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UM OLHAR DO BRINQUEDO NUMA PERSPECTIVA VIGOTSKIANA

                                                                                                                                                                                                                                                        Eliene Barros Andrade de Lima 1

                                                                                                                                   

RESUMO:

Este artigo traz uma visão do brinquedo na perspectiva vigotskiana na tentativa de facilitar a compreensão de educadores sobre a importância do brincar para o desenvolvimento infantil, já que ela desenvolve as funções psicológicas superiores e é uma atividade que possibilita a criação da zona do desenvolvimento proximal permitindo que a criança construa novos saberes estabelecidos pela aprendizagem escolar.

PALAVRAS – CHAVE: Vygotsky. Brinquedo. Zona de desenvolvimento proximal.

Abstract::

This article brings a vision of the toy in Vigotskiana perspective in an attempt to facilitate understanding of educators about the importance of play for children's development, as it develops the higher psychological functions and is a activity that enables the creation of the zone of proximal development by allowing the child to construct new knowledge established by school learning.

Keywords: Vygotsky. Toy. Zone of proximal development.

1 INTRODUÇÃO :

    Este artigo visa demonstrar a importância que Vygotsky atribuiu ao brinquedo, mas para isso precisamos conhecer um pouco sobre sua biografia para esclarecer algumas das suas ideias e pensamentos. Vygotsky demonstra como o brincar pode ser uma prática eficaz na sala de aula, pois ela é uma atividade que possibilita criação da zona de desenvolvimento proximal da criança provendo uma aprendizagem mais espontânea.
Ainda hoje as teorias de Vygotsky causam suntuoso impacto nos pontos latentes e polêmicos no campo cientifico. Ele viveu apenas 37 anos e seus escritos foram elaborados há aproximadamente sessenta e cinco anos. Chegou a elaborar cerca de 200 estudos científicos abordando diversos assuntos, tornando-se um estudioso interdisciplinar, porém o seu enfoque comum era dado ao individuo na situação cultural em que se desenvolve. “Assim seu percurso acadêmico foi marcado pela interdisciplinaridade já que transitou por diversos assuntos, desde artes, literatura, lingüística, antropologia, cultura, ciências sociais, psicologia, filosofia e posteriormente, até medicina” (REGO, 1995, p.22.).
Vygotsky morreu muito cedo de tuberculose, sua doença o deixou bastante debilitado e por este motivo algumas de suas idéias foram ditadas por ele e transcritas por outra pessoa. Muitas de suas idéias também foram transcritas de suas palestras e aulas e até mesmo de algumas redações não muito claras.
Vygotsky começou a se interessar pela psicologia acadêmica a partir do seu contato no trabalho de formação de professores e com crianças com deficientes. Ele procurava identificar mudanças no comportamento humano durante o seu desenvolvimento relacionado a um contexto cultural. Geralmente recorria à infância para poder explicar o comportamento humano, pois segundo ele, a criança reside no fato de ela estar no centro da pré-história do desenvolvimento cultural. “Ele foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa” (COLE & SCRIBNER, 1984, p.7). Sua ousadia era imensurável para sua época, ele ambicionava construir uma nova psicologia que sintetizasse as teorias da ciências natural e a ciências mental, ou seja, tentou unir a filosofia empirista a filosofia idealista. Segundo (COLE & SCRIBNER, 1984, p.6), essa nova abordagem deveria incluir:
(...) a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função: a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que apresentava ser o mesmo comportamento; e, de forma importante, deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento e comportamento.

Mas não era apenas Vygotsky que continha toda esta ousadia, pois para esta tarefa ele contou com alguns colaboradores como: Alexander Ramanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979) que aprofundavam suas propostas. Ele foi também contemporâneo do suíço Jean Piaget, chegou até mesmo a escrever o prefácio para edição russa de dois livros de Piaget. Nesta mesma época fez críticas às teses defendidas por Piaget.

