LEI 11.645/08: a questão étnico-cultural nas escolas
Rosângela Gomes Moreira[1]
RESUMO
Este artigo traz informações sobre o conhecimento que professores e alunos têm da Lei 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino das culturas negra e indígena nas Instituições de ensino de todo país. A pesquisa foi desenvolvida com alunos e professores de escolas públicas e privadas do município de Sinop-MT e constatou que o preconceito ainda se faz presente em nossa sociedade, principalmente quando se refere aos negros e aos índios. Verificou-se que a escola é um caminho para a superação dos preconceitos. Dessa forma concluiu-se que o trabalho que está sendo desenvolvido em algumas escolas começa a mostrar resultados positivos na busca da eliminação do preconceito e do racismo, fazendo com que os alunos passem a ver o outro com respeito.
Palavras-chave: Educação. Lei 11.645/2008. Professores e Alunos.
ABSTRACT
This article provides information on the knowledge that teachers and students have of Law 11,645 / 2008, mandating the teaching of black and indigenous cultures in educational institutions around the country. The research was conducted with students and teachers from public and private schools in the city of Sinop-MT and found that prejudice is still present in our society, especially when it comes to blacks and Indians. It was found that the school is a way to overcome prejudices. Thus it was concluded that the work that is being developed in some schools is beginning to show positive results in the pursuit of the elimination of prejudice and racism, so that students come to see each other with respect.
Keywords: Education. Law 11.645 / 2008. Teachers and Students.
Introdução
Somos sabedores de que a escola é a mediadora das construções culturais e de que deve buscar a superação dos diversos tipos de preconceitos. Dessa forma a presente pesquisa procurou investigar se a Lei 11.645/2008 que trata da obrigatoriedade do ensino das culturas negras e indígenas nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados está sendo cumprida e de que maneira está sendo realizada. Objetivou-se ainda observar se os profissionais da educação têm conhecimento dessa lei, analisando de que forma ela vem sendo trabalhada com os alunos em sala de aula.
A pesquisa foi realizada em cinco escolas de Sinop, sendo três municipais e duas particulares, com alunos do 2° e 3° anos, do ensino fundamental. Foram entrevistados professores e alunos, utilizando um roteiro semi-estruturado, pois as perguntas iam surgindo durante o diálogo com os mesmos.
A maneira como é trabalhada essas diferenças é muito importante para que se possam ter resultados positivos. É preciso dar uma atenção especial á esta questão, pois vivenciamos diariamente intolerância pelas diferenças e consideramos que a educação é o melhor caminho para mudar essa realidade e quando me refiro ás diferenças, essas vão além da cor da pele, são diferenças no todo, por que somos seres únicos, diferentes na maneira de agir, pensar, nas nossas crenças, enfim, somos seres culturalmente diferentes e essas diferenças precisam ser respeitadas.
O negro e o índio no Brasil
Desde o início de nossa escolarização, a imagem do negro e do índio que nos foi apresentada veio carregada de preconceito e discriminação. Estes povos sempre foram apresentados na escola como seres de uma classe inferior em relação ao mundo europeu civilizado. Hoje compreendemos que os povos indígenas e os negros sempre foram marginalizados, sofreram descaso e preconceito, vistos pela sociedade como povos de uma cultura inferior.
Percebemos que nos dias atuais os negros e os índios ainda sofrem preconceito. O tempo passou, mas com ele o preconceito e a discriminação caminharam e se mantiveram juntos. Existem muitas ideias e opiniões formadas sobre essas duas culturas, que não correspondem à realidade, e acabamos alimentando-as como verdades absolutas.
Neste sentido, é necessário trabalhar a história do negro e do índio, suas contribuições, seus costumes, para que possamos acabar com essa visão estereotipada dessas duas culturas, para que sejam realmente conhecidas e respeitadas.
Preconceito e discriminação
Mas afinal o que é racismo, preconceito racial e discriminação racial? Segundo Maria Lúcia Rodrigues Muller (2009, p.16-17, grifos do autor):
Racismo e preconceito racial são modos negativos de perceber pessoas ou grupos raciais que possuem características físicas daquelas dos que se consideram maioria ou que se consideram “melhores”, “superiores”. Aí entram como características que marcam a “cor” da pele, o tipo de cabelo, o tipo de nariz, o tipo de lábios etc. Já a discriminação racial é uma ação, atitude ou manifestação contra uma pessoa ou grupo de pessoas em razão de sua raça ou “cor”.
