobre a inclusão, verificou-se a necessidade de possibilitar mudanças no ensino que atendam a este principio, sendo necessárias profundas transformações em nossas práticas educativas e nos projetos institucionais. Dessa forma, “a escola deve entender as diferenças como um elemento de diversidade e aprendizagem, resaltando o potencial de cada aluno” (TORNELLO, 2007, p. 158).

Mazzotta (1996) alerta sobre a necessidade de identificar as condições reais da educação, além dos ideais proclamados em termos de políticas públicas, as garantias legais, com intuito de levantar os principais problemas, dimensionando os pontos de mudanças. Segundo Glat e Nogueira (2002), inúmeras barreiras impedem que a educação inclusiva se torne realidade no cotidiano das instituições de ensino. Uma delas é o despreparo dos professores para receber alunos com necessidades especiais.

Dessa forma, somos responsáveis pelo atendimento educacional a pessoas com necessidades educacionais especiais que incluem alunos com dificuldades no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial ou múltipla. Verificamos, pautados em políticas publicas de inclusão, que há maior necessidade de preparação da escola para receber estes alunos. Conforme Schön (2000) existem zonas práticas indeterminadas, por exemplo, incertezas, singularidade e conflitos de valores que fazem parte do cotidiano acadêmico, e que o professor deve enfrentar.

Amaro e Macedo (2001) apontam que:

 

[...] acreditamos que uma vez iniciada uma prática voltada para reflexão, construção dinâmica do conhecimento e mobilização de esquemas e recursos, será mais fácil de enfrentarmos os desafios colocados para a busca de uma Educação e Sociedade mais justa, humana, solidaria e cooperativa.

 

Para o educando que possui uma necessidade especial, é necessário que se desenvolva um trabalho diferenciado. Portanto, a educação especial é um processo que tem por finalidade promover o desenvolvimento das potencialidades dos alunos, fundamentando-se em referencias teóricos e práticos, de acordo com o tipo de necessidade de cada aluno.

Contudo, podemos perceber que ainda há muitos preconceitos dentro da comunidade escolar, apesar do direto garantido por lei à inclusão dos alunos deficientes no ensino regular. Assim, concordamos com Marquezine (2003) quando afirma que, de maneira geral, esses preconceitos decorreram da própria supertição, ignorância, negligencia e medo, que são frutos de uma construção histórico-social sobre as pessoas com deficiências.

Uma das grandes dificuldades de incluir alunos com necessidades deve-se à abordagem metodológica praticada nas escolas, que não leva em consideração a diversidade; dessa forma, todos devem aprender tudo no mesmo tempo, ritmo e caminho. A escola deveria rever sua maneira de ensinar e propiciar a aprendizagem, respeitando as diferenças, dando aos alunos a oportunidade de descobrirem suas habilidades, capacidades e potencialidades, oferecendo assim condições para que os alunos especiais participem do ambiente escolar.

 

Conclusão

 

Diante do que foi exposto ao longo deste artigo, fica claro que o principio democrático da educação para todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam para todos os alunos, não para apenas alguns deles, como os que trabalham com alunos com necessidades educacionais especiais. A inclusão é um fato e sua proposição é fruto de um objetivo maior, que o ensino de qualidade para todos, independentemente de suas potencialidades e limitações. Posto isso se espera da educação brasileira um posicionamento atualizado e moderno, envolvendo os professores no processo de capacitação e aperfeiçoamento de suas praticas escolares. É uma inovação que implica um esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria das escolas.

Em suma, a inclusão deve nos levar à conclusão de que a proposta maior da educação é a constituição de uma sociedade mais igualitária, mais solidaria e, portanto, comprometida com seu propósito mais significativo: humanizar.

 

REFERÊNCAS

 

AMARAL, Ligia Assunção. Tirando a deficiência da estante. São Paulo, Instituto de Psicologia/USP. 1993.

 

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BARTALOTTI, C.C. et al. Concepções de profissionais de educação e saúde sobre educação inclusiva: reflexões para uma prática transformadora. O Mundo da Saúde São Paulo. v.32, n.2, p.124-130, abr./jun.2008.

 

FALEIROS, Maria Helena Santos. A inclusão de alunos com deficiência mental na perspectiva de suas professoras e produções acadêmicas. 2001, 112 f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) – Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2001.

 

FONSECA, Vitor. Educação Especial: programa de estimulação precoce: uma introdução às ideias de Feurstein. 2. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

 

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MANTOAN, Maria Tereza Eglér e colaboradores, Integração de pessoas com deficiência - editora Memnon edições científicas Itda, 1998.

 

MARCHESI, Alvaro; MARTIN, Elena. Desenvolvimento psicológico da educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. V. 3. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. P 7 – 23.

 

MARQUEZINE, Maria Cristina ET AL. Inclusão. Londrina: Eduel, 2003 (Perspectiva multidiciplinar em educação especial, 2.)

 

MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação especial no Brasil. História e políticas publicas. São Paulo: Cortez, 1996.

 

PESSOTTI, Isaias. Deficiência Mental: da supertição à ciência. São Paulo: Edusp. 1998.

 

SASSAKI, Romero Kamumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3. Ed. Rio de Janeiro: WVA, 1999.

 

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para a aprendizagem. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

 

SILVA, Régis Henrique dos Reis; SOUZA, Sônia Bertoni; VIDAL, Maria Helena Candelori. Educação física escolar e inclusão: desafios para uma prática concreta, Solta a Voz, Goiânia, v 17, n. 2, p. 145 – 161. 2006.

 

TONELLO, Maria Georgina Marques. Inclusão nas aulas de Educação física: aspectos conceituais e práticos. São Paulo: Avercamp, 2007.

 

TOREZAN, Ana Maria; MORENO, Kátia Regina; REILY, Lúcia Helena. Panorama sobre a produção de conhecimento na área de deficiência: programa de pós-graduação do estado de São Paulo, p. 185, 1995.