A relação música e escola
Amanda Caroline Calixto
RESUMO
O presente artigo reflete acerca de questões relativas ao ensino de música no Ensino Fundamental I em escolas públicas, focando-se em suas problemáticas e possível ausência de prática e desenvolvimento no cotidiano escolar. O objetivo do artigo resume-se em conhecer a concepção dos professores de ensino da arte que atuam no Ensino Fundamental I sobre a utilização da música para o desenvolvimento dos alunos, visando apreender as dificuldades, a importância da música e possíveis benefícios oferecidos como potencializadores ao desenvolvimento cognitivo.
Palavras-chave: Educação Musical. Formação docente. Ensino de arte. Prática pedagógica. Escola.
Introdução
A música é um fenômeno complexo de definir e explicar, podendo ser vista tanto como uma "organização de sons" quanto como uma "forma de expressão artística". Suas definições variam conforme diferentes perspectivas, sejam elas técnicas, culturais ou até mesmo poéticas. Ao longo da história, a música passou por várias concepções e transformações, refletindo as mudanças de cada época até alcançar os conceitos contemporâneos. Dessa forma, a música pode ser entendida como uma estrutura organizada de sons destinada à audição, funcionando como uma linguagem desenvolvida socialmente. Embora seja uma expressão artística universal, sua manifestação varia de acordo com a cultura. (MEIRELLES; STOLTZ; LÜDERS, 2014, p.112).
A música, ainda, está presente em diversos contextos, como propagandas, filmes, rádio e ambientes públicos, tornando-se um elemento constante da vida moderna. Com a popularização das plataformas digitais, o acesso à música se tornou ainda mais prático, consolidando-a como um hábito recorrente. Além de ser uma fonte de entretenimento, a música também desempenha um papel importante na educação, sendo garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O artigo 26 determina que "As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2º deste artigo" (BRASIL, 1996), reforçando a obrigatoriedade do ensino da arte na educação básica. Assim, a música pode ser utilizada como ferramenta no processo de ensino-aprendizagem por meio de atividades educativas e abordagens lúdicas. O aprendizado mediado pela música não apenas proporciona momentos de diversão, mas também contribui significativamente para o desenvolvimento intelectual dos alunos. Como aponta Zampronha (2002), "A música auxilia a maturação intelectual do educando [...]" (p. 79). Meirelles, Stoltz e Lüders (2014) destacam a Educação Musical como um fator que impulsiona a aprendizagem, pois exige o desenvolvimento de diversas habilidades cognitivas, como coordenação motora, musicalidade, capacidade de aprendizado e criatividade.
Contudo, apesar de seu reconhecimento legal e de seus benefícios para a aprendizagem, a implementação da música na educação enfrenta desafios. Loureiro (2003) destaca alguns dos principais problemas da área, como a falta de sistematização do ensino musical nas escolas e o desconhecimento sobre o valor da educação musical dentro do currículo escolar. Além dessa falta de reconhecimento sobre a importância da música na educação, há obstáculos práticos para sua implementação nas instituições de ensino no Brasil. É essencial compreender por que a música recebe esse tratamento dentro dos processos educativos, considerando seu potencial como instrumento de aprendizagem dentro do ensino das artes. Loureiro (2001) argumenta que:
Diante da realidade brasileira, a educação musical no ensino fundamental não apresenta uma identidade própria nem um direcionamento que a caracterize como um saber escolar estruturado, capaz de proporcionar acesso irrestrito à prática musical. A educação musical requer novas propostas e possibilidades de intervenção educativa, pois é nesse período da escolaridade que se desenvolvem habilidades essenciais para o futuro do indivíduo. (LOUREIRO, 2001, p.28).
Dessa forma, este artigo traz o olhar dos professores sobre como percebem a música e sua presença na educação, utilizando como base a Análise de Conteúdos de Bardin (2011) para a análise dos dados coletados.
Relação música e escola
Os dados aqui se referem à música no ambiente escolar segundo a visão e percepção dos professores entrevistados, dialogando sobre questões importantes quanto à música relacionadas à escola e seu ambiente, mais especificamente quanto ao Ensino Fundamental I, como, por exemplo, infraestrutura escolar para o ensino da música, materiais pedagógicos relacionados a música disponíveis no ambiente escolar e como a Educação Musical ou a música está (ou não) presente dentro das escolas pesquisadas.
