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TEREZA DE BENGUELA: LIDERANÇA QUILOMBOLA NO VALE DO GUAPORÉ

 Gisele de Oliveira

Rosangela Ferreira Nobre Romeira

       Tatiane Aparecida Ferreira Romera

 

RESUMO

Tereza de Benguela ficou conhecida como um símbolo da luta das mulheres negras, por desafiar a Coroa e o sistema escravocrata português por mais de 20 anos, comandando a maior comunidade quilombola de libertação de negros e indígenas na Região do Guaporé na capitania de Mato Grosso. Tereza coordenava a estrutura administrativa, econômica e política da comunidade, garantindo a segurança e a sobrevivência de mais de 100 pessoas, entre negros e indígenas. O presente artigo tem por objetivo analisar e contextualizar a importância de Tereza quanto líder quilombola e sua representatividade histórica, assim como caracterizar o espaço do quilombo de Guariterê no período em que foi liderado essa mulher que tornou-se referência histórica na luta pela liberdade e justiça social. A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica, textos e acessados via internet.

 

Palavras chaves: Líder. Quilombos. Tereza.

 

TEREZA DE BENGUELA: Quilombola Leadership in the Guaporé Valley.

 

ABSTRACT

Tereza de Benguela became known as a symbol of the struggle of black women for challenging the Crown and the Portuguese slave system for more than 20 years, commanding the largest quilombola community to liberate blacks and Indians in the Guaporé Region in the Mato Grosso captaincy. Tereza coordinated the administrative, economic and political structure of the community, ensuring the safety and survival of more than 100 people, including blacks and indigenous people. The purpose of this article is to analyze and contextualize the importance of Tereza as leader of quilombola and its historical representativeness, as well as to characterize the space of the quilombo of Guariterê during the period in which this woman was led who became a historical reference in the struggle for freedom and justice social. The methodology used was to bibliographical research, texts and accessed via the internet.

 

Key words: Leader. Quilombos. Tereza.

 

  1. Introdução

 

A partir do estudo do ambiente do Quilombo do Quariterê e sua organização social, a presente pesquisa realiza uma análise referente à atuação da líder quilombola Tereza de Benguela e sua representação histórica. Tereza é analisada na perspectiva de uma mulher que ocupou posições estratégicas, em relação à luta pela liberdade assumindo a liderança de uma comunidade e contribuindo para a construção dos quilombos e na libertação do trabalhador escravizado resgatando sua autonomia, força de trabalho e restabelecendo sua liberdade.

As concepções acerca da liderança feminina nos segmentos populares colaboram para a análise das especificidades referente a liderança feminina nos quilombos. A compreensão dos papéis assumidos pelas mulheres negras do período colonial até a atualidade possibilita a existência de diferentes modelos de relações sociais, culminando em processos interculturais.

Tereza de Benguela viveu no atual estado do Mato Grosso, no Brasil, durante o século XVIII. Foi esposa de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Piolho, entre o rio Guaporé e a atual cidade de Cuiabá. Com a morte de José Piolho, Tereza se tornou a rainha do quilombo, e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho e a população (79 negros e 30 índios), morta ou aprisionada. (SILVA, 2002, p.01).

A metodologia utilizada na realização da pesquisa foi à revisão de Literaturas, releitura de textos e matérias já estudadas e aprofundamento dos conhecimentos teóricos através de pesquisas bibliográfica, textos e acessados via internet.

Através de Tereza de Benguela o feminismo negro conquista espaços e causa discussões e estranhamentos nos espaços sociais. Buscado publicitar a questão da mulher negra propondo alternativas e provocando a discussão. Sabemos que a lógica escravocrata não se muda do dia para a noite, porém temos tido avanços em relações aos movimentos de mulheres que está mais forte e diversos em diferentes seguimentos. (SILVA, 2002, p.01).

 

  1. Quilombos: Espaço de representação da liberdade e justiça social

 

A economia no Brasil, durante quase quatro séculos teve a escravidão negra como principal força de trabalho. Os africanos escravizados eram retirados do seu espaço de convívio e desprendendo-se das suas ascendências, valores, passando a viver sob coerção por parte do sistema escravista. Mas mesmo assim, buscaram formas e artifícios para manter sua cultura, valores, espiritualidade e identidade.

