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A IMPORTÂNCIA DO ESPORTE NO PROCESSO SOCIALIZADOR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Jackson Luiz Gomes Ribeiro

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Resumo

 

O presente artigo intitulado “A importância do esporte no processo socializador de crianças e adolescentes” vem discutir a respeito da relação entre esporte e socialização. Dando enfâse no texto a importância do esporte no processo de socialização de crianças e adolescentes. Abordando assuntos como o esporte de rendimento, o esporte educação e destacando os mais diversos agentes de socialização como: a família, a escola, os amigos, a mídia, entre outros. Concluindo que para que o esporte socializador atinja seus fins, ele deve contribuir socialmente para a aprendizagem de valores, normas, comportamentos, atitudes e de habilidades sociais e não um mero espaço de lazer onde se pratique determinada atividade desportiva sem fins pedagógicos e com caráter especificamente competitivo e de rendimento, de modo, que esse indivíduo participante se sinta integrado e parte de uma sociedade, por meio da educação pelo esporte.

 

Palavras Chave: Esporte, socialização. Educação pelo esporte.

 

DESENVOLVIMENTO

 

          O ser humano em sua essência, desde os primórdios da civilização sempre foi um “ser social” que construía suas relações, seja com seus entes por meio das relações de parentesco, ou de suas interações sociais com o meio que o rodeava, através da convivência, da troca de experiências e do relacionamento com os demais.

          A socialização pode ser descrita, como um processo no qual uma pessoa, ao passo que se apropria do social, através da obtenção de princípios, crenças, símbolos, preceitos e concepções as dissemina dentro de uma cultura. Essas aquisições se diferem no decorrer do percurso cultural, podendo influenciar na maneira de organização e de disseminação dessa cultura. Todo e qualquer processo de socialização caracterizado pela aquisição e disseminação de conhecimento, deve ser baseado na manifestação de determinados preceitos amplamente consolidados, que podem ser fortalecidos ou enfraquecidos, dependendo das interações que o ser humano venha a ter durante essa caminhada.

          A palavra esporte segundo o dicionário Michaelis (2011), tem por significado: “Passatempo, divertimento. Prática metódica de exercícios físicos, que consistem geralmente em jogos competitivos entre pessoas, ou grupos de pessoas, organizados em partidas”. Percebe-se, portanto que o esporte também possui sua dimensão lúdica, que é denominada como esporte participação, em que o praticante o faz na busca por lazer, descontração e diversão, estando nesta perspectiva presentes também “o desenvolvimento pessoal e as relações entre pessoas” (TUBINO, 2001, p. 38).

          Há também o entendimento da prática esportiva sob outros aspectos, partindo sempre do objetivo da prática para realizar tal classificação. Assim temos o esporte performance que trata justamente do alto rendimento esportivo e tem como principal foco os resultados e conquistas, com vistas sempre à vitória.

          O esporte educação que possibilita aos estudantes uma prática esportiva democrática, coeducativa e preocupada não só com os resultados esportivos em termos de rendimento e vitória, mais sim, com a socialização, com a capacidade de trabalho em equipe, de respeito às capacidades individuais de cada um. Com a possibilidade de transformação de realidades através do esporte e de transformações do esporte a partir da realidade vivida, configurando-se assim no uso do esporte como meio para um processo educativo (DARIDO, 2011).

          Hoje a preocupação com o tempo livre da criança e do adolescente por partes dos pais é constante. Eles buscam nas mais diversas atividades, seja dentro ou fora do ambiente escolar, afastar seus filhos das mais diversas mazelas existentes na sociedade, como drogas, álcool, prostituição, crime, entre outros. Essas mazelas tem se destacado como um dos mais graves obstáculos frente aos valores resultantes do processo de socialização, talvez, por isso que o esporte venha sempre sendo pensado como um instrumento e uma alternativa cada vez mais comum, para esses fins educacionais. Pois apresenta em sua constituição uma tendência disciplinadora, dissipadora de emoções e controladora de gestos e movimentos. Além disso, tem um apelo próprio, causa paixões e a sua prática é bem aceita tanto pelos jovens quanto por suas famílias.

