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ETNOMATEMÁTICA: A MATEMÁTICA DO PEDREIRO E SUA RELAÇÃO COM A MATEMÁTICA ESCOLAR E NÃO ESCOLAR

 

Márcio Grego Oliveira do Nascimento

 

 

RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo realizar uma leitura matemática dos diferentes saberes e fazeres de um pedreiro, durante o processo de construção de uma casa e relacionar com a matemática escolar. A pesquisa foi realizada no município de Tangará da Serra, no estado de Mato Grosso em um canteiro de obra situado no bairro Jardim Novo Tarumã. Realizou-se uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica. Para obtenção dos resultados fez-se o uso de diferentes tipos de observação (estruturada, participante e sistemática), como instrumento de coleta de dados. Os resultados mostraram que o contexto profissional do pedreiro é rico em situações matemáticas, pois se identificam diversos usos práticos de saberes lógicos, com diferentes interpretações e variadas utilizações. A partir dessas constatações, ao repensar o ensino da matemática, é importante refletir sobre uma visão utilitária aos conceitos matemáticos a serem abordados com os alunos, objetivando aprendizagens mais significativas nas quais consigam se valer dos saberes adquiridos, para a resolução de problemas de seu dia a dia, considerando seu modo de matematizar e os saberes que trazem de suas experiências.

 

PALAVRAS-CHAVE: Conhecimento escolar. Educação matemática. Etnomatemática.

 

        1. INTRODUÇÃO

 

Em cada profissão existe uma matemática e, consequentemente uma maneira diferente de trabalha-la. Por mais simples que seja, será realizada com a ajuda da matemática, como por exemplo a profissão de pedreiro, considerada uma das mais antigas. Desde o início das civilizações humanas, as habitações foram erguidas, evidentemente, por pessoas que dominavam a arte da construção.

Atualmente o pedreiro trabalha em áreas ligadas à construção civil de obras públicas ou privadas, executando alvenarias exteriores e interiores em casas e edifícios, erguendo as mais diversas estruturas, revestindo maciços de alvenaria, de pedra, tijolo ou outros materiais, utilizando diversas argamassas (ARRUDA, 2010). E em decorrência do desenvolvimento de novos produtos e processos tecnológicos, o pedreiro precisa atualizar-se melhor quanto ao uso dos mais diversificados materiais. Também se faz necessário saber ler e interpretar desenhos e outras especificações técnicas; verificar a qualidade do trabalho executado; analisar plano de execuções de acordo com as dimensões, ou seja, controlar a qualidade da obra.

Segundo Fonseca (1995), a educação matemática hoje dispõe de uma atenção aos aspectos socioculturais na sua abordagem defendendo a necessidade de contextualização dos conhecimentos matemáticos a ser transmitido. Porém a contextualização não deve desconsiderar a importância da técnica e da compreensão no processo educativo matemático, mas ultrapassar esses aspectos e procurar levar em consideração fatores externos aos que normalmente são explicitadas na escola. De forma que os conhecimentos, conceitos e procedimentos matemáticos possam ser compreendidos em suas dimensões culturais, políticas, históricas e axiológicas. Sabe-se, porém, que algumas profissões, como a de pedreiro, exigem habilidades matemáticas que muitas vezes não são ensinadas nas escolas. Essas habilidades podem ser analisadas e utilizadas pelo professor, para demonstrar aos alunos a importância da Matemática no cotidiano das várias profissões, levando-os a relacionar a Matemática escolar -conteúdos - com a Matemática do dia a dia - prática.

O cotidiano das pessoas está repleto de situações que envolvem habilidades matemáticas, nas quais os indivíduos utilizam instrumentos materiais e intelectuais que são próprios de sua cultura, apreendidos nas escolas, no ambiente familiar, no ambiente do trabalho. Esta cultura está relacionada a conhecimentos presentes nas práticas cotidianas, e é citada nos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais como um dos possíveis caminhos para o ensino de Matemática (2000).

No ramo da construção civil pode-se afirmar que todos os processos de construção de uma obra, necessitam de cálculos matemáticos para serem realizados, em especial geométricos. A matemática está presente desde a elaboração da planta, até o acabamento da obra.

No entanto, para muitos a profissão de pedreiro se enquadra em um grupo de menos prestígio social. Sabe-se que nem sempre é assim, pois evidentemente existem profissionais da área que tem formação acadêmica e estão atentos às atualizações que a profissão exige.