 

Para inibir os escravos e o transformarem no modelo pretendido pelo sistema escravagista técnicas como isolamento e castigos eram utilizadas para impor a autoridade do senhor proprietário e destruir o que existia da identidade coletiva. A escravidão acompanhou a lógica econômica, logo, sua distribuição territorial partia das necessidades da economia colonial, “na medida em que se desenvolviam as economias regionais, subordinadas às necessidades do mercado externo" (MOURA, 1987, p8).

 

Durante mais de três séculos, a escravidão foi alimentada, sobretudo por uma profusão de africanos, vítimas do exílio forçado, humilhação, sofrimento e injustiça do tráfico transatlântico. O cativo era “mãos e pés” do escravizado, no dizer do Padre Antonil, em cuja análise sobre o escravismo colonial consta destaque sobre o grau inusitado da exploração da força de trabalho e o caráter mercantil da produção apoiado no trabalho escravizado. (MOURA 1982, p.04).

Para os escravos, a fuga era a única alternativa, e os quilombos, representavam a ideia de liberdade. Ao fugirem da propriedade causavam danos materiais, e desconstruindo a ideia de força e da impossibilidade de mudanças do sistema. 

Clóvis Moura (1981, p.16), o primeiro registro oficial do termo “quilombo” apareceu em uma correspondência do Conselho Ultramarino ao Rei de Portugal, em 1740. Nesta, quilombo é definido como ‘toda habitação de negros fugidos que passem de cinco em parte despovoada ainda que não tenha ranchos levantados nem se achem pilões neles.

De acordo com Munanga (2006, p. 61), a palavra Kilombo é originária da língua banto umbundo, falada pelo povo ovibundo para se referir a um tipo de instituição sociopolítica militar existente na área formada pela atual República Democrática do Congo (antigo Zaire) e Angola. Munanga, ao se referir aos quilombos do Brasil. A expressão “quilombo” era usada no Brasil, desde o período colonial, para designar o ajuntamento de negros que escapavam das tentativas de captura ou morte comandadas pelos senhores de escravos (REIS; GOMES, 1996, p. 9).

Em relação ao tamanho territorial e demográfico, os quilombos tinham tamanhos e formas de organização variadas. De acordo com Souza (2010) Os pequenos quilombos, nos moldes da definição do Conselho Ultramarino, possivelmente eram itinerantes e viviam de pequenos ataques nas estradas ou fazendas das redondezas, sua longevidade decorria da ampliação do seu contingente por meio de ataques a fazendas e engenhos na busca de incorporar escravos insurretos.

 

[...] o quilombo, por sua vez, era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida dos africanos. Os quilombos, deste modo, foram para usar a expressão agora corrente em etnologia fenômeno contra aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial e de restauração dos valores antigos. (CARNEIRO, 1988, p.13-14),

 

Os quilombos que tinham acima de mil habitantes ou próximos de 20 mil, como o Palmares, requeria maior dinamismo organizativo. Destaca que não podem ser concebidos como estruturas sociais apartadas da realidade que o cerca, teciam uma rede considerável de relações sociais e comerciais, com seu entorno e estendendo-se por outros povoados e vilas.

 

As fronteiras quilombolas não eram barreiras, ainda que houvesse momentos de intensa tensão na defesa do território, as fronteiras eram espaços de interseção e de intensa troca, integrando e articulando necessidades, culturas, prazeres e modos de vida. ALMEIDA (2002, p.232)

 

Alguns fatores colaboraram para a longevidade de alguns quilombos, entre eles à existência de terras agricultáveis, a produção comercial, o fácil acesso à água e a defesa, o trabalho em família, contribuíram para manter a população ocupada e produtiva. Muitos quilombos se constituíram no Brasil, caracterizando como um importante movimento de africanos e seus descendentes. No Brasil foram reproduzidos os quilombos com semelhança dos quilombos da África do Sul.

 

2.2 O quilombo do Quariterê

 

O quilombo do Piolho ou Quariterê, no final do século XVIII, localizado próximo ao rio Piolho, ou Quariterê, reuniu negros nascidos na África e no Brasil, índios e negros. José Piolho, provavelmente foi o primeiro chefe do quilombo. Depois, assumiu o poder sua esposa Tereza. Os escravos se especializaram nas funções de banqueiro, carpinteiro, carreiro, ferreiro, lavrador, oleiro, sapateiro, tropeiro, vendedor ambulante, purgador do açúcar, caldeireiro, serviço de alambique, taxeiro e pedreiro. (ALEIXO, 1984, p.05)

