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A LEITURA COMO CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA A AQUISIÇÃO DE VOCABULÁRIO POR PARTE DO APRENDIZ

Liliane Martins Barbosa
Nelton Rodrigues Neves
Asnan de Araújo Souza
Andréa Pacheco
Maria Amélia dos Anjos Carvalho

 

RESUMO

A aquisição de vocabulário é um tema de recorrente discussão quando tratamos do aprendizado de uma determinada língua, seja um idioma materno ou em um segundo idioma. No mesmo sentido, a leitura oferece uma série de possibilidades para a aquisição de vocabulário do aprendiz. O presente estudo busca esclarecer e aprofundar a leitura como uma condição necessária para a aquisição de vocabulário por parte do indivíduo, em termos gerais e com ênfase na leitura enquanto processo de aquisição de vocabulário na língua inglesa, considerando-a enquanto Língua Estrangeira (LE) e procurando distinguir tais processos. Sob essa ótica, fora realizada uma extensa pesquisa bibliográfica contemplando estudos de autores brasileiros e estrangeiro para esclarecer tais possibilidades. Concluiu-se no mesmo que, sobretudo quando tratamos da aquisição de vocabulário em LE, a leitura é uma possibilidade clara para o processo de aquisição, todavia, fatores como o nível de atenção, o esforço e o nível de desenvolvimento prévio do vocabulário devem ser considerados para que o processo ocorra de maneira positiva.

Palavras-chave: Aquisição de Vocabulário; Leitura; Língua Estrangeira.

 

Introdução

            O presente artigo científico consiste em uma exploração clara e objetiva acerca da leitura enquanto condição necessária para a aquisição de vocabulário, contemplando-a em perspectiva geral e com ênfase na língua inglesa, considerando-a na qualidade de Língua Estrangeira (LE).

            As questões que norteiam o presente estudo à conclusão são as seguintes:

  • Qual a distinção dentre a aquisição de vocabulário e a aprendizagem sob a ótica léxica?
  • Como ocorre o processo de aquisição de vocabulário através da leitura?
  • Se tratando da aquisição de vocabulário em idioma estrangeiro através da leitura, quais são suas possibilidades e especificidades?

Essas questões construirão a conclusão verdadeiramente aplicável ao problema exposto, com o respaldo de autores que produziram obras nacionais e estrangeiras abordando os elementos aqui contemplados. Busca-se oferecer o entendimento necessário de maneira clara e objetiva, com base nos objetivos propostos e nas questões elencadas acima.

 

Desenvolvimento

            Os estudos promovidos por Giasson (1993) correlacionam a aquisição do vocabulário com a devida compreensão da leitura, apontando que tanto o vocabulário influencia diretamente na compreensão da leitura de um texto por parte do indivíduo, bem como a compreensão do texto através da leitura influencia diretamente na aquisição e no desenvolvimento do vocabulário.

            Para que possamos aprofundar questões envolvendo a leitura como uma prática indispensável para a aquisição do vocabulário, entretanto, se faz necessária a apresentação de alguns conceitos fundamentais para a plena compreensão de tais questões.

            Para os fins pretendidos pelo presente estudo, entende-se que o vocabulário é contemplado como um conjunto de palavras de um mesmo idioma, com significado léxico (FERREIRA, 1999), sendo o léxico compreendido como o conjunto de vocábulos de um mesmo idioma em uma distribuição seguindo ordem alfabética identificando-os juntamente aos seus significados (ou seja, o dicionário).

            Segundo Clark (1993) o léxico pode ser contemplado como o ‘estoque’ de palavras estabelecidas por uma determinada língua, às quais os falantes e leitores podem recorrer ao lerem, falarem, escreverem ou compreender uma mensagem de maneira clara. Esse estoque é armazenado na memória do indivíduo, de modo que o sujeito pode localizar as unidades relevantes diante de diferentes situações linguísticas, sendo indispensável a capacidade de identificar as palavras, buscando-as em seu estoque ou recuperando-as da memória para transmitir determinados significados.

No mesmo sentido, é indispensável que tratemos das diferença entre a aprendizagem e a aquisição de linguagem/vocabulário. Apesar do amplo ponto de aproximação dentre ambos os conceitos, a aquisição e a aprendizagem não devem ser trabalhadas como sinônimos.