Pelo nível social e cultural que "dizemos" ter o pedreiro, sua base escolar pode ter sido insuficiente. Porém para desenvolver a prática de sua profissão é preciso embasamento matemático para a realização das atividades do dia-a-dia (FREITAS, 2015).

Diante do exposto o presente trabalho de pesquisa tem como objetivo principal interpretar os diferentes saberes e fazeres de um pedreiro, durante o processo de construção de uma casa, através de uma leitura matemática; registrar as diferentes etapas de uma construção, elencar as ferramentas utilizadas pelos profissionais, assim como as explicações sobre seu uso e descrever os diferentes cálculos matemáticos envolvidos em cada etapa da construção.

Os dados utilizados nesta pesquisa foram obtidos a partir do acompanhamento sistemático das diferentes etapas do trabalho do pedreiro, através de uma observação direta, desde o preparo do terreno até a conclusão da obra, a fim de relacioná-los com os diferentes conteúdos de Matemática.

 

        1. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1- PERCEPÇÕES DE ETNOMATEMÁTICA

 

Para D’Ambrósio (2004), “Etnomatemática é o reconhecimento de que as ideias matemáticas, substanciadas nos processos de comparar, classificar, quantificar, medir, organizar, inferir e de concluir, são próprias da natureza humana”. Segundo esse autor, é possível encontrar elos comuns a todas as Etnomatemáticas e, com a mesma facilidade, estabelecer fatores que as distinguem e as tornem próprias e singulares. Dessa forma, a Matemática é “espontânea, própria do indivíduo” e moldada pelo “meio ambiente natural, social e cultural” em que este se insere, assim cada grupo social tem a sua matemática.

Já para Ferreira (1991) a Etnomatemática é vista como a matemática praticada por diferentes grupos culturais, sendo que cada grupo cultural produz sua própria Matemática de acordo com as suas necessidades de sobrevivência. Trata-se de uma vertente que busca identificar manifestações matemáticas nas culturas periféricas e tem como referências categorias própria de cada cultura, reconhecendo que é própria da espécie humana a satisfação de pulsões de sobrevivência e transcendência, absolutamente integradas, como numa relação simbiótica (URTON, 1997).

Em termos de pesquisa é necessário que a investigação em etnomatemática como ação pedagógica comece a ser amplamente discutida, para que possa ser imediatamente aplicada nas salas de aula. Em outras palavras, as pesquisas existentes na área sugerem várias críticas e propostas para o sistema formal e acadêmico, porém pouca investigação baseada na proposta etnomatemática tem sido realizada em sala de aula (ROSA e OREY, 2005).

Na linha investigatória da Etnomatemática como ação pedagógica, Knijnik (2001) propõe uma abordagem através da investigação das concepções, tradições e práticas matemáticas de um determinado grupo social e que possui a intenção de incorporá-las ao currículo matemático como conhecimento acadêmico. Nesta concepção, a Etnomatemática é um programa que investiga as maneiras pelas quais os grupos culturais compreendem, articulam e utilizam conceitos e práticas que podem ser identificados como práticas matemáticas.

Na atual conjuntura sócio-política da sociedade, torna-se fundamental buscar novas propostas curriculares que venham acompanhar os avanços tecnológicos, bem como reafirmar a escola como o lugar do conhecimento, do convívio e da sensibilidade, condições imprescindíveis para a constituição da cidadania. Em outras palavras, a adoção de novos instrumentos culturais leva a novos caminhos pedagógicos.

Por fim, acredita-se que a Matemática nasce sob determinadas condições econômicas, sociais e culturais, por isso cada cultura, ou mesmo subcultura, deve produzir sua própria Matemática específica, que resulta das necessidades específicas do grupo social.

 

2.2 A PROFISSÃO DE PEDREIRO

 

Do inglês Freemasonry e do francês Franc Maçonnerie, não existe consenso entres os pesquisadores quanto à origem do termo. Alguns apontam que significa que estes pedreiros (do francês: maçon) e construtores medievais, em virtude do ofício, tinham salvo-conduto das autoridades para transitarem livremente de uma região para outras, conforme as obras exigiam seu trabalho, portanto a denominação de pedreiros livres (free-masons). Outros acreditam que receberam esta denominação em razão do caráter mais especializado das suas habilidades de ofício, portanto eram profissionais livres, para diferenciá-los dos escravos que, no passado, eram a mão de obra majoritária nas edificações. Ainda, outra etimologia é apontada na palavra inglesa free stone (pedra de cantaria), aquela pedra particularmente adequada ao trabalho do entalhador (CERINOTTI, 2004).

