Buscar artigo ou registro:

BREVE ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE NORMA CULTA E VARIANTES LINGUÍSTICAS NO BRASIL

 

Lúcio Mussi Júnior

 

RESUMO

Frente a diversidade de variantes linguísticas observadas em nosso país, o presente estudo busca um entendimento acerca da utilização de linguagem coloquial em contraposição à norma culta da Língua Portuguesa. Destaca-se também a dificuldade em se falar sobre homogeneidade linguística em nosso país onde cada região apresenta suas variantes e comunidades isoladas ainda usam línguas nativas. Contudo, aborda-se também a questão do preconceito ainda associado a determinados sotaques. Observa-se ainda o papel das escolas e do educador no sentido de levar ao conhecimento dos alunos as variantes linguísticas existentes em nosso país de modo a estimular a valorização de todas elas por igual, estimulando a aceitação mútua e eliminando preconceitos. Para o cumprimento destes objetivos valeu-se da metodologia de revisão bibliográfica, à luz de autores como BAGNO (2008), CAGLIARI (2007), FREIRE (2007), KOCH (2007), TERRA (2008), entre outros.

 

 

Palavras-chave: Oralidade. Linguística. Norma culta. Variantes linguísticas.

 

Introdução

 

Embora ainda haja preconceito com relação à maneira como as pessoas falam, muito se evoluiu nas últimas décadas no tocante à aceitação da diversas variantes linguísticas encontradas no Brasil.

Observa-se que um país tão extenso em que as regiões apresentam tamanha diversidade cultural existem, obrigatoriamente variações na língua falada.

Busca-se, portanto, um paralelo entre a utilização da norma padrão da língua e da variações coloquiais próprias da oralidade, buscando assim o entendimento de que uma variante linguística não pode ser superior nem inferior a qualquer outra.

Neste sentido, Bagno (2008) afirma o seguinte:

 

Seria mais justo e democrático explicar ao aluno que ele pode dizer “bulacha” ou “bolacha”, mas que só pode escrever bolacha, porque é necessária uma ortografia única para toda a língua, para que todos possam ler e compreender o que está escrito (Bagno, 2008, p. 69).

 

Buscando cumprir os objetivos propostos nesta pesquisa, valeu-se do método de revisão bibliográfica, valendo-se dos estudos de autores como BAGNO (2008), CAGLIARI (2007), FREIRE (2007), KOCH (2007), TERRA (2008), entre outros.

 

Desenvolvimento

 

No início da colonização do Brasil a Língua Portuguesa acabou, de certa forma, sendo influenciada pelo Tupi e outras línguas faladas por nativos que aqui já viviam. Em uma tentativa de alcançar o monolinguismo para o país, o Marquês de Pombal, no ano de 1757 oficializa a Língua Portuguesa como idioma oficial. Ainda assim, no tocante à língua falada em nosso país, afirma-se que o monolinguismo é uma utopia no Brasil, como afirma Bagno (2008):

 

são faladas mais de dezenas de línguas diferentes, entre línguas indígenas, línguas trazidas pelos imigrantes europeus e asiáticos, língua surgidas das situações de contato nas extensas zonas fronteiriças com os países vizinhos, além de falarem diversas línguas africanas trazidas pelas vítimas do sistema escravista. (BAGNO, 2008, p. 27).

 

Assim, o autor retrocitado afirma que o monolinguismo em nosso país mostra-se como uma ficção, haja vista que, para ser real, deveria haver uma única língua falada da mesma forma em todas as regiões do país. Fato que não ocorre, mesmo o monolinguismo sendo oficial e também defendido pela maioria dos docentes. O autor ainda destaca que nem mesmo o Português falado em Portugal mostra-se como língua homogênea, sofrendo também alterações e misturas com dialetos regionais.

Neste sentido, Foucault 1999, destaca a soberania da linguagem, haja vista a o poder e a tarefa atribuída às palavras no sentido de representarem o pensamento do ser humano.

Moles corrobora ao afirmar que o pensamento pela própria expressão de vocabulário, bem como pela pluralidade de seus elementos. O autor distingue, assim, dois modos de operação: o modo fixo, no qual a palavra mostra-se como a base restrita da construção e o modo flexível, no qual as palavras apresentam multiplicidade nas definições sendo combinadas de forma associativa.