A aprendizagem pode ser definida, de maneira simplista, como um conjunto de experiências obtidas ao longo da vida. É um fenômeno que tem início na fase de identificação de objetos e desenvolvimento da linguagem. Pode-se dizer que aprender está diretamente relacionado com uma mudança: a do comportamento, e enquanto estivermos vivos, aprenderemos. Segundo Visca (2010, p.101) “Desde o nascimento até a morte, as pessoas não deixam de conduzir-se; embora nem toda conduta seja aprendizagem, toda aprendizagem é, sim, uma conduta”.

Condemarín et.al. (2006, p.21) trazem uma questão importante: “Onde se dá o aprendizado? Não restam dúvidas de que o processo da aprendizagem se dá no sistema nervoso central (SNC), que é uma estrutura complexa”. Desse modo, como o processo de ensino-aprendizagem é algo complexo, os problemas que podem surgir neste processo tendem a ser ainda mais complexos.

 

O aprendizado para tornar-se formativo não pode ficar restrito somente à aquisição de conhecimentos, informações e destrezas. Ele precisa estar voltado para capacitar o sujeito na execução de atividades pelos processos de ressignificação.  (PORTO, 2011, p.49)

 

Por vezes essa ‘ressignificação’ não acontece no período esperado, ocasionando diversos problemas ou atrasos no processo de ensino-aprendizagem. A aprendizagem é dependente de um conjunto denominado funções executivas, que controlam pensamentos e ações, e são indispensáveis para que este processo ocorra, dentre elas, destacam-se a memória, a linguagem, a percepção, entre tantas outras. Porto (2011, p.14) aponta o seguinte aspecto:

 

A aprendizagem constitui-se em um processo, uma função, que vai além da aprendizagem escolar e que não se circunscreve exclusivamente à criança. A aprendizagem, como experiência, guarda um elemento universal do humano, na medida em que permite a transmissão do conhecimento e, por meio desse processo, garante a semelhança e a continuidade do coletivo, ao mesmo tempo permitindo a diferenciação e a transformação (PORTO, 2011, p. 14).

 

            A aprendizagem, de tal forma, é contemplada como um conceito bastante amplo, que contempla inclusive o conceito de aquisição. Para Lewis (1993) a aquisição trata-se do contexto natural no qual o falante adquire uma língua, sendo costumeiramente associado à língua materna, mas também na aquisição de uma segunda linguagem, relacionado ao processo de formação e desenvolvimento do indivíduo no processo de formação da linguagem e de seus respectivos elementos.

            São diversos os estudos que abordam e associam a leitura como uma condição fundamental para a aquisição de vocabulário na língua inglesa. Krashen (1989) é considerado o principal teórico que fundamentou possibilidades da aquisição de vocabulário através da leitura extensiva, de modo que a competência no vocabulário pode ser alcançada de maneira mais eficiente através de um input compreensível. O autor defende que a leitura seria a melhor forma de input para a aquisição e desenvolvimento do vocabulário, tanto quando tratamos do processo de aquisição na Língua Materna (LM) quanto na Língua Segunda (L2).

            Essa mesma tese é defendida por Gattolin (2005), que complementa que o processo de aquisição do vocabulário enquanto um processo incidental através da leitura, visto que a aquisição de vocabulário ocorre sem qualquer tipo de instrução forma, independendo da aprendizagem, nos termos já apresentados no presente estudo.

            Tomasello (2003), no mesmo sentido, aponta que a leitura é um fundamento indispensável no âmbito do aprendizado de vocabulário, visto que não tão somente apresenta novas palavras, mas as insere dentro de contextos que possibilitam ao leitor a identificação e relação de significados diante de outras palavras que podem acompanha-la no mesmo contexto.

            Ademais, Sousa e Gabriel (2011) verificaram que alguns elementos são indispensáveis para tratar da aquisição de vocabulário através da leitura: é necessário conhecimento lexical prévio do leitor; é necessária a qualidade do contexto da obra lida na apresentação do vocabulário; é necessário, ademais, que sejam contempladas repetições com o objetivo de que o leitor guarde o vocabulário aprendido em sua memória.

            Quando tratamos do processo de aquisição de vocabulário, os fatores supramencionados são de fundamental consideração para que o processo seja bem sucedido.

Giasson (1993), entretanto, aponta que não há uma fórmula exata para a aquisição de vocabulário através da leitura, podendo ser um processo curto ou que se estende por uma grande quantidade de tempo. O desenvolvimento do vocabulário do aprendiz é uma condição fundamental para que o mesmo possa desenvolver seu vocabulário fazendo uso da leitura, possibilitando que o aprendiz construa o significado para a nova palavra aprendida.

