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ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA REDE CEGONHA NA REGIÃO DE SAÚDE ARAGUAIA XINGU|

 

ORGANIZATION AND MANAGEMENT OF THE CEGONHA NETWORK IN THE ARAGUAIA XINGU HEALTH RREGION

 

Carla Cecilia Seixas Lopes Tavares Dias

Nereide Lucia Martinelli

 

 

RESUMOS

A Rede Cegonha como estratégia de organização de atenção às mulheres e crianças menores de 24 meses de idade, deve estar descrita nos instrumentos de gestão e planejamento acompanhados mediante avaliação dos indicadores específicos da Rede Cegonha. A pesquisa qualitativa mostrou limites estruturais da região. Observa-se também a necessidade da região se apropriar de sua governança na Comissão Intergestores Regional (CIR) e de análises mais robustas na construção de suas redes de atenção, em especial a Rede Cegonha.

Palavras-chave: Indicadores Materno Infantis; RAS; Rede Cegonha; Avaliação em Saúde.

 

ABSTRACT

The Cegonha Network, as a strategy for organizing care for women and children under 24 months of age, must be described in the management and planning instruments accompanied by the evaluation of the specific indicators of the Cegonha Network. The qualitative research showed structural limits of the region. There is also a need for the region to take ownership of its governance in the Regional Intermanagers Commission (CIR) and for more robust analyzes in the construction of its care networks, especially the Cegonha Network.

Keywords: Maternal and Child Indicators; RAS; Stork Network; Health Assessment.

 

 

INTRODUÇÃO

Com a edição do Pacto pela Saúde, a regionalização se fortalece e requer articulação entre os gestores estaduais e municipais na implementação de políticas, ações e serviços de saúde, para garantir o acesso, a integralidade e a resolutividade na atenção à saúde da população, organização dos serviços em cada região para que a população tenha acesso a todos os tipos de atendimento1.

A Rede de Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituída pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 4.279/10 2, que estabelece diretrizes para a sua organização e governança no território de abrangência regional e macrorregional. Posteriormente, foi instituída a Rede Cegonha (RC) - Portaria nº 1.459/113.

Com a edição da Portaria GM/MS nº 4.279/2010 que reorientou o processo de organização das redes de atenção, e com a criação da RC, em 2011, ampliaram-se as responsabilidades municipais no cuidado à saúde da mulher e da criança menor de 24 meses e gerou-se um novo rol de indicadores específicos o qual foi pactuado com os gestores. Entende-se que os indicadores pactuados devem ser monitorados pelo estado e municípios no sentido de implementar a rede de atenção para melhorar o acesso da população2.

A RC, objeto deste estudo, fundamenta-se nas normas de que a promoção do cuidado adequado é condição primordial no acompanhamento do pré-natal, do parto e puerpério, assegurando a melhoria do acesso, a cobertura e o acompanhamento dessa assistência na perspectiva dos direitos à cidadania3,4

Considerando que o planejamento municipal e a condução regional devem definir estratégias para implementar a rede de atenção, pretendeu-se por meio deste estudo, descrever a organização e a gestão da RC na região de saúde Araguaia Xingu – MT, contribuindo assim, para a sensibilização sobre a importância da implementação, do monitoramento, do controle e da avaliação de uma política pública, no contexto peculiar desta região.

 

MÉTODO       

O estudo foi realizado na região de saúde Araguaia Xingu, uma das 16 regiões de saúde do Estado de Mato Grosso, situada na região leste da parte norte do estado, fazendo divisa com Pará e Tocantins. É composta por sete municípios: Canabrava do Norte, Confresa, Porto Alegre do Norte, Santa Cruz do Xingu, Santa Terezinha, São José do Xingu e Vila Rica. Sua população em 2010 era de 76.577 habitantes e a estimativa para 2018 foi de 89.370 habitantes5.