Na maioria das vezes o racista ou preconceituoso conhece muito pouco as pessoas das quais ele tem preconceito, são sentimentos adquiridos ao longo de sua existência através do convívio com outras pessoas que são preconceituosas ou racistas, que simplesmente transmitem essas ideias negativas do ‘outro’ sem nenhuma comprovação, apenas sob julgamentos negativos que eles mesmos construíram sobre os demais. Ou seja, o racismo e o preconceito são socialmente construídos.
Sendo assim é necessário falarmos sobre preconceito e discriminação, pois está muito presente no nosso dia a dia, e, além disso, é preciso termos consciência de que isso precisa mudar. São idéias construídas a partir de coisas que ouvimos falar, então é possível sim, desconstruirmos essas ideias, que não tem comprovação nenhuma. De acordo com LuisDonisete Benzi Grupioni (2004, p. 485):
[...] cada cultura vê o mundo, através de pressupostos, que lhe são próprios. E muitas vezes, não só vemos, como também julgamos. E é neste momento, em que tomamos nossos pressupostos (significados que damos às coisas e aos acontecimentos, valores pelos quais nos guiamos e regras que pautam nossas condutas) como padrões para julgarmos ou entendermos as outras culturas, que tomamos atitudes etnocêntricas (centradas na nossa cultura) e preconceituosas. Quase sempre, temos uma valorização positiva do nosso próprio grupo, aliado a um preconceito acrítico em favor do nosso grupo e uma visão distorcida e preconceituosa em relação aos demais. Precisamos, assim, perceber que somos uma cultura, um grupo, e mesmo uma nação no meio de muitas outras. Que nossas explicações são particulares, específicas e diferentes das de outros grupos, que também têm as suas.
Somos seres únicos e ao mesmo tempo, somos iguais, não temos valor maior ou menor que outros, apenas pela cultura da qual fazemos parte.
A escola como um mecanismo de mudança
A escola é sem dúvida o melhor ambiente para tratarmos essa questão. Através da educação poderemos ter um país mais justo e igualitário, não repetindo para os nossos alunos esse racismo e preconceito ainda tão presentes em nossa sociedade.
Vivemos em um país formado por uma grande diversidade de povos e culturas, porém a presença de povos de diferentes origens, entre elas branca, negra e indígena não significa a livre aceitação se uns pelos outros, ao contrário, apesar de estarmos num país onde se exalta a tolerância entre as raças, sabemos que ainda existe muito preconceito, principalmente nas escolas. Dessa forma, todo trabalho que vise tornar a sociedade mais justa, democrática e fraterna deve ser exaltado.
É de fundamental importância que se trabalhe esse assunto na escola, no sentido de possibilitar a reflexão, sobre a importância de cada cultura, incentivando o respeito pela diversidade cultural existente em nosso país, colocando-se cada vez mais contra as diversas formas de discriminação.
A realidade das relações étnico-culturais no espaço escolar de Sinop-MT
Sabemos que os livros didáticos trazem a história dos povos indígenas e dos negros de forma superficial, histórias que se repetem ao longo dos anos.
Segundo Antonio Carlos de Souza Lima (2004, p.408):
A ausência de reflexão e conhecimento organizado não se acha sinalizada com clareza no tipo de literatura sobre os indígenas que está mais facilmente à disposição dos educadores. Pelo contrário, algumas versões consagradas pela repetição são sempre apresentadas como definitivas. Penso que essa literatura não é a “responsável pela ignorância” acerca do assunto, mas só reproduz pré-conceitos em muito oriundos da trajetória (social, política e intelectual) das disciplinas de Antropologia e História no nosso país. É preciso, pois, lidar com estes esquemas de geração de conhecimento, tentar entendê-los, para abrir caminho a conteúdos às vezes já disponíveis enquanto produtos de pesquisa, mas que nunca chegam às classes de aula.
Na realidade existem muitas idéias inculcadas de forma negativa na maneira de pensar a história brasileira, que alimentam, orientam e permitem a repetição no modo de enxergar os índios e os negros de maneira que permanecem como povos escravizados e vítimas de preconceito. Nos livros didáticos surgem apenas como vítimas dos senhores da terra, não como povos que lutaram para conquistarem seu espaço e sua liberdade, que tiveram grande contribuição para a cultura brasileira.
Exatamente por esses motivos e outros mais, buscou-se com essa pesquisa verificar como os professores estão reorganizando a educação no que se refere ao negro e ao índio.
A pesquisa foi realizada em cinco escolas, com o objetivo de conhecer as formas com que os professores estão trabalhando a questão étnico-cultural, sendo três municipais e duas do ensino privado, com alunos de 6 a 10 anos de idade.
