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Brincar: a linguagem da infância

Elaine Cristina Nunes de Oliveira Dorta

Ligia Morande do Nascimento

Josy Aparecida Magnani Bonato

 

DOI: 10.5281/zenodo.12685530

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem a finalidade de destacar o brincar como a linguagem da infância, ressaltar sua importância e seus benefícios e demonstrar que na Educação Infantil o brincar se torna um valioso aliado no processo de ensino-aprendizagem, já que por meio dele ensinamos os mais diversos conceitos e abordamos uma infinidade de assuntos, sem perder o caráter pedagógico.

 

PALAVRAS-CHAVE: Brincar. Educação Infantil. Aprendizagem.

 

 

Introdução

 

Criança adora brincar, a infância é marcada por brincadeiras, então é importante compreender o brincar como a linguagem da infância, linguagem essa desenvolvida de forma genuína e autêntica por cada criança, utilizada muitas vezes como forma de expressão e entendimento do mundo que a cerca. A linguagem do brincar pode ser: livre, mediada, com brinquedos, com intenção pedagógica, em grupo ou solitária. Essa linguagem é caracterizada como um falar não convencional de grande teor expressivo que demonstra sentimentos, inquietudes, medos, vontades, unindo o real e o imaginário, uma maneira fascinante que as crianças usam para se comunicarem com outras crianças e com os adultos.

Na escola, principalmente na Educação Infantil, torna-se ferramenta facilitadora no processo de ensino-aprendizagem. O brincar é uma prática diária que deve ser exercida pelo professor nos diversos momentos de sua rotina, pois favorece interação aluno-aluno, professor-aluno e, se bem aplicado, torna-se um suporte na avaliação do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.

Essa linguagem tão presente no cotidiano das crianças marca a infância com suas especificidades trazendo consigo muitas aprendizagens e contribuições importantes para o desenvolvimento integral das crianças.

 

 

Desenvolvimento

 

O brincar não pode ser considerado apenas como uma atividade associada à diversão, o brincar vai além, é assunto sério e tem grande contribuição na formação de nossas crianças. Ele auxilia no desenvolvimento da linguagem convencional e estruturada, das habilidades motoras, sociais, cognitivas e emocionais e propicia muitos aprendizados. Podemos afirmar que o brincar é uma das formas mais naturais e divertidas de construir conhecimento.

 

Brincar é a atividade mais pura, mais espiritual do homem neste estágio (a infância), e, ao mesmo tempo, típico da vida humana como um todo – a vida natural interna escondida no homem e em todas as coisas. Ele dá, assim, alegria, liberdade, contentamento interno e descanso externo, paz com o mundo. Ele assegura as fontes de tudo o que é bom. Uma criança que brinca por toda parte, com determinação auto ativa, perseverando até esquecer a fadiga física, poderá seguramente ser um homem determinado, capaz de autos sacrifício para a promoção deste bem-estar de si e de outros. Não é a mais bela expressão da vida da criança neste tempo de brincar infantil? A criança que está absorvida em seu brincar? A criança que desfalece adormecida de tão absorvida? (...) brincar neste tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (KISHIMOTO; PINAZZA, 2008, p. 48-49)

 

A criança e o ato de brincar estão ligados, um pertence ao outro, muitas vezes se tornam um só, dois mundos inseparáveis. A criança brinca antes mesmo de falar, dessa maneira podemos dizer que a linguagem do brincar é uma forma de expressão, pois quando brinca, a criança constrói afetividade, supera medos, derruba barreiras e mergulha em um mundo de fantasia e imaginação. Como enfatiza Machado (2003),

 

Brincar é também um grande canal para o aprendizado, senão o único canal para verdadeiros processos cognitivos. Para aprender precisamos adquirir certo distanciamento de nós mesmos, e é isso o que a criança pratica desde as primeiras brincadeiras transicionais, distanciando-se da mãe. Através do filtro do distanciamento podem surgir novas maneiras de pensar e de aprender sobre o mundo. Ao brincar, a criança pensa, reflete e organiza-se internamente para aprender aquilo que ela quer, precisa, necessita, está no seu momento de aprender; isso pode não ter a ver com o que o pai, o professor ou o fabricante de brinquedos propõem que ela aprenda. (MACHADO, 2003, p. 37)

 

Brincando, as crianças aprendem regras, demonstram suas vontades e necessidades, exploram, investigam, superam desafios e dificuldades, tornam-se mais autônomas, curiosas e criativas. Brincar é um processo constante de construção que auxilia na formação da personalidade. É a linguagem do corpo, uma vez que criança é corpo e movimento o tempo todo. Tudo isso torna o brincar a linguagem mais dinâmica da infância.