Pesquisas mostram que assim como existem os alunos que possuem conhecimentos adquiridos fora do contexto escolar, ou seja, no cotidiano, existem também profissionais que adquiriram seus conhecimentos ao longo da vida com familiares e amigos, e que não possuem o ensino formal. O ensino formal é, segundo Brandão (2001),

De acordo com Ferreira (2004), “pedreiro é aquele que trabalha em obras de pedra e cal”. A Enciclopédia Brasileira de Consultas e Pesquisas (1980) define o pedreiro como “o operário que trabalha na construção de casas e edifícios” e tem como funções: executar trabalhos de alvenaria, assentando pedras ou tijolos de argila ou concreto em camadas superpostas e rejuntando-os e fixando-os com argamassa, para edificar muros, paredes e outras obras. Verifica as características da obra, examinando plantas e outras especificações da construção, para selecionar o material e estabelecer as operações a executar. Ao realizar suas funções, o pedreiro necessita de habilidades físicas e matemáticas. As habilidades matemáticas em geral foram ensinadas informalmente por membros da família ou amigos. Esses profissionais precisam de habilidades matemáticas, não formalmente ensinadas e por isso mesmo não reconhecida oficialmente. Eles necessitam estruturar seus conhecimentos lógico-matemáticos sem o benefício de qualquer instrução. (CARRAHER, 2003).

2.3 ENSINO ESCOLAR E ENSINO NÃO ESCOLAR

Em toda sociedade existe uma ou outra forma de educação, entretanto podemos perceber que nem toda educação é aprendida ou ensinada nas escolas. De acordo com Brandão (2001), “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante”.

A educação ensinada nas escolas é chamada de educação escolar, pois perpassa por vários momentos de aprendizagem do aluno com o professor e, tem como objetivo a aprendizagem do conteúdo didático pré-estabelecido através de um planejamento que é feito por unidade ou semanal (GADOTTI, 2005).

Para Moacir Gadotti (2005), a educação escolar possui objetivos e meios claramente definidos e tem como local de ocorrência principal, o ambiente escolar. Ela responde a uma gerência normalmente centralizada e que se organiza através de uma estrutura hierárquica, burocrática, que atua em nível nacional. Porém, existe outro tipo de educação que é chamada de educação não escolar.

Esse tipo de educação, não é aprendido nas escolas com os professore e sim, ao longo da vida de cada indivíduo. Como educação não escolar entende todas as influências que atuam de alguma maneira sobre o indivíduo, ocorrendo de modo não intencional, não sistemático e não planejado.

O fato desse processo educativo não incidir sobre o indivíduo de maneira intencional não significa que ele não tenha consequências efetivas na formação da personalidade, valores e hábitos do mesmo, mas antes que estas consequências são mais dificilmente percebidas como tais (Libâneo, 2010).Nesta perspectiva, esse processo educacional gerado pela sociedade e seus participantes forma ao longo da vida, profissionais competentes, capazes de desempenharem suas funções sem passar por um processo educacional formal, ou seja, sem passar pela escola. Brandão (2001), afirma que “as pessoas convivem umas com as outras e o saber flui, pelos atos de quem sabe-e-faz, para quem não-sabe-e-aprende”.

 

3- MATERIAL E MÉTODOS

 

Para o desenvolvimento da pesquisa optou-se por uma metodologia de Observação Direta e Estruturada, pois foi realizada em condições controladas, utilizando instrumentos estruturados. Isso exige do observador um conhecimento prévio a respeito do fenômeno para estabelecer categorias em função das quais seriam analisadas. Observação Não Participante, pois o pesquisador tomou contato com o objeto investigado sem integrar-se a ele, como espectador registrando as ocorrências que lhe interessaram. Sistemática, pois as visitas ao canteiro de obras tiveram dia e horário pré-estabelecidos para que não houvesse constrangimento por parte dos pedreiros ali presentes. Na observação ainda nos foi permitido utilizar da Técnica de Registro de Comportamento. Moraes e Mont Álvaro (2003) afirmam que gestos e posturas adotados fazem parte dos elementos de análise das atividades realizadas pelo homem, no caso o pedreiro. Na presente pesquisa foi adotado os Registros de Comportamento para investigar a postura dos pedreiros ao realizar cada etapa da construção.