Algumas das principais ideias de Vygotsky

Vygotsky elaborou o seu programa de pesquisa na teoria histórico-cultural que atualmente é mais conhecida como abordagem sócio interacionista, cujo objetivo era “caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um individuo” (VYGOTSKY, 1984, p.21). Ele se dedicou ao estudo das funções psicológicas superiores, que são as mais sofisticadas e complexas. 
Oliveira (1997) explica que as funções psicológicas superiores são de origem sócio-cultural e emergem de processos psicológicos elementares, de origem biológica (estruturas orgânicas), ou seja, segundo ela, a complexidade da estrutura humana deriva do processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas relações entre história individual e social. O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerada “superior”.
Vygotsky acredita que é através do processo da mediação que se desenvolvem as funções psicológicas superiores. Ele distingue dois elementos responsáveis por essa mediação: o instrumento e o signo. O instrumento é quem regula as ações sobre os objetos e o signo regula as ações sobre o psiquismo humano, pois através do signo o homem pode controlar voluntariamente suas atividades psicológicas ampliando sua capacidade de atenção, memória e acúmulo de informações, como por exemplo, amarrar um barbante no dedo para lembrar de algo importante.
Será citado neste trabalho duas das grandes idéias de Vygotsky. A primeira é a da função biológico-social, que consiste na relação individuo/sociedade, ele afirma que as características humanas não são inatas e nem resultado de pressões do meio externo, mas são decorrentes da interação dialética do homem e seu meio sócio-cultural. Ao mesmo tempo em que o homem modifica o seu ambiente, ele é modificado pelo mesmo. 
Outra de suas idéias se relaciona às funções psíquicas que se originam nas relações do indivíduo e seu contexto cultural e social.

A cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá através da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações (REGO, 1995, p.42).

Vygotsky dedicou uma atenção especial para a linguagem, pois através dela é possível designar os objetos do mundo exterior mesmo quando eles não estão presentes. È também através da linguagem que o indivíduo pode analisar, abstrair e generalizar as características dos objetos e situações presentes na realidade. E não podemos esquecer que a linguagem tem a função da comunicação que garante a troca de informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história.
Mas, por que falar de linguagem quando nos referíamos aos responsáveis pela mediação que desenvolvem as funções psicológicas superiores?
Porque a linguagem é um sistema de signos que possibilita o intercâmbio social entre indivíduos que compartilham desse sistema de representação da realidade.

Desse modo, os sistemas simbólicos (entendidos como sistemas de representação da realidade), especialmente a linguagem, funcionam como elementos mediadores que permitem a comunicação entre, os indivíduos, o estabelecimento de significados compartilhados por determinado grupo, a percepção e interpretação dos objetivos, eventos e situações do mundo circundante (REGO, p.55, 1995).

A linguagem serve tanto para expressar o pensamento da criança como para organizar esse pensamento, ela permite à criança a interagir.
Vygotsky atribui grande importância ao papel da interação social no desenvolvimento do ser humano, esta é a razão do seu interesse no estudo da infância. Ele acreditava que para a criança se desenvolver dependia de um processo de maturação do organismo como um todo, pois “a mente dela contém todos os estágios do futuro desenvolvimento intelectual: eles existem já na sua forma completa, esperando o momento adequado para emergir” (VYGOTSKY, 1998, p.32). Entretanto, para ele a maturação biológica não é o fator principal no desenvolvimento das formas complexas do comportamento humano. Ele chama atenção para a ação recíproca existente entre o organismo e o meio e atribui especial importância ao fator humano presente no ambiente. A história do comportamento da criança nasce entrelaçada dos processos elementares, que são de origem biológica e das funções psicológicas superiores de origem sócio-cultural. Desde que nasce, a criança está em constante interação com adultos que medeiam a sua relação com o mundo. “Os adultos transmitem sua cultura para as crianças, atribuindo significado às condutas e aos objetos culturais que se formaram ao longo da história” (REGO, p.59, 1995). 
A partir do momento que a criança entra em contato com o mundo e sua rede social aumenta, ela começa a interagir não só com adultos como também com outras crianças, essas interações serão fatores contribuintes para a formação dos processos psicológicos mais complexos.
Para Vygotsky o desenvolvimento do sujeito se dá a partir de interações com o meio social em que vive, logo que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social. “Assim, o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro (outras pessoas do grupo cultural), que indica, delimita e atribui significados à realidade” (REGO, 1995, p.61).