Conversei com alunos e professores a respeito da Lei 11.645/2008 e a forma como é trabalhada em sala de aula. Os professores dizem ter conhecimento da mesma e que a trabalham em sala de aula, pois esta consta na ementa da escola, já os alunos, alguns dizem ter ouvido falar, mas sabem pouco sobre ela.
Em duas escolas pesquisadas, tive a oportunidade de conhecer um projeto que é sempre trabalhado na escola, que se chama Pretinho meu boneco querido, é baseado em um livro da autora Maria Cristina Furtado, que traz a história de um boneco preto que era rejeitado pelos outros bonecos de cor clara. E os outros bonecos queriam pintá-lo de outra cor, até que a menina Nininha, dona dos bonecos e que falava com eles, ficou sabendo da atitude dos outros em relação ao Pretinho e contou a história dos povos negros, suas batalhas e conquistas. Depois de ouvirem Nininha, os bonecos começaram a admirar Pretinho, e a respeitar sua cor.
Este é o projeto da escola: PROJETO LITERATURA INFANTIL, Tema: Pretinho, meu boneco querido de Maria Christina Furtado.
O projeto é trabalhado com as crianças do 3° ano, durante o ano todo, e funciona da seguinte forma:
Todos os dias a professora faz um sorteio para escolher a criança que levará o boneco Pretinho pra casa. A criança sorteada leva o boneco e escreve em uma folha de papel como foi passar o dia com o Pretinho. As crianças descrevem tudo que fizeram: dão banho no Pretinho e até fazem novas roupinhas para ele e onde elas vão levam o Pretinho junto, seja na pizzaria, na casa da vovó, no jogo de futebol, enfim, o Pretinho os acompanha em tudo que vão fazer.
As crianças se mostraram muito empolgadas com esse projeto. Elas me contaram que torcem para serem sorteadas na sexta feira, assim podem passar o fim de semana todo com ele. É mais tempo junto com o boneco Pretinho. Tive acesso a um livro que foi escrito a partir dos relatos das crianças, das anotações feitas por eles ao passarem o dia com o Pretinho.Cada aluno escreve como foi o dia com o Pretinho e na manhã seguinte relata para os colegas como foi o dia com ele.
Abaixo a capa do livro confeccionado a partir dos relatos escritos por cada aluno que passa o dia com o boneco Pretinho e o boneco Pretinho.
Alguns relatos dos alunos depois de passarem um dia com o Pretinho:
(01) Aluno 1: Ao sairmos da escola fomos almoçar, minha irmã emprestou pratos e talheres para Carlos, comemos macarronada e depois fomos resolver coisas no centro. Quando voltamos tomamos banho e fomos ao cinema, assistimos Os Vingadores, depois comemos um hambúrguer, voltamos para casa e fomos dormir. Terça meu pai me acordou às seis e quinze da manhã, nos trocamos, tomamos café e fomos para a escola, brincamos na hora da saída , fomos viajar e comemos um lanche. A tarde fomos visitar minha avó, bem não é bem uma vó, é uma avó de consideração. Lanchamos e brincamos com uma amiga da minha irmã, depois voltamos para Sinop e fizemos as tarefas, então fomos dormir.
(02) Aluno 2: Eu fui a última a levar o Pretinho para casa. Quando cheguei mamãe estava preparando o almoço quando cheguei com o Carlos, papai chegou e fomos almoçar, todos gostaram do Pretinho, mas a Laila, minha cachorrinha, ficou com ciúmes dele.Após o almoço coloquei o Pretinho para dormir porque ele estava cansadinho e precisava descansar para mais tarde irmos à Exponop. Chegando lá andamos em muitos brinquedos e foi muito gostoso levar Pretinho comigo, comemos crep e tomamos refrigerante. Carlos me ensinou que temos que respeitar as filas, pois lá muitas crianças estavam brigando para furar fila.Na volta passamos na farmácia, no posto de gasolina e no mercado da amiga da minha mãe, estávamos bem cansados, mamãe fez uma sopinha bem gostosa para nós. Foi um dia maravilhoso.Te amo Pretinho. Beijos
A professora responsável pelo projeto disse que não é trabalhada apenas a questão da cor, embora o Pretinho seja um boneco negro, o projeto trabalha principalmente as diferenças de cada um, como por exemplo, os gostos, as brincadeiras preferidas de cada um, os hábitos, as famílias. Por isso a importância dos alunos relatarem para os demais colegas como foi o dia com o Pretinho. Relatou que na sala em que ela leciona havia um menino que se sentia incomodado por uma garotinha que tinha hábitos diferentes das demais. É uma menina negra que gosta de jogar bola com os meninos, e ela percebeu que ele tinha certo nojo dela também, então conversou com ele e explicou que somos diferentes, gostamos de coisas diferentes, e todos temos que respeitar essas diferenças.
