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QUANDO APOSENTAR PODE SIGNIFICAR O PRELÚDIO DA MORTE DO CORPO E DA ALMA, OU RECOMEÇO DE UMA ‘NOVA’ REALIDADE SOCIAL

Romero Ribeiro Barbosa[1]

Rozângela Aparecida de Oliveira[2]

 

Introdução

A filósofa feminista francesa, Simone de Beauvoir (1990), em um dos seus estudos acerca da velhice nos induz a refletir acerca das questões relativas ao tempo, à idade, à velhice e ao envelhecimento, e suas inter-relações com o mundo da sociedade e produção modernas.

Beauvoir emergiu no pensamento e sentimento das pessoas idosas, destacando fatores históricos para ampliar o entendimento dos modos como a psique dos indivíduos e da sociedade se relacionavam com o envelhecimento. Em sua abordagem, há a caracterização de uma sociedade moderna como produtiva, competitiva, machista, valorizadora da beleza maquinimica dos corpos e, porém, responsável pelo distanciamento das pessoas mais velhas do mercado de trabalho.

Para Han (2010), a sociedade moderna, enquanto sociedade do trabalho, aniquila toda possibilidade do agir, degradando o homem a um animal laborans – um animal trabalhador. Por conta disso, essa sociedade ativa gera um cansaço e esgotamento excessivo.

O antropólogo francês Jean-Yves Lelloup (2004), ocupado em nos propor uma anto-análise da corporeidade humana, nos adverte que cada parte do corpo conta-nos múltiplas histórias, desvelando o horizonte multicolorido da inteireza humana. Em sua obra, há interessantes sugestões de como reconhecer as simbologias e as fragilidades do nosso corpo e não se martirizar com as suas Vicissitudes.

Lelloup nos faz refletir e acreditar que o ‘corpo fala’, através de seus movimentos manifestos em momentos de dores, de alegrias, de tristezas, de sentimentos, enfim. Uma comunicação sem verbalizações, mas por meio de expressões gestuais, comparações e visualizações.

Mas, afinal, o que Beauvoir, Han e Lelloup tem em comum com a proposta apresentada inicialmente?

Ambos nos trazem reflexões acerca das realidades vividas por uma sociedade emergida no mundo do trabalho, da produção, da valorização do corpo, das vicissitudes dos mesmos, inclusive do seu envelhecimento.

A proposta deste artigo é fomentar discursões que tenha como elemento central a vida do trabalhador, considerando seus desafios mediante uma sociedade que, a todo custo, cobra desempenho, mas, que, ao mesmo tempo, promove o rompimento da lógica do seu trabalho, ao considerá-lo improdutivo, inútil, envelhecido e, por conta disso, aposentado.

Nesse sentido, uma parte desta pesquisa consiste em, primeiramente, analisar – de modo sucinto - a categoria trabalho, e suas real importância enquanto instrumento de inserção social, como também de sobrevivência humana. Ainda assim, consideramos que trabalhar é preciso, mas viver com qualidade de, é necessário.

A outra parte propõe um diálogo acerca das condições do indivíduo ao se deparar com a sua ‘exclusão’ do mundo do trabalho. Nesse sentido, o eixo liberdade tardia ou a morte do aposentado? nos convida a uma reflexão da realidade daquele indivíduo – de acordo com os padrões de produção do mundo moderno – alijado do mercado de trabalho.

A última parte, intitulada de a tão sonhada aposentadoria e as contribuições da neurociência para uma vida melhor, propõe traçar algumas situações e ações que possam contribuir com o sujeito – agora aposentado – em desafiadoras funções que o valorize, eleve sua autoestima e, sobretudo, traga-lhe mais qualidade de vida, seguindo algumas orientações da psicologia e da neurociência.

E, para finalizar – e não decretar o esgotamento do assunto - essas menções de bases ligeiramente introdutórias, retomo as orientações de Simone de Beauvoir (2004): a velhice surge aos olhos da sociedade como uma espécie de segredo vergonhoso do qual é indecente falar. É preciso quebrar a conspiração do silêncio. É isso. Por enquanto, até aqui.

