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Memória de curta e Longa duração

Lucio Mussi Júnior

Luzinete da Silva Mussi[1]

 

DOI: 10.5281/zenodo.14056136

 

 

RESUMO

Este artigo aborda a distinção entre a memória de curta e longa duração, focando nas principais teorias que elucidam os mecanismos subjacentes a cada tipo de memória. A memória de curta duração, frequentemente associada à memória de trabalho, é fundamental para a retenção temporária de informações, desempenhando um papel crucial em processos como o raciocínio e a resolução de problemas. Modelos como o de memória de trabalho, proposto por Alan Baddeley e Graham Hitch, descrevem-na como composta por componentes especializados, como o executivo central e os subsistemas de armazenamento temporário, responsáveis pelo processamento ativo de informações. Por outro lado, a memória de longa duração está relacionada ao armazenamento de informações ao longo do tempo e envolve processos de consolidação que dependem do hipocampo e outras áreas do cérebro, conforme demonstrado pelos estudos de Donald Hebb e suas teorias sobre redes neurais. Endel Tulving contribuiu significativamente para o entendimento dos sistemas de memória de longa duração, classificando-a em diferentes tipos, como memória episódica e semântica, que armazenam, respectivamente, experiências pessoais e conhecimento factual. Além disso, o estudo examina os fatores que afetam a consolidação e recuperação da memória, tais como a importância do sono e do processamento emocional. A compreensão desses processos é fundamental para aprofundar o conhecimento sobre as bases neurobiológicas da aprendizagem e das atividades cognitivas complexas, fornecendo subsídios para a aplicação prática em contextos educacionais e terapêuticos.

 

Palavras-chave: Memória de curta duração. Memória de longa duração. Memória de trabalho. Consolidação. Atenção.

 

 

Introdução

 

A memória é uma das funções mais complexas do sistema cognitivo humano e desempenha um papel crucial na maneira como percebemos, interpretamos e interagimos com o mundo. Ela permite não apenas o armazenamento de informações, mas também sua recuperação quando necessário, influenciando diretamente habilidades como a aprendizagem, o raciocínio e a tomada de decisão. No estudo da memória, uma divisão amplamente aceita é a que distingue entre memória de curta duração, ou memória de trabalho, e memória de longa duração. Cada uma dessas formas de memória possui características específicas, tanto em termos de função quanto de duração, e são essenciais para a compreensão dos processos mentais que sustentam a cognição humana.

A memória de curta duração refere-se ao armazenamento temporário de informações, que são mantidas ativas apenas pelo tempo necessário para realizar tarefas imediatas, como lembrar um número de telefone recém-dito ou resolver uma operação matemática simples. Esse tipo de memória é essencial para o funcionamento diário, pois possibilita o processamento contínuo de novas informações e é fundamental para atividades como leitura e resolução de problemas. A teoria da memória de trabalho, desenvolvida por Baddeley e Hitch, representa um marco importante nesse campo, pois propõe que a memória de curta duração é composta por múltiplos subsistemas especializados que trabalham em conjunto para sustentar a execução de tarefas cognitivas complexas.

Por outro lado, a memória de longa duração envolve o armazenamento de informações por períodos prolongados, que podem variar de dias a décadas. Este tipo de memória é responsável pela retenção de conhecimentos acumulados ao longo da vida, como informações semânticas (fatos e conhecimentos gerais) e memórias episódicas (experiências pessoais). Endel Tulving, um dos principais teóricos da memória de longa duração, contribuiu significativamente para a classificação deste sistema, diferenciando as memórias episódica e semântica. Segundo Tulving, a memória episódica permite o “reviver” de eventos pessoais específicos, enquanto a memória semântica armazena conhecimentos impessoais e objetivos. Essa divisão não só contribui para a compreensão da estrutura da memória de longo prazo, mas também permite entender como diferentes tipos de experiências e informações são codificados e recuperados pelo cérebro.

A importância do estudo da memória de curta e longa duração é evidente em diversos campos, incluindo a educação, a psicologia e a neurociência. Compreender como esses sistemas de memória interagem e quais fatores influenciam a consolidação e o acesso à informação permite que educadores, psicólogos e profissionais da saúde mental desenvolvam estratégias para otimizar a aprendizagem e melhorar a retenção de informações. Além disso, investigar esses processos é crucial para o desenvolvimento de intervenções em casos de distúrbios de memória, como amnésia e demências, que afetam a qualidade de vida e a independência dos indivíduos.

