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A Progressão da Responsabilidade Civil do Estado e Suas Consequências

Indianara dos Anjos Rocha[1]

 

Resumo

Busca-se com o presente estudo expor o delineamento histórico da responsabilidade da Administração Pública, partindo da irresponsabilidade estatal até a responsabilidade civil objetiva, que consiste na reparação do dano causado a terceiro por agente público no uso de suas funções. Comprovado o nexo de causalidade entre o dano e o administrado, este pode pleitear judicialmente, junto às varas da Fazenda Pública e ter seu dano indenizado ou ressarcido. De outro lado, a administração tem direito a ação de regresso contra o servidor que agiu culposa ou dolosamente. Como fundamento do presente estudo foi compartilhado saberes de CELSO ANTONIOBANDEIRA DE MELLO (2010), CECILIO MOREIRA PIRES, DIÓGENES GASPARINI (2009), HELY LOPES MEIRELLES (2006), entre outros. Enfatizando a evolução do direito no ramo da administração pública e seus reflexos na prática jurídica. Conclui-se que a responsabilidade objetiva do Estado é uma das formas de controle do poder estatal e de fiscalização da atividade pública gerida por servidores públicos ou prestadores de serviços públicos, que através do direito de regresso ressarci o erário público e aprendem a ter minucioso cuidado com a coisa pública.

Palavras-chave: Responsabilidade. Civil. Objetiva. Estado. Regresso. Reparação. Dano.

 

Abstract

Search with the present study exposing the historical delineation of responsibility of public administration, based on the state irresponsibility to objective liability, which consists in repairing the damage caused to third party by a public servant in the exercise of its functions. Proven causal link between the damage and the run, this may litigate in court, with the sticks and have their Treasury indemnified or reimbursed damage. On the other hand, the administration has the right to return action against the server that acted culpably or fraudulently. In support of this study shared knowledge of ANTONIOBANDEIRA Celso de Mello (2010), CECILIO Pires Moreira, DIÓGENES GASPARINI (2009), HELY MEIRELLES LOPES (2006), among others. Emphasizing

the development of law in the field of public administration and its effects on legal practice. It is concluded that the strict liability of the state is a form of control of state power and surveillance of public activities managed by public servants or public service providers, which through recourse reimburse the public purse and learn to take meticulous care public matters.

Keywords: Responsibility. Civil. Objective. State. Return. Repair. Damage.

 

Introdução

Viver em sociedade tem seu aspecto bom, mas além de suprimir alguns direitos individuais para garantir os direitos coletivos, algumas vezes ocorrem fatos ou eventos danosos a um determinado indivíduo ou grupo, diante deste entrave apresenta-se o presente trabalho, visando explanar como solucionar os casos de danos causados pela administração pública.

Para se entender um problema, faz-se necessário entender seu contexto, seu desenvolvimento, seu histórico e qual é a maneira vigente para solucioná-lo.

Todos que vivem em sociedade, diga-se de passagem, que nenhum ser humano se exclua deste grupo podem ser vítimas de danos causados pelo ente administrativo, diante de tal possibilidade faz-se mister entender como funciona o instituto da responsabilidade civil objetiva do Estado, visando resguardar direitos individuais e ressarcir o dano causado, bem como realizar o direito de regresso contra o agente causador do dano, caso tenha agido com culpa ou dolo, “fazer justiça” popularmente dizendo.

Responsabilidade Civil Objetiva do Estado é o dever da administração de indenizar ou ressarcir o dano causado a um terceiro por um de seus agentes, no desempenho de sua função.

Conceitua Pires, 2010:

“De qualquer sorte, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado (da responsabilidade sem culpa) funda-se na substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilidade genérica do Poder Público. Assim, pelo fato de a Administração deferir ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa, a guarda de um bem ou a condução de uma viatura, ela assume o risco de sua execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha causar injustamente a terceiros.”

Para alcançar o objetivo do conhecimento enraizado sobre o assunto foi utilizada a metodologia científica, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura por autores renomados tais como Petrônio Braz (2001), Diógenes Gasparini (2009), Helly Lopes Meirelles (2006), Celso Antonio Bandeira de Mello (2010) e Antonio Cecilio Moreira Pires (2010).

 

Desenvolvimento

A responsabilidade civil do Estado, também chamada de responsabilidade civil objetiva da administração pública não foi estabelecida num piscar de olhos. Como vimos, seu conceito e conteúdo formaram-se em decorrência de alguns fatores históricos, jurídicos e fatuais que conforme a necessidade foi-se adequando à realidade social de cada época.

Antes da responsabilidade vigorava a teoria da irresponsabilidade do Estado, soberano e absolutista não tratava de ressarcir os danos causados a seus administrados, pois na concepção de Estado da época o rei ou líder estatal não podia fazer mal, conforme a regra de infalibilidade do Estado.