 

 

Trabalhar é preciso, mas viver com qualidade de vida, é necessário.

 

Trabalho é o que permite fazer de um ovo uma omelete, de um tecido uma fantasia, de um barulho uma música (Henfil).

 

Inicialmente, não se concebe um breve diálogo que tem na essência a aposentadoria como a centralidade, sem - mesmo que de maneira sucinta - levantar uma abordagem acerca da categoria trabalho. Por outro lado, também é inconcebível em parcas linhas aprofundar naquela categoria discutindo a dialética amparada em clássicos tais como Marx, Engels, Durkeim e tantos outros.

A ideia aqui é principiar um discurso que fomente, resumidamente, a ideia central deste texto. Sendo assim, justificado o seu intuito, partiremos de algumas concepções acerca do trabalho, enquanto categoria inicialmente desse objetivo e suas interpretações com base em tempos sociais e enquanto força de trabalho durante determinado período da história humana.

Segundo Ferreira (2012), o trabalho era visto por Karl Marx como a atividade sobre a qual o ser humano emprega sua força para produzir os meios para sua subsistência.

Aquele autor nos remete a outros tempos da humanidade, nos quais, ao olharmos para períodos históricos anteriores ao nosso – o período medieval, por exemplo –, vemos que o trabalho rural era a principal forma de labor do período. A produção de alimentos ou de outros bens de consumo estava relacionada com a necessidade daqueles que o produziam. Isso quer dizer que o homem da labuta rural não produzia em função de lucro, mas para consumo próprio e de sua coletividade.

O comércio, segundo Barbosa (2008), reduzia-se a formas rudimentares de troca de produtos produzidos por outros trabalhadores, assim, o trabalhador mantinha contato direto com o que produzia. Tratava-se de uma relação próxima entre produto, produção e subsistência.

Com o advento da Revolução Industrial, houve uma grande mudança nas relações sociais e nas relações de trabalho do indivíduo, que até então vivia ligado diretamente à terra (BARBOSA, 2008). O surgimento das cidades e o eventual êxodo rural deslocaram o indivíduo que dependia da terra para a sua sobrevivência para os centros urbanos. Segundo Marx, como esse novo homem urbano perdeu seu acesso à terra, surgiu uma classe de trabalhadores que deveria vender sua força de trabalho.

Reforçando ainda a presença do trabalho no contexto social, após a Primeira Revolução Industrial na Europa, Barbosa e Oliveira (2022), apontam a situação do trabalhador, no primeiro momento como observador e, posteriormente, como usuário de sua condição física (o corpo), na busca pela sobrevivência.

Para aqueles autores, foi nos primeiros acontecimentos da Revolução Industrial, na Inglaterra (século XVIII), que a força de trabalho passou a ter um elo de subordinação direta às questões técnicas das máquinas à vapor. A partir de então, o homem passaria, historicamente, a uma condição de mero observador e ajustador daquelas primeiras ferramentas de produção. Agora todas as ações que os trabalhadores perpetuam em forma de trabalho, decorre do uso de suas forças físicas.

O sociólogo Italiano Domenico Di Masi (2000, p.206) sinaliza nessa direção ao perceber que aos trabalhadores são dispensados do uso do raciocínio naquele modo de produção. Para ele, “a sociedade industrial permitiu que milhões de pessoas agissem somente com o corpo, mas não lhes deixou a liberdade para expressarem-se com a mente”. Não é exagero afirmar que o corpo e seu esforço físico, são as novas categorias de análises para a inserção no mundo do trabalho no que se concerne à natureza funcional das fábricas e o resultado de suas produções. Por conta disso, por muito tempo, segundo Di Mais (2000, p. 150), “consideramos o trabalho como uma atividade física, cansativa e desagradável que desejávamos que acabasse o quanto antes. Esta é também a definição de cansaço, esforço e fadiga”.