Fizeram parte da pesquisa, como informantes-chave: o diretor do ERSPAN, o coordenador/responsável da Atenção Básica (AB) do ERS, os secretários municipais de saúde dos municípios referência (Confresa e Porto Alegre do Norte) da região, os coordenadores municipais da AB e coordenadores da regulação municipal e do ERS, assim como o secretário executivo do Consorcio Intermunicipal de Saúde.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva exploratória, Utilizou-se de questionário semiestruturado com foco nas informações necessárias à pesquisa desenvolvida sobre a RC.

A coleta foi organizada de forma a propiciar processo de acúmulo e análise sistemática6, desenvolvida da seguinte forma: coleta e tratamento dos dados oriundos dos documentos disponíveis e dos bancos de dados secundários; utilização das entrevistas dados primários.

O primeiro contato foi telefônico, seguido de alinhamentos por WhatsApp, em seguida, encaminhado por e-mail o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que foi entregue no dia das entrevistas assinados e deixado cópia com o entrevistado.

Nos contatos por e-mail e WhatsApp foram agendados horários e locais para as entrevistas, que foram realizadas nos municípios e serviços de interesse da pesquisa.

A presente pesquisa trata-se de um recorte da dissertação de Mestrado que se utilizou do parecer consubstanciado do CEP aprovado do Projeto de Pesquisa do grande grupo cujo título é Governança, Regiões e Redes de Saúde em Mato Grosso (CAAE: 57859816.0.0000.5541 e o número do parecer 2.437.262).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO          

O Estado de Mato Grosso, a partir de janeiro de 2012, iniciou o processo de organização da Redes de Atenção à Saúde (RAS) e entre elas a RC. Instituiu o grupo condutor estadual, e em fevereiro iniciou a organização da sua matriz diagnóstica, homologou as regiões prioritárias da RC no estado e em maio do mesmo ano, iniciou o processo de adesão dos municípios e regiões a rede.

A CIB/MT homologou as solicitações de: adesão integrada das regiões de saúde do Vale do Peixoto e Noroeste Mato-grossense, com 100% de adesão pelos municípios; adesão facilitada das regiões do Vale do Arinos, Garças Araguaia e Alto Tapajós; e como regiões prioritárias a Baixada Cuiabana e a Sul Mato-grossense. Tais modalidade significaram a adesão de apenas sete das 16 regiões mato-grossenses. Em 2012 dois dos municípios da região em estudo aderiram.

Para aderir na condição prioritária, a região tinha que contemplar todas as exigências da Portaria GM/MS nº 1.459/20113, ou seja, ter todos os perfis de serviços montados em sua rede assistencial, conforme define a Portaria 650/20117. Apenas duas regiões de MT tinham esse perfil: Baixada Cuiabana (eleita pelos critérios do GCE) e Sul Mato-grossense que solicitou a inserção por definição colegiada, conforme descreve a Resolução CIB nº 056 de 15 de março de 20128.

Nesta região a Rede de Atenção começou a ser organizada a partir de 2012 quando os gestores aderiram ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) pela adesão integrada (PMAQ-AB – RC)9. Seguindo o recomendado pela nota técnica conjunta da Atenção Básica e do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas do Ministério da Saúde, apenas dois municípios aderiram à RC na modalidade adesão integrada: São José do Xingu e Confresa. Ambos aderiram ao PMAQ e foram habilitadas duas equipes de saúde da família com saúde bucal em São José do Xingu e três equipes de saúde da família em Confresa.

A RC foi implementada no período de 2012 a 2017, foi um processo de reestruturação gradativa que também implementou as linhas de cuidado materno infantil, distinguindo os cuidados com a gestante, com o recém-nascido e a puericultura, conjuntamente com a vacinação. A organização foi fortalecida com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2), que incluiu no plano de prioridades o setor saúde, e liberou recursos financeiros para a construção das unidades de saúde solicitadas por alguns municípios.

Inicialmente o PAC2 liberou recursos para as obras de construção, reforma e ampliação nos municípios de São José do Xingu, Porto Alegre do Norte, Santa Terezinha e Vila Rica. Estes recursos foram liberados entre os anos de 2012 e 201410 e as obras foram concluídas até o ano de 2018.