Mato Grosso representou uma área de significativa importância no sistema de produção escravista. Até 1882, as atividades econômicas desenvolvidas na região prenderam-se, como nas demais áreas do Brasil, à estrutura institucional das relações metrópole-colônia. Nesse quadro geral, até meados do século XVIII, a ocupação e a exploração colonial explicavam-se pela atividade mineradora, responsável pela estrutura econômica, social e política da região. (ALEIXO, 1984, p.9 05)

Os núcleos mineradores do Mato Grosso - Coxipó e Cuiabá, principalmente - forneceram grande quantidade de ouro à metrópole portuguesa, utilizaram o trabalho dos negros africanos nas lavouras e introduziram a região no circuito da política mercantilista, ou seja, no plano do Antigo Sistema Colonial (Novais, 1983, p.03). Nos núcleos de mineração desenvolveu-se, como desdobramento da economia mato-grossense, uma intensa atividade comercial articulada ao complexo mercantil da Colônia e esta, com o dinâmico comércio exclusivista metropolitano português. Este último, ao apropriar-se do excedente produzido (acumulação de capital), gerou a franca absorção de riqueza advinda do ouro, do diamante e da prata e ofereceu condições para aceleração do processo capitalista. (LENHARO, 1982, p.11).

Cada núcleo minerador, disperso num imenso território, enfrentava problemas de abastecimento devido ao difícil acesso às áreas ocidentais da Colônia. Com o aquecimento da atividade mineradora, em Mato Grosso, a partir de 1755, instalou-se a Companhia do Grão-Pará e Maranhão - forte instrumento da exploração colonial -, monopolizando o comércio mato-grossense. A Companhia atuou, até 1778, e foram responsáveis pelo abastecimento do mercado de braços escravos, ferramentas, adornos, gêneros alimentícios e outros produtos manufaturados.  (LENHARO, 1982, p.02).

Fica evidente que, para efeito da exploração aurífera, a mão-de-obra escrava fez parte do plano de economia colonial. Os escravos eram trazidos da Bahia, do Rio de Janeiro e, sobretudo, do Pará, pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Na virada do século XIX, ocorreram profundas transformações materiais na Província de Mato Grosso. Em Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas, Hércules Florence expressou as condições de enfraquecimento e empobrecimento das minas de Mato Grosso, em 1825. (ALEIXO, 1984, p.03)

A crise econômica levou a sociedade mato-grossense a desenvolver a cultura da cana de açúcar, a criação de gado e o extrativismo - ipecacuanha, seringa e erva-mate - com amplo aproveitamento da mão-de-obra cativa e livre disponível na província. A exportação do excedente de produção- açúcar, aguardente, couro e gêneros tropicais - e a importação de manufaturados destinados à população livre - fazendeiros, funcionários públicos e militares - explicavam a existência da economia mercantil em Mato Grosso, no século XIX. (ASSIS, 1988, p.04).

O braço escravo esteve presente no quadro econômico da região desde o período colonial. Foi na extração mineira e nos engenhos de açúcar que a força do trabalho cativo teve amplo aproveitamento. A mão-de-obra livre - índios, paraguaios, bolivianos e negros forros - foi utilizada nas atividades ligadas à extração de produtos vegetais e nas inúmeras tarefas das fazendas de gado. Os trabalhadores livres eram aproveitados nas funções de vigilância- jagunços, feitores, capitães-do-mato. Assim, contribuíam para impor o domínio sobre os escravos. (PINTO, 1985, p.03).

Embora Mato Grosso tenha possuído uma base econômica articulada ao mercado externo, a produção historiográfica tem centrado a maior parte de suas análises no sudeste e nordeste brasileiros, cujas economias baseavam-se na grande produção açucareira e cafeeira. São parcos os estudos que articulam os centros mais dinâmicos de produção à região centro-ocidental do Brasil. É como se o sistema escravista fosse limitado ao nordeste açucareiro e a áreas cafeeiras do Vale do Paraíba e oeste paulista. (ASSIS, 1988, p.05).

O esquema de dominação era acionado desde o momento de captura do negro na África. Ali, ele passava por um processo seletivo meticuloso. A seguir, podia ser marcado, com ferro em brasa, procedimento de rotina dos traficantes, a fim de garantir um melhor controle dos cativos. Finalmente, o africano partia para a travessia atlântica. Chegado ao Brasil, ele era exposto nos mercados - Recife, Salvador, Rio de Janeiro - e era vendido, como um animal, para atuar na mineração, no engenho, no meio urbano. (ASSIS, 1988, p.04).