O brinquedo

Uma característica importante das obras de Vygotsky é a diversidade de assuntos abordados por ele, dentre esses assuntos destacaremos aqui a questão do “brinquedo”. Vygotsky empregou este termo num sentido amplo, pois se refere ao ato de brincar.
É preciso também mencionar que, apesar de fazer referência a outros vários tipos de brincadeira, Vygotsky privilegia a brincadeira de faz-de-conta na discussão sobre o papel do brinquedo. “A brincadeira de faz-de-conta estudada por Vygotsky corresponde ao jogo simbólico estudado por Piaget” (OLIVEIRA, 1997, p.66). A atividade de faz-de-conta é uma brincadeira característica de crianças na fase pré-escolar. 
A brincadeira não é predominante da infância, ela é um processo secundário, mas exerce grande influência no desenvolvimento infantil. Nem sempre ela traz prazer para a criança, por exemplo, se o brinquedo não estiver adequado à idade dela, ela não verá o resultado de maneira interessante e assim não sentirá prazer. Um outro exemplo que podemos constatar essa afirmação é quando observamos os jogos esportivos. Quando os resultados desses jogos são desfavoráveis para a criança ela não sentirá prazer. Então não podemos classificar o brinquedo como uma atividade prazerosa para a criança, mas sim uma atividade que preenche suas necessidades, pois segundo Vygotsky ela é uma forte motivadora da ação. Não podemos ignorar estas necessidades da criança, já que para entender o estágio de desenvolvimento em que ela se encontra precisamos acompanhar as mudanças de motivações, tendências e incentivos que ocorrem nestes avanços.
 Através da brincadeira, a criança também desenvolve suas funções psicológicas superiores, uma vez que ela aprenderá a atuar numa esfera cognitiva. A criança passa a utilizar materiais que servirão para representar uma realidade ausente, ou seja, ela será capaz de pensar em objetos ausentes, planejar ações a serem realizadas funções essas exercidas pelos processos mentais superiores. “O pensamento que antes era determinado pelos objetos do exterior passa a ser regido pelas idéias” (REGO,1995,p.81).
O brinquedo não ocupa a maior parte do tempo na vida da criança na fase pré-escolar, mas ele, com certeza, acarreta mudanças no desenvolvimento psíquico dela preparando-a para atingir mais um elevado nível de desenvolvimento. Leontiev (2001) chamou de “atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento”. O grande desafio proposto pelo brinquedo e pelas atividades principais é “compreender, a partir da origem e do desenvolvimento do próprio brinquedo, as conexões psíquicas que aparecem e são formadas na criança durante o período em que essa é a atividade principal” (VYGOTSKY, 2001, p.122).
“A ação do homem é motivada por complexas necessidades” (REGO,1995, p.45), e assim também acontece com as crianças, elas têm necessidades que precisam ser supridas, e é brincando que ela age em relação ao mundo dos objetos e em relação ao mundo mais amplo dos adultos. 
Segundo Vygotsky (1998), “o intervalo entre um desejo e sua satisfação é extremamente curto”, já que nenhuma criança pequena pensa em realizar suas atividades para adquirir resultados a médio e longo prazo. O que acontece é que nem todos os desejos da criança são realizáveis e é aí que entra o brinquedo, para experimentar as tendências irrealizáveis. Quando esses desejos que surgem na criança não podem ser realizados imediatamente e a criança não os esquece, acontece uma mudança no comportamento delas e para solucionar este problema elas entram no mundo ilusório e imaginário, pois somente assim elas poderão realizar seus desejos irrealizáveis no brinquedo.
Crianças muito pequenas não entram no mundo ilusório, pois a imaginação é um processo psicológico de atividade consciente que não está presente em determinadas idades, por isso dizemos que a brincadeira de faz-de-conta é característica em crianças em fase pré-escolar.
Esta função de consciência surge da ação. A brincadeira consiste no fazer, ou seja, no conteúdo da própria ação. “Toda ação tem um objetivo consciente para o qual ela se dirige” (VYGOTSKY, 2001, p.125). Por exemplo, uma criança que deseja montar um cavalo, mas não sabe como o fazer e ainda não está apta para aprender fazê-lo. Ela substitui um objeto acessível a ela pelo cavalo de verdade em suas brincadeiras. Entretanto é necessário chamar a atenção para a ação real da brincadeira, pois para a criança aquilo reproduz exatamente o que um adulto estaria fazendo em um cavalo de verdade.