Em Confresa, além das obras contempladas pelo PAC2, em 2013 o município cumpriu o previsto no plano municipal de saúde de 2014 a 2017 e construiu com recursos próprios, em 2016, três unidades de saúde que abrigam três Estratégia de Saúde da Família (ESF) oficializadas pelas resoluções CIR 001 a 005 de 28 de janeiro de 2016. Mendes (2019)11 destaca a importância da CIR enquanto espaço de governança regional para o fortalecimento das RAS nas decisões do SUS pautadas nos consensos, negociação, cooperação, interdependência, elaboração qualificada de projetos e no uso dos instrumentos de gestão, dentre estes os PMS, Planos regionais das redes, e planos de ação de maternidades.

A magnitude da inadequação da infraestrutura de unidades básicas de saúde no país vem sendo alvo de discussão por diversos autores, com destaque, na linha do tempo, para Silveira et al. (2001)12, antes da RC e PMAQ, por Moura et al. (2010)13, no momento de implantação e discussão das RAS e início da implantação da RC e PMAQ, e por Giovanella et al. (2018)14, após implantação da RC e momento em que haviam sido realizadas avaliações de 2 ciclos do PMAQ. Os autores enfatizaram em seus apontamentos os baixos percentuais de adequação da estrutura física das USF e que mesmo isso, não impactou na redução da cobertura de pré-natal quando analisada a cobertura na rede básica.

Além da ampliação da estrutura física da rede de atenção, os municípios da região também ampliaram a oferta de serviços da rede de cuidados, com a implantação dos testes rápidos para detecção de gravidez, sífilis, hepatite B, HIV/Aids, em seis unidades de estratégia de saúde da família do município de Confresa e Vila Rica. Além da ampliação da rede, Santa Cruz do Xingu e Vila Rica ampliaram o número de Agente Comunitário de Saúde (ACS). Em face de uma boa cobertura de ESF e de número adequado de ACS ampliou-se o acesso da população aos cuidados primários, e aos pontos de cuidado e atenção a gestante e a crianças menores de 2 anos.

Porto Alegre do Norte implantou uma unidade de estratégia de saúde da família, Confresa implantou três unidades de estratégias de saúde da família. Com a expansão da rede, devido a implantação e a construção de unidades de saúde, o município de Porto Alegre do Norte atingiu cobertura de 100% de ESF.

São José do Xingu manteve a cobertura de 100% e Confresa e Vila Rica até 2018 conseguiram cobrir 78% da população com ESF. A boa cobertura de Atenção Primária em Saúde (APS) nestes municípios, por meio das ESF e do programa de ACS, podem ter contribuído para reduzir as desigualdades da região no que se refere ao acesso às ações de promoção da saúde. POÇAS et al. (2017)15 mostram a importância da infraestrutura e de ótimas coberturas de saúde da família e de atividades de ACS nas localidades, enfatizando que podem minimizar as grandes desigualdades regionais.

Pelas resoluções de CIR as unidades básicas de saúde dos municípios da região de saúde Araguaia Xingu foram construídas, ampliadas e reformadas. Esse é um dos pontos positivos da região, visto que a infraestrutura de unidades de APS no país vem sendo alvo de discussão por diversos autores12,13,14 que enfatizam em seus achados os baixos percentuais de adequação da estrutura física das USF. 

Em Vila Rica foi construído o hospital municipal, e em Confresa uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) consta o serviço de pronto atendimento de urgência e hospitalar em seis municípios da região. Canabrava do Norte não tem pronto atendimento cadastrado no CNES, porém, segundo os entrevistados esta unidade existe e está inserida no Centro de Saúde do município. Nas unidades de pronto atendimento foram implantadas salas de estabilização para atender a população, inclusive as gestantes em situação de risco.  