Foi utilizada uma abordagem de natureza qualitativa, pois a intenção era conhecer e discutir o tema sem a preocupação única de quantificar os resultados, visto que: A pesquisa qualitativa é aquela em que os pesquisadores têm como alvo melhor compreender o comportamento e a experiência humana. Eles procuram entender o processo pelo qual as pessoas constroem significados e descrevem o que são aqueles significados. (BOGDAN E BIKLEN apud BARBOSA, 1999).

Segundo Bogdan e Biklen (apud Ludke, 1986), “a pesquisa qualitativa ou naturalista envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”.

Segundo Moreira (2011), a pesquisa realizada também é de cunho Etnográfico, pois foi realizada no contexto onde ocorreram os eventos, numa observação participativa, mesmo que indiretamente, fato que consideramos ao levantar informações acerca do quanto o conhecimento acadêmico poderia ter influenciado e/ou contribuído para o desenvolvimento das atividades dos pedreiros que li estavam sendo observados.

A pesquisa foi realizada no município de Tangará da Serra –MT e teve como objeto de pesquisa, pedreiros em um canteiro de obra situado no bairro Jardim Novo Tarumã.

 

3-RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O pedreiro é um profissional que faz uso da modelagem em boa parte de suas atividades, e segundo Biembengut (2003) modelagem “é o processo que envolve a obtenção de um modelo”. O pedreiro utiliza-se de modelos reais para executar trabalhos nas construções, reformas e reparos de casas, prédios, escolas, igrejas e obras similares, geralmente guiando-se por desenhos e esquemas ou por modelos e utilizando-se de ferramentas indispensáveis ao seu ofício, como a colher de pedreiro, o prumo, o esquadro e a trena.

Para construir uma casa, por exemplo, o pedreiro normalmente, faz os cálculos de materiais ou suas demarcações através da consulta a uma planta, isto é, consulta ao desenho ou esboço de uma casa realizado por ele de modo simples, ou mais elaborado, quando produzido por um profissional específico, o arquiteto. Neste processo o pedreiro visualiza geometricamente o novo ambiente e o processo utilizado para reduzir um desenho sem alterar a forma é denominado escala. Geralmente os pedreiros usam de uma Escala de 1:50 (a mais comum em arquitetura) cada metro no desenho corresponde a 50 m reais, ou seja: 1cm corresponde a 0,5m, ou 50cm.

 

DEMARCAÇÕES E NIVELAMENTO DO TERRENO

O nivelamento é feito através de uma mangueira transparente com água, à medida que ele vai nivelando cada canto do terreno as estacas vão sendo colocadas na posição correta, de forma que todas as linhas de nylon fiquem na mesma altura. Questionado sobre o nivelamento, chamado por ele de “bater o nível” o mesmo disse que para “bater o nível” é necessário tubo (mangueira) transparente plástico transparente, água e lápis ou outro objeto para marcar.

O comprimento do tubo plástico dependerá também da distância entre os dois pontos a serem nivelados. O mesmo não soube explicar com clareza, porém ao utilizar uma mangueira com água para nivelar o terreno o pedreiro mesmo sem saber utiliza-se de um princípio matemático denominado “princípio dos vasos comunicantes”.

Com a aplicação desses conteúdos em sala de aula o aluno poderá aprender: perceber a dimensão corporal; observar os espaços da escola; situar-se em cada um dos espaços da escola; compreender a relação entre ele (aluno) e o espaço que representa; construir a noção de proporcionalidade; representar um dos espaços da escola mediante a construção de uma maquete e planta baixa; elaborar uma legenda para leitura de mapa; perceber as mudanças na representação de uma paisagem, que correspondem a diferentes pontos de vista (projeção) para um lugar, objeto ou pessoa.

 

Figura 1: aplicação da teoria dos vasos comunicantes.

Fonte: www.mom.arq.ufmg.br

 

3.2- ESQUADREJAMENTO

 

Após o nivelamento do terreno começa uma etapa de esquadrejamento, que são as demarcações no terreno feitas pelo pedreiro, chamado “pôr no esquadro” ou ainda “gabarito”.