            Quando tratamos da aquisição de vocabulário no âmbito da língua inglesa (considerando-a enquanto língua estrangeira – LE) devemos novamente nos ater aos estudos de Krashen (1989), que apontou que nas até a década de 1980, havia uma concepção errônea de que para que um leitor pudesse ler em LE, bastava que o mesmo fosse bom leitor em sua língua materna (LM), sendo o indivíduo capaz de transferir suas habilidades e estratégias de leitura para o novo idioma. Entretanto, o pesquisador contemplou que os dotes relacionados à leitura em LM, por mais benéficos que sejam no âmbito da leitura em LE, não asseguram possibilidades de leitura bem-sucedida e, por conseguinte, da aquisição de vocabulário por parte do leitor em LE.

            Paribakht e Wesche (1999) realizaram um estudo que contemplou o valor da leitura para a aprendizagem no vocabulário e constataram que os participantes de seu experimento de pesquisa consideravam a leitura como ineficiente para a expansão do vocabulário em uma língua estrangeira, partindo do pressuposto de que o processo de aprendizagem de vocabulário clamava por mais do que a inferência do sentido das palavras dentro de um determinado contexto.

            Diante de tal resultado, os autores supramencionados aprofundaram seus experimentos, verificando que o processo de inferência lexical permite ao indivíduo a integração da informação nova diante daquela já existente, contribuindo para a aquisição de vocabulário, mas não assegurando tal processo diante da dificuldade em se estabelecer uma base para as novas palavras. Diante de tal pressuposto, os autores identificaram que se faz necessário que os leitores tanto tenham atenção diante do novo vocabulário, como que se esforcem para relacionar as informações advindas da fonte de conhecimento e do contexto oferecido pelo texto.

            Ora, quando tratamos da aquisição de vocabulário envolvendo a leitura no âmbito da Língua Materna, entende-se que tal processo é mais viável e facilitado do que quando tratamos da aquisição de vocabulário envolvendo a leitura no âmbito da Língua Estrangeira ou segunda língua.

Sabe-se que a leitura beneficia muito o aprendiz na aquisição de vocabulário, sendo considerada indispensável para tal. Não se faz possível, entretanto, afirmar que a leitura por si só pode assegurar a aquisição de vocabulário de língua estrangeira, sendo que tal processo dependerá do esforço e da atenção do indivíduo envolvido nesse contexto enquanto aprendiz e leitor.

 

Conclusão

            Diante de todo o exposto, tornou-se possível verificar que a leitura contribui de maneira significativa para o processo de aquisição de vocabulário ao aprendiz. Essa prerrogativa é confirmada sobretudo quando tratamos da aquisição de vocabulário envolvendo leitura na língua materna.

            Quando tratamos da aquisição de vocabulário através da leitura em língua estrangeira, entretanto, nos deparamos com um processo mais árduo, o qual para ser bem sucedido clama pelo envolvimento do aprendiz no mesmo, devendo o indivíduo concentrar-se e esforçar-se para a aquisição de vocabulário diante dos contextos apresentados na obra literária.

 

REFERÊNCIAS

CLARK, E.V. The Lexicon in Acquisition. Cambridge : Cambridge University Press, 1993.

CONDEMARÍN, M; GOTOSTEGUI M.E; MILICIC N. Transtorno do défict de atenção. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.

FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

GATTOLIN, S.R.B. O vocabulário na sala de aula de língua estrangeira: contribuições para a elaboração de uma teoria de ensino-aprendizagem. Campinas, SP: [s.n.], 2005.

GIASSON, J. A Compreensão na leitura. Porto. Edições ASA, 1993.

KRASHEN, S. D. We acquire vocabulary and spelling by reading: additional evidence for the input hypothesis. The Modern Language Journal, 73: 440-464, 1989.

LEWIS, M. The Lexical Approach. Hove: Language Teaching Publications, 1993.

PARIBAKHT, S. T.; WESCHE, M. Vocabulary enhancement activities and reading for meaning in second language vocabulary acquisition. In COADY, J.; HUCKIN, T. (eds.). Second Language Vocabulary Acquisition: A Rationale for Pedagogy. Cambridge: CUP, 1997, p. 174-200.

PORTO, O. Bases da Psicopedagogia: diagnóstico e intervenção nos problemas de aprendizagem. 5.ed. Rio de Janeiro: Wak editora, 2011

SOUSA, L. B.; GABRIEL, R. Aprendendo palavras através da leitura. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011.

TOMASELLO, M. Constructing a language: a usage based theory of language acquisition. London: Harvard University Press, 2003.

VISCA, J. Clínica psicopedagógica: Epistemologia Convergente. 2.ed. São José dos Campos: Pulso Editorial, 2010.