          Antigamente, a criança aprendia os valores e costumes que levaria para sua vida futura, no contato direto com os adultos, na medida em que os ajudava em suas tarefas diárias e rotineiras, na convivência com seus entes familiares e por fim com a sociedade que a cercava. Não existia uma separação, como existe nos dias atuais, entre infância e a fase adulta.

          A família por sua vez, por ser um grupo primário na convivência da criança e do adolescente, acabava por ser o ambiente onde ocorria há existência de vínculos mais fortes e duradouros. Normalmente sendo a responsável pelo primeiro contato da criança com o mundo e por isso tão importante para a sua adequada formação social e para sua introdução dentro da sociedade; garantindo assim, a interiorização de valores e comportamentos vigentes.

          No entanto, ao passo que a criança vai se desenvolvendo e crescendo, ela começa a conviver com outras pessoas de fora do meio familiar, e com outros grupos sociais, que com o tempo exercerão influência no seu processo de socialização por meio de padrões e valores próprios, como a escola, os amigos, a mídia, dentre outros.

          O grupo de pares, ou seja, indivíduos da mesma faixa etária que na maioria das vezes formam um círculo de amizade com a criança, nos quais, a criança consegue se identificar como fazendo parte dele, faz com que o processo de socialização ocorra por meio da integração e do convívio frequente entre eles. As experiências com os companheiros da mesma faixa etária de idade são bem diferentes das vividas com as pessoas mais velhas, no caso os adultos, principalmente por serem mais igualitárias.

          O contato da criança com o seu grupo de pares é de suma importância para a aprendizagem de habilidades próprias da sua idade. Como a família, os companheiros também moldam o comportamento social das outras crianças de acordo com seus valores e atitudes, podendo exercer influência relativa à autoestima e autovalorização dos seus colegas. Normalmente, o contato com os companheiros é um fértil terreno para se vivenciar a ansiedade, a satisfação e até mesmo a pressão. São tantos momentos, que o contato entre eles, vão influenciar a oposição ou a ratificação dos valores e normas de conduta que eles trazem de sua interação com os pais e com a escola.

          A escola cabe, de uma forma bem simplificada e geral, o papel de um dos seus principais agentes socializadores na vida da criança, em virtude dela ser a responsável pela transmissão de conhecimentos básicos e culturais, cruciais para a melhor integração do indivíduo na sociedade. Ela sempre foi responsabilizada pela transmissão de um saber “sagrado” e fundamental, indispensável para a manutenção da sociedade.

          Os professores de educação física em especial, por sua vez, são os responsáveis pela transmissão do conhecimento e pela manutenção, da motivação dos alunos dentro da prática esportiva. Ao falarmos da necessidade de se tratar pedagogicamente o esporte, é importante que o professor saiba fazer esse elo pedagógico/social e ao mesmo tempo competitivo que o esporte apresenta, minimizando a importância da vitória, incentivando o alcance de objetivos pessoais realistas para os educandos e de acordo com a capacidade de cada um, valorizando o esforço, a dedicação e não somente os resultados em si.

          Esses valores servirão num plano futuro para a criança de guia na interação com os companheiros e lhes ensinarão maneiras de lidar com situações que ocorrem em vários grupos etários, mas que só estando dentro deles e vivenciando suas experiências, é que se aprende como agir diante das mais diversas situações peculiares da idade.

          (MUSSEN et al, 1988) fala da importância dessas interações para o aprendizado e para o desenvolvimento da criança ao dizer que:

 

As interações com os companheiros oferecem oportunidades para aprender como controlar o comportamento social, desenvolver habilidades e interesses relevantes para a idade, e partilhar problemas e sentimentos semelhantes.” (MUSSEN et al., 1988, p.476).