Com o passar dos tempos a indústria - não somente na Inglaterra, mas em outros territórios europeus e, mais tarde, nos Estados Unidos da América – se aprimora fazendo uso de novas tecnologias cada vez mais modernas e isso também estava atrelada ao processo educacional. Isso quer dizer que investir em tecnologia necessário se faz (fazia) apostar em pesquisas de ponta, material e sobretudo em novas relações de trabalho, provenientes daquelas novas formas de produzir. Talvez seja por isso que fazemos hoje sempre menos coisas com as mãos e sempre mais coisas com o cérebro.

Certamente, aquele avanço das novas tecnologias de produção, comunicação e importação estão intrinsicamente ligadas aos pretextos do capitalismo. Não à toa que Nascimento et al (2016, p. 127), compreende que o “capitalismo trouxe para o mundo contemporâneo, intensas mudanças tecnológicas, com impactos consideráveis para as relações do indivíduo e da sociedade, principalmente no que tange aos sentidos do trabalho, à educação, à economia, bem como as demais esferas sociais”. E como pensar nessas mudanças, ao inserir o indivíduo envelhecido e aposentado?

Queremos deixar claro que não estamos a afirmar que o sentido da vida se perde quando da aposentadoria do sujeito. No entanto, é possível imaginar o impacto sobre a saída do mundo do trabalho para aqueles que ainda estavam trabalhando e a forma como esse processo é vivenciado por aqueles já havia saído do mundo do trabalho.

A esse processo de desligamento do trabalho, Fontoura, Doll e Oliveira (2015, p. 59), denominou de ‘teoria do desengajamento’ pertinente às mudanças que acontecem durante o processo de envelhecimento, ou, dito de outra maneira, “corte dos vínculos das pessoas mais velhas com os demais membros da sociedade”.

Por outra via interpretativa, poderíamos pensar também que o tempo do trabalho é também o tempo da sedimentação da vida, via relações sociais (ao assunto ‘aposentadoria’ daremos um enfoque específico na segunda parte deste texto).  

Regressando ao ponto de vista de Ribeiro (2020, p. 42) de quem acredita que toda e qualquer atividade produtiva só se pode efetivar por meio de algo. Entendemos que esse ‘algo’ ao qual se refere o autor está diretamente relacionado a natureza e a formas de que homem vem adquirindo para intervir na mesma. E é exatamente por conta de sua atividade produtiva, via trabalho, que o homem – visto por ele como uma parte da natureza – “distancia-se de sua condição animalesca e faz da própria natureza uma continuidade de seu corpo”.

Sorj (2000, p. 28) acredita que de Marx herdamos ainda os pressupostos de que “a posição do trabalhador no processo produtivo é o princípio organizador da estrutura social; de que a dinâmica do desenvolvimento é pautada pelos conflitos gerados em torno da exploração no plano das relações de trabalho, e de que a racionalidade capitalista industrial é a responsável pela continuidade do desenvolvimento das forças produtivas”.

Observando com outro olhar, Ferreira (2012, p. 49), entende que “é pelo trabalho que o ser humano se humaniza e também humaniza a natureza”. Mas, é necessário refletir a partir do não trabalho.

Para dar seguimento nesse bate-papo, propusemos as seguintes provocações: o que você vai fazer ao se aposentar? Esta pergunta convoca outras duas: ao libertar-se da’ ideia tradicional do trabalho,’ seja ela em qualquer instância, dar-se-á o fim da vida? Já que aposentar é sinônimo de envelhecimento, Simone de Beauvoir (apud Bertão, 2020) questiona se estamos preparados para envelhecer e vivenciar a velhice?

 

 

Liberdade tardia ou a morte do aposentado?

 

É comum na cultura do mundo trabalho, associar a aposentadoria com a velhice. É quase notório que uma se sustenta na outra, pois ambas estão, de certa forma, entrelaçadas com a ‘saída’ da vida laboral. Fontoura, Doll e Oliveira (2015, p. 62), destacam que “além da diversidade de elementos que ensejam o fim da vida laboral, a temática da aposentadoria está relacionada a um assunto ainda mais incômodo ao ser humano: o envelhecimento.