Em 2012 após a adesão integrada à RC/PMAQ e a certificação dos municípios ao PMAQ, o apoio financeiro publicado para São José do Xingu foi de R$ 55.000,00, referentes a duas Unidade Básica de Saúde (UBS) com saúde bucal, e de R$ 52.500,00 para Confresa, para três UBS, recursos estes transferidos como parte integrante do Piso de Atenção Básica (PAB) variável.

O impulso financeiro gerado pelo PMAQ, assim como pelo Requalifica UBS propiciou aos municípios melhorias na estrutura física das unidades de saúde para: atender o disposto na RC da região, desenvolver as atividades para o acolhimento, realizar a classificação de risco e o cuidado por meio do trabalho em equipe e desenvolver as do manual de estruturação das UBS e Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).

Se em 2012 deu-se a adesão de São José do Xingu e Confresa à RC e ao primeiro ciclo do PMAQ, em 2013, na vigência do segundo ciclo do PMAQ, e na modalidade - adesão integrada, as unidades de saúde dos outros cinco municípios da região oficializaram a adesão, atingindo 100% de cobertura e inserção no sistema.

Em 2015 a adesão ao PMAQ cobria 100% dos municípios da região, mas não cobria 100% das unidades de saúde, pois Canabrava do Norte, Confresa, Porto Alegre do Norte, São José do Xingu e Santa Terezinha não cadastraram 100% de suas unidades, como mostra a (Tabela 01) na apresentação dos incentivos distribuídos de acordo com o número de equipes que aderiram ao PMAQ.

Tabela: 01 – Incentivo financeiro por município e número de Equipes de Saúde contempladas no segundo ciclo do PMAQ dos municípios na Região de Saúde Araguaia Xingu-MT, 2015.

Municípios

Equipe de

Atenção Básica

Equipe

Saúde Bucal

R$

Canabrava do Norte

2

1

3.900,00

Confresa

6

4

19.000,00

Porto Alegre do Norte

1

0

5.100,00

Santa Cruz do Xingu

1

0

1.700,00

Santa Terezinha

1

1

7.300,00

São José do Xingu

2

1

5.900,00

Vila Rica

5

5

34.000,00

Total

18

12

76.900,00

Fonte: pesquisa própria, 2022.

 

Em 2016, terceiro ciclo do PMAQ, todos os municípios desta região de saúde foram habilitados (Tabela 02) bem como todas as suas unidades de saúde, ou seja, as 24 unidades com e sem saúde bucal foram contratualizadas e habilitadas para receberem os incentivos financeiros.

Tabela: 02 - Recursos financeiros transferidos por município da Região de Saúde Araguaia Xingu-MT que aderiu ao terceiro ciclo do PMAQ no ano de 2016

Município

R$

R$ ajuste

R$ Total

Canabrava do Norte

10.454,80

400,00

10.854,80

Confresa

37.331,00

3.200,00

40.531,00

Porto Alegre do Norte

33.761,64

-

33.761,00

Santa Cruz do Xingu

1.172,96

-

1.172,96

Santa Terezinha

4.691,83

-

4.691,83

São José do Xingu

18.818,64

-

18.818,64

Vila Rica

37.534,63

6.600,00

44.134,63

Total

143.765,50

10.200,00

153.964,86

             

        

Fonte: pesquisa própria, 2022.

 

À medida que os municípios desta região de saúde foram aderindo ao PMAQ-AB, a RC também foi se fortalecendo, pois dos 47 indicadores de avaliação do PMAQ, 16 faziam parte do rol de indicadores da RC para monitoramento da saúde da mulher e da criança. Este fato de certa forma contribuiu para melhorar a RC, pois eram metas a serem alcançadas para receber os incentivos financeiros do PMAQ.

Nos Planos Municipais ou Relatórios Anuais de Saúde de quatro municípios da região (Confresa, Porto Alegre do Norte, São José do Xingu e Vila Rica) constam estratégias para atingir as metas da RC, e ampliar a cobertura de atenção básica, durante o período de 2012 a 2018.