  

          A mídia também apesar de controvérsias pode ser vista como uma instituição socializadora, capaz de transmitir valores e padrões de comportamentos aos indivíduos, principalmente às crianças, que na sociedade contemporânea passam grande parte do tempo sentadas diante da televisão, do computador ou dos celulares conectados à internet, do que em contato com outros indivíduos. Muito embora os valores transmitidos pela televisão possam ser tanto para o bem quanto para o mal, como em qualquer outro agente socializador, há um consenso de que a televisão opera uma gama muito mais acentuada de efeitos negativos sobre o indivíduo, do que positivos. Mas, como ressalta Mussen et al. (1988, p.433), “as crianças não são receptores passivos de estímulos que recebem da TV. Desde muito cedo fazem escolha sobre o quê, quando e como assistir com atenção”.

          Como o processo de socialização ocorre através das relações sociais entre diferentes indivíduos, uma criança não tem como aprender os modos da sua sociedade, senão em contato com os demais, é o que podemos denominar de processo interativo por meio de múltiplas negociações com os seus próximos e ao mesmo tempo na construção da identidade e da personalidade do sujeito.

          Segundo o Dicionário de Sociologia Globo, (1970), a socialização manifesta-se como sendo “o processo pelo qual o indivíduo, no sentido biológico, é integrado numa sociedade. Pela socialização o indivíduo se torna uma pessoa humana, adquirindo os hábitos que o capacitam para viver numa sociedade.

          Analisando este conceito podemos subentender que para que um indivíduo seja considerado “um ser social”, dentro de uma sociedade, ele deve primeiramente aprender padrões, valores e comportamentos que farão parte da sua essência e permearão por toda a sua vida. Onde num futuro próximo esse aprendizado o ajudará a se adaptar dentro de uma sociedade que já existia antes mesmo dele já ter nascido. Ou seja, o processo de socialização, se inicia a partir do momento em que entramos em contato com uma sociedade que já funcionava bem antes de nós.

          Constantemente ouvimos o termo socialização ser definido e descrito como uma etapa de treinamento e orientação, por meio do qual, a criança irá entender, assim como agir, tal como os membros de uma sociedade já formada e enraizada. Isso nos remete a refletir que essa etapa da vida refere-se somente, ao período antes da fase adulta, o que na verdade é um grande equívoco, visto que a socialização em todas as suas fases, permeia sua atuação pelos mais diversos momentos da vida de uma pessoa, ou seja não é um processo restrito a determinada faixa etária.

          Miranda (1984, p.131) é categórica ao defender a socialização como um processo evolutivo, no qual, a criança já nasce inserida dentro dela ao dizer que:

  

Esta, desde seu nascimento, se vê inserida numa classe social que de certa forma e, generalizando, determinará sua qualidade de ser social. Isso implica em dizer que a criança já se encontra integrada em sua sociedade antes mesmo de ter consciência que é um ser social. (MIRANDA, 1984 P.131)

  

          Já Durkheim (1978), se preocupou mais em discutir a ação exercida pelos adultos sobre as crianças, relegando-as a um plano inferior. Ele Durkheim trabalhou a educação como sinônimo de uma “socialização metódica”, exercida por uma geração já adulta, sobre uma geração nova, formada por crianças e adolescentes. Sua visão funcionalista descende do fato de que para ele a criança deveria ser preparada para exercer certas funções quando adulta, ou seja, a sociedade era tratada como um organismo no qual nascemos, crescemos e nos desenvolvemos para preencher determinadas funções sociais.

          Ao contrário da visão funcionalista de Durkheim (1978), os etnomedologistas, não consideram a criança como sendo um ser incompleto, desprovido de cultura e antissocial. Antes disso, as crianças são capazes de interpretar, de forma lógica, o mundo que as rodeiam e da qual fazem parte.