Para Marcuschi (2007), a homogeneidade apresenta-se como algo praticamente inatingível no tocante à seres humanos. O autor destaca o seguinte:

 

toda vez que emprego a palavra língua não me refiro a um sistema de regras determinado, abstrato, regular e homogêneo, nem a relação linguísticas imanentes. Ao contrário, minha concepção da língua pressupõe um fenômeno heterogêneo (com múltiplas formas de manifestação), variável (dinâmico, suscetível à mudança), histórico e social (fruto de práticas sociais e históricas), indeterminada sob o ponto de vista semântico e sintático (submetido às condições de produção) e que se manifesta em situação de uso concretas, com texto e discurso. (MARCUSCHI, 2007, P. 43)

 

Foucault (1999) afirma ainda que a linguagem não é capaz de representar a totalidade do pensamento de maneira imediata, sendo preciso a disposição parte à parte de forma linear. O autor destaca ser uma a linguagem uma forma de análise dos pensamentos, mostrando-se não apenas como repetição, mas como instauração de uma ordem no espaço.

Freire (2007) corrobora com esta ideia ao afirmar que as línguas, como os povos, também apresentam certo grau de heterogeneidade, como vê-se abaixo:

 

É importante termos em mente que as línguas são heterogêneas, não são sistemas perfeitos, prontos, acabados. Pode haver nelas heterogeneidade de origem externa ou interna à língua, e a heterogeneidade de um tipo pode gerar também heterogeneidade do outro tipo. (FREIRE, 2007, p. 150)

 

Da mesma forma que as sociedades e os costumes evoluem, também a língua acompanha tal evolução perdendo e ganhando palavras. Dada a velocidade de surgimento de novas palavras ser muito superior ao ritmo em que vocábulos caem em desuso, observa-se que uma língua dificilmente se tornará pobre, uma vez tratar-se não de algo homogêneo paralisado no tempo, mas sim de uma estrutura dinâmica, complexa e heterogênea. (BAGNO, 2008)

Para Terra (2008) as variações linguísticas observadas na sociedade brasileira caracterizam-se como uma identidade do povo, bem como herança cultural de todos os povos que interagiram no processo de colonização do Brasil. Ressalta-se, deste modo, uma heterogeneidade cultural de forma que cada falante, devido às vivências diferentes, vale-se da língua de forma distinta dos demais.

Abaixo, o autor retrocitado exemplifica essa mistura de culturas:

 

Vocábulos de origem indígena e africana, como “maloca”, “macumba”, vatapá, etc., muitos comuns para nós, não são tão comuns para os portugueses, uma vez que a língua falada por eles, por razões históricas, não recebeu contribuições dos povos indígenas e africanos. (TERRA, 2008, p. 64)

 

Mussalin & Bentes (2006) apresentam as variações linguísticas sobre duas perspectivas básicas, sendo diatópica (variação geográfica) e diastrática (variação social).

As autoras retrocitadas destacam o seguinte:

 

A variação geográfica ou diatópica está relacionada às diferenças linguísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes de origens geográficas distintas. A variação social ou diastrática, por sua vez, relaciona-se a um conjunto de fatores e que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala (MUSSALIN & BENTES, 2006, p. 34).

 

Ao se ouvir falantes de diferentes regiões do Brasil nota-se de forma nítida tais variações linguísticas, ponde ser observada até nomes distintos atribuídos ao mesmo objeto.

Para Terra (2008) a língua falada é geralmente uma versão informal da norma culta da Língua Portuguesa, o autor destaca que geralmente utiliza-se a linguagem oral sem preocupações com formalismo e que muito dificilmente o falante utilizaria as mesmas expressões na produção de um texto, haja vista sua preocupação ao falar relacionam-se com os conceitos de certo e errado para a sua comunidade.

O autor retrocitado ressalta que na língua escrita a preocupação com a norma culta é evidente, dado o planejamento e a elaboração do texto.

No tocante ao aprendizado e utilização da língua natura ou materna observa-se que a oralidade mostra-se como um recurso insubstituível, tendo em vista seu papel na socialização e culturalização dos indivíduos. Deste modo, entende-se a língua também como uma identidade sociocultural dos grupos sociais. (MARCUSCHI, 2007)

O autor acima enfatiza ainda o paralelismo traçados pela língua e a gramática. Do mesmo modo que a oralidade não traz propriedades negativas, a escrita não apresenta propriedades que possam ser privilegiadas. Entende-se contudo que, de maneira análoga deve-se utilizar a fala e a escrita de acordo com as especificidades e contextos do caso em questão.