Os municípios de Confresa e Vila Rica são os maiores em população e estrutura física. Para organizar e implementar a RC, registraram em seus planos municipais de 2014 a 2017: a contratação de médicos especialistas em ginecologia/obstetrícia e pediatria, a ampliação da oferta dos testes rápidos de HIV, hepatites B e C, sífilis, além do teste rápido de gravidez. Estudos mostram que a ocorrência da Sífilis congênita se dá pelo manejo inadequado dos casos com perda de oportunidades, tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento, já que existe um desfalque na quantidade de gestantes que realizam os exames laboratoriais de rotina durante o acompanhamento do PN. Dessa forma, é possível enfatizar que sem a disciplina e cobrança da efetividade programática do serviço, fica difícil erradicar ou diminuir doenças como a Aids e a sífilis, ainda mais quando o controle depende, também, de aspectos comportamentais das gestantes16,17.

Três municípios da região (Confresa, São José do Xingu e Vila Rica) descreveram em seus planos municipais de saúde que disponibilizam na rede pública os exames de pré-natal, e garantem o acesso facilitado e a logística para o momento do parto. Além disso o município de Vila Rica inseriu em seu plano municipal de saúde a implantação de “Leitos Canguru”, e capacitação dos profissionais em linhas de cuidado da atenção primária e triagem neonatal. Também inseriu indicadores de acompanhamento próprios e investiu no aprimoramento da regulação, porém até o período em que foi realizado este estudo, os “Leitos Canguru” não estavam em funcionamento.

Quanto ao detalhamento das ações no plano municipal de saúde para a organização dos serviços materno-infantil, apenas dois municípios o fizeram: Canabrava do Norte planejou ações da rede materno infantil; Santa Cruz do Xingu apresentou plano de ação em 2011 nos programas de saúde da mulher, da criança, imunização, organização da APS, planejamento familiar e Monitoramento das Doenças Diarreicas Agudas. Santa Terezinha não referiu ações materno infantis, exceto na Programação Anual de Saúde (PAS) de 2014. As informações que não foram inseridas nos Planos Municipais de Saúde, Programações Anuais de Saúde ou Plano de Ação de alguns municípios, para o período de 2010 a 2018, foram encontradas nos registros dos sistemas de informação que alimentam as bases de dados secundários, e pode-se dizer que realizaram as ações referentes à saúde da mulher e da criança.

Segundo os entrevistados, tanto para o funcionamento da rede, como para a regulação da gestante, todos os municípios da região se utilizam das centrais municipais de regulação para garantia de acesso às maternidades de referência, na região ou fora da região. Nesta região, para a maioria dos municípios a referência hospitalar é Confresa, e os entrevistados afirmaram que o transporte da gestante é assegurado por meio das ambulâncias municipais, mas em algumas situações e por escolha, a gestante se desloca por sua conta.

Segundo os entrevistados, em 100% dos municípios a porta de entrada para iniciar o pré-natal são as unidades de ESF. Depois de avaliada pela equipe da ESF e conforme as necessidades, as gestantes são encaminhadas para os demais pontos de atenção da rede, ou seja, os serviços mais complexos e de apoio diagnóstico. Para consultas especializadas, utilizam o Consórcio Intermunicipal de Saúde Araguaia Xingu (CISAX) em Confresa. Para exames de USG cada município se organiza, geralmente são serviços terceirizados, exceto Vila Rica, Canabrava do Norte e Santa Terezinha, que possuem aparelho próprio. Para exames de mamografia a referência é fora da região, no município de Água Boa. Para Tomografia a referência é o município de Barra do Garças, fora da região. Para as consultas especializadas não disponibilizadas pelo Consórcio, a referência é Cuiabá, assim como, para exames mais complexos.