Sendo assim, todos os professores entrevistados afirmaram a presença da música ou da Educação Musical dentro das escolas, porém, de formas distintas. Uma dessas formas é retratada pela professora II.
Prof. II: “Assim, presente na escola eu vejo que sim, porque quando tem algum projeto, vai ter uma dança pra alguma coisa[...]” TPesquisadora: “Na escola a gente vê mais presente, então, em festividades?”Prof. II: “É”
Quando perguntado a ela se, resumidamente, a música se mostra mais presente em festividades escolares, a mesma afirma, dizendo que sim. Então, dessa forma, nesse contexto, a música está presente dentro da escola em momentos informais, como mencionado: em festividades, ou, também como a professora II mencionou, presente através de danças e projetos.
Outra forma de presença da música nas escolas mencionada é a indicada pelo professor III.
“Então, a música[...], a educação musical, ela está presente de forma pedagógica[...] não assim: “ah, vamos trabalhar música, vamos ensinar as crianças a aprender música, aprender a tocar instrumentos...”; não, dessa forma não, né? O máximo que acontece, às vezes, é na questão da fanfarra[...]” (Prof. III)
O professor III retrata a Educação Musical, como menciona, de uma forma “pedagógica”. Questionado quanto à significação de tal termo, o mesmo afirma ser uma forma de utilizar a música de forma lúdica. Para além disso, menciona que o ensino da música não está presente de forma teórica ou educacional, enfatizando que não é essa a maneira que ele encontra a música na escola, porém, mencionando que a encontra através da fanfarra, um conjunto musical presente nas escolas, o mesmo sendo espaço para várias crianças fazerem parte.
Assim como os demais professores, o professor I também confirmou a presença da música e/ou Educação Musical nas escolas, porém, possuiu certa dificuldade para expressar tal afirmação.
“Sim. A música, a musicalização, está presente dentro das escolas, sim. Mas, assim, depende muito do que você quer buscar, né? Às vezes, por ser em sala de aula, às vezes, limita um pouco, mas ela está presente, sim, depende muito a forma que você quer trabalhar[...]. O projeto você pode expandir, né? Você trabalha mais aberto com a música, enquanto a escola, você tem uma disciplina a ser seguida, né? Então, nem sempre dá pra você esticar muito, mas a gente consegue trabalhar, desenvolver a música de uma forma legal também” (Prof. I)
Observa-se então que, mesmo que os professores entrevistados afirmem que a música está presente no ambiente escolar, nos relatam formas distintas, porém nenhuma delas está relacionada à Educação Musical ou o ensino através da música.
Como já mencionado no presente artigo, a presença da música na escola, atualmente, é assegurada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) através do ensino da arte, porém, além de mencionarem a presença da música de forma um tanto superficial, a maioria dos professores afirma também que tal garantia presente na LDB não é o suficiente para a efetivação da Educação Musical ou da música dentro das escolas.
“Olha, eu entendo que, apesar de ela estar na LDB... mas a gente percebe que está na LDB, mas foge um pouco na nossa realidade. Ela (a música) dentro da escola, a gente sabe que não é bem assim, né? No papel “tá” lindo, maravilhoso, mas nem sempre você pode dentro da escola desenvolver tudo aquilo que você quer, da forma que você quer[...]. Nós não temos, assim, escola, hoje, com tamanho e espaço preparado “pra” gente desenvolver isso de forma, assim, que nós podemos falar: “olha, a LDB está aqui e aqui nós vamos colocar ela cem por cento”. Não dá, porque ela não “tá” na nossa... Não é tão real, não é uma realidade total, assim. Então, apesar de estar na LDB, mas nem sempre a gente consegue, dentro da escola, implantar, colocar, desenvolver ela, como nós queremos, como a gente pensa, né?” (Prof. I) “Não! Não... assim, tudo no papel é muito lindo[...] só que o triste é que na prática vai ser complicado[...]. Só a lei, só a LDB falando lá que é obrigatório, que é necessário, que... não adianta, não adianta” (Prof. III)
Percebe-se então que, mesmo que os professores afirmem que a música está presente dentro do ambiente escolar, ainda segundo eles, a LDB não é o suficiente para garantir que esteja, realmente, efetiva e eficientemente presente. A crítica quanto ao que “está no papel” e a “realidade escolar” estão muito presentes nas afirmações dos professores, que ressaltam a dificuldade de aplicar na escola o que a LDB garante.