Ainda que, conforme Pereira (2019), há pessoas que morrem aos 50 anos e são enterrados aos 80 anos ou mais.

Sendo assim, nesse trabalho partiremos do princípio de que a velhice chega quando é decretado o seu direito a se aposentar. Mesmo sabendo que há pessoas que se aposentam aos 40, 50 e outras com 70 anos ou mais.

De alguns anos para cá, algumas inquietações me preocuparam quando o assunto é pertinente à questão da aposentadoria. Não que o fato de a tão sonhada aposentadoria para muitos de nós se tornasse um carma ou mesmo uma condição de negação deste benefício, salutar a quem levou a vida a cumprir com suas jornadas diárias vendendo sua força de trabalho, e agora, desmerecidamente não pudesse contemplá-la, mas sim o que fazer quando esse momento chegasse. Sendo assim, que ações devemos realizar, como salienta Carvalho (2021), para que o envelhecimento e, por conseguinte, a aposentadoria, não seja comparada como a falsa decadência mental e física do trabalhador.

Nessa parte, nosso bate-papo permitirá relacionar aposentadoria com envelhecimento (ou vice-versa), ao partir do princípio de que a aposentadoria adquire o caráter de sinalizador do envelhecimento. Desse modo, para que fique claro, em alguns momentos abordaremos a velhice e noutro, a aposentadoria, sendo que um é sinônimo do outro.

Por muitos anos, de um modo empírico, conversei com pessoas que aguardavam esse momento, e lhes questionei acerca do que iriam fazer ao se aposentar.

As respostas, quase sempre unânimes, me provocou inquietações: ao me aposentar, não quero fazer mais nada, disseram alguns. Um basta na correria das labutas diárias rumo ao trabalho (para aqueles que se deslocavam de casa rumo ao trabalho, afirmaram outras.

Outros falaram que teriam mais tempo para assistir aos filmes preferidos, acordar mais tarde, ficar mais tempo conectados às redes sociais etc. ou seja, o computador e as teclas dos celulares seriam companhias mais frequentes. Poucos apresentaram algum planejamento que inserisse mais atividades físicas, alimentação mais saudável.

Diante daquelas respostas, fui conduzido a inúmeras preocupações e me fazendo rever essa questão tão desejada por todos nós que executamos de forma contínua e exemplar obrigações trabalhistas. Nesse sentido, percebi também, comparando com a análise de Di Masi (2000, p. 223), “que a grande maioria das pessoas não sabe como se distrair, nem como descansar”. Isso poderia propiciar situações adversas, inclusive para a continuidade da vida, da saúde, porque quando chegaram a tempo livre, alguns deles se viam entediados, ansiosos, e assim, os dias, as noites, as semanas, os meses se tornaram um ‘inimigo’ da ociosidade tão merecida e esperada (e, às vezes, não planejadas).

Por outro lado, mantive diálogos com pessoas que já estavam aposentadas e levavam uma vida, com esse tempo livre, a exercer determinadas funções cotidianas que não corroboraram com o sedentarismo: exercícios físicos regulares, idas a shows, passeios com a família a lugares nunca dantes visitados por eles, alimentação saudável, e por ai vai. Porém, esse grupo (apesar da pesquisa não ser tão aprofundada por meio de dados, pesquisas, estatísticas) se traduziu num grupo bastante reduzido.

Convém destacar que, não é apenas o fato de uma pessoa se aposentar e usufruir de todas as benesses que a vida proporciona de igual maneira para todos. Nesse contexto, questões econômicas, sociais e culturais, também devem ser levadas em conta, porque nem todos se aposentam com perfil de igualdade de renda.

Entretanto, não deveria ser essa uma justificativa de determinado grupo social, ao se aposentar, se eximir de outras maneiras de continuar a vida fugindo do ostracismo e do sedentarismo. Isso por que, conforme Carvalho (2021), foi-se o tempo em que “melhor idade” era sinônimo de invalidez ou somente ficar dentro de casa.