Isso é feito através de pedaços de madeiras com pontas afiadas que são fincadas no chão com linhas de nylon a intenção é obter ângulos de 90º e passar para o terreno as medidas no tamanhão real antes vista na planta baixa. As paredes, portas são recriadas no chão exatamente com as medidas que serão levantadas, tudo feito com linhas de nylon.

Para realizar essa etapa o pedreiro utiliza de um teorema muito conhecido na matemática, trata-se do Teorema de Pitágoras.

O Teorema de Pitágoras foi descrito na sua origem como “A área do quadrado cujo lado é a hipotenusa de um triangulo retângulo é igual à soma das áreas dos quadrados que tem como lado cada um dos catetos” (LIMA, 1991).

Ele é usado desde o início da obra, em sua demarcação inicial até o acabamento final, colocação dos pisos muitas vezes o pedreiro utiliza ângulos retos, utilizando então o Teorema de Pitágoras. Como pode ser observado na Figura 5, um ajudante fica segurando até o pedreiro dizer onde deve ser cravada, o que a princípio é dito pela experiência e sensibilidade do mesmo. Mas depois se usa o teorema de Pitágoras para ver a marcação correta da estaca C. Para ter certeza de que os fios AB e AC formam um ângulo reto, eles fazem o seguinte, por exemplo: Sobre o fio AB marcam P a 3m de A, sobre o fio AC, marcam Q a 4m de A e finalmente medem a distância PQ. Para o ângulo ser reto a medida de PQ deve ser exatamente 5m. Se por exemplo encontra-se 4,83m significa que o ângulo é agudo e deverá ser ajustado.


FIGURA 2: Utilização do Teorema de Pitágoras.

  

Fonte: Matemática Fera - blogger

 3.3 ALICERCE

 

Nessa etapa o pedreiro começa a utilizar as noções de volume e de porcentagem. Ele em geral não utiliza fórmulas prontas ou conhecimentos adquiridos na Escola, mas a Matemática do seu dia a dia.

Após efetuar as medições e construir as “caixarias” em forma de paralelepípedos, o pedreiro tem que dosar as quantidades de pedra, areia e cimento para a elaboração do concreto que será utilizado no preenchimento das mesmas. Nessa dosagem a maioria dos pedreiros utilizam como padrão a lata (20 L) e o carrinho de mão (60 L), além da porcentagem do cimento que será acrescentado ao concreto. No cálculo de volume, os pedreiros em sua maioria apenas utilizam o metro cúbico (m³), pois sabem que um metro cúbico equivale a 1000 L, que depois de transformados equivalem a 50 lata e/ou 16,5 carrinhos.

No caso do pedreiro observado foi usado carrinho como sistema de medida. Para cada traço eram 3 carrinhos de pedra (brita), 2 carrinhos de areia e um saco de cimento, essa quantidade era suficiente para o preenchimento de boa parte da caixaria do alicerce.

 

3.4 LEVANTAMENTO DA PAREDE

 

Para o pedreiro dar início ao levantamento das paredes faz-se necessário esperar em torno de 3 a 5 dias para que o concreto possa secar. Após o concreto estar totalmente seco é retirado toda a caixaria utilizada no processo. Em seguida é feita a colocação da encanação que ficará por baixo do piso da casa. Tudo é calculado de acordo com a planta levando em conta a localização de onde serão instaladas todas as torneiras, pias, vasos e caixas d’agua que funcionarão na casa.

No levantamento das paredes o pedreiro deve realizar muitos cálculos antes de dar início ao serviço. Ele precisa saber quantas lajotas de tijolo ele irá utilizar por parede, a quantidade de areia, cimento e água. Para que não seja encontrado algum erro nas paredes depois de prontas, o pedreiro utiliza um equipamento chamado de Prumo

Para realizar os cálculos sobre a quantidade de tijolos, areias, cimentos e água que serão usados nas paredes, primeiro precisa-se saber qual o modelo do tijolo será utilizado na construção e em que posição eles ficarão empilhados na parede. Embora existam programas que realizem esses cálculos com muito mais exatidão, a maioria dos pedreiros prefere fazer do jeito que eles conhecem que é muito mais certeza de não haver erros. Embora ao fazer os cálculos eles não utilizem dos procedimentos matemáticos da mesma forma em que se aprendem nas escolas, seus cálculos são 98% precisos, ou seja, uma margem de erro muito pequena. Os pedreiros já conhecem a maioria dos tipos de tijolos, areias e outros materiais que são utilizados nas construções, daí a facilidade de se realizar cálculos tão rápidos e seguros.