As próximas subcategorias abordam ainda questões acerca da música presente nas escolas, abrindo um leque quanto às dificuldades encontradas dentro do ambiente para o desenvolvimento da Educação Musical ou música propriamente dita. Porém, antes de prosseguir, é importante ressaltar a última questão quanto à Educação Musical relacionada diretamente com a escola, no caso, quanto a precarização do ensino da música nas escolas.
Ao notar-se que a música se faz presente nas escolas de formas que não como Educação Musical, é possível que tal ensino da música esteja, de certa forma, precarizado. Foi unânime entre os professores as respostas quanto a precarização do ensino da música no Ensino Fundamental I nas instituições escolares, além de mencionarem possíveis motivos para tal precarização.
“Ah... “tá” bastante precário, né? Eu acredito que a gente deveria ter, assim, uma formação melhor, né? [...] Não é todo mundo preparado (para a educação musical)” (Prof. II) “Sim, claro! [...] Aí entra na questão política, né? Se você pegar o sistema, assim... Pra que música? Se eu tenho o camarada que sabe ler e escrever, ele vai saber fazer conta, ele vai saber, ele “tá” ótimo pro mercado de trabalho, mas pra que música?” (Prof. III)
É relevante ressaltar que, enquanto para os dois professores mencionados acima, é claro e objetivo responder que, sim, o ensino de música está precarizado nas escolas, o professor I, mesmo que também concorde, não aparenta estar tão seguro quanto a essa questão, principalmente ao levar em conta um contexto geral.
“Eu acredito que, em alguns pontos, sim. Porque você depende muito da escola que você vai, depende muito do material, né? [...] depende muito do apoio[...] depende muito do professor[...] então, tem algumas situações que levam um pouco a precariedade, sim” (Prof. I)
Mesmo que as respostas variem entre si, é unânime a ideia da precarização do ensino da música na educação, porém, mesmo que todos concordem quanto à tal precarização do ensino da música no Ensino Fundamental I, as razões foram, de certa forma, diferentes para cada um. Segundo o professor I, não é possível afirmar diretamente que exista a precarização, porque depende de cada instituição que você esteja, porém, mesmo assim, o mesmo chama a atenção ao dizer que existem situações que levam a precariedade; já a professora II menciona que o ensino da música está precarizado e que o que contribui para isso é a formação dos docentes em Arte, que, segundo ela, não são todos que estão preparados para lidar com a Educação Musical; por fim, temos o professor III, que menciona o sistema como grande instrumento de precarização do ensino da música, levando em conta a importância que a música tem como método de criticidade e reflexão e que não são trabalhadas tais competências.
Loureiro (2003) traz especificidades quanto à música dentro do ambiente escolar, mencionando e afirmando vários tópicos que os professores entrevistados também mencionaram, como, por exemplo, a música presente somente em festividades, de forma informal.
É prática comum nas escolas, principalmente nas séries iniciais, ouvir música na entrada e saída do período escolar, no recreio, e ainda, de forma bastante acentuada, nos momentos de festividades que obedecem a um calendário com datas a serem comemoradas pela comunidade escolar. Neste sentido, podemos afirmar que a música está presente no cotidiano escolar de nossas crianças e jovens. Ela está presente em todo e qualquer lugar, pois vem ocupando cada vez mais espaços no cenário social da vida contemporânea. Porém, embora a música esteja presente no cotidiano da escola, questões precisam ser esclarecidas para entendermos o porquê da ausência do ensino sistemático da música e o lugar que vem ocupando no cenário educacional brasileiro. (LOUREIRO, 2003, p. 102)
Assim como os professores mencionaram, a música está presente dentro da escola, porém, não com características que abranjam o objetivo de uma Educação Musical, mas sim voltada para o entretenimento das crianças. Mesmo que os professores divirjam quanto às possíveis razões para tal precarização do ensino de música na escola, todos trazem à tona assuntos e temas importantes para serem tratados e explorados, no qual serão mencionados à frente.