Então, o que você vai fazer ao se aposentar?

Di Masi (2000) chamou de ‘ócio criativo”, quando o indivíduo se libertar da ideia tradicional do trabalho como obrigação ou dever e for capaz de apostar num sistema de atividades, onde o trabalho se confundi como o tempo livre, com estudo e com o jogo.

Di Masi, certamente, está se referindo aos sujeitos que ainda estavam exercendo suas atividades laborais e, com isso, necessitaria trabalhar menos para dispor de mais tempo livre para aproveitar a vida de alguma maneira (claro, fora do trabalho). Aquele autor (2000, p. 214) defende a tese de que “o caminho para a felicidade e prosperidade acha-se na diminuição do trabalho”.  

Aqui, na ideia deste texto, podemos fazer uso do termo ‘ócio criativo’, direcionando-o para a aposentadoria, onde há inclusão de atividades criativas, divertimentos, formações, atividades físicas etc. ou seja, lutar contra uma imagem negativa da velhice e, por conseguinte, da aposentadoria ou, como afirmou o sociólogo Austriáco, Leopold Rosenmayr (1983), da ‘liberdade tardia’.

No entanto, o afastamento do universo do trabalho pode deixar uma marca relevante na vida das pessoas, com fortes implicações não só para sua organização temporal da vida, mas também para sua autoimagem e suas relações sociais. Ainda que, a aposentadoria é benefício meritório de quem cumpriu todas as etapas para tal feito.

Fontoura, Doll e Oliveira (2015) nos lembra de que:

 

A aposentadoria começou a ser introduzida no final do século XIX em países industrializados como uma forma de assegurar o sustento de vida dos trabalhadores velhos nos seus últimos dias de vida, tirando-os da mendicidade, situação que muitos deles enfrentaram quando não tinham mais condições de trabalhar.

 

Muitas das vezes, segundo Bertão (2020), lidamos com a velhice como se fosse algo estranho a nós. Temos dificuldades em aceitar que nós, sim, todos, seremos velhos e velhas um dia. Para Pereira (2019), muitos chegam a pensar que a velhice é sinônimo de doença e fraqueza, e que tanto o vigor físico como a saúde jamais estará à sua disposição.

Entretanto, atualmente, a antiga imagem do aposentado como um sujeito velho, acabado e doente, perto da morte, não se sustenta mais, na opinião dos autores acima.

Nesse sentido, o fim da vida laboral pode ser entendido, para alguns, como uma chance para experiências e projetos novas. Se a tão sonhada aposentadoria não pode representar simplesmente parar de trabalhar, e sim a troca de ocupação por mais uma agradável, conforme nos adverte Pereira (2019), o que devemos fazer para se ter uma velhice saudável?

Segundo Pereira (2019), o ideal é que a busca por uma velhice saudável comece antes e não depois que os anos começam a pesar. Ou seja, a pessoa deve programar-se para envelhecer e não ser tomada de surpresa pela aposentadoria.

Mas, como boa parte das pessoas só começa a pensar naquela ‘programação’ quando se está aposentada, que direção devemos seguir para não perdermos o sentido da vida e se deixar levar pela ideia do tempo totalmente livre?

Outra: quais as contribuições da neurociência e da psicologia para que a aposentadoria e velhice não se torne a falsa ideia de decadência mental e física?

 

 

A tão sonhada aposentadoria e as contribuições da neurociência para uma vida melhor

 

Byung-Chul Han, em sua obra bastante polemizada, ‘A Sociedade do Cansaço’ (2010), destaca que a sociedade moderna é a sociedade do excesso de positividade (cobranças), de desempenho, de estímulos, de informações e impulsos neurais. Para aquele autor (2010, p. 38) “o excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma”. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos e a depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade, pontua o autor. Ou seja, quanto mais pensamos que estamos livres, estamos trabalhando mais. E esse excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa auto exploração de nós mesmos. Essa é uma realidade latente do mundo do trabalho atual, para a maioria dos seres humanos.