O conteúdo do processo da brincadeira apresentado pela analise psicológica, aquilo que chamamos ação, é assim a ação real para a criança, que a tira da vida real. Assim sendo, ela não é nunca enquadrada arbitrariamente; ela não é fantástica. O que a distingui de uma ação que não constitui uma brincadeira é apenas sua motivação, i.e., a ação lúdica é psicologicamente independente de seu resultado objetivo, porque sua motivação não reside nesse resultado (VYGOTSKY, 2001, p.126).

A criança que brincava de montar no cavalo utilizou uma vara para representar o cavalo, na brincadeira este objeto continuará sendo uma vara para criança, pois ela conhece suas propriedades e o seu possível modo de uso. Isto é que forma o significado da vara. A vara adquire sentido de um cavalo pra a criança (sentido lúdico). “A ruptura entre o sentido e o significado de um objeto no brinquedo não é dada antecipadamente, como um pré-requisito da brincadeira, mas surge realmente no próprio processo de brincar” (VYGOTSKY, 2001, p.128).  Esta relação entre significado real e o sentido do brinquedo acontece de uma só vez, ela ocorre de forma dinâmica e móvel. É muito difícil para a criança separar o pensamento dos objetos. O brinquedo fornece um estágio de transição nessa direção sempre que um objeto (um cabo de vassoura, por exemplo) torna-se um pivô dessa separação (no caso, a separação entre o significado “cavalo” de um cavalo real) (VYGOTSKY, 1998, p.128).
O brinquedo e a fantasia estão normalmente associados por relações recíprocas, sua própria ação é uma representação. 
O que mais nos chama atenção na brincadeira de crianças é justamente a ação imaginária em que ela se envolve, é o papel lúdico que ela desenvolve.

(...) o brinquedo também evolui de uma situação inicial onde o papel e a situação inicial onde o papel e a situação imaginária são explícitos e a regra é latente, pra uma situação em que a regra torna-se explicita e a situação imaginaria e o papel, latentes (ELKONIN apud VYGOTSKY, 2001, p.133). 

Pesquisas mostram que toda situação imaginária contém regras, pois os jogos com regras, que surgem em um estágio superior ao pré-escolar, passa a existir a partir das brincadeiras de papéis na situação imaginária. É principalmente nessas brincadeiras de faz-de-conta que a criança se submete às regras de comportamento condizentes com aquilo que está sendo representado.
Como afirma Vygotsky (1998), não existe brinquedos sem regras, pois a situação imaginária de qualquer forma de brinquedo contém regras de comportamento, mesmo quando elas não estão claramente estabelecidas. Quando as crianças decidem brincar de casinha elas assumem diferentes funções e essas funções fazem com que elas se submetam as regras de comportamento que serão exibidas no decorrer da brincadeira.
O que distingue o brinquedo são as diferentes ações referentes a outras pessoas e que se torna a coisa principal. Ao desenvolver uma situação imaginária consequentemente há uma situação de relações humanas nela desenvolvida. Essas regras precisam ser respeitadas, pois, caso contrário, as crianças não aceitarão brincar. Nessa brincadeira a criança vivencia o que passa despercebido na vida real, tornando uma regra de comportamento numa brincadeira. “(...) jogos puros com regras são, essencialmente, jogos com situações imaginárias. Da mesma forma que uma situação imaginária tem que conter regras de comportamento (...)” (VYGOTSKY, 1998, p.125) 
Segundo Leontiev (2001), o desenvolvimento de jogos imaginários que envolvem mais de uma pessoa, que envolve relações sociais, cujo elemento mais importante é a subordinação do comportamento da criança durante a brincadeira a certas regras conhecidas de ação, é uma importante precondição para o surgimento da consciência do princípio da própria regra do brinquedo e é sobre esta base que surgem também os “jogos com regras”.
Ao dominar as regras, por exemplo, a criança está dominando o seu comportamento, aprendendo a subordinar-se a um propósito definido. Para Vygotsky (1998) “a ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação”. Esse é um dos motivos que justificam porque que a psicologia tem tanto interesse no tema brincadeira, uma vez que traços extremamente importantes da personalidade da criança são desenvolvidos durante as brincadeiras.