Nesta região, a referência para o parto de risco habitual dos municípios de Canabrava do Norte, Confresa, Porto Alegre do Norte, Santa Cruz do Xingu e São José do Xingu é o hospital municipal de Confresa (HMC). Os municípios de Santa Terezinha e Vila Rica têm hospital municipal, e realizam o parto de risco habitual no próprio município. As gestantes de alto risco (GAR) seguem o fluxo adotado pela região, ou seja, a gestante é identificada pela equipe da ESF e encaminhada para o ginecologista em Confresa, que classifica o risco e permanece em acompanhamento pré-natal conjunto (ESF e ginecologista/obstetra do CISAX). Caso identifique que a complexidade do caso é superior à oferta da referência, encaminha para a referência de alto risco em Cuiabá, conforme fluxo da central de regulação.

Para a logística da gestante e da população em geral, Porto Alegre do Norte, Santa Cruz do Xingu e São José do Xingu adquiriram ambulância tipo A e Confresa uma ambulância do SAMU. Para assegurar o transporte sanitário para a gestante que precisa ser regulada para a referência fora da região o gestor encontra dificuldades, visto que, para Cuiabá, o trajeto percorrido tem em média mais de mil e duzentos km, e tem em seu percurso, 130 km de estrada não pavimentada que não é mantida em bom estado de conservação, e expõe ainda mais a gestante.

Os protocolos e linhas de cuidados implantados nos 7 municípios da região permitiram que os profissionais classificassem o risco nas unidades de saúde, e realizassem o cuidado com a gestante e com a criança, seguindo o estabelecido pelo PMAQ e disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Não foram encontrados protocolos próprios construídos e/ou discutidos pelos municípios ou regional no período do estudo.

Uma das exigências do PMAQ e da RC, é o seguimento das linhas de cuidado materno-infantil, e a orientação para que os manuais do MS fiquem em salas e/ou em locais de fácil acesso. Para segui-los, foram gerados arquivos em pdf desses documentos, e inseridos por todos os municípios nos computadores dos profissionais, para acesso rápido, quando necessário. Em cinco municípios os profissionais também possuíam os manuais em mãos, mas apenas dois municípios foram bem avaliados neste item, em 100% de suas unidades cadastradas no PMAQ. As demais equipes foram avaliadas como bom a muito bom.  Pode-se dizer que esse fato contribuiu para melhorar as atividades que fazem parte da RC na região.

As ESF da região foram contempladas com balanças antropométricas, detectores fetais e kits para teste rápido da sífilis para ser realizado em toda mulher gestante na primeira consulta do pré-natal. 

Entre os anos de 2014 e 2016 foi implantado de forma descentralizada nos sete municípios da região, o sistema logístico de insumos laboratoriais (SISLOGLAB), um sistema de informação disponibilizado pelo Ministério da Saúde, para que os municípios insiram as informações referente à movimentação de estoques e ao consumo dos testes rápidos para Aids, sífilis e hepatites virais. Este sistema melhorou o gerenciamento municipal dos insumos, pois anteriormente a essa implantação, a gestão dos testes era realizada somente pelo Ministério da Saúde por estimativa, e sua distribuição dava-se apenas para os Serviço de Atendimento Especializado – Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA). Com a implantação do SISLOGLAB, os municípios participam do acompanhamento dos testes e solicitam a reposição conforme as necessidades da demanda.

As populações dos municípios desta região passaram ter maior acesso aos serviços de apoio e diagnóstico (SADT) em 2015, por meio do fortalecimento dos seus laboratórios municipais, o que ampliou a oferta de exames. O exame citopatológico, mesmo sendo encaminhado para fora da região, foi garantido por meio do serviço habilitado no município de Barra do Garças, um laboratório público, classificado como tipo I, para ser a referência da região para os exames citopatológicos de colo de útero (resolução CIR nº 12 de 13 de novembro de 2015)18. A partir de 2018 a região pactuou e garantiu realização do exame citopatológico no município de Confresa.

Embora a rede de atenção desta região tenha sido ampliada, os serviços ficaram mais concentrados na APS, não foram diversificados, e muitos dos que são necessários para operacionalizar a RC não estavam disponíveis na região no período de 2010 a 2018. Para viabilizar o acesso, os gestores municipais pactuaram suas necessidades, por meio da Programação Pactuada e Integrada (PPI), com gestores de outras regiões. A falta de capacidade instalada na região dificulta o acesso e a PPI não contempla todas as necessidades municipais, vez que as cotas são definidas em função do recurso financeiro disponível para pactuar e que não tem sido ajustado. Além disso, como já discutido, o deslocamento da população para fora desta região é difícil, seja pelas condições das estradas, pela distância até os serviços de referência ou pelos meios de transporte.