Nos últimos anos, estudos neurocientíficos têm lançado luz sobre os mecanismos biológicos e estruturais que sustentam a memória de curta e longa duração, revelando o papel de estruturas específicas do cérebro, como o hipocampo, o córtex pré-frontal e a amígdala, na codificação, armazenamento e recuperação de informações. A neurociência cognitiva tem mostrado que o hipocampo é central para a consolidação de novas memórias de longa duração, enquanto o córtex pré-frontal está mais envolvido na regulação e controle da memória de trabalho. Essas descobertas não apenas reforçam o entendimento da memória como um sistema dinâmico e multifacetado, mas também sublinham a complexidade e a interdependência dos diferentes tipos de memória.

Diante disso, o presente artigo busca aprofundar o entendimento dos processos de memória de curta e longa duração, analisando suas características distintivas e os fatores que as influenciam. Para tanto, serão discutidas as principais contribuições de teóricos como Alan Baddeley, Graham Hitch, Endel Tulving e Donald Hebb, que propuseram modelos explicativos e experimentos fundamentais para o estudo desses processos cognitivos. Ao final, espera-se que este estudo ofereça uma visão abrangente sobre os diferentes sistemas de memória e suas implicações para o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem humana.

 

 

Desenvolvimento

 

Memória de Curta Duração

 

A memória de curta duração, muitas vezes chamada de memória de trabalho, é fundamental para o processamento de informações temporárias e para a execução de tarefas cognitivas imediatas, como o cálculo mental, a leitura e a compreensão de linguagem. Esse tipo de memória é limitado em capacidade e duração, geralmente retendo informações por cerca de 15 a 30 segundos, a menos que estas sejam repetidas ou processadas para armazenamento de longo prazo. O modelo de memória de trabalho, proposto por Alan Baddeley e Graham Hitch, revolucionou a compreensão desse processo ao descrever a memória de curta duração como composta por subsistemas interdependentes, que incluem o laço fonológico, o esboço visuo-espacial e o executivo central.

O laço fonológico é o componente responsável pela retenção e processamento de informações verbais e auditivas, desempenhando um papel importante na compreensão da linguagem e na aprendizagem verbal. Estudos mostram que o laço fonológico permite que sons e palavras sejam “repetidos” mentalmente, ajudando na retenção temporária de sequências, como números telefônicos. Esse sistema é essencial na aprendizagem de idiomas e na leitura, pois auxilia no armazenamento imediato de palavras e frases que precisam ser rapidamente compreendidas e processadas.

O esboço visuo-espacial, por outro lado, armazena e manipula imagens mentais e informações visuais, sendo essencial em tarefas como orientação espacial e reconhecimento de padrões. Esse sistema possibilita a realização de atividades que requerem uma representação mental do espaço, como desenhar um mapa de memória ou se localizar em um ambiente desconhecido. Pesquisas indicam que o esboço visuo-espacial é ativado em tarefas que demandam o processamento de imagens e espaços, como jogos de xadrez, onde o jogador precisa visualizar as possíveis jogadas e estratégias do adversário.

Por fim, o executivo central coordena os processos de atenção e integração das informações dos dois sistemas anteriores, regulando o que deve ou não ser mantido na memória de trabalho. Este componente é responsável por priorizar informações, alternar entre tarefas e inibir informações irrelevantes. Estudos sugerem que o executivo central está intimamente ligado ao córtex pré-frontal, uma área do cérebro envolvida em funções executivas e controle cognitivo.

Segundo Baddeley (2000),

 

 ...a memória de trabalho é “um sistema de capacidade limitada, responsável pelo armazenamento temporário e manipulação de inf  ormações necessárias para tarefas cognitivas complexas.”

 

A teoria de Baddeley e Hitch permite que se entenda como múltiplas tarefas podem ser realizadas simultaneamente, desde que os sistemas de memória não fiquem sobrecarregados. Isso é particularmente relevante em ambientes de alta demanda cognitiva, como o ambiente escolar, onde os alunos precisam processar informações novas e manter conceitos em mente durante o aprendizado.