          A socialização por meio do esporte tem a intenção de aproveitá-lo como uma ferramenta educacional. Segundo Boixadós et al. (1998), o processo de socialização relacionado ao esporte, pode ser dividido em três fases:

1- Socialização para o esporte: que investiga as influências psicológicas e sociais, valores e atitudes que a família ou a equipe consideram mais importantes e que geram a atração inicial pelo esporte. A maioria das pesquisas acerca desta questão estão fundamentadas no modelo da “aprendizagem social”, que reconhece três grupos de variáveis independentes: (1) atributos pessoais, habilidades, motivação e expectativas; (2) agentes de socialização ou “outros significativos”; e (3) situações de socialização, lugar da prática. A ênfase das pesquisas se concentra nos agentes de socialização, para mostrar como eles são capazes de influenciar na atração pelo esporte, através de seu prestígio, proximidade, e poder de recompensa ou castigo. A partir dos anos de 70, as pesquisas enveredaram para as teorias baseadas no modelo de “sistema social”, no qual se distingue três elementos que interferem no processo de aprendizagem social dos indivíduos que participam do esporte, que são: (1) atributos psicológicos e pessoais, traços da personalidade, atitudes, motivação, valores, habilidades motoras, raça e gênero; (2) incentivo, apoio e prêmios que recebe dos agentes de socialização; e (3) sistemas sociais – família, grupo de pares, escola e comunidade. Esse modelo é mais amplo do que o da aprendizagem social, pois permite captar a complexidade do processo de socialização.

2 - Socialização através do esporte Grosso modo, se refere à aprendizagem de valores, atitudes e habilidades gerais – esportividade, trabalho em grupo, disciplina, agressividade, etc. – que podem ser obtidos como resultado do envolvimento pessoal no esporte. Apesar da diversidade de pesquisas com foco na tentativa de encontrar ligações entre a participação esportiva, as atitudes e os comportamentos dos participantes, elas têm, pelo menos, um ponto em comum, que é a importância dada aos agentes de socialização, posto que eles podem influenciar a qualidade da experiência esportiva e a determinação dos valores dos participantes. São influências que dependem da família, dos educadores, da estrutura organizacional, da filosofia e dos objetivos dos programas para se trabalhar com o esporte, etc.

3 - Abandono ou retirada do esporte: antes de tudo, é preciso detectar se a retirada do esporte foi voluntária ou não. São muitas razões que levam um indivíduo a praticar esporte e também para abandoná-lo. De qualquer forma, esta terceira fase se relaciona mais com aqueles indivíduos que praticam ou praticavam o esporte de rendimento, de forma competitiva, amadora ou profissional, mas com foco nos resultados.

          Não obstante, segundo (Boixadós et al, 1998), diz que o processo de socialização através do esporte não tem fim após a adolescência com a retirada ou o abandono do esporte, posto que esse processo continua existindo, por meio da transmissão de valores e atitudes aos adultos praticantes do esporte, seja na forma de exercício físico ou de lazer. Todos esses esclarecimentos tornam-se necessários para enfatizar a importância e a relevância dos agentes socializadores para a participação e manutenção de crianças e adolescentes dentro do esporte. Pois em grande parte dos caso são eles “os agentes” que apresentam o esporte. Assim como também exercem uma influência positiva, para que eles continuem frequentando e praticando as atividades. É importante também ao longo desse processo de socialização, sempre que possível ouvir as opiniões dos mesmos sobre o que pensam e sabem sobre aquela prática esportiva.

          Contudo, assim como na escola existem soluções, existem possibilidades para se executar um esporte de maneira pedagógica. Fora dos muros escolares, o esporte que se vê ofertado, é quase que majoritariamente, voltado para o alto rendimento e a alta performance. São inúmeros os locais que reproduzem todas as características do esporte institucionalizado. Muitas dessas instituições sociais desenvolvem o esporte como uma importante ferramenta para o alcance dos mais diversos fins, que aqui não será discutido, entretanto acabam por optar pelo esporte de rendimento como seu principal conteúdo.