Koch (2007) corrobora ao destacar o planejamento e a elaboração da escrita como características capazes de distingui-la da fala. Para o autor, está língua formal, geralmente prestigiada por classes dominantes, pode mostrar-se como um fator de exclusão social.

Cagliari (2007) chama a atenção para a forma como a linguagem é trabalhada na escola:

 

A escola comumente leva o aluno a pensar que a linguagem correta é a linguagem escrita, que a linguagem escrita é por natureza lógica, clara, explícita, ao passo que a linguagem falada é por natureza mais confusa, incompleta, sem lógica, etc., nada mais falso. A fala tem aspectos contextuais e pragmáticos que a escrita não revela, e a escrita tem aspectos que a linguagem oral não usa. (CAGLIARI, 2007, p. 37)

 

Bagno (2004) ressalta que, por um lado observa-se a representação da língua como norma padrão e por outro lado, a realidade linguística expressada pela sociedade com suas variantes reais.

Antunes (2003) destaca a relativa antipatia nutrida por parte dos estudantes ao estudo da Língua Portuguesa devido ao foco gramatical impelido pelas escolas. Neste sentido afirma o seguinte:

 

O conhecimento teórico disponível a muitos professores, em geral, se limita a noções e regras gramaticais apenas, como se tudo o que é uma língua em funcionamento coubesse dentro do que é uma gramática. Teorias linguísticas do uso da prosódia, de morfossintaxe, da semântica, da pragmática, teorias do texto, concepções de leitura, de escrita, concepções, enfim, acerca do uso interativo e funcional das línguas, é o que pode embasar um trabalho verdadeiramente eficaz do professor de português. (ANTUNES, 2003, p. 40)

 

Terra (2008) corrobora ao afirmar que o ensino de Língua Portuguesa, muitas vezes, ocorre de forma a parecer tratar-se apenas de gramática. O autor destaca que toda a riqueza e dinamismo da língua recebem uma valorização secundária. Assim, o papel social e funcional da língua não são ensinados em sala de aula.

Bagno (2008) complementa afirmando que:

 

Todos os aprendizes devem ter acesso às variedades linguísticas urbanas de prestígio, não porque sejam as únicas formas “certas” de falar e de escrever, mas porque constituem, junto com outros bens sociais, um direito do cidadão, de modo que ele possa se inserir plenamente na vida urbana contemporânea, ter acesso aos bens culturais mais valorizados e dispor dos mesmos recursos de expressão verbal (oral e escrita) dos membros das elites socioculturais e socioeconômicas. (BAGNO, 2008, p. 16)

 

O autor desta ainda que, da mesma forma que se deve dar direito a todos de aprenderem a norma culta da língua, também deve ser dado o direito de aprender as variações. Assim, não se pode deixar que um estudante sinta-se superior ou inferior a outro devido a sua variante linguística e cultural.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Percebe-se durante a presente pesquisa a crescente resinificação do paradigma de certo e errado com relação às variantes linguísticas. Entende-se portanto que a dificuldade e falta de coerência na busca pela utilização da norma culta da língua em todos os momentos de nossas vidas, bem como a necessidade da utilização de uma linguagem coloquial em situações do cotidiano.

Ressalta-se também a dificuldade em se manter o mito da homogeneidade linguística em um país tão extenso e culturalmente diversificado como o Brasil, onde cada região traz suas particularidades no tocante à oralidade. Sem mencionar alteias indígenas e comunidades que ainda fazem uso total ou parcial de línguas nativas.

Por fim, torna-se evidente a importância a disseminação de uma cultura multiculturalista onde prevaleça o respeito pelas variantes linguísticas e que a forma como uma pessoa fala deixe de desencadear preconceitos sobre ela.

 

REFERÊNCIAS

 

Antunes, Irandé. Aula de Português: Encontro e interação. São Paulo. Parábola Editorial. 2003.

 

Bagno, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz? São Paulo: Loyola. 2008.

 

Cagliari, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione. 2007.

 

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo : Martins Fontes, 1999.

 

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra. 2007.

 

Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto. 2007.

 

Marcuschi, Luiz Antônio. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez. 2007.

 

Morais, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática. 2007.

 

Mussalin, Fernanda & Bentes, Anna Cristina. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. Vol. 1. São Paulo: Contexto. 2006.

 

Terra, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione. 2008.