 

3.4 TELHADO

 

Após o levantamento de todas as paredes, o pedreiro começou a construir o telhado da casa, utilizando vigas de madeira, foi observado que o pedreiro começou a realizar alguns cálculos utilizando um equipamento chamado de trena.

O grande determinante da inclinação de um telhado é o tipo de telha a ser utilizado. As telhas podem ser de cerâmica, concreto, fibrocimento, vidro, metálicas, galvanizadas,

ecológicas (fibras naturais ou materiais reciclados) e de policarbonato. Cada uma delas tem diferentes especificações de inclinação mínima (para evitar o “retorno” de água) e máxima (para evitar que a telha “escorregue” do madeiramento). A inclinação pode ser expressa em porcentagem (%) ou graus (º) sendo a porcentagem a mais utilizada. Por exemplo, é comum ouvirmos que o telhado terá 25 % de inclinação.

A inclinação do telhado está diretamente ligada ao tipo de cobertura empregada e a atuação do vento na região. Atentando principalmente para o melhor escoamento das águas pluviais, impedindo a transmissão de umidade para o interior do imóvel.

No decorrer da construção da tesoura foi observado que os Pedreiros não utilizavam nenhum mecanismo para calcular o comprimento CH da viga onde serão colocadas as telhas, pois as mesmas eram colocadas nos seus devidos lugares e cortados já no tamanho ideal. Porém conhecendo a medida do comprimento a = 4m e a altura BH = 1,20m e por meio do teorema de Pitágoras é possível efetuar esse cálculo. Como o triângulo BCH é retângulo, tem-se que os catetos CB e BH medem 4m e 1,2m, respectivamente. Para calcular a hipotenusa CH, tem-se:

CH² = 4² + 1,2² = 16 + 1,44 = 17,44

H² = 44 então H = √ 44

Calculando a raiz quadrada, CH = 4,2 m

Vale lembrar que o ângulo de inclinação varia conforme o modelo de telha utilizada, e que esta medida já vem especificada pelo fabricante das telhas, o que facilita o projeto, e os cálculos dos pedreiros também.

 

3.5 ACABAMENTO

 

No acabamento, etapa final da construção de uma casa o pedreiro utiliza muitos conteúdos matemáticos como, por exemplo, durante a colocação dos pisos, destacamos o cálculo de áreas, a utilização de ângulos e retas; sem esquecer as quatro operações básicas, as quais estão presentes em todo o desenvolvimento da obra. Na colocação dos pisos e revestimentos cerâmicos, o pedreiro necessita efetuar cálculos de área para que o mesmo possa ter um orçamento de quantos metros de cerâmicas serão necessários para fazer o revestimento.

É necessário que estes cálculos sejam feitos também para o pedreiro saber quanto de argamassa ele irá precisar fazer para revestir determinado. Esta pode ser a etapa mais simples quando o assunto é acabamento cerâmico, pois para chegar ao resultado basta calcular a área do cômodo. É como calcular as áreas das figuras geométricas, geralmente em forma de quadrados e retângulos, então basta multiplicar o comprimento x largura. Daí o resultado já será obtido em metros ou centímetros quadrados.

Estas atividades que destacamos, podem ser aproveitadas em aulas de matemática como concretização de teorias mais significativas para o aluno. O professor, pode em parceria com outros professores e pais de alunos, realizar um projeto na escola, onde o foco seja, por exemplo, o pedreiro, e trabalhar diversos conteúdo da matemática, além dos aspectos sociais, econômicos e políticos envoltos neste contexto.

A construção de modelos matemáticos, ou seja, a abstração matemática tão cobrada, por certo, seria facilitada com a visualização de modelos reais apresentados pelos pedreiros. Os conteúdos também ganhariam novo significado, pois seriam “traduzidos” para a linguagem do pedreiro. Alguns desses cálculos poderão ser reproduzidos com a produção de pequenas maquetes construídas pelos próprios alunos, após a observação aos canteiros de obra.

O ensino de matemática na escola e aprendida no cotidiano deve contemplar o desenvolvimento de habilidades que possibilitem ao aluno adaptar-se às exigências do mundo atual em que é cada vez maior a utilização de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, bem como inserir-se nas relações sociais e culturais.