          É evidente que não podemos generalizar todas essas práticas, pois assim fazendo, estaríamos cometendo os mesmo erros que os críticos do esporte escolar. Visto que essa seria uma visão injusta e tendenciosa das práticas esportivas que vêm se difundindo pelo Brasil, mas de qualquer forma, é verdade que a maioria não tem tido ou apresentado a preocupação de tratar pedagogicamente o esporte. As razões são as mais variadas, passando pelo próprio desconhecimento dessa forma de se trabalhar e de se desenvolver o esporte, até mesmo o de usar o esporte, senão como “salvador”, então, como “trampolim” para dar esperanças de ascensão social, por meio da descoberta de talentos esportivos e de atletas de alto rendimento.

          Aflige-me que toda a luta dos profissionais de educação física e demais pedagogos, no intuito de dar novas dimensões ao esporte, tenha surtido pouco, ou quase nenhum reflexo, fora dos muros escolares que separam as escolas.

          Ainda assim, práticas esportivas fora das escolas, a chamada educação não formal, têm tido maior liberdade de ação do que as escolares. É evidente que os problemas existentes na Educação Física escolar não serão resolvidos de um dia para o outro, muito pelo contrário, permaneceremos com a falta de profissionais de educação física, de espaços adequados para a prática das aulas de Educação Física, continuaremos com a falta de recursos materiais, entre outros problemas já recorrentes nas escolas.

          Todavia continuamos com o discurso de transformações e ressignificações que não conseguem dar conta de ecoar em todas as práticas esportivas. Acabamos acreditando nas mudanças que são possíveis e fundamentais para se ter um esporte educativo, formativo, crítico e direcionado para a cidadania, e embora permaneça quase tudo inalterado, existem pequenos focos de resistência em práticas isoladas. Encerro deixando uma indagação e uma reflexão, que por vezes, nos deixa sem uma resposta concreta, mais que se torna necessária fazer: o esporte de rendimento é realmente o grande e verdadeiro vilão dentro das práticas esportivas?

          Para responder essa e outras perguntas torna-se necessário recorrer ao estudo e as análises feitas anteriormente sobre o conceito de socialização, contudo da mesma maneira que anteriormente procuramos responder as questões acima, deixo uma nova resposta, em forma de pergunta: para que tipo de esporte fomos socializados? Ou seja, qual a concepção e quais os preceitos de esporte que nos foi apresentada. Quais seus objetivos, seu conteúdo, seus métodos de ensino? Se analisarmos que o esporte difundido atualmente pelos meios de comunicação, nas escolas e na própria formação dos profissionais de Educação Física, é mais voltado à instituição esportiva. Sem dúvida, podemos dizer que fomos socializados para um tipo específico de esporte, referendado no modelo de rendimento e alta performance.

          Isso significa dizer que o esporte difundido fora da escola, baseado nos padrões de rendimento, e o mais utilizado dentro do país atualmente, principalmente aquele praticado pelas camadas sociais mais baixas da nossa sociedade, acaba sofrendo resistência, até mesmo por parte dos alunos em virtude dessa apologia a competição exacerbada.

          As práticas esportivas de lazer praticadas em espaços públicos e populares têm reproduzido, portanto, diversos defeitos referentes ao gênero, à violência, à questão da vitória, à competição exacerbada, etc., ou seja, o mesmo foco de críticas do esporte escolar. Sendo assim, por que o esporte deve ser, então, utilizado como ferramenta dentro destas instituições? O esporte, além de ser atrativo por si só, talvez como reflexo do seu poder de atividade, vista como prazerosa por muitos de seus praticantes, tem fortes justificativas, que o caracterizam como um ótimo instrumento de formação e educação, desde que, os objetivos de sua prática lhe concedam isso. São inúmeros os benefícios que a prática esportiva pode proporcionar ao educando, dentre eles podemos citar a: oportunidade de integração, a convivência e interação com os outros colegas e com outros povos, a cooperação, dentre outros valores, que são considerados valores sociais e que podem ser socializados por meio do esporte.