Neto et al. (2013) caracterizam a infraestrutura escolar a partir de várias variáveis, como, por exemplo, abastecimento de água, abastecimento de energia, esgoto sanitário, cozinha, biblioteca, quadra de esportes, laboratório de informática, laboratório de ciências, sala de diretoria, sala de professor, TV, DVD, copiadora, computadores, internet etc. Ou seja, podemos compreender a infraestrutura escolar como tudo que compõe a escola afim de um bom funcionamento, desde salas de aula e materiais até a área externa. Sendo assim, a infraestrutura da escola é muito importante para o desempenho e desenvolvimento do cotidiano escolar e das atividades escolares, além de todo seu funcionamento também quanto a Educação Musical, já que a mesma pode ser trabalhada em diversos espaços, além de também ser parte da infraestrutura os materiais necessários para serem trabalhados durante as aulas. Tais aspectos da infraestrutura escolar foram salientados pelos professores, principalmente quais seriam tais recursos para se trabalhar a música na escola e se tais recursos estão presentes ou não no ambiente escolar.
Prof. I: “Olha, na verdade, um dos grandes recursos, “pra” gente, seria o espaço, né? Sem dúvida nenhuma. Esse seria, assim, o maior recurso “pra” gente. E daí, também, além do recurso, ter os instrumentos, né?” Pesquisadora: “O espaço que você diz é o espaço físico mesmo?” Prof. I: “Espaço físico, né? Porque se você tem o espaço físico você consegue até ampliar mais o seu trabalho, né?[...] muito embora a gente vai se adequando ao espaço que tem, e procura desenvolver o trabalho da mesma forma, né?”
É interessante observar que, para o professor I, o espaço físico da escola seria um dos grandes recursos para se desenvolver a Educação Musical, além, também, dos instrumentos musicais, mesmo afirmando que consegue se adequar com o espaço disponível no ambiente escolar. Já a professora II menciona alguns outros recursos.
Prof. II: “Assim, material... a maioria das escolas, se a gente precisa, a gente tem um apoio, as vezes da prefeitura, né? [...] Pesquisadora: “Esses recursos necessários seriam os instrumentos?” Prof. II: “Depende do que quer desenvolver, né? Às vezes um rádio mesmo já ajuda, né? Porque aí você traz o pen drive, você traz um CD, que seja, consegue, ali...”
Tais recursos técnicos, como rádio e o CD, segundo a professora II, são os recursos necessários para se trabalhar com a Educação Musical. De forma diferente, o professor III menciona tais recursos como sendo básicos e não suficientes.
“E recurso... não, não tem recurso, não tem estrutura adequada, não tem ambiente, não, não tem, não tem nada disso... O que nós temos é exatamente o mesmo de sempre: alguns instrumentos e só[...]. Então, assim, nós temos sempre o básico: o rádio, um microfone, alguns instrumentos...” (Prof. III)
A presença dos instrumentos musicais básicos nas escolas foram os materiais/recursos também mencionados pelos professores entrevistados, porém, é interessante ressaltar que, mesmo que tais instrumentos estejam presentes, as faixas etárias influenciam em sua presença na escola.
“Assim, livros (sobre educação musical) nem tanto, mas os instrumentos têm, sempre tem, que a maioria das escolas tem o pessoal da fanfarra, mesmo sendo os pequenos[...]” (Prof. II) “Na verdade, nas escolas, depende muito da sua faixa etária, né? A gente vê que nas EMEI’s, nos parques, você tem, assim, mais esses instrumentos, de uma forma mais adequada, além, muitas vezes, até do espaço, porque lá a gente tem a bandinha, né? Então você tem uma série de instrumentos “pra” musicalização, enquanto, já num outro nível, já na escola, já num primeiro, segundo, terceiro, e quarto ano, você já não tem mais a bandinha[...]. se eu quiser eu posso até confeccionar com a sala, os instrumentos, né? Pedir “pra” eles trazerem alguma sucata, alguma coisa assim “pra” gente desenvolver o instrumento e depois trabalhar, mas a escola, em si, ela não tem...” (Prof. I)
A fanfarra e a bandinha, no caso, a bandinha sendo uma série de instrumentos destinados à Educação Infantil que tem como propósito a musicalização, estão presentes dentro das escolas, porém, como mencionado pelo professor I, tais instrumentos parecem possuir mais relevância dentro do Ensino Infantil, diferentemente do Ensino Fundamental, que já não possui mais tais instrumentos e tanta influência e relevância musical.