Os primeiros escravos negros penetraram o sertão mato-grossense, em número pouco significativo, como componentes das bandeiras paulistas do século XVIII. Nessas expedições, os escravos eram encarregados, entre outras tarefas, de transportarem as provisões. Com as notícias dos primeiros achados auríferos nas terras de Mato Grosso pela bandeira apresadora de Pascoal Moreira Cabral (1719), afluiu um grande contingente populacional para a região, carregando a esperança do rápido enriquecimento. (PINTO, 1985, ´.04).

Ao ser inserido no sistema produtivo mato-grossense, o negro assumia, sobretudo, a tarefa de escavar os cascalhos das minas de Cuiabá, submetendo-se aos rígidos processos de dominação conhecidos nas demais regiões do Brasil. A própria viagem do escravo até os núcleos mineradores constituía-se num rosário de violências. Florence traçou o quadro de sofrimento enfrentado pelo negro ao chegar em Mato Grosso (COSTA,1989, p.04)

A luta dos escravos pela libertação, a trajetória abolicionista e a aplicação da legislação estabelecida pelo Governo Imperial tiveram também características específicas nas diferentes áreas de produção do país. As tensões políticas, econômicas e sociais verificadas na Província de Mato Grosso colocam em relevo a unidade e a diversidade do processo de desarticulação do sistema escravista brasileiro. (CARDOSO, 1979, p.04)

A crescente incidência de quilombos, fugas e revoltas servis evidenciaram o crescimento do protesto negro, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX. À luta dos cativos juntou-se a pressão do Estado inglês sobre o Brasil no sentido de conseguir a ilegalidade do tráfico internacional de escravos. Tal pressão era compactuada por setores da classe dominante, cujo interesse era suprimir a escravidão e inserir o trabalho livre na grande propriedade fundiária (ASSIS, 1988, p.05). 

Em Mato Grosso, a escassez de braços atingiu, sobretudo a lavoura canavieira. Para contornar o problema, a elite proprietária recorreu ao tráfico interprovincial e à transferência de escravos urbanos e mineradores para os núcleos de produção agrícola. Entretanto, devido à elevação vertiginosa dos preços do trabalhador cativo, raros senhores conseguiram superar o problema da escassez. (COSTA, 1989, p.07)

Conhecido como o mais importante o primeiro quilombo de Mato Grosso o quilombo de Quariterê, conhecido também por Quariteté, situava-se às margens do rio Quarité ou Piolho, afluente da margem direita do Guaporé. O quilombo de Quariterê era formado de escravos fugidos das Minas de Mato Grosso, pretos livres e índios.

 

 

 

Imagem 1: Fonte: http://africalogoaqui.blogspot.com.br

 

O Quariterê surgiu praticamente com a fundação de Vila Bela, em 1752, e se localizava as margens do Rio Piolho, afluente do Rio Guaporé, a 100 km do vilarejo. Era considerado o maior quilombo da capitania e abrigava negros e índios. A agricultura era avançada, possuíam ferraria e produziam as próprias roupas. Tereza assumiu o controle do quilombo, após a morte de seu marido, o rei da aldeia. Ela governava uma espécie de monarquia parlamentarista e atuou com mão de ferro para manter grupo o unido. Torturava e mandava enforcar os infratores e súditos delatores da localização do quilombo. (BRASIL, 2002, p.62)

 

De acordo com Assis (1988):

 

... os quilombos eram localizados em lugar de difícil acesso, alguns deles o mais próximo possível dos domínios espanhóis para facilitar a fuga, no caso de ataque pelo poder constituído. A população variava entre 30 a 109 pessoas. Como em outras regiões do Brasil, os quilombos mato-grossenses eram organizados em arraiais, cada qual sob a chefia de um "capataz". Os arraiais ficavam distantes uns dos outros cerca de três a quatro léguas.

 

Para escapar desta repressão e punição, o escravo encontrou diversas formas de luta para adquirir sua liberdade, tais como fugas, formação de quilombos, suicídio e assassinato. A fuga para os quilombos foi a forma de luta mais frequente para escapar da escravidão, e os fugitivos tomavam todo o cuidado para não serem recapturados. (BRASIL, 2002, p.41)

 

Para a sobrevivência nos quilombos, plantavam roças e apoderavam-se de mantimentos, armas e outros objetos, nos assaltos aos viajantes e fazendeiros. Além da lavoura de subsistência, havia um sistema de troca realizada com os moradores das povoações próximas. Para a defesa, também fabricavam armas, que se somavam àquelas conseguidas nos assaltos aos viajantes.