Os relatos escritos pelos alunos, contando como foi passar o dia com o Pretinho nos faz perceber que é muito importante esse projeto, pois as crianças aprendem valores e repassam esses valores à frente, para seus familiares e amigos, e há um envolvimento de todos nesse processo de socialização do ser diferente. Segundo Maria Victória de Mesquita Benevides (1998, p.157):
A educação é aqui entendida, basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas potencialidades de conhecimentos, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de que o processo educacional, em si, contribui tanto para conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.
Dessa forma podemos afirmar que a educação é responsável tanto para se plantar idéias novas, quanto para conservar as já existentes e nesse caso a educação pretende plantar idéias novas, conscientizando essa nova geração a viver conscientemente, respeitando e valorizando as diferenças no geral.
Conclusão
Com esta pesquisa pôde-se verificar que em relação ao conhecimento da Lei 11.645/2008, os professores até têm o conhecimento da mesma, mas a forma como essa lei é trabalhada em sala de aula na maioria das escolas pesquisadas, deixa a desejar. Trabalham de forma superficial, utilizando apenas livros didáticos e repetições que nada trazem de novo, que não permitem nenhuma reflexão por parte dos alunos, ou seja, não contribui em nada para a diminuição ou mesmo a erradicação do preconceito.
Mas em duas escolas pesquisadas essa lei com certeza está fazendo a diferença e está sendo cumprida, pois o trabalho que está sendo desenvolvido nas duas instituições está tendo um resultado positivo, educando e conscientizando os alunos sobre a importância do respeito às diferenças, e mais que respeito, a aceitação dessas diferenças. Pude constatar que a cultura indígena se resume apenas ao Dia do Índio, onde as crianças são pintadas, fazem desenhos e pinturas, ou seja, não trazem nada de inovador, apenas repetições sem nenhum aprendizado significativo. Mas embora tenha verificado que a cultura do negro seja mais trabalhada e enfatizada que a do índio. Acredita-se que estão no caminho certo, mas que ainda há muito que se fazer em relação a isso.
É necessário que haja mais envolvimento por parte dos professores, pois o preconceito e a discriminação estão por toda parte e a escola precisa buscar maneiras de educar seus alunos, tornando-os cidadãos melhores, livres de preconceitos ou idéias estereotipadas sobre determinadas culturas que eles até mesmo desconhecem. Dessa forma conseguiremos viver em um país com pessoas melhores, que aceitem e respeitem as diferenças, que não se envergonhem de fazer parte de determinadas culturas e que tenham orgulho de seu pertencimento.
REFERÊNCIAS
Aluno 1. Aluno 1: depoimento. [23 de setembro. 2012]. Entrevistadora Rosângela Gomes Moreira. Sinop, MT, 2012. 1 questionário elaborado Registro para monografia Lei 11.645/2008: a questão etnico- cultural nas escolas.
Aluno 2. Aluno 2: depoimento. [23 de setembro. 2012]. Entrevistadora Rosângela Gomes Moreira. Sinop, MT, 2012. 1 questionário elaborado Registro para monografia Lei 11.645/2008: a questão etnico- cultural nas escolas.
BENEVITES, Maria Victória de Mesquita. O desafio da educação para a cidadania. In: AQUINO, Julio Groppa (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998.
FURTADO, Maria Cristina. Pretinho: meu boneco querido.São Paulo: Brasil, 1991.
GRUPIONI, Luís Doniste Benzi. Livros didáticos e fontes de informações sobre as sociedades Indígenas no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da, GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. (Orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. 4.ed. São Paulo: Global, 2004.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um olhar sobre a presença das populações nativas na invenção do Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da, GRUPIONI, Luis Donisete Benzi (Orgs.). A temática indígena na escola: Novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. 4.ed. São Paulo: Global, 2004.
MOREIRA, Rosângela Gomes. Pretinho: meu boneco querido. 2012. 1 fotografia, color. 6,57 cm x 10,27 cm.
______ . Rosângela Gomes. Capa do livro utilizado no Projeto Literatura Infantil. 2012, 1fotografia, color. 6,52 cm x 4,72 cm.
______ . Rosângela Gomes. Pretinho com as crianças. 2012. 1fotografia, color. 6,52 cm x 4,72 cm.
MULLER, Maria Lúcia Rodrigues et al. Educação e diferenças: os desafios da lei 10.639/03. Cuiabá: EdUFMT, 2009.
[1] Licenciatura em Pedagogia. Pós-graduada em Docência na Educação Infantil e Anos Iniciais. Atua como professora.