Podemos observar, então, alguns recursos mencionados pelos professores como sendo importantes para o desenvolvimento da Educação Musical no ambiente escolar, como o espaço físico e instrumentos musicais, porém, é também relevante ressaltar que tais professores consideram a infraestrutura escolar faltosa quanto à tais materiais e recursos para se desenvolver a música em suas aulas e na escola.
Para além das concepções dos professores, vale refletirmos acerca dos materiais e recursos necessários para o desenvolvimento da Educação Musical, principalmente se tais materiais e recursos mencionados são realmente necessários e se são somente através deles que a Educação Musical seria introduzida em toda sua potencialidade dentro da escola. Como mencionado pelo professor I, existe a possibilidade de confeccionar seus próprios instrumentos musicais através de outros materiais, como, por exemplo, materiais recicláveis, ou, para além de instrumentos musicais, a Educação Musical pode abranger vários outros aspectos.
Se levarmos em conta as várias propostas e possibilidades da Educação Musical, é também importante percebermos que existem várias possibilidades de utilização de materiais e recursos para cada atividade específica, seja para a confecção de um instrumento ou somente para o ouvir uma música e utilizar dela para brincadeiras e jogos, por exemplo. Como tal, educação não é caracterizada somente pelo aprender música formalmente; outras atividades que não envolvidas especificamente com teorias musicais e aprendizagem de instrumentos são também válidas e proveitosas, abarcadas pela Educação Musical. O ensino e aprendizagem de instrumentos musicais não caracterizam a Educação Musical, mas, ao contrário, para além disso, o aprender de forma lúdica e prazerosa pode ser considerada uma de suas principais características.
Nos é claro que uma boa infraestrutura escolar é de grande importância para um bom desenvolvimento do ensino, podendo a ausência dela ser causadora de dificuldades para se desenvolver o trabalho, mais especificamente, no caso, o desenvolvimento da Educação Musical, porém, como mencionado, é importante refletirmos acerca da real importância de materiais e recursos específicos para o desenvolvimento da Educação Musical mencionados pelos professores, e se, sem eles, não seria possível tal educação ainda ser desenvolvida e trabalhada em toda sua potencialidade.
Sabendo-se que a Educação Musical possui grande abrangência de significados e possibilidades, é importante conhecermos possíveis dificuldades de trabalhá-la dentro do ambiente escolar para, assim, compreendermos ainda melhor sua possível ausência na escola. Um dos pontos mencionados acerca das dificuldades de se desenvolver a Educação Musical na escola é o tempo.
“Então, assim, seria aquela coisa, assim, a disponibilidade, que muitas vezes o professor até quer fazer, mas por trabalhar em três, quatro, cinco escolas, ele não consegue, mas a questão da disposição dele de tempo, que muitas vezes não é porque ele não quer, mas é porque exatamente aquela correria do tempo que é difícil... é isso que atrapalha na questão da construção, porque a maioria tem que ser construído, até por uma educação mais lúdica, porque a música, ela não adianta você ficar só no teórico; o teórico, ele é importante, mas o lúdico também é essencial, então como vamos construir essa parte pedagógica musical “pra” fugir um pouco dos livros, da teoria? Então acho que isso que quebra um pouco, essa questão da falta de tempo, da correria, entendeu?” (Prof. III)
É interessante ressaltar que o professor III menciona a falta de tempo como dificuldade para o desenvolvimento da Educação Musical, mencionando também a importância do lúdico estar presente dentro de tal forma de educação, sendo assim, a ausência do tempo para desenvolver tais atividades de uma forma que fuja do tradicional é uma das dificuldades relatadas. Outra mencionada é a ausência de espaço/ambiente apropriado para trabalhos que envolvam música, assim como a ausência de instrumentos musicais que auxiliem em tais trabalhos.