 

Silva (2002, p.01) descreve que:

 

O Quilombo de Quariterê foi batido, pela primeira vez, em 1770, por uma poderosa bandeira dirigida pelo Capitão-Mor João da Costa Pinto. E, devido a sua destruição, poucos registros foram deixados sobre ele. Sabe-se que a forma de governo adotada foi à realeza. Havia um rei, conhecido por José Piolho.

A fartura desse quilombo foi registrada pelos seus destruidores, e ela contrastava com a escassez que reinava nessa mesma época, em Vila Bela e nas Minas de Mato Grosso, já decadentes. Tal abundância relacionava-se à forma de apropriação da terra (pelo trabalho), disponibilidade de mão de obra e, sobretudo, trabalho cooperativo e solidariedade social. Nas roças, os produtos eram variados e, além dos voltados para a alimentação - complementada pela caça e pesca - eram cultivados fumo e algodão. Havia duas tendas de ferreiro, o que indica a utilização de implementos de ferro. Através de relações mantidas com a sociedade "branca", obtinham ferro, além de sal e outros artigos. O principal posto de comércio dos quilombos dessa região era o Arraial de São Vicente, onde também aliciavam escravos para a fuga. (SILVA, 2002, p.01)

 

Destaca ainda que:

 

O Quariterê foi batido em 1770, ocasião em que foram aprisionados 79 negros de ambos os sexos e trinta indígenas. Eles foram levados a ferro para Vila Bela, onde sofreram humilhantes e cruéis castigos em praça pública, além de haverem sido marcados a ferro com a letra F, como determinava o Alvará Régio. (BANDEIRA, 1988)

 

Os quilombolas que conseguiram fugir a esse ataque, escondendo-se nas matas, tornaram a erguê-lo, numa heroica atitude de resistência, nas proximidades do rio Branco. Começaram tudo de novo, constituindo famílias com índias Cabixi com quem mantinham continuadas guerras das quais nasceram filhos caborés. Cultivavam milho, feijão, fava, mandioca, abóbora, amendoim, batata, cará e outros tubérculos. Plantavam frutas, como o ananás, a melancia e muitas variedades de bananas, além do fumo e algodão, que fiavam e teciam panos grossos com os quais se vestiam. Este quilombo reconstituído foi denominado Piolho, em homenagem ao conselheiro da Rainha Tereza. (ASSIS, 1988, p.02)

 

Em 1795, no governo de João Albuquerque, o quilombo do Piolho foi novamente batido por bandeira, que levava consigo um preto forro que havia sido capturado no quilombo de Quariterê, juntamente com os demais que, em 1770, foram levados para Vila Bela. Desta feita, foram trazidas para essa localidade 54 pessoas, sendo seis negros muito idosos, sobreviventes do primeiro ataque, oito índios, dezenove índias e vinte e um caborés nascidos no quilombo e cujas idades variavam entre 2 e 16 anos. (BANDEIRA, 1988, p.12)

 

Ainda de acordo com Bandeira (1988):

 

Os quilombolas do Piolho não foram, contudo, vítimas dos cruéis castigos aplicados àqueles liderados pela rainha Tereza, décadas antes. O governador João Albuquerque, surpreendido pela sua "cristandade", mandou-os batizar, participando pessoalmente da cerimônia, como padrinho de alguns, juntamente com pessoas "notáveis" de Vila Bela. Ele, por considerar que os índios, as índias e seus filhos caborés eram livres e os pretos, embora escravos já fossem muito velhos, encarregou-os de estabelecer contatos com os índios Cabixis da região e dar apoio ao comércio e à navegação. Partiram os 54 quilombolas em muitas canoas, levando mantimentos, sementes, ferramentas e animais, e fundaram a aldeia Carlota.

 

 

  1. Tereza de Benguela: Liderança quilombola

 

Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê, conhecida por desafiar a Coroa e o sistema escravocrata português por mais de 20 anos, sob o comando da maior comunidade de libertação de negros e indígenas da capitania de Mato Grosso.

Tereza coordenava a estrutura administrativa, econômica e política da comunidade, garantindo a segurança e a sobrevivência de mais de 100 pessoas, entre negros e indígenas.

Tereza de Benguela foi rainha do quilombo do Quariterê, no período em que Vila Bela da Santíssima Trindade era a capital de Mato Grosso. Apesar da pouca representatividade na história oficial do país, Tereza é comparada ao líder negra Zumbi dos Palmares. Considerada um grande mito mato-grossense e símbolo da resistência negra no Brasil colonial. (SILVA, 2002, p.01).