Mello (2010, p. 1009) assim diz:

Com efeito, é sobejamente conhecida a frase de Laferrière: “O próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação”; bem como as fórmulas regalengas que sintetizavam o espírito norteador da irresponsabilidade: “Le roi NE peut mal faire”, como se afirmava na França, ou: “The King can do not wrong”, que é a equivalente versão inglesa.

Um passo à frente da irresponsabilidade do Estado temos a responsabilidade do Estado com base na culpa do agente, ou seja, o Estado responde por danos causados a terceiros desde que o funcionário, hoje chamado servidor tenha agido por culpa, admitindo-se então a falibilidade do Estado, por meio de seus agentes executores dos serviços estatais.

A doutrina da responsabilidade civil do Estado evolui do conceito de irresponsabilidade para o da responsabilidade com culpa (da responsabilidade civilística) e desta para a fase objetiva, na qual nos encontramos hoje. (PIRES, 2010, p. 66).

Surgem às teorias da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, a primeira considera a ausência de serviço prestado pela administração pública ou seu mau funcionamento, a segunda tese assemelha-se ao risco da atividade privada, em que o empresário é responsável por todos os riscos do negócio, devendo arcar com seus ônus; a administração pública independente de seus atos comissivos ou omissivos é responsável por qualquer lesão injusta. Já a última teoria a administração fica obrigada a suportar todo e qualquer dano causado os seus administrados.

Diógenes Gasparini divide a evolução a partir da responsabilidade em com culpa e sem culpa, subdividindo em com culpa: do agente ou civil ou subjetiva; do serviço ou administrativa e sem culpa: do risco administrativo, ou  culpa objetiva; do risco integral. (GASPARINI, 2009, p. 1044).

Superadas as fases monárquicas, os Estados absolutistas e a Era Militar, hoje contemplamos em nossa Carta Magna a Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado ou da Administração Pública. “Quem diz Direito diz, pois, responsabilidade” (MELLO apud KLOSS, 2010, p. 1008)

Nasce o direito dos administrados e o consequente dever da administração pública em reparar o dano causado ao terceiro, por um agente público no uso de suas atribuições abrangendo também os particulares prestadores de serviços públicos, como aduz a Constituição Federal:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” CF, art. 37, §6º.

Neste diapasão, a administração pública diferente do momento histórico absolutista, é considerada pessoa jurídica, comparando-se com a pessoa física, ou seja, o cidadão por ela administrado, da mesma sorte que uma pessoa comum é passível de erro o Estado também o é.

A responsabilidade civil do Estado é a obrigação que a Administração Pública tem por meio da Fazenda Pública de ressarcir ou indenizar o dano por ela causado, ou seja, por meio de seus agentes no exercício de suas funções, ou ainda por particulares prestadores de serviço público a terceiros, desde que estes não tenham causado o dano; ou caso tenham concorrido para o dano, a administração indenizará somente a sua fração. Visa limitar as ações da administração pública em face dos administrados, igualar as condições de forma a limitar o poder estatal, reparar os danos patrimoniais, se exaurindo com a indenização. Distingue-se da responsabilidade criminal e da administrativa, no entanto podem coexistir.

Mello conceitua:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2010, p. 1001)

Destaca-se nesse sentido um dos princípios norteadores do direito, consagrado como cláusula pétrea em nossa Constituição Republicana, caput do artigo 5º: o princípio da igualdade, que consagra tratar com igualdade os iguais e com desigualdade os desiguais em suas proporções, de forma a assegurar o posto de igualdade entre as partes. Tendo em vista a posição superior e privilegiada da administração pública, a responsabilidade objetiva do Estado vem para suprir a diferença com o cidadão e colocá-los em páreos, visando também o controle da administração pública, de modo que esta não extrapole seus limites, como ensina Gasparini “... O objetivo do princípio da igualdade é evitar privilégios, e quando instalados servir de fundamento para sua extinção.” (GASPARINI, 2009, Pág. 21).

Outro princípio implícito no texto constitucional do artigo 37, §6º é o da legalidade, que para Meirelles “significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal conforme o caso.” (MEIRELLES, 2006, p. 87).

Secundum legem é o brocardo jurídico que expressa à conformidade com a lei, ao extrapolar os ditames legais infere-se praeter legem, e ainda quando se contraria a lei, contra legem, em qualquer dos casos o administrador público, no uso de suas atribuições fere o princípio da legalidade.

 

Características do dano indenizável

Dano, sinônimo de perda ou prejuízo é resultado de uma ação ou omissão danosa, no caso em estudo, causada pelo Ente Estatal em desfavor de um administrado; este por sua vez, sofre perda ou deterioração patrimonial, alheio à sua vontade.

Para ser indenizável o dano precisa cumprir alguns requisitos, caso contrário o Estado seria responsável por qualquer tipo de dano e o erário não suportaria tanto ônus. Primeiramente deve-se saber qual é o dano a ser analisado, passando pelos requisitos de certeza, anormalidade, especial e de cunho patrimonial.