“Sim, já encontrei algumas dificuldades, sim. Uma delas, às vezes, é até a questão do espaço, até também muitas vezes o instrumento, né? Às vezes falta um instrumento, porque as vezes você “tá” com uma sala de 20 alunos e você tem apenas 5, 6 instrumentos, então isso dificulta você desenvolver o trabalho[...]. Eu acho que o espaço é uma das maiores dificuldades. A gente precisa, “pra” desenvolver esses trabalhos musicais, precisa de um espaço adequado” (Prof. I)
Não só quanto aos alunos possuírem um espaço físico para trabalhar a música, mas sim em como as atividades musicais podem ser consideradas como atrapalho para as demais aulas é também um fator mencionado pelo professor I.
“É barulho com instrumento de percussão, né? Com os instrumentos de corda, com os instrumentos de sopro, e quando você leva isso “pra” dentro de uma escola, onde tem toda uma atividade, às vezes, normalmente, pode atrapalhar as aulas a serem desenvolvidas[...] Dentro da escola você tem que ter muito limite “pra” não atrapalhar o pedagógico” (Prof. I)
O “barulho” que as aulas de música proporcionam pode, também, segundo o professor I, atrapalhar as demais salas de aula, já que os alunos estão em outros momentos de aprendizagem que não o musical.
É interessante observarmos a utilização do termo “pedagógico” pelo professor I, mencionando que a Educação Musical pode atrapalhar o “pedagógico” da escola. É perceptível que sua apreensão do termo “pedagógico” não se refere à, por exemplo, questões quanto a ensino e aprendizagem, mas sim a outras atividades dentro da escola que não a Educação Musical, como também atividades desenvolvidas dentro da sala de aula, como, por exemplo, avaliações escolares, geralmente controladas.
“[...]e se a gente pensar, e não tem como não pensar, tem as provas, né? Tem algumas situações que isso (educação musical) pode não se adequar[...]. As vezes gera essa dificuldade” (Prof. I)
O professor I relaciona o “barulho” das atividades musicais como algo que atrapalha o “pedagógico”, no caso, em outras atividades escolares, porém, é válido refletir acerca de tal termo, já que a Educação Musical também é uma forma de educação para ser desenvolvida na escola, possuindo também seu caráter pedagógico.
Ainda para o professor I, é preciso, também, além da infraestrutura e do espaço físico, que a gestão e os professores estejam de acordo, trabalhando em um conjunto para desenvolverem a Educação Musical da melhor maneira.
Pesquisadora: “Você acha que isso de desenvolver a educação musical dentro da escola depende, muito mais, talvez, da estrutura da escola do que do professor?” Prof. I: “Então... eu acredito que deve ser um conjunto[...]. Porque muitas vezes, também, o diretor até quer, mas começa a surgir reclamação dos professores: “ai, porque isso está com muito barulho, e tal, não tem outro espaço adequado? ”[...] Eu vejo que as escolas não têm... que não tem o projeto da música lá dentro. Às vezes eles preferem pegar mais o esporte porque coloca lá na quadra, tal, mas já a parte da música[...] muitas vezes, não é aceito... não é aceito que isso seja desenvolvido”
Não só a ausência de espaço e infraestrutura considerados pelos professores, mas também a reação que pode provocar nos professores e demais funcionários pode ser uma dificuldade a ser levada em consideração, principalmente quando mencionado que, às vezes, o diretor se mostra interessado no desenvolvimento da Educação Musical, porém, dependendo da forma como o professor de Arte a realiza, pode atrapalhar ou incomodar os demais professores.
Outro aspecto que parece dificultar o trabalho em Educação Musical dentro das escolas é a não compreensão acerca de sua potencialidade e benefícios para os alunos, não só por parte da gestão escolar, mas também por parte dos pais, entendendo outras disciplinas e maneiras de se educar como mais importantes que a Educação Musical, assim, não acrescentando à tal forma de educação sua respectiva importância.