O brinquedo e a zona de desenvolvimento proximal

Numa experiência como coordenadora, observei que várias professoras não tinham uma prática lúdica em sala de aula. Ao investigar o porquê desta ausência do brincar me deparei com argumentos como: “eu não sei brincar” ou “quando brincamos com essas crianças, elas ficam muito agitadas, por isso é melhor deixar na sala sem recreio”. As professoras acham que brincar é perda de tempo ou um modismo sem importância, mas o que acontece é que elas ainda não compreendem o valor do brincar no desenvolvimento das crianças, pois, senão, tenho certeza, que investiriam mais nesta prática. 
Vygotsky defendia o caráter antecipatório e preparatório dos brinquedos para vida real. O brincar do dia-a-dia das crianças é algo que se destaca como essencial para seu desenvolvimento e aprendizagem. Para ele, o desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida do indivíduo. “O aprendizado é considerado, assim, um aspecto necessário e fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores” (REGO, 1995, p.71). Para Vygotsky a brincadeira proporciona alterações das estruturas mentais, pois elas criam, representam e reproduzem muito mais do que ela vê. No brinquedo ela constrói novos saberes estabelecidos pela aprendizagem escolar.
Mas ao fazer menção ao aprendizado, não nos referimos apenas ao ensino sistemático, pois desde muito pequenas as crianças interagem com o meio físico e social realizando uma série de aprendizados e consequentemente alargando os horizontes da zona de desenvolvimento proximal. No brinquedo também se cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. Mas o que é zona de desenvolvimento proximal?
Segundo Vygotsky existem dois níveis de desenvolvimento:

  1. Desenvolvimento real: se refere às conquistas já concretizadas na criança, são as competências que a criança já domina, são capacidades adquiridas que ela consegue realizar sozinha sem a ajuda ou intervenção de alguém.
  2. Desenvolvimento potencial: é aquilo que a criança sabe fazer, porém necessita de ajuda de outra pessoa, são capacidades em via de serem construídas.

A distância do que a criança sabe fazer (nível de desenvolvimento real) e do que ela faz com ajuda de alguém (nível de desenvolvimento potencial) Vygotsky deu o nome de “zona de desenvolvimento proximal”. Essa zona “define aquelas funções que ainda não amadureceram que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentes em estado rudimentar. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1998, p.113).

Através da consideração da zona de desenvolvimento proximal, é possível verificar não somente os ciclos já completados, como também os que estão em via de formação, o que permite o delineamento da competência da criança e de suas futuras conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que auxiliem nesse processo (REGO, 1995, p.74).

A brincadeira desempenha um papel de grande importância para o desenvolvimento infantil, pois brincando a criança se comporta de maneira mais avançada do que nas suas atividades da vida real, essa é uma forma de observarmos como o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal. "Por ser uma ação iniciada e mantida pela criança, a brincadeira possibilita a busca de meios de ação, pela exploração, ainda que desordenada, e exerce papel fundamental na construção do saber-fazer" (Kishimoto, 2002. p.146).
A brincadeira de faz-de-conta é uma grande aliada na criação da zona de desenvolvimento proximal, pois como já foi discorrido antes, ela permite que a criança aja em um cenário representando um papel específico de acordo com as regras de sua cultura. É visível que mesmo existindo a diferença entre o comportamento na vida real e o comportamento na brincadeira, quando a criança atua no mundo imaginário ela cria uma zona de desenvolvimento proximal. O brinquedo pode instalar situações imaginárias e sujeição a certas regras de conduta.
Para Leontiev na atividade o objeto é transformado em forma subjetiva ou imagem, ao mesmo tempo, a atividade é convertida em resultado objetivo ou produto. Ele definia atividade como o processo de transformação científica entre:

Sujeito  Atividade  Objeto

Ou seja, as atividades são compostas por ações independentes, elas são uma espécie de contexto sócio-cultural definido. Neste contexto, entram os brinquedos e os jogos, outros domínios da atividade infantil que têm relações com o desenvolvimento. Dessa forma, o brinquedo fornece uma situação de transição entre a ação da criança com objetos concretos e suas ações com significados, preparando-a para uma nova etapa de seu desenvolvimento.
Segundo Vygotsky, o nível de desenvolvimento mental de um aluno não pode ser determinado apenas pelo que consegue produzir de forma independente, é necessário conhecer o que consegue realizar, muito embora ainda necessite do auxílio de outras pessoas para fazê-lo. Pensando assim, se o professor interagir com a criança através da brincadeira em função dos esquemas de conhecimento sobre a tarefa a ser realizada, no futuro, esta criança agirá com autonomia, sem mais precisar da assistência de um adulto.
Portanto, a brincadeira pode ser utilizada como prática pedagógica para facilitar a aprendizagem da criança, pois ela permite criar a ZDP, que é um traço essencial à aprendizagem.
Mas é preciso estar atento às atividades indicadas, pois elas devem estar dentro de certos limites, uma vez que algumas tarefas, mesmo com a interferência de outras pessoas, a criança não é capaz de fazer. Segundo Vygotsky, se as crianças fazem da brincadeira um exercício de ser o que ainda não é, a escola, que se limita ao que elas já sabem, é inútil.
É preciso que a escola esteja em harmonia com o nível retrospectivo e prospectivo do desenvolvimento de seus alunos, revendo os estágios ainda não conquistados por eles, a fim de oportunizar aprendizagens significativas, podendo utilizar o brinquedo como aliado para proporcionar um ensino envolvente, constituindo-se efetivamente em um contexto de desenvolvimento humano. 
Porém uma advertência precisa ser feita, o brinquedo não pode ser utilizado como material didático e nem ser vinculado aos objetivos didáticos, pois segundo Fontana e Cruz (1997), “quando ele perde sua dimensão lúdica, esvazia-se: a criança explora rapidamente o material. Isso se dá quando, em vez de aprender brincando, a criança é levada a usar o brinquedo para aprender”.

Considerações finais

Em sua curta vida Vygotsky foi autor de obras muito importantes. Ele se dedicou ao estudo das funções psicológicas superiores tipicamente humanas. Vygotsky acreditava que é através do processo da mediação que se desenvolvem as funções psicológicas superiores. Ele distingue dois elementos responsáveis por essa mediação: o instrumento e o signo.
A brincadeira também tem grande contribuição no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Ela não é predominante da infância, mesmo porque não ocupa a maior parte do tempo na vida da criança na fase pré-escolar, mas é sim um processo secundário que exerce grande influência no desenvolvimento infantil.
Para Vygotsky, o ser humano tem grande capacidade de utilizar instrumentos simbólicos para complementar nossa atividade, que tem bases biológicas. Segundo ele, as formas tipicamente humanas de pensar surgem, por exemplo, quando uma criança pega um cabo de vassoura e o transforma em um cavalo, ou em um fuzil, ou em uma árvore... 
Afinado com a ideologia marxista do materialismo histórico-dialético, Vygotsky tinha um interesse especial pelas questões da educação, particularmente da instrução escolar. Assim sendo, sua teoria vem crescendo cada vez mais nesta área. Um conceito que tem sido especialmente usado nas experiências educacionais inspiradas em Vygotsky é o da zona de desenvolvimento proximal. 
O brinquedo é um dos elementos que cria uma zona de desenvolvimento proximal, já que, a criança é levada a agir num mundo imaginário, onde a situação é definida pelo significado da brincadeira e não pelos elementos reais presentes. O brinquedo é também uma atividade rígida de regras e são justamente estas que fazem com que a criança se comporte de forma mais avançada que aquela habitual para sua idade.
A brincadeira tem uma importância fundamental o processo de ensino/aprendizagem, pois favorece a construção da reflexão, da autonomia e ainda da criatividade. O que consequentemente contribuirá para sua afirmação pessoal e integração social. 

Referências Bibliográficas

COLE, M & SCRIBNER, S. “Introdução”. In: Vygotsky, L.S. A formação social da mente. São Paulo,Martins Fontes, 1984.

FONTANA, R. R. A. & CRUZ, N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.

KISHIMOTO, Tisuko Morchida (org.). O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

OLIVEIRA, Marta Kohl de, Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: editora Scipione, 1997. 

REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 9 ed. RJ: Vozes, 1997.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6 ed. São Paulo, Martins Fontes,1998.

VYGOTSKY, Leontiev, Luria. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. SP, Icone, 2001.