Trabalhos em excesso e, ao se aposentar, nos refugiamos daquele convívio social, às vezes de maneira brusca. Pronto! Estou aposentado, e agora?

Se, nas palavras de Han, estamos nos excedendo em quase toda nossa etapa de sobrevivência, na atualidade, como poderíamos pensar o sujeito ao aposentar? Veja que, ao se aposentar, o indivíduo depara com uma brusca pausa laboral de suas atividades. E isso impacta diretamente com as funções neurais – emocionais - do comportamento daquele indivíduo, ‘isolado’ socialmente. 

Esse isolamento social pode ser potencializador de sedentarismo, depressão, ansiedade, vícios e outras anomalias provenientes de funções físicas e cerebrais. Então, aqui cabe uma indagação: como lidar com essa ‘nova’ realidade do mundo desprovido daquelas obrigações trabalhistas costumeiras, ao longo de sua vida? Veja que nesse percurso está toda somatória de vida social do sujeito.

Entre o nascer, o envelhecer e o aposentar, utilizaremos as expressões dos geógrafos Paul Claval (1999, p. 85) que traduz esse período de “ritos de passagens”; e chaveiro (2005, p. 32) para quem acredita que “a vida é um engenho de passagem”. ‘ritos e engenho de passagens’ nos faz rever trajetórias históricas do indivíduo ao chegar na fase da aposentadoria.  A neurociência pode nos auxiliar nessa fase emblemática da vida?

Antes de adentrar diretamente no assunto, é importante tecer um ligeiro diálogo daquilo que venha a ser neurociência. Em seguida, urge relacionar onde ela permite uma conexão no processo de aposentadoria.

Conforme Ribeiro (2020), a neurociência envolve o estudo do controle neural das funções vegetativas, sensoriais e motoras; dos comportamentos de locomoção, reprodução e alimentação; e dos mecanismos da atenção, memória, aprendizagem, emoção, linguagem e comunicação. Para ele, a neurociência faz uma importante conexão com a Psicologia. Dentre seus objetivos, a neurociência busca esclarecer os mecanismos das doenças neurológicas e mentais por meio do estudo do sistema nervoso normal e patológico.

Semelhante interpretação nos fornece o neurocientista Custódio Michailowsky Ribeiro (2020), ao assegurar que é a ciência que pode auxiliar na compreensão da função neuronal e seus circuitos cerebrais ao longo da vida. Isso implica, segundo o especialista, descobrir substâncias que estão envolvidas na manutenção da saúde cerebral.

Outro subsídio teórico sobre o assunto neurociência vem de Feitosa-Santana (2018). Para ela, não nascemos com os nossos circuitos emocionais prontos. Esses circuitos vão sendo construídos de acordo com a nossa história. Nesse sentido, enquanto seres humanos, somos criaturas criadas por nós mesmos.

Oliveira (2021) destaca que a neurociência vem descobrindo substâncias e atividades que protegem o cérebro das doenças neurológicas, podendo ajudar a população a envelhecer melhor, estudando o sistema nervoso que inclui o cérebro, medula espinhal e nervos periféricos. Segundo aquele autor, conhecendo os processos fisiológicos envolvidos, podemos retardar a perda da memória.

Para Calabrez (2015.), nosso cérebro é uma máquina associativa. Aprende pela repetição. Sendo assim, afirma ele, nossas emoções não são intrínsecas, mas construídas por nós mesmos. É a partir daí que temos a possibilidade de mudar hábitos negativos e ensinar nosso cérebro a agir corretamente, pois, os bons hábitos lhe darão retornos futuros. Devemos, no entanto, estar em busca de nós mesmos (CALABREZ, 2019).

Retornando a Calabrez (2017), pessoas protagonistas são capazes de fazer aquilo que às vezes, as forças foram embora, pois o autoconhecimento é libertador. Já a acomodação é a morte. Segundo ele, enquanto seu cérebro (refletir, pensar, aprender) estiver vivo e saudável, você é capaz de mudar.