“Aí entra na questão política, né? Se você pegar o sistema, assim... “Pra” quê música? Se eu tenho o camarada que sabe ler e escrever, ele vai saber fazer conta, ele vai saber, ele “tá” ótimo “pro” mercado de trabalho, mas “pra” quê música? “Pra” que limpar o ouvido desses alunos, “pra” que ensinar educação musical “pra” esses alunos? [...] Se você for perguntar “pros” próprios pais dos alunos, “pros” próprios educadores, eles não têm essa visão de que “pra” que música dentro da escola?”. Eles não têm uma visão, asseles não têm música é importante[...]” (Prof. III)
Ainda outra dificuldade apresentada é, majoritariamente, a escassa formação dos professores para a Educação Musical.
“É que nem eu “tô” falando: na questão da formação... é a maior dificuldade, nossa formação, que em música é zero[...]” (Prof. III) Prof. II: “Assim, eu não entendo muito sobre essa parte, né? (educação musical) [...]” Pesquisadora: “Talvez uma maior dificuldade seria não ter tanto domínio nessa área?”Prof. II: “É”
A formação dos professores de Arte é considerada uma das maiores dificuldades para desenvolver a Educação Musical na escola, já que os professores alegam não possuir domínio para desenvolver tal trabalho, o que dificulta a inserção da música dentro das escolas de forma pedagógica, ou, melhor, como Educação Musical, levando em conta também a ausência de infraestrutura, espaço e materiais que consideram necessários para o trabalho.
Considerações finais
Após a análise dos dados coletados, é possível observar que a música se faz, sim, presente dentro do ambiente escolar, porém, como forma de entretenimento, através de festividades e outros eventos escolares e não especificamente como Educação Musical. Ao compreender as potencialidades da Educação Musical para o aluno, nos é perceptível que tal forma de se utilizar a música dentro do ambiente escolar acaba por ser rasa e superficial, o que pode ser causa, também, da precarização de tal ensino no ambiente escolar. É importante reconhecermos a importância da escola em todo o processo de formação do aluno, assim como em seu desenvolvimento.
A escola, como espaço de construção e reconstrução do conhecimento, pode surgir como possibilidade de realizar um ensino de música que esteja ao alcance de todos. A ousadia ficaria por conta de tentativas de democratizar o acesso à arte, de se projetar nesta tarefa de renovação, reconstrução e, mais ainda, de apoiar as atividades pedagógicas musicais, considerando-as qualitativamente significativas. (LOUREIRO, 2003, p. 110)
Como afirmam os professores entrevistados, o ensino da música pode ser, sim, considerado precarizado nas instituições escolares, dentre os motivos: o sistema escolar e a formação do professor. Poderíamos atribuir a tal fato, no caso, a precarização do ensino da música, à ausência de infraestrutura adequada mencionada pelos professores, como, por exemplo, a ausência de espaço e materiais específicos e pedagógicos para Educação Musical, além também da falta de tempo do professor para elaborar e pensar em aulas que utilizem da música, tentando utilizar os poucos recursos que possui.
Referências
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 6. ed. rev. São Paulo: Edições 70, 2011.
BRASIL. Decreto nº 1.331-a, de 17 de fevereiro de 1854. Approva o Regulamento para a reforma do ensino primario e secundario do Municipio da Côrte. Rio de Janeiro, 1854. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html>. Acesso em: 28 MAR. 2025.
LOUREIRO, A. M. A. A. O ensino da música na escola fundamental: dilemas e perspectivas. Educação, [S.I.], v. 28, n. 01, p. 101-112, 2003.
O ensino da música na escola fundamental: um estudo exploratório. 2001. 241 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.
MEIRELLES, A.; STOLTZ, T.; LÜDERS, V. Da psicologia cognitiva à cognição musical: um olhar necessário para a educação musical. Música em Perspectiva, Curitiba, v. 7, n.1, p. 110-128, jun. 2014.
NETO, J. J. S. et al. Uma escala para medir a infraestrutura escolar. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 24, n. 54, p. 78-99, jan./abr. 2013.
ZAMPRONHA, M. de L. S. Da música: seus usos e recursos. São Paulo: Editora UNESP, 2002. 173 p.