O brincar insere a criança em culturas distintas, fazendo-a perceber a grandeza e a importância da diversidade. É a linguagem da infância mais dinâmica, porque, ao brincar, a criança aprende a se conhecer melhor, a fazer, a ser, estar, sentir e conviver, ao mesmo tempo que amplia sua linguagem e seu pensamento, favorecendo e potencializando seu desenvolvimento integral. Como afirma Kishimoto (2010),

 

[...] o brincar é a atividade principal do dia a dia. É importante porque dá a ela o poder de tomar decisões, expressar sentimento e valores, conhecer a si, aos outros e o mundo, de repetir ações prazerosas, de partilhar, expressar sua individualidade e identidade por meio de diferentes linguagens, de usar o corpo, os sentidos, os movimentos, de solucionar problemas e criar. (KISHIMOTO, 2010, p.1).

 

O brincar colabora para a construção da personalidade da criança. Ele vai além de um passatempo, de um lazer, de uma diversão, é a linguagem mais dinâmica e complexa da infância, na qual a criança conhece e dá sentido ao mundo ao seu redor, comunica-se consigo mesma, realiza trocas de experiências. Sendo assim, Zanluchi (2005, p. 89) afirma que “Quando brinca, a criança prepara-se a vida, pois é através de sua atividade lúdica que ela vai tendo contato com o mundo físico e social, bem como vai compreendendo como são e como funcionam as coisas.”

 

Figura 1- Crianças brincando 

Fonte:https://www.saudemais.tv/noticia/42232-brincar-e-importante-porque-estimula-imaginacao-e-criatividade-das-criancas-estudo. Acesso em: 04/02/2024

 

 

Brincar em grupo ou sozinho

 

O brincar em grupo é fundamental para o desenvolvimento da socialização, pois ele propicia momentos de interações que promovem a afetividade, reforçam laços de amizades, promovem trocas de experiências que, por sua vez, propiciam o desenvolvimento do senso criativo e crítico.

 

Figura 2 – Crianças brincando em grupo

Fonte: https://babyherois.com.br/brincadeiras-infantis-em-grupo/. Acesso em: 13/02/2023

 

 

As crianças aprendem a lidar com frustrações, resolver conflitos, aprimoram as capacidades de cooperação, liderança, argumentação e competição.  Brincar em grupo melhora e amplia a comunicação, tornando-as mais seguras, além de ser muito prazeroso e colaborar para a saúde mental e física das crianças. De acordo com Souza (2007),

 

[...] brincar é indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança. Brincar é um momento de autoexpressão e autorrealização. As atividades livres com blocos e peças de encaixe, as dramatizações, a música e as construções desenvolvem a criatividade [...] (SOUZA, 2007, p. 2)

 

Já o brincar sozinho pode ser divertido e é muito importante também. É essencial entender que a criança não precisa interagir o tempo todo, que ao brincar sozinha ela se sente livre de julgamentos, usa a imaginação e ganha mais liberdade para criar.

Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, afirma que “a capacidade para ficar sozinho constitui um dos indicadores mais importantes de maturidade dentro do desenvolvimento emocional.” (TEMPO JUNTO, 2020).

Figura 3 – Criança brincando fantasiada

Fonte:https://leiturinha.com.br/blog/?s=o+brincar&et_pb_searchform_submit=et_search_proccess&et_pb_include_posts=yes&et_pb_include_pages=yes acesso 12/2/2023

 

Quando brinca sozinha, a criança desenvolve maior autoconfiança e autoestima, aprende a controlar a ansiedade e desenvolve independência social. Ela aprende a gostar da sua própria companhia. O adulto deverá estar sempre por perto e atento, pois é importante que a criança saiba que durante suas brincadeiras solitárias o adulto será sempre seu suporte caso precise de uma ajuda.