O pouco que dialogamos até aqui, vimos a importância dos estudos da neurociência para gerir nossos comportamentos e nossas emoções e ações diante de diversas situações, não apenas no processo da aposentadoria, mas ao longo da vida das pessoas.

Entretanto, como no caso dessa análise que envolve o indivíduo prestes a aposentar - ou ainda estando aposentado - nortearemos este diálogo de modo mais incisivo, naquela categoria: aposentadoria.

Segundo Oliveira (2021), o Brasil está envelhecendo, e a estimativa é que em menos de 10 anos ocorra a tão falada virada demográfica, onde teremos mais idosos (acima de 65 anos) do que crianças e jovens (abaixo de 25 anos). Para ele, um dos grandes desafios, será de assegurar que essa população idosa tenha condições dignas para uma velhice – e eu entro ai com o fator aposentadoria – tranquila e ativa.

Pereira (2019) acrescenta que a população idosa brasileira vem aumentando desde a década de 1950, quando apenas 4% dos brasileiros tinham mais de 60 anos. No ano de 2015, 15% da população brasileira tinha mais de 60 anos de idade e ainda, que esta em 2025 será a sexta maior população de idoso do mundo, com cerca de 32 milhões de pessoas acima dos 60 anos.

Diante daqueles dados, parece haver uma necessidade de novos olhares para os idosos e aposentados, de uma forma a que se comece a pensar em como aproveitar esta fase da vida. A urgência desses ‘novos olhares’ o autor chamou de ‘psicologia evolutiva’. E mais, segundo ele: a certa altura da vida, o indivíduo aceita sentir-se velho, significando que ele já não é mais o que costumava ser. E, para dificultar as coisas, juntamente com as várias limitações impostas pelo envelhecimento, vem paralelamente à aposentadoria, que atrapalha financeira, psicológica e socialmente a estrutura do idoso. Como se não bastasse, quem passa a maior parte da vida adulta voltado para o trabalho tende a sentir-se inútil quando chega a aposentadoria (PEREIRA, 2019).

Por outro lado, a estimativa de vida dos brasileiros hoje é 73 e 81, para homens e mulheres respectivamente, e são as escolhas que fazemos antes mesmo de solicitar o benefício, que irão refletir na qualidade de vida que teremos na aposentadoria.

Dentre variadas escolhas, traçaremos algumas delas, que acreditamos ser de extrema importância para auxiliar as pessoas, em fase de aposentadoria, a buscar comportamentos que os levem a uma qualidade de vida. Boa parte destas contribuições serão abordadas em consonância com as contribuições da psicologia e – de forma mais direcionada - da neurociência.

Oliveira (2021), nos auxilia ao propor algumas atividades que farão com que o envelhecimento do corpo e da alma possam possibilitar uma aposentadoria melhor:

A primeira delas a ser compartilhado é a realização de exercícios físicos, como uma das formas mais comprovadas de manter a saúde cerebral. Para o autor, quanto mais diferente for o estímulo, melhor. Por exemplo, um dia aeróbico, outro dia musculação, outro dança.

Já as atividades físicas e cognitivas retardam o processo degenerativo cerebral. Entre elas estão: caminhadas, musculação, pilates.

A boa alimentação com base numa dieta regada, balanceada e restrita de carboidratos de baixo índice glicêmico é de fundamental importância. Ela – a boa alimentação - evita o aparecimento de doenças que aceleram a degeneração cerebral e diminuem a capacidade cognitiva do indivíduo.

Uma outra dica do autor: encarar novos desafios. Tudo que é novo, seja uma experiência, seja um aprendizado, requer que o nosso cérebro faça novas conexões para absorver o que está acontecendo. E isso potencializa o crescimento e a manutenção da cognitividade, liberando hormônios, benéficos para a saúde e para o cérebro (dança, pintura, tocar instrumento musical, leituras, informações, por exemplo).

Pereira (2019), nos lembra de que, se o cérebro não é ativado com novas informações, o que geralmente acontece é que, ao se aposentar, o indivíduo não é mais requisitado a utilizar sua memória recente, e se refere a fatos do cotidiano, acrescenta.