Com a região de saúde do Médio Araguaia com sede administrativa em Água Boa foram pactuados 2.400 exames de mamografia/ano para a região em estudo, mas essa oferta é insuficiente pois, considerando o número de mulheres na faixa etária preconizada, a necessidade seria de 6.000 dos exames/ano. Destaca-se que este é um exame de rastreio, que deve realizado a cada dois anos, conforme orientação do INCA e do Ministério da Saúde. Na atualidade a região se encontra sem referência para o procedimento e cada município o viabiliza de forma individualizada.

Para capacitar os profissionais da rede de atenção, a região conta com o apoio da Comissão de Integração de Ensino e Serviço (CIES) Regional Araguaia Xingu - Porto Alegre do Norte, criada em 2010 por meio da resolução CGR/PAN Nº 008/201019. É composta pelos secretários de saúde e/ou representantes dos municípios, por um representante do ERS/PAN e um representante das seguintes instituições de ensino e formação, e movimentos sociais e trabalhadores: Assessoria Pedagógica PAN-MT, Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia-IFET /Campus de Confresa- MT(atual IFMT), Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Agência de Apoio ao Empreendedor e Pequenos Empresários – SEBRAE/ MT, Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde e Meio Ambiente – SISMA, Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT, Controle Social – CMS/PAN. Com base nas demandas dos municípios, a CIES elaborou o Plano Regional de Educação Permanente em Saúde (PAREPS) e as capacitações para implementar a RC, iniciaram em 2012.

Dentre as propostas educativas para cada biênio, inseridas no PAREPS e que se enquadram com a proposta da RC e do PMAQ, tem-se: capacitação em coleta de exame citopatológico para enfermeiros com abordagem em manejo clínico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis; oficina de planejamento familiar e pré-natal, com foco no planejamento da gestação, para diminuir a mortalidade infantil e neonatal na região e incidência de sífilis; capacitação em Atenção Integrada as Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) com foco no comportamento das morbidades e comorbidades na primeira infância e na melhoria dos indicadores de acompanhamento da saúde da criança, acompanhadas também pelo Sistema de vigilância alimentar e nutricional (SISVAN) entre outros; curso de Sala de Vacina devido as constantes mudanças, com proposta de atualizar tecnicamente todos os profissionais; e oficina “Rede de Integralidade em Saúde”.

Essas capacitações têm impacto no desenvolvimento das ações e dos serviços, no cuidado e no processo de avaliação, diagnóstico e tratamento dos agravos que acometem mãe e filho.

Embora todos os municípios tenham sua rede de atenção em funcionamento, o instrumento utilizado para elaborar o relatório de gestão não expressa isso com clareza. Muitos municípios ainda encontram dificuldades para descrever as ações realizadas, e nem sempre relatam o que de fato foi realizado para operacionalizar o funcionamento da RC, assim como as articulações que foram viabilizadas para garantir o acesso materno-infantil aos serviços. Na maioria das vezes se limitam a expressar os resultados dos indicadores pactuados, sem interpretação, análise ou comentário.

O Relatório Anual de Gestão (RAG) de Santa Cruz do Xingu, no ano de 2016, não mostrou o resultado dos indicadores, e os apresentados pela avaliação externa do PMAQ mostraram as dificuldades da gestão em manter os serviços e como consequência sua avaliação junto ao PMAQ foi ruim. O RAG de Santa Terezinha do ano de 2016 explicita que seu gasto com saúde foi acima de 30% e que sua maior parte (59,95%) é gasto com pessoal. Sua avaliação frente aos indicadores do PMAQ também não foi boa e houve redução na transferência dos recursos.