 

Imagem 2:  Fonte: https://herdeirasdeaqualtune.com

 

Quilombola que viveu no século XVIII, era uma liderança do Quilombo do Quariterê ou do Piolho, nos arredores de Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso. Quando seu marido morreu, Tereza assumiu o comando daquela comunidade quilombola, revelando-se uma líder ainda mais implacável e obstinada. O Quilombo do Quariterê cresceu tanto sob seu comando que chegou a agregar índios bolivianos e brasileiros. Isso incomodou muito as autoridades das Coroas, espanhola e portuguesa. (SILVA, 2002, p.02).

Tereza de Benguela viveu na histórica cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, que foi a primeira capital de Mato Grosso, localizada às margens do rio Guaporé. Ela foi líder quilombola no século XVIII. Não se sabe ao centro se nasceu em Benguela, Angola, ou se nasceu no Brasil. Para nós, mulher importa o exemplo de garra e competência na luta contra a opressão. 

Era esposa de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Quariterê. Quando seu marido, José Piolho, morreu Tereza assumiu o comando. Tornandose uma líder implacável e obstinada. Valente e guerreira ela comandou uma comunidade de três mil pessoas, o quilombo cresceu tanto ao seu comando que agregou índios bolivianos e brasileiros, o que despertou a atenção da Coroa, pois isto influenciaria a luta dos bolivianos e americanos (ingleses e espanhóis) para a passagem de mercadorias e internacionalização da Amazônia. Sob sua liderança, o quilombo resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770. (SILVA, 2002, p.03).

O Quilombo do Quariterê possuía organização político-administrativa, com parlamento, Conselhos (Ministérios) e uma Rainha, Tereza de Benguela- a Rainha Negra do Pantanal. Tereza comandou a estrutura política, econômica e administrativa do Quilombo, mantendo um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou resgatadas das vilas próximas.

O Quilombo desenvolvia agricultura de algodão e possuía teares onde se fabricavam tecidos que eram comercializados fora dos quilombos, como também os alimentos excedentes. A Coroa Portuguesa, junto à elite local agiu rapidamente e enviou uma bandeira de alto poder de fogo para eliminar os quilombolas. Tereza de Benguela foi presa. Não se submetendo a situação de escravizada, suicidou-se.

 

  1. Considerações Finais

 

Este trabalho visa contextualizar a memória de Tereza de Benguela por meio de pesquisa bibliográfica. O artigo nos permite compreender que o movimento pelos direitos quilombolas são marcadas pelas lutas e resistências de quase quatro séculos de escravidão no Brasil.

Tereza de Benguela nos mostrou a força da mulher na comunidade quilombola, e seu exemplo tornou-se referência histórica na luta pela liberdade e justiça social. O objetivo do trabalho foi mostra a importância de Tereza quanto líder quilombola no século XVIII. 

 Muitos quilombos se constituíram no Brasil, caracterizando como um importante movimento de africanos, diante da luta de seus descendentes que se submeteram a escravidão no Brasil.

Mato Grosso representou uma área de significativa importância no sistema de produção escravista, no início da colonização em Mato Grosso, quando Cuiabá ainda era Vila Bela de Santíssima Trindade.

O movimento dos quilombos nos dias atuais em Mato Grosso em áreas remanescentes quilombolas, apresenta uma diversidade cultural, graças à luta de Tereza de Benguela.

Nas comunidades, a luta é constante, é neste processo de afirmação de identidade, enquanto negro e quilombola. Independente das nossas origens étnico-raciais a história brasileira se completa quando reconhecemos a importância da participação da mulher no contexto cultural.

 Essa identidade de resistência se confirma ao longo da história de nosso país a partir de uma diversidade de formas, com base na coerência de cada grupo e de cada contexto.

Tereza de Benguela foi uma mulher guerreira na sua época, pensando no melhor para seu povo na luta pelos direitos alcançados hoje nas comunidades quilombolas, Tereza lutou bravamente pelos direitos da posse da terra, boa alimentação, saúde e principalmente pelo respeito com seu povo.  Pois sua luta colaborou para o fortalecimento das identidades, enquanto mulheres quilombolas. 

Guerreira negra Tereza de Benguela, contribui na luta dos negros no estado de Mato Grosso e pela liberdade e igualdade de direitos do negro. E inegável a importância desta mulher no contexto histórico do Brasil. E importante que haja um olhar diferenciado em relação a força e a determinação das mulheres negra no país.

 

REFERÊNCIAS:

 

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