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ETNOMATEMÁTICA - A MATEMÁTICA NA CULTURA DA ETNIA PARESI HALITI

Márcio Grego Oliveira do Nascimento

 

XIX SEMAT – SEMANA DA MATEMÁTICA

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PARA O FUTURO PROFESSOR DE MATEMÁTICA - DE 12 A 14 DE NOVEMBRO DE 2018 – CAMPUS UNEMAT DEP. EST. RENE BARBOUR - LICENCIATURA EM MATEMÁTICA – UNEMAT DE BARRA DO BUGRES - MT


Resumo:

Este trabalho tratasse de um relato de experiência vivido a partir de uma pesquisa etnográfica realizada com os indígenas da etnia Paresi Hliti que vivem na reserva indígena da aldeia do Formoso, a pesquisa foi realizada pelos alunos do 6º ano do Centro Municipal de Ensino Eugênio Fausto Masson e teve como objetivo o estudo da Matemática na cultura do povo Paresi Haliti. Após a pesquisa realizada os alunos reproduziram em maquetes alguns jogos, ocas e jogos de tabuleiros para que fossem apresentados em uma feira do conhecimento realizada na própria escola. Com esse trabalho pode-se concluir que a etnomatemática pode ser trabalhada como uma proposta pedagógica como assim defende Ferreira em seus trabalhos de pesquisa.


Palavras-chave: Etnomatemática, Paresi Haliti, Waimaré, Feira de conhecimento


Introdução

Desde 2003, através da Lei Federal 10.639, é obrigatório o ensino da cultura e da história Afro-brasileira, onde é assegurada a inclusão da história e cultura indígenas nos currículos escolares. Esta temática, desde março de 2008, também se tornou obrigatória nas unidades escolares, com a Lei 11.645, por sua vez modificou a Lei 10.639, já era uma alteração da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

Na disciplina de Matemática, abordar conteúdos mediante a ideia de inseri-los numa perspectiva que contemple a História e Cultura Indígena, encontra certas dificuldades devido ao pouco material que fundamenta essas abordagens e dada a especificidade de cada conteúdo. No entanto, as tendências em Educação Matemática presentes nas Diretrizes Curriculares possibilitam várias abordagens da História e Cultura Indígena no encaminhamento de conteúdos matemáticos, e também por meio de brincadeiras e jogos ensinados e praticados entre comunidades ou descendentes de indígenas.

Com base nas informações, este trabalho teve como objetivo apresentar para os alunos a importância da etnomatemática como proposta pedagógica e também a importância da matemática na cultura indígena e suas influencias nos costumes e tradições do povo mato-grossense, após o estudo e pesquisa os alunos apresentaram os resultados em uma feira do conhecimento realizada na própria escola que teve como tema principal “ Apreciando nosso Mato Grosso”, onde cada turma deveria estudar e apresentar algo sobre a cultura do Estado de Mato Grosso.

1. Etnomatemática

Na década de 1970, alguns matemáticos, principalmente Ubiratan D‟Ambrósio, dão origem a um novo ramo da matemática, com o objetivo de estudar e entender os diferentes conhecimentos matemáticos apresentados pelas diferentes etnias, surge então a Etnomatemática.

D’Ambrósio fala de Etnomatemática como sendo diferentes formas de matemáticas que são próprias de grupos culturais. Uma das primeiras definições do pensamento Etnomatemático é dada pelo próprio D`Ambrósio: “etno”, do grego, referente a contexto cultural, “matema”, também do grego, significa entender/conhecer/explicar e “tica” sugerida pela palavra techne que é a mesma raiz de arte e técnica. “Assim, poderíamos dizer que Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender em diversos contextos culturais”.