Ao fim de cada ano, municípios e estados têm seu desempenho avaliado pelo nível federal em função do cumprimento das metas pactuadas20, conduta que faz parte das diretrizes do Pacto de Indicadores da Atenção Básica (SISPACTO), que é o instrumento formal de negociação entre gestores das três esferas de governo (municipal, estadual e federal). O resultado dos indicadores pactuados por cada município desta região, seguindo as orientações do pacto interfederativo, foram inseridos no RAG, que além de ser o sistema de prestação de contas e acompanhamento da saúde municipal, contribui para a operacionalizar e planejar a RC nesta região de saúde Araguaia Xingu.

Como parte do PMAQ, e com base nos resultados dos indicadores relacionados à mortalidade infantil e materna, o Ministério da Saúde transferiu recursos financeiros aos municípios desta região para melhorarem o cuidado materno infantil por meio da estruturação dos serviços da APS. As Resoluções CIR de 2013 a 2018 afirmaram que foram realizadas obras de reforma e ampliação em todos os municípios da região.

Segundo os entrevistados, o hospital de referência para a RC nesta região de saúde, Hospital Municipal de Confresa, criou o Colegiado Gestor e realizou os desdobramentos para atender as exigências da RC. No entanto, não se encontrou o registro formal de tal criação e nem de sua atuação nos planos municipais de saúde, nas programações anuais, RAG, CIES, atas e resoluções de CIR no período de 2012 a 2018.

Observou-se, na CIR desta região, que houve pouca discussão técnica sobre a RC e que o impulso de adesão se deu após a informação da adesão integrada ao PMAQ, o que pode ter suscitado o interesse da região, pois o PMAQ, mediante tal adesão, liberava recurso financeiro. Outra observação foi o desconhecimento da organização da rede como um todo, em nível municipal e regional, apesar do incentivo financeiro mediante o alcance das metas pactuadas. 

Pode-se dizer que no período analisado e considerando os limites estruturais da região, a rede materno-infantil foi organizada, gradual e parcialmente, sobretudo pelas demandas naturalmente impostas e dos compromissos assumidos mediante adesão à RC e ao PMAQ. Houve expansão da rede, sobretudo da APS. Além disso, houve a organização do acesso ao SADT, definições de regulação, acesso a consultas especializadas, retornos e tratamentos, implantação dos testes rápidos em todas as unidades básicas de saúde, mas ainda muito dependente do encaminhamento para outras regiões, por falta de serviços nos municípios desta região.

Independentemente de como se deu a adesão à RC ou mesmo qual foi a força motriz para a sua organização, o importante é que, diante de todas as dificuldades encontradas na região, a RC, é considerada a mais organizada, embora ainda requeira muitos investimentos para ofertar segurança às gestantes e crianças como também serviços de qualidade e resolutivos no espaço regionalizado.

A assistência hospitalar para atendimento à gestante de alto risco é dificuldade no estado e ponto crítico para a região, conforme apontado pelos entrevistados e atas de CIR, requerendo discussão colegiada para reordenação de futuras pactuações.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Por meio dos indicadores analisados e dos resultados das entrevistas foi possível identificar que a RC da região não está devidamente organizada e estruturada. Porém, vale salientar que foi devido a RC que os municípios da região cumpriram requisitos importantes para a organização da rede. 

Observou-se grande influência na organização das RAS, iniciando pela RC, dos recursos financeiros por meio da adesão integrada ao PMAQ, com o fortalecimento do cuidado materno infantil de forma regionalizada, respeitando-se as singularidades de cada município, embora seus resultados sejam pouco robustos, para gerar o impulso de mudança necessário, a região deu grande salto no seu processo de estruturação.

Pode-se dizer que na região de saúde Araguaia Xingu buscou-se fomentar a implementação da RC e garantir esse modelo proposto de atenção à saúde da mulher e da criança. Porém, os limites estruturais da região e principalmente os vazios assistenciais no escopo dos serviços, incluindo também os serviços privados, representaram um obstáculo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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