 

 

O brincar na educação infantil

 

Partindo do princípio que o brincar é a linguagem da infância e a infância tem uma estreita e forte relação com a Educação Infantil, é importante falar do brincar na escola. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) traz o brincar como um direito de aprendizagem e desenvolvimento presentes na proposta da etapa da Educação Infantil, bem como a brincadeira e as interações são propostos como eixos que devem ser considerados nas práticas pedagógicas.

Segundo a BNCC (2018),

 

É importante reconhecer, também, a necessária continuidade às experiências em torno do brincar, desenvolvidas na Educação Infantil. As crianças possuem conhecimentos que precisam ser, por um lado, reconhecidos e problematizados nas vivências escolares com vistas a proporcionar a compreensão do mundo e, por outro, ampliados de maneira a potencializar a inserção e o trânsito dessas crianças nas várias esferas da vida social. (BRASIL, 2018, p. 222)

 

Neste contexto, podemos dizer que na Educação Infantil acontece o aprimoramento da linguagem do brincar, uma vez que ele passa a ter a intenção pedagógica, sendo um facilitador da aprendizagem das crianças e tendo como mediador o professor.  O professor no papel de mediador tem o compromisso de conduzir o brincar de forma comprometida. Saber dosar o brincar com caráter recreativo e o brincar que proporciona experiências educativas é responsabilidade do professor.

É muito comum na Educação Infantil o brincar ser negligenciado, esquecido e também banalizado. O brincar deveria ser reverenciado e praticado diariamente nas salas de aula, porque tem grande importância no desenvolvimento integral da criança.

De acordo com Kishimoto (2001),

 

Um professor que não sabe e/ou não gosta de brincar dificilmente desenvolverá a capacidade lúdica dos seus alunos. Ele parte do princípio de que brincar é bobagem, perda de tempo. Assim, antes de lidar com a ludicidade do aluno, é preciso que o professor desenvolva a sua própria. A capacidade lúdica do professor é um processo que precisa ser pacientemente trabalhado. O professor que, não gostando de brincar, esforça-se por fazê-lo, normalmente assume postura artificial. Facilmente identificada pelos alunos. A atividade proposta não anda. Em decorrência, muitas vezes os professores deduzem que brincar é uma bobagem mesmo, e que nunca deveriam ter dado essa atividade em sala de aula. A saída desse processo é um trabalho mais consistente e coerente do professor no desenvolvimento de sua atividade lúdica [...] (KISHIMOTO, 2001, p.122,).

 

O professor precisa ter um olhar diferenciado para o brincar, mudar sua postura e ter ações mais efetivas. É essencial praticar em sua rotina e ter em seu planejamento momentos para o brincar por brincar, o brincar livre para as crianças criarem e imaginarem, o brincar dirigido com regras e comandos, o brincar aliado com a prática pedagógica aliado a conceitos, temas e assuntos pertinentes à idade. Observador, facilitador, mediador participante ativo nas brincadeiras são papéis distintos que o professor deve assumir na prática do brincar, atitudes essas que proporcionam momentos únicos para as crianças e enriquecem ainda mais a prática pedagógica.

 

 

Figura 4 - Professora e alunos brincando

Fonte:https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2263/de-baba-a-professora-a-evolucao-da-educacao-infantil-. Acesso em: 13/02/2023

 

Os adultos que trabalham e brincam com crianças têm, portanto, um papel importante na tomada de decisões sobre a didática apropriada e os ambientes para brincar. Eles precisam levar em conta as disposições e a autoestima das crianças, baseando-se em sua diversidade de legados e experiências culturais, reconhecendo que as crianças são aprendizes capazes e confiantes, assim como valorizando as novas experiências que elas trazem todos os dias. (BROCK, 2011, p. 6).

 

Educação Infantil é experimentar, é vivenciar. Brincar é imaginar, criar, misturar imaginário e real, e respeitando tudo isso atingimos e adquirimos uma diversidade de habilidades cognitivas e sociais. O professor é o grande maestro que deve conduzir o brincar de forma criativa e respeitosa. Dessa maneira, grandes avanços e grandes conquistas acontecerão, sem perder a leveza e a ingenuidade da infância.