 

Memória de Longa Duração

 

A memória de longa duração é o sistema de armazenamento responsável pela retenção de informações por longos períodos, que podem variar de dias a décadas. Este tipo de memória desempenha um papel central no aprendizado ao longo da vida e é dividido em subcategorias, cada uma com funções distintas e envolvimento de diferentes estruturas cerebrais. As subcategorias mais comumente exploradas são a memória episódica, a semântica e a procedimental.

A memória episódica envolve o armazenamento de eventos e experiências pessoais, permitindo que os indivíduos se recordem de situações específicas e revivam detalhes sensoriais e emocionais. Endel Tulving, um dos principais pesquisadores no campo da memória, sugeriu que a memória episódica é única, pois permite que a pessoa se situe no tempo e no espaço, proporcionando uma experiência subjetiva de “reviver” o evento. Essa capacidade de reviver experiências é particularmente importante para a construção da identidade e do senso de continuidade pessoal. Estudos indicam que o hipocampo é uma estrutura crucial para o armazenamento e a recuperação de memórias episódicas, sendo um dos primeiros locais afetados em casos de amnésia.

Tulving (1972) argumenta que:

 

“A memória episódica permite que os indivíduos revivam experiências pessoais, enquanto a memória semântica preserva o conhecimento impessoal e factual.”

 

A memória semântica, por sua vez, armazena conhecimentos gerais e informações sobre o mundo, como o significado de palavras, fatos históricos e conceitos matemáticos. Diferente da memória episódica, a semântica não está ligada a experiências pessoais, mas sim a informações que são aprendidas e mantidas de forma objetiva. A memória semântica é essencial para a educação formal, pois permite que o conhecimento adquirido seja mantido ao longo do tempo. Tulving destacou a independência entre as memórias episódica e semântica, observando que a memória semântica pode permanecer intacta em alguns casos de amnésia, enquanto a episódica é afetada.

A memória procedimental é um tipo de memória de longo prazo que armazena habilidades e hábitos, como andar de bicicleta, tocar um instrumento ou dirigir. Essa memória é menos consciente e depende de uma repetição contínua, sendo amplamente associada a estruturas subcorticais como o estriado e o cerebelo. Diferente da memória episódica e semântica, a memória procedimental é adquirida de maneira gradual e é mais resistente ao esquecimento.

 

Fatores que Afetam a Memória

 

A consolidação e a recuperação da memória são processos influenciados por uma série de fatores, incluindo a atenção, a repetição e o envolvimento emocional. Donald Hebb foi pioneiro ao sugerir que a consolidação da memória depende da ativação e fortalecimento das conexões entre neurônios, em um processo que se tornou conhecido como sinapse hebbiana. O princípio de Hebb, frequentemente resumido como “neurônios que disparam juntos se conectam mais fortemente,” destaca a importância da prática e da repetição para a retenção de informações.

A atenção desempenha um papel essencial na memória, pois direciona os recursos cognitivos para informações específicas, facilitando o processamento e o armazenamento em sistemas de curta e longa duração. Quanto mais atenção é dada a uma informação, maior é a probabilidade de que ela seja consolidada e mantida ao longo do tempo. Estudos mostram que estímulos emocionais também podem melhorar a consolidação da memória, uma vez que o envolvimento emocional ativo a amígdala, uma estrutura cerebral que facilita a retenção de eventos significativos.

Hebb (1949) propôs que:

 

“Neurônios que disparam juntos se conectam mais fortemente,” sugerindo que a repetição e a prática desempenham um papel importante na consolidação da memória.

 

Outro fator relevante é a curva de esquecimento, inicialmente proposta por Hermann Ebbinghaus, que estudou a rapidez com que as informações são esquecidas ao longo do tempo. A curva de esquecimento de Ebbinghaus mostra que, sem revisão ou repetição, uma grande quantidade de informações é esquecida nas primeiras 24 horas após a aprendizagem. Esse conceito reforça a importância de práticas de estudo, como a revisão espaçada, para manter informações na memória de longo prazo.