 

FIGURA 3: Tabela relação conteúdos escolares com o conhecimento do pedreiro.

MATEMÁTICA NÃO ESCOLAR

MATEMÃTICA ESCOLAR

 

 

Nivelamento do Terreno – Nesta etapa os pedreiros realizam a leitura da planta baixa para poderem “ bater o nível” do terreno.

 

Escala (Medidas e comprimentos) - usamos para representar esboço gráfico de objetos, plantas de casas, mapas, maquetes.

 

Teoria dos Vasos Comunicantes – sistema usado para calcular pressão de líquidos através de mangueiras.

 

 

 

Esquadrejamento do terreno –Etapa em que o pedreiro demarca a área que será construída chamada por eles de “ gabarito”, são feitas para garantir a obtenção de ângulos retos.

 

 

Trigonometria no Triângulo Retângulo - é o estudo sobre os triângulos que possuem um ângulo interno de 90°, chamado de ângulo reto.

 

Teorema de Pitágoras - é uma relação matemática entre os comprimentos dos lados de qualquer triângulo retângulo. 

 

 

 

Produção de argamassas – Os pedreiros produzem as argamassas que serão utilizadas nos preenchimentos do alicerce, no levantamento de paredes , no reboco e no assentamento de piso.

 

 

Sistemas de medidas – comprimento, capacidade, massa, superfície, área e volume

 

 

Levantamento de paredes – Nessa etapa os pedreiros calculam a quantidades de materiais que serão usados na construção como , tijolos , ferragens ...

 

 

Sistemas de medidas – comprimento, capacidade, massa, superfície, área e volume

 

Geometria Espacial – para calcular o tamanho dos tijolos, o “pé direito.”

 

Construção do telhado – Nesta etapa são feitos os cálculos para construção do telhado, os pedreiros calculam a inclinação do telhado.

 

Relações trigonométricas no triangulo retângulo – cálculos dos ângulos e medidas das madeiras.

 

Ângulos - Trata-se de um dos conceitos fundamentais da matemática e é objeto de estudo em Geometria.

 

 

 

Acabamento – etapa final da construção, são realizados cortes de cerâmicas e cálculos de áreas.

 

Sistemas de medidas – comprimento, capacidade, massa, superfície, área e volume

 

Teorema de Pitágoras - é uma relação matemática entre os comprimentos dos lados de qualquer triângulo retângulo

 

 

CONCLUSÃO

 

Esta pesquisa procurou demonstrar, através de algumas etapas da construção, os vários conteúdos matemáticos envolvidos nas mesmas. Além de mostrar o conhecimento empírico do pedreiro sobre uma matemática simples e prática, desenvolvida no seu dia-a-dia, a qual pode ser utilizada de modo a ser teorizada perfazendo um caminho do real para o teórico. Portanto a pesquisa realizada torna-se importante e de grande relevância por possibilitar uma visão mais ampla das aplicações dos conteúdos matemáticos.

Foi observado que a matemática está presente em todo o processo de trabalho do pedreiro. Desde à sua contratação, pois o mesmo precisa negociar valores referente a sua contratação até a conclusão da obra. Embora não disponha de muito conhecimento formal, este profissional apresentou um excelente potencial matemático que o leva a realizar desde os cálculos mais simples aos mais complexos.

Neste sentido o professor de matemática pode encontrar no profissional em questão, motivo para estudos em sala de aula. O professor poderá explorar os conhecimentos destacados nestes estudos e outros que o pedreiro faz no dia- a- dia. Estes estudos poderão envolver além da própria matemática, outras disciplinas como história, língua portuguesa, física e também os temas transversais. Assim, as atividades desenvolvidas pelo pedreiro podem se constituir numa excelente fonte de estudos para o ensino formal. Para o desenvolvimento destes estudos, o professor poderá proporcionar aos alunos um contato mais direto com os sujeitos envolvidos na pesquisa, procurando observar principalmente o momento em que os pedreiros fazem o uso dos cálculos matemáticos.

Com este trabalho observa-se que é possível a realização de aulas diferentes a partir do conhecimento de profissionais que muitas vezes não tiveram acesso ao conhecimento formal, mas que utiliza, em suas práticas do dia a dia muitos conhecimentos matemáticos e também possui conhecimentos que não são abordados em salas de aula.

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