          Quanto à socialização, é preciso esclarecer dois pontos antes de prosseguirmos com essa explicação: o primeiro ponto de que o esporte socializa é evidente, porém baseado em qual perspectiva de socialização? De uma socialização imposta, que não dá margem para que o educando tenha autonomia, ou de uma socialização construída interativamente na relação educando-educador e/ou educando-educando e, que abra espaços para que o indivíduo seja parte integrantes deste processo de educação.

          Já o segundo ponto é que todos os modelos de esporte, independentemente, de qual seja ele, se socializam, o de lazer, o escolar e até o de rendimento. A diferença reside em identificar para quais valores? Valores que reforcem a separação por gênero, que seja seletivo, que valorize a vitória acima de tudo e de todos, que prime pela padronização técnica, que repense sobre gestão das instituições esportivas. Creio eu deve ser aquele que estimule a convivência e a socialização entre seus participantes.

          Ressaltando que a socialização por meio do esporte, pode apresentar vários padrões distintos. Pode ser imposta, sem considerar o indivíduo como autor do processo, porém trabalhando e desenvolvendo valores sociais, vistos como positivos no esporte, ou podendo auxiliar também com os tidos como negativos. Deve ser construída, dando espaço para que o indivíduo, faça parte ativamente deste processo, entretanto centrada nos valores negativos e que mesmo assim ela pode ocorrer ainda que o indivíduo não perceba esses valores como negativos.

          Quando vamos elencar os principais pontos negativos do esporte no país, provavelmente umas das primeiras respostas, será a respeito do modelo de esporte utilizado dentro do país, que prioriza o rendimento e a alta performance, mas ele também tem os seus efeitos benéficos, possuindo inúmeros benefícios aos que o praticam. Pesquisas mostram que jovens e crianças que se engajam, desde cedo, dentro do esporte, desenvolvem entre os fatores, um senso de responsabilidade maior, seja com seus equipamentos de treinos ou com seus horários; procuram se alimentar melhor a fim de melhorar seus resultados e na busca de alcançar mais benefícios para a saúde, e muitos mudam o sentido de suas vidas deixando as ruas para se dedicarem exclusivamente ao esporte.

          Nosso objetivo aqui, não se trata de defender ou de atacar o esporte de rendimento em si, mas de argumentar e refletir a respeito da sua prática, pois, independente de toda a discussão que há sobre os mais variados temas relacionados a performance e alto rendimento, como o treinamento precoce e demais problemas referentes à exposição rígida frente as condições desumanas, ou não, de ser um atleta. Além de possíveis desvios de conduta que muitos acabam por realizar para se alcançar o êxito esportivo, a vitória e o resultado positivo. O que mais tem sido alvo de críticas por parte da sociedade e de estudiosos da área, quando se fala de esporte de rendimento como instrumento educativo, é principalmente o seu caráter seletivo e excludente, que privilegia somente, os mais habilidosos.

          O que não devemos fazer é criticar o esporte de rendimento como um bloco compacto, ou seja, como se tudo o que fizesse parte dele fosse algo extremamente prejudicial. Caso isso acontecesse, como já foi descrito e discutido anteriormente, estaríamos cometendo um grande equívoco, assim como uma terrível injustiça de generalização da prática esportiva.

          Devemos pensar no esporte como uma importante e rentável estratégia de prevenção social por meio do seu poder educativo, capaz de introduzir, de mudar e de melhorar as condutas do indivíduo que o pratica, a fim de que, este se integre com os demais indivíduos dentro de uma sociedade. Mas isso só se tornará possível se e quando as condições da sua prática estiverem voltadas para a aquisição de valores sociais educativos, de modo que não haja distorções e nem contaminações pela implementação dos princípios do esporte ditado pelas regras da instituição esportiva.