 

 

Conclusão

 

Este estudo analisou as características e diferenças entre a memória de curta e longa duração, abordando suas funções, subdivisões e os fatores que influenciam o armazenamento e a recuperação das informações. A memória de curta duração, descrita principalmente através do modelo de memória de trabalho de Baddeley e Hitch, é essencial para o processamento e manipulação de informações em tarefas imediatas e complexas. Este modelo, com seus componentes distintos — o laço fonológico, o esboço visuo-espacial e o executivo central —, contribui para um entendimento mais preciso de como nosso cérebro lida com a retenção temporária e simultânea de informações verbais e visuais, bem como com o controle da atenção. Compreender esses aspectos é crucial para contextos práticos, como a educação, onde a memória de trabalho desempenha um papel fundamental na aprendizagem de conteúdos.

Já a memória de longa duração, estudada a partir das contribuições de teóricos como Endel Tulving, envolve a retenção de informações por períodos extensos, permitindo que experiências, fatos e habilidades sejam preservados e recuperados mesmo após anos. A subdivisão entre memória episódica, semântica e procedimental possibilita uma visão mais detalhada e funcional desse sistema, evidenciando como o cérebro armazena e organiza diferentes tipos de informações. A memória episódica e a semântica, com suas respectivas contribuições para a construção da identidade pessoal e o acúmulo de conhecimento geral, representam componentes centrais na formação e continuidade do conhecimento humano. A memória procedimental, por sua vez, destaca-se pela aquisição e retenção de habilidades e hábitos, sublinhando a importância da prática repetitiva e da automatização.

Além disso, a discussão sobre os fatores que influenciam a memória, como atenção, repetição e emoções, mostra que o processo de armazenamento e consolidação das informações é dinâmico e sensível ao contexto em que o aprendizado ocorre. A teoria de Hebb sobre a conexão entre neurônios e o conceito de sinapse hebbiana enfatizam a importância da prática e da repetição para a retenção de informações. A curva de esquecimento de Ebbinghaus também ilustra a importância de técnicas de revisão para minimizar o esquecimento e maximizar a retenção de informações em longo prazo. Esses fatores são cruciais para o desenvolvimento de estratégias de ensino e para o aprimoramento de práticas que potencializem a aprendizagem e a memória em diversos contextos.

Em resumo, a compreensão aprofundada dos mecanismos de memória de curta e longa duração e dos processos que as influenciam contribui não só para o avanço do conhecimento na neurociência e psicologia cognitiva, mas também para a aplicação prática desse saber, como no desenvolvimento de métodos educacionais mais eficazes. Estratégias como a repetição espaçada, a utilização de estímulos emocionais e a otimização do foco de atenção podem, por exemplo, favorecer o armazenamento e a recuperação de informações, tornando o aprendizado mais duradouro e significativo.

 

 

Referências

 

ALVAREZ, P., & SQUIRE, L. R. (1994). Consolidação da memória e lobo temporal medial: um modelo de rede simples. Anais da Academia Nacional de Ciências, 91(15), 7041-7045.

 

BADDELEY, A. (2000). O buffer episódico: um novo componente da memória de trabalho? Tendências em Ciências Cognitivas, 4(11), 417-423.

 

BADDELEY, A., & HITCH, G. (1974). Memória de trabalho. Em G. H. Bower (Ed.), A psicologia da aprendizagem e motivação (Vol. 8, pp. 47-89). Imprensa Acadêmica.

 

BADDELEY, A. D. (2000). O buffer episódico: um novo componente da memória de trabalho? Tendências em Ciências Cognitivas, 4(11), 417-423.

 

HEBB, D. O. (1949). A organização do comportamento: uma teoria neuropsicológica. Wiley.

 

TULVING, E. (1972). Memória episódica e semântica. Em E. Tulving & W. Donaldson (Eds.), Organização da memória (pp. 381-403). Imprensa Acadêmica.

 

TULVING, E. (1985). Memória e consciência. Psicologia canadense, 26(1), 1-12.

 

SQUIRE, L. R., & KANDEL, E. R. (2000). Memória: Da Mente às Moléculas. New York: W.H. Freeman.

 

 

[1] Diretora do Instituto Saber de Ciências Integradas. Pedagoga. Licenciada em Educação Física. Psicopedagoga Clínica e Institucional. Especialista em Sociologia e Filosofia e em Gestão Educacional. Mestra em Ciências da Educação. Atua na Área Educacional desde 1976. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.