O dano certo é aquele determinado, real e exato englobando o que é chamado na esfera civil de lucros cessantes; anormal implica dizer que extrapolou o que se encontra dentro dos inconvenientes do convívio social, algo diferente do geral, corriqueiro e cotidiano; especial por afetar um indivíduo ou uma classe que pode ser separada das demais, especificada; o dano deve ter valor econômico para que se possa aferir o quantum a ser indenizado.

Mello (2010) afirma:

Para ser indenizável cumpre que o dano, ademais de incidente sobre um direito, seja certo vale dizer, não apenas eventual e possível. Tanto poder ser atual como futuro, desde que certo, real. Nele se engloba o que se perdeu e o que se deixou de ganhar (e se ganharia, caso não houvesse ocorrido o evento lesivo).

Cumpridos esses requisitos o dano passa a ser indenizável, tal indenização pode ser feita pela administração, caso ela reconheça, ou por demanda judicial, direito disponível a todos que se sentirem lesados.

 

Responsabilidade por ação/omissão

Para executar suas atividades a Administração Pública se utiliza de recursos, nos quais se incluem os materiais e os pessoais, estes últimos são chamados de agentes públicos; pessoas que agem em nome do Estado, no desempenhar de suas funções públicas. “São todas aquelas que – em qualquer nível de escalão – tomam decisões ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão ao desempenho de um mister público (jurídico ou material), isto é, havido pelo Estado como pertinente a si próprio.” (MELLO, 2010, p. 1016 e 1017).

O Estado também responde subsidiariamente por danos causados por particulares, como aduz a segunda parte do parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal “... e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão...”

Neste sentido Mello entende:

Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado, bem como quaisquer outras, inclusive as de Direito Privado, que, inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegação explícitas (concessionárias de serviços públicos delegados de função pública) ou implícitas (sociedades mistas de empresas do Estado em geral, quando no desempenho do serviço público propriamente dito). (MELLO, 2010, P. 1017)

Diante da responsabilidade objetiva do Estado, este responde por atos tanto comissivos quanto omissivos, pois segundo (BRAZ, 2001, p. 683): “O estado tanto pode provocar danos por ação ou por omissão.”

 

Direito de regresso

Caracterizado o dano causado pela administração pública, se ocorreu por ato comissivo legítimo o Estado indeniza o dano por processo administrativo ou judicial, mas se o ato for ilegítimo, por ser objetiva a responsabilidade estatal, o Estado também indenizará o da, depois de cumprida a obrigação patrimonial há o direito de regresso, requerido por meio de ação de regresso contra o agente responsável pelo dano, desde que tenha agido com culpa ou dolo, e na ação se faça presente o contraditório e a ampla defesa.

Meirelles explana:

“A reparação do dano causado pela administração a terceiros obtém-se amigavelmente ou por meio de ação de indenização, e, uma vez indenizada à lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através de ação regressiva autorizada pelo § 6º do art. 37 da CF”

Gasparini (2009) discorre sobre a ação regressiva:

“A ação regressiva é medida judicial de rito ordinário, que propicia ao Estado reaver o que desembolsou à custa do patrimônio do agente causador direto do dano, que tenha agido com dolo ou culpa no desempenho de suas funções. Essa ação não cabe se o agente público não agiu com dolo ou culpa.”

 

Conclusão

Diante do tema responsabilidade civil objetiva do Estado, foi exposto desde o princípio, ou seja, como eram tratadas questões de dano e reparação pelo líder estatal ao administrado, dentro do que temos de relatos na história.

  Iniciando pela teoria da infalibilidade do Estado na era monárquica, passando pela irresponsabilidade do ente estatal até chegar ao que temos hoje no ordenamento jurídico, o instituto chamado responsabilidade civil objetiva da Administração Pública.

  Para explanar a responsabilidade civil fez-se necessário relembrar alguns princípios como da isonomia, da legalidade, do contraditório, da ampla defesa, e alguns conceitos jurídicos, como dano indenizável e ação regressiva, discorrendo sobre suas características.

  O desfecho pode ocorrer de duas maneiras, através da indenização ou ressarcimento da administração pública para o administrado lesado, por meio administrativo ou judicial, ou na segunda forma, após a indenização do dano, por meio da ação de regresso, feita pelo ente administrativo em face do agente público que causou o dano dolosa ou culposamente.

 

Referências

PIRES, Antonio Cecilio Moreira, Direito Administrativo, Vol. 10. São Paulo: Atlas, 2010,

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. Brasil: Malheiros, 2010.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Brasil, 2006.

 

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009.



[1] Formada em Direito pela UNIC. Pós-graduada em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes e Pós-granduanda em LIBRAS pela Universidade Cândido Mendes. Servidora Pública do Executivo Federal, atuando como Chefe de Agência (Sinop) do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).