          O esporte socializador tem como objetivo a participação indiscriminada de todos os seus educandos, independente do gênero, das habilidades motoras que o mesmo possui ou não, de sua etnia ou dos resultados de vitória ou derrota ocorridos durante o jogo. O esporte socializador defende-se como uma prerrogativa; prerrogativa essa de que todo cidadão tem, de poder praticá-lo, de poder fazer parte e de ter acesso à cultura corporal de movimento.

A socialização não pode ser considerada como um elemento facultativo, mas sim como algo essencial a toda atividade esportiva, a toda política e a todo tipo de gestão que se realize no campo do esporte” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 99).

          Os autores reforçam ainda a ideia de criação de uma chamada educação social: formada por procedimentos educativos no qual, incluem duas ou três particularidades dentre aqueles que buscam fortalecer a sociabilidade, aqueles destinados a indivíduos em situação de conflito social e aqueles desenvolvidos em e por meios educativos não-escolares (ROMANS, PETRUS, TRILLA, 2003).

          No mundo contemporâneo em que estamos a educação não pode mais se dar ao luxo de se limitar ao espaço escolar. Hoje existem outros tantos espaços que trabalham com a educação social e que são considerados em separado da ação escolar, o que é um grande erro.

          Conforme reafirma (PORTO, 1987) ao dizer que a educação possui uma diversidade de espaços para a sua difusão, ocorrendo em todas as instâncias da sociedade e não somente no ambiente escolar.

 

Na verdade, a educação é um processo anterior e muito mais amplo do que aquele desenvolvido pela escola; ela se dá em todas as instâncias sociais na família, na igreja, no local de trabalho, no lazer de forma difusa ou sistemática, com vistas a transmitir às novas gerações, crenças, ideias e valores, o saber comum, os modelos de trabalho, as relações entre os membros, o modo de vida de cada sociedade ou grupo social, enfim a forma peculiar como estes entendem e materializam seu dia-a-dia (PORTO, 1987: 36).

  

          Para a mudança de paradigma da realidade da educação escolar contemporânea, ela a educação, não deve primeiramente ser tratada em separado ou como uma objeção à realidade da educação social. A educação é um processo global e que estará presente durante toda a vida do indivíduo.

          Nilda Ferreira (2001, p. 42) explica que “o homem aprende a sentir, sentindo o mundo através de seu corpo” e conclui que:

 

A formação do homem só pode ser pensada a partir de seu corpo; suas ações precedem dele. Falar em desporto significa falar deste corpo: o corpo humano. Corpo que age, pensa, decide, ama, tem necessidades reais e imaginárias, mas também desejos inimagináveis. (NILDA FERREIRA 2001, p. 42)

  

          Agregado ao fator educacional, o esporte apresenta também um caráter social e este é o fator que mais contribui na formação e para a formação do indivíduo. Por ser uma atividade prática e altamente socializadora, na qual o esforço físico adicionado à criatividade lhe proporcionam uma dimensão cultural, que faz dele um veículo de educação e, consequentemente, de inclusão social. Dentro dessa conjuntura, os projetos esportivos sociais abrangem os processos de aprendizagem e educação para a aquisição de habilidades motoras, possibilitando o desenvolvimento do ser humano nos campos pessoal, social e esportivo. Como afirma Roitman (2001, p. 149), “o desporto visa ao desenvolvimento integral do indivíduo e à sua formação para a cidadania e o lazer, e congrega os elementos necessários que lhe permitem ser um valioso instrumento pedagógico [...]”.

          Todavia, a socialização deve ser trabalhada também no tocante ao seu poder de controle social. Nos dias atuais temas como violência, marginalização, drogas, prostituição, álcool e falta de interesse por partes do jovens por questões de cunho coletivo, tem feito aumentar o agravamento do individualismo pelo pais. Durantes os mais diversos seminários, simpósios fóruns, entre outros, esses temas têm entrado em pauta e apresentando um grande apelo e representação nas discussões acerca da educação da criança e do jovem brasileiro.