Criança precisa brincar, através do brincar ela se desenvolve, interage, constrói pensamentos, reconhece-se. Quando a criança inicia sua vida escolar na Educação Infantil, tudo é novo e angustiante. A separação dos pais, ambiente estranho e o professor como alguém desconhecido tornam o brincar uma ferramenta valiosa, o suporte pedagógico que introduz a criança nesta nova rotina para aos poucos ela ir conquistando seu espaço, tornando-se mais segura e confiante, e o professor se torna seu parceiro mais experiente nas brincadeiras.

 

 

Conclusão

 

O brincar é a linguagem da infância, é direito de toda criança, traz inúmeros benefícios para o desenvolvimento integral, pois aprimora as capacidades afetivas, emocionais, sociais, motoras e cognitivas das crianças. Faz aflorar a imaginação e a criatividade, constrói e desconstrói mundos reais e imaginários.

Toda criança é única e especial, cada uma com seu jeito de ser e de experimentar novos desafios, por isso o brincar se torna uma ação simples, espontânea, extremamente necessária e importante no cotidiano infantil. Ao brincar, a criança cria, mesmo que inconscientemente, uma projeção do seu futuro, visto que imaginando e brincando transita por inúmeras profissões, realiza viagens imaginárias, experimenta emoções, conhece e conquista o mundo.

Ao iniciar sua vida escolar, ingressa na Educação Infantil, esta é a primeira etapa da educação básica, um espaço que une o brincar com o aprender. Na Educação Infantil o professor é o mediador e facilitador desse complexo e rico processo, brincar se torna suporte e ferramenta valiosa do professor no processo de ensino-aprendizagem. Facilita a rotina, enriquece conteúdos, favorece a interação e transforma a prática pedagógica, prática essa que deve ser baseada no respeito

 Ao adotar o brincar como a linguagem mais expressiva e efetiva da Educação Infantil, o professor garante às crianças o direito de uma infância feliz.

O brincar deve ser prioridade da infância, uma forma de cuidar, que ensina e transforma o mundo de nossas crianças.

 

 

 

Referências bibliográficas

 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,2018.

 

BROCK, A. A importância do brincar na infância. Pátio Educação Infantil, Porto Alegre: Artmed, ano 9, n. 27, abr/jun 2011, p. 4 -7.

 

CAMARGO, P. A importância do brincar- 7 benefícios para seu filho quando ele brinca sozinho. Tempo Junto, 2020.Disponível em: https://www.tempojunto.com/2020/04/23/brincar-sozinho-contribui-para-o-amadurecimento-do-seu-filho/.Acesso em: 10.fev.2024.

 

KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

 

LEITURINHA. A importância de deixar sua criança brincando sozinha.Leiturinha, 2023.Disponível em:https://leiturinha.com.br/blog/a-importancia-de-deixar-seu-pequeno-brincar-sozinho-tambem/#:~:text=Brincar%20sozinho%20tamb%C3%A9m%20%C3%A9%20importante%20e%20divertido&text=Algumas%20vezes%2C%20o%20importante%20%C3%A9,sobre%20autoconfian%C3%A7a%2C%20autoestima%20e%20seguran%C3%A7a/.Acesso em:6.fev.2024.

 

MACHADO, M. M. O brinquedo-sucata e a criança. Edições Loyola, 2003.

 

NEUROSABER. A importância do brincar na Educação Infantil. Neurosaber, 2020.Disponível em: https://institutoneurosaber.com.br/a-importancia-do-brincar-na-educacao-infantil/.Acesso em:04.fev.2024.

 

SANTOS, D. G. dos. O direito de brincar. Ipa Brasil, 2020. Disponível em: https://www.ipabrasil.org/post/o-direito-de-brincar.Acesso em:29.jan. 2024.

 

SOARES, L. C. O brincar na educação infantil: enunciações docentes em um contexto de formação continuada. – Vitória, ES : Edifes, 2021.

 

TIZUKO M.; PINAZZA, M. A. (orgs.). Pedagogia(s) da infância: dialogando com o passado, construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed Editora S.A., 2008.

 

UNIREWORKERS.A importância do brincar para as crianças. Unireworkers, 2020.Disponível em: https://www.unireworkers.com/a-importancia-do-brincar-para-as-criancas/.Acesso em:6.fev.2024.

 

ZANLUCHI, F. B. O brincar e o criar: as relações entre atividade lúdica, desenvolvimento da criatividade e Educação. Londrina: O autor, 2005.