Ainda: o conhecimento de pessoas tem seu lado de grande ajuda social, pois, as relações sociais fundamentam as trocas de experiências sociais promovendo a saúde mental de pessoas mais velhas. E essas relações sociais pode ser dá em diversos modos de interação/comunicação: facebook, viagens, na rua, no bairro, no prédio onde reside, dentre outros.

Por fim, ao falar em aposentadoria, esta deve ser vista não como um período em que a pessoa tem tempo para fazer tudo aquilo que o trabalho não permitia. O que está terminantemente proibido é entregar-se ao ócio. Mesmo tendo consciência, segundo Calabrez (2019, p. 88) de que “a vida adulta traz uma redução considerável de novidades”.

Mas, advertimos, amparando em Bertão (2020), de quem pensa que a velhice é um projeto e, para quem tem sorte ela vai chegar.

 

 

Conclusão

 

Hora, o mundo do trabalho representa – para algumas pessoas - a forma mais garantida de manter contatos sociais, realizar atividades consideradas socialmente produtivas e a manutenção de seu status Social. Mas também, é importante lembrar que existem grupos de pessoas que encerra sua permanência no mercado de trabalho com a aposentadoria, enquanto outros se aposentam e continuam trabalhando ou até iniciam uma nova carreira profissional.

Seja por necessidades econômicas, ao complemento salarial do qual se aposentou; seja pela reinserção social; seja para ‘ocupar’ o tempo livre, fugindo da ociosidade e o ostracismo que o mesmo tempo livre lhe passou a possibilitar.

A tão sonhada aposentadoria não deveria ser considerada uma “liberdade tardia ou a morte do aposentado”, como referendaram Fontoura, Doll e Oliveira (2015). Pode, também ser considerada como uma nova adolescência, na qual dominam os medos e expectativas de uma fase ainda desconhecida de vida. Ou, também, um começar tudo de novo.

Mas, para Alvarenga, Kiyan, Bitencourt e Wanderley (2008, p. 800), “a aposentadoria, em sentido amplo, constitui-se como um processo de transição, que tem início assim que o sujeito começa a tomar consciência de sua aproximação”. Nesse percurso transitório, entre a preparação e aposentadoria, os autores delimitaram em duas fases: fase remota e fase aproximada.

Reorganizar a vida, após a saída do mundo do trabalho, envolve questionamentos, enfrentamentos, incidindo processos de aprendizagem, de adaptação a um novo estilo de vida e enseja uma inquietude paradoxal: por um lado desejada, planejada. Mas, por outro lado, temida.

É necessário, contudo, encarar as mudanças que acontecem durante o processo de envelhecimento e aposentadoria, que os autores acima deram a alcunha de “teoria do desengajamento”. Esse desengajamento refere-se a um tempo fluido, frenético do indivíduo em que sua condição de inserção no mercado de trabalho era reverenciada, sobretudo por sua capacidade incessante na produção. Antes de se tornar velha, e, por direito, aposentada.

A pessoa idosa, na maioria dos casos, começa a formar de si mesma uma imagem negativa, oriunda de uma série de pensamentos e atividades vindas da própria sociedade.

No entanto, é necessário, conforme análise de Pereira (2019) que se modifique essa visão, e considere que para o indivíduo idoso, na aposentadoria, a vida não acabou, apenas terminou uma fase.

É preciso, seguindo as indicações de Calabrez (2019, p. 96 e 120), “fazer a sua vida atrativa, tesuda, fascinante a cada segundo, e você não se lembrará de que vai morrer. E a vitória será definitiva”. Dito de outra forma, é imprescindível – antes ou mesmo já aposentado - que partamos “em busca de nós mesmo”, para que o nosso modo de viver seja melhor e com mais qualidade de vida.

 

 

Bibliografia

 

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[1] É Geógrafo, especialista em História e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás – UFG.

[2] É Geógrafa e Mestra em Ciências Sociais e Humanidades – TECCER – UEG.