          Tão discutida nesta última década a chamada ‘crise’ dos valores éticos, vem intimando o profissional da educação a refletir e criar soluções eficientes e eficazes, para reverter os quadros negativos que hoje retratam a realidade de crianças e adolescentes contemporâneos. Assim, o esporte aparece como um elemento potencialmente controlador, capaz de exercer o papel de instituição disciplinadora dentro da sociedade.

          Contudo, o esporte ainda é uma prática sociocultural e muita bem aceita pelos jovens e pelas crianças, no qual permeia o imaginário dos indivíduos de formas variadas e de acordo com o significado que cada um lhe dá. A interpretação de seus códigos sofre influências socialmente constituídas na relação do indivíduo com o seu meio, por isso a importância dada ao processo de socialização via esporte atualmente.

          Sendo assim, por que o esporte deve ser, então, utilizado como ferramenta dentro destas instituições? O esporte, além de ser atrativo por si só e ser uma atividade bem aceita pela população, talvez como reflexo do seu poder de atividade prazerosa, tem fortes argumentos que o caracterizam como excelente instrumento formativo e educacional, desde que os objetivos de sua prática lhe concedam isso.

          Especialistas frequentemente ressaltam a importância do esporte, por ser ele um excelente instrumento de socialização, por contribuir na aprendizagem de valores, normas, comportamentos e de habilidades sociais. Sendo visto hoje como uma ferramenta estratégica de prevenção social através do seu poder educativo, capaz de introduzir e de melhorar as condutas do indivíduo, a fim de que este se integre com os demais indivíduos em sua sociedade. Mas isso só se torna possível, se e quando as condições da sua prática estiverem direcionadas para a aquisição de valores sociais educativos, de maneira que não haja distorções e nem contaminações pela implementação dos princípios do esporte ditado pelas regras da instituição esportiva.

          Hoje o modelo de esporte adotado dentro do pais é classificado como esporte imposto ou o hegemônico voltado para o rendimento, quando poderia ser o construído ou o participativo voltado mais a educação. Não que o esporte competitivo não mereça o seu “lugar ao sol”, porém sua disseminação repassada pela mídia desvirtua o esporte lúdico e cooperativo.

          No entanto, deve se abster que a mera participação do indivíduo em práticas esportivas não garante, por si só, a aquisição desses valores sociais, porque isso vai depender das condições e objetivos de sua prática como falamos antes, porém o esporte serve como um importante meio para auxiliar no processo de socialização e desenvolvimento da criança.

          O esporte por seu um fenômeno enraizado e sociocultural que se modifica constantemente conforme seus tempos e espaços. Apresenta conceitos dos mais diversificados, o que lhe proporciona um caráter bastante polissêmico, visto que tem sido usado ao longo da sua história para os mais diversos objetivos, finalidades e escopos.

          É indiscutível o seu valor educativo e social, porém também não há como ignorar a sua face mercadológica e capitalista, que por diversas vezes acaba por descaracterizar os seus objetivos e a sua ação educativa. Provocando extremismos e desvios de conduta, quando sua proposta deveria ser mais direcionada a formação de valores, principalmente, quando essa ação é destinada à crianças e adolescentes.

          A partir do exposto consideramos para os fins desta pesquisa que o esporte, deve ser primeiramente instrumento de socialização entre os seus participantes, e que obedeça e tenha como características os seguintes critérios: contribuir socialmente para a aprendizagem de valores, normas, comportamentos, atitudes e de habilidades sociais e não um mero espaço de lazer onde se pratique determinada atividade desportiva sem fins pedagógicos e com caráter especificamente competitivo e de rendimento, de modo, que esse indivíduo participante se sinta integrado e parte de uma sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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