Ferreira (1997) defende a Etnomatemática como uma “Proposta Pedagógica”, “Modelo Pedagógico” ou ainda, “um método de se ensinar matemática”. Em seu trabalho o autor defende/propõe as técnicas da etnografia para o trabalho de campo com os educandos. Ou seja, os alunos sairiam a campo, como fazem os pesquisadores acadêmicos, principalmente antropólogos e, por meio de entrevistas, gravações, notas, estudariam a matemática do grupo ou um problema da comunidade, uma curiosidade/questão proposta pelos alunos, entre outros.

2. O povo Paresi Haliti

Os índios Paresí-Halíti estão na região denominada Chapadão dos Parecis desde tempos imemoriais, sudoeste de Mato Grosso. Suas terras englobam os municípios de Tangará da Serra, Pontes e Lacerda, Campo Novo do Parecis e Diamantino, no estado do Mato Grosso e a extensão territorial total gira em torno de 1 milhão de hectares. Estima-se que haja cerca de mil e trezentos indivíduos, distribuídos em aproximadamente 25 aldeias (Machado, 2008) .

Atualmente os Paresí que vivem na área Indígena são descendentes de inter-casamentos consecutivos entre representantes de subgrupos distintos: Kaxiniti, Waimaré, Kawáti, Wareré, e os Kozarini. Os Kozarini hoje constituem maior parcela na composição do grupo. Exceção feita às aldeias Bacaval, Formoso e Sacre onde a maioria da população se identifica como Waimaré. A matemática está presente na aldeia nos ensinamentos acerca do artesanato, mecanização agrícola, cálculo de áreas, e a simetria das figuras representadas nas pinturas corporais e no artesanato.

3. Metodologia

Este trabalho teve no início no mês de Julho de 2018, quando a coordenação pedagógica do Centro Municipal de Educação Eugênio Fausto Masson, situada no bairro jardim Barcelona em Tangará da Serra – MT, apresentou ao professores o projeto da Feira do conhecimento. O projeto pedia para que cada professor trabalhasse com sua turma algo relacionado à cultura mato-grossense.

A princípio foi sugerido, aos alunos do 6º ano B do turno vespertino, que se trabalhasse a matemática na cultura de todas as etnias de Mato Grosso, mas por decisão da maioria ficou decidido que se trabalharia apenas com a etnia Paresi; primeiro pelo fato de eles estarem dentro do município onde os estudantes moram e segundo por que ficaria mais fácil a possibilidade de uma provável visita a aldeia, haja visto que 30% do território de Tangará da Serra pertença às reservas indígenas Paresi.

Após a decisão do tema a ser trabalhado foi decidido que tudo seria feita em 3 etapas, como segue:

1ª ETAPA – Nessa etapa foi apresentado o conceito de etnomatemática aos alunos e os objetivos do trabalho. Daí começaram as pesquisas no laboratório de informática da própria escola que conta com 23 computadores. Os alunos pesquisaram sobre etnomatemática e sobre as aldeias que estão dentro do nosso território municipal de Tangará da Serra. A intenção da pesquisa era coletar o máximo de informações possíveis sobre a etnia Paresi, pois esses dados seriam comparados com as informações que os alunos iriam colher na visita que iriam fazer a aldeia. Foi pedido ajuda a coordenação pedagógica para que os alunos pudessem ir realizar uma pesquisa de cunho etnográfico na própria aldeia.

O projeto do trabalho foi entregue a coordenação pedagógica, que procurou a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), após 10 dias da entrega do projeto veio a resposta que a turma tinha sido autorizada a ir realizar a pesquisa na aldeia do rio Formoso. De todas as informações colhidas sobre os Paresis, agora somente os referentes aos moradores da aldeia do Formoso interessariam aos alunos.

Dos 32 alunos da turma, apenas 24 puderam ir à aldeia indígena, a visita foi no Sábado (13/10/18). A viagem contou com a ajuda de 5 professores e uma coordenadora pedagógica, estavam esperando os alunos, na aldeia, os professores João Quirino, Jocélio e Edna Maria, que fazem parte do corpo docente da Escola Municipal Indígena Formoso. Ao chegarem a aldeia os alunos foram recebidos pelo professor Jocélio que os levaram para a escola lhes mostrando toda a estrutura escolar.

Os alunos tiveram uma aula de 1:30min com professor Jocélio sobrea língua materna dos moradores da aldeia que explicou sobre a miscigenação dos moradores ao longo do tempo. Ele contou aos alunos que os moradores da aldeia falam uma língua que resulta na mistura de KATXINITI e WAIMARÉ, embora a língua materna dos Paresis seja a Waimaré. A aula continua com o professor explicando para os alunos sobre o sistema de numeração utilizado na aldeia. O sistema conta com 10 números dos quais dão origem aos demais.

Além das anotações, também foram gravados alguns vídeos das explicações para que facilitasse na elaboração dos trabalhos a serem apresentados posteriormente no dia da Feira do Conhecimento.

: Tabela 1: Os números de 1 a 10 em Waimaré

NÚMEROS NA LINGUA WAIMARÉ

TRADUÇAÕ PARA O PORTUGUÊS

01 - HATITA

  1. UM

02- HINAMA

  1. DOIS

03- ZALAKAKOA

  1. TRÊS

04- AKAHEN

  1. QUATRO

05- AKAHEN

  1. CINCO

06- AZUE KAKOA

  1. SEIS

07- WIHOTIKIA

  1. SETE

08- ENOTOTOIA HIEENA

  1. OITO

09- OKUIHAKAHE TOTOENÃ

  1. NOVE

10- KATINÁ TOTENA

  1. DEZ

 

Após a aula do professor Jocélio os alunos conversaram com a professora Edna Maria, tratasse uma professora de origem carioca, mas que mora na aldeia a mais de 15 anos. Ela relatou sobre sua experiência e convivência com os moradores da aldeia. Contou sobre a dificuldade de dar aula devido à falta de material didático voltado a educação indígena, embora os professores já tenham pedido ajuda a muitas instituições através de pesquisas para produção de materiais, ainda é difícil a ajuda financeira, pois recebem pouca ajuda tanto da secretaria municipal quanto da secretaria estadual de educação.

Para a professora que também leciona a disciplina de matemática, o mais complicado é que não existem livros ou qualquer tipo de documento com conteúdo matemáticos escritos na língua waimaré e isso dificulta que essas informações sejam passadas em frente. Para a professora o avanço tecnológico também atrapalha muito à preservação da cultura da etnia, haja visto que os adolescentes se envolvem muito mais com a cultura dos brancos através de redes sociais e games.

Para o professor Jocélio, falta um pouco de políticas públicas voltadas para a educação indígena. Embora essa preservação cultural seja repassada através de alguns anciões para os alunos da escola, ele acha que deveria se tornar uma disciplina escolar na aldeia, onde a prefeitura e o estado arcariam com despesas de locomoção desses anciões até as escolas.

Imagem 1:Imagens da visita durante as entrevistas

Para finalizar a etapa de coleta de dados foi pedido ao professor que falasse sobre a arquitetura e sobre os jogos e brincadeiras desenvolvidos na aldeia. A arquitetura é feita sem muitos cálculos preservando a maneira que as ocas eram construídas desde os seus ancestrais. Os alunos foram levados ande estava sendo construída uma oca.


Fonte: Márcio Oliveira


O professor João Quirino, que também leciona na escola explicou como se joga o Tihimore, esta é uma modalidade disputada apenas por mulheres, geralmente jovens e adolescentes, entre clãs ou famílias do povo Pareci. Semelhante ao jogo de boliche, é realizada em festas e rituais de iniciação e nominação, quando as crianças recebem nomes próprios. A disputa ocorre em um campo de 10 metros de largura por um metro de comprimento, com paus de madeira fixados no solo nas duas extremidades, onde se colocam as espigas de milho. O jogo é disputado com duas bolas de marmelo verde e o objetivo é tirar o milho das adversárias que estão nos últimos paus.

Zikunariti, na língua dos Paresi, e Hiara, na língua dos Enawenê Nawê, esta modalidade é parecida com o jogo de futebol, mas, ao invés de chutar com os pés, as equipes devem cabecear a bola. Trata-se de um esporte exclusivamente masculino, praticado tradicionalmente pelos Paresi, do Mato Grosso

O professor ainda explicou sobre o jogo da onça, que se trata de um jogo de raciocínio lógico com tabuleiro que é muito jogado com as crianças da aldeia.

2ª ETAPA - Construção dos jogos e maquetes, nessa etapa as crianças começaram a construir maquetes representando os jogos indígenas, as brincadeiras de tabuleiros e a construção de uma maquete. Também pesquisaram sobre as pinturas corporais e ficaram fascinadas pela simetria utilizada na pintura de figuras geométricas e com seus significados e pensaram em procurar o significado de cada pintura e poder reproduzi-las durante a feira. Foram construídos: Uma maquete com palitos de churrascos e palhas de coco representando a construção de uma, uma maquete de um campo do jogo Tihimore e do Zikunariti, dois tabuleiros dos jogos de raciocínio lógico e um banner com o conceito de etnomatemática e o resumo da pesquisa com textos e fotos.

Construção dos Jogos de Tabuleiros:

3ª ETAPA- A terceira etapa, já com todos os materiais prontos, a turma foi dividida em equipes para apresentação de cada trabalho: uma equipe falou sobre o conceito de etnomatemática e apresentou o banner que foi construído com textos e fotos feitas no dia da visita a aldeia, a segunda equipe apresentou uma maquete de uma oca, falando sobre a arquitetura indígena, a terceira equipe foi apresentado os jogos esportivos: Tihimore e Zikunariti, a quarta equipe apresentou a construção dos jogos de raciocínio lógico e a quinta equipe além de apresentar textos falando sobre a pintura corporal indígena, eles também pintaram alguns visitantes que assim desejavam.

 

Imagem 3: imagens das apresentações dos trabalhos

Fonte: Márcio Oliveira


Considerações Finais

Os trabalhos feitos mostram a riqueza no conhecimento matemático do povo Paresí, e suas relações principalmente no que diz respeito à geometria, em particular a simetria, seus mitos e suas crenças, reforçam esse conhecimento em particular. Devido as dificuldades nas aldeias, alguns jovens são obrigados a estudarem nas cidades, assim a escola deveria de certa forma atender as necessidades daqueles que ali estão inseridos, respeitando a diversidade cultural, socializando os conhecimentos, promovendo um maior enriquecimento para a sociedade que ali convive pacificamente, valorizando o respeito mútuo.

Em relação aos estudantes que realizaram os trabalhos, foi visível o fascínio de cada um deles em ter esse primeiro contato com uma cultura antes para eles desconhecida. Além de aprenderem a importância da cultura indígena, o quanto deve ser preservada para que continue fazendo parte da tradição cultural do país, eles aprenderam que a matemática estar presente dentro de cada grupo social, não importa onde estejam ali sempre vai existir uma matemática que pode ser compreendida por outros grupos.

A realização do trabalho reforça a defesa de Ferreira, que defende etnomattemática como uma “Proposta Pedagógica”, “Modelo Pedagógico” ou ainda, “um método de se ensinar matemática”, uma vez que os alunos além de conhecerem o conceito de etnomatematica tiveram a oportunidade de pô-la em prática e com isso adquiriram novos conhecimentos.

  1. Referências

D´AMBRÓSIO, U. - Etnomatemática: Um Programa - Educação Matemática em Revista - SBEM (1993) nº 1, 5 – 11

COLL, César; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro (org). Desenvolvimento Psicológico e Educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v. 3

MACHADO, M. F. Roberto. Índio na cidade é índio? Considerações sobre um debate

Provocante. Anais da 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro, 2008.

BRASIL. Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria Especial de Editoração e Publicação – Subsecretaria de

Edições Técnicas. Brasília, 1996.