ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DE ALUNOS SURDOS NAS ESCOLAS REGULARES: A IMPORTÂNCIA DA VALORIZAÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS
Andréa Bezerra Ferreira¹
Dayane Ferreira de Amaral Côrtes ²
Maria José Nunes Mota Gomes³
Rebeca Sara Serra Costa Nascimento 4
Taysa Delarcos de Oliveira 5
RESUMO
O presente artigo propõe uma reflexão e discussão sobre o tema do processo de alfabetização e letramento dos alunos surdos nas escolas regulares. Tal processo relacionado com a apropriação da língua de sinais como primeira língua das pessoas surdas, algumas dificuldades que o surdo tem encontrado na presente pedagogia das escolas, onde se força os alunos não-ouvintes a aprender como ouvintes consequentemente os fazendo sofrer com a impressão e sentimento de incapacidade, além da discriminação. Fundamentado nas discussões de Quadros (2003), Araújo (2015), Goés (2000) e Vygotsky (1989). Este artigo não anseia solucionar o problema, mas proporcionar uma reflexão sobre um tema tão importante.
Palavras-chave: surdez; alfabetização; letramento.
INTRODUÇÃO
A inclusão dos alunos com deficiências em escolas regulares é garantida pela lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº º9394/ 96), garantindo que os alunos surdos, entre outros, sejam incluídos na educação oferecida nas escolas regulares. Tal educação totalmente permeada pela Língua Portuguesa, que em suas práticas pedagógicas utiliza-se do meio oral para ensinar sua língua. Nesse momento se estabelece o impasse, pois, a língua oficial dos surdos não é a Língua Portuguesa oral. A lei 10.436 de 2002 oficializa a Língua Brasileira de Sinais na condição de língua nativa das pessoas surdas, se constituindo numa educação bilíngue, na qual o ensino da língua portuguesa prevalece em sua modalidade escrita.
É por causa desse impasse que se tem a necessidade de promover nas escolas uma pedagogia voltada para o aluno surdo, que possui necessidades e diversidade cultural diferentes, em especial porque sua fala é representada pela a forma de sinais. Vygotsky (1989) discute a importância da língua na formação das estruturas mentais do sujeito. A ação de apropriação dessa língua traz essa importância, pois é no processo de alfabetização e letramento que essas estruturas mentais tão importantes para a formação do sujeito e sua participação em sociedade, começam a serem formadas.
A aprendizagem qualitativa desse processo deve ser assegurada na escola como ambiente propício para isso. Infelizmente, a educação escolar está direcionada pelos modos ouvintes de trabalhar o processo de alfabetização e letramento. Dessa maneira, explicita uma ideologia de que o surdo tem que se fazer ouvinte para se adaptar a esse processo. Segundo Quadros (2003):
Nas propostas de inclusão, se observa a submissão/opressão dos surdos são processo educacional ouvinte nas propostas integracionistas. Inicia-se no condicionamento de todo o processo educacional ao ensino do português até a descaracterização completa do ser surdo. A pessoa surda enquanto parte da cultura surda é descoberta fora da escola (quando isso acontece). Assim, os alunos surdos são constantemente expostos ao fracasso tendo como causa a sua própria condição (não ouvir) e não as condições reproduzidas pelo sistema. (QUADROS, 2003, p. 87)
Em consequência, tais práticas revelam posturas reducionistas, das quais se resumem em uma mera inclusão da língua de sinais na sala de aula, ao lado da língua portuguesa ou na mera e simples tradução do conteúdo pedagógico para a língua de sinais. Descaracterizando o surdo de sua cultura e trazendo sequelas também em sua formação linguística, pois sua língua (fator importante em sua formação quanto sujeito social) e sua cultura são deixados de lado e o aluno surdo se vê obrigado a se encaixar em um processo caracterizado por práticas que contam com a audição.
Tendo como referência as discussões de Quadros (2003) e Araújo (2015) este artigo propõe uma discussão sobre a necessidade de um projeto de escolarização na perspectiva da alfabetização e letramento, para sujeitos surdos. E este deve ser construído tendo como referência as singularidades no processo de aprendizagem dos sujeitos surdos.
DESENVOLVIMENTO
Considerando a linguagem como uma instituição social faz-se necessário discutir como isso acontece-se na prática, de acordo com Araújo (2015) “uma análise do discurso se inscreve num espaço linguístico e mantém vínculos peculiares com as condições sócio históricas de produção, onde se considera a interação, a relação entre homem e realidade cultural e social”. Dessa maneira, a linguagem não acontece no momento da aquisição, mas sim no momento que o indivíduo se identifica com o grupo social como uma maneira de expressar e entender seus sentimentos e seu papel na sociedade. Esse processo é fundamental para o desenvolvimento do pensamento em suas operações mentais mais complexas o que Vygotsky (1989) nomeia como “construção social da mente”. Assim, a criança precisa passar pelo processo dialógico para desenvolver suas próprias significações e conceitos alcançando sua própria identidade.
É pensando na importância da linguagem na formação da identidade da pessoa surda e a influência na constituição dessa quanto sujeito social que o uso de duas línguas se faz tão necessário. O uso da Língua Portuguesa e a LIBRAS significa muito mais que uma tradução, mas implica em uma “produção de significados em relação ao mundo da cultura e a si próprio é um processo necessariamente mediado pelo outro [...] através da linguagem” (Goés, 2000, p. 31). A realidade de somente a Língua Portuguesa em suas formas oral e escrita ter espaço privilegiado na escola torna a linguagem um entrave na formação do sujeito e na apropriação da cultura surda pelos surdos, é preocupada com isso que Quadros (2003) se referindo a cultura diz que:
Ela se manifesta mediante a coletividade que se constitui a partir dos próprios surdos. A escola a muito tem representado o lugar em que os surdos não possuem os seus espaços, pois baniu a língua de sinais e jamais permitiu a consolidação dos grupos surdos e de suas produções culturais.
Por isso, é crucial que seja implementado nas escolas uma pedagogia que visa a diversidade e necessidades específicas do aluno surdo, valorizando a sua cultura. Somente vencendo os obstáculos da opressão, discriminação e incapacitação que a inclusão realmente terá significado para a pessoa surda.
De acordo com Soares (2010) alfabetização e letramento são processos interdependentes, pois, a alfabetização é a aquisição do sistema convencional de escrita e o letramento se refere ao desenvolvimento de participação social que envolvem práticas de leitura e escrita. Segundo Araújo (2015, p. 5) “o processo de alfabetização/letramento para os surdos deve contemplar a concepção de homem sujeito que estabelece com o mundo uma relação consciente de trocas significativas, concretizadas a partir da compreensão do papel social da escrita”. O aluno surdo deve passar por esse processo para que se forme como um cidadão que nas relações sociais consiga se relacionar de uma maneira significante compreendendo o papel que a escrita e leitura tem na sociedade. Mas esse processo não precisar o anular e o forçar a parecer ouvinte, pelo contrário, valorizando sua língua natural. Os alunos ouvintes e não ouvintes não falam a mesma língua, por isso não faz sentido o sistema escolar oferecer as mesmas condições de alfabetização/letramento.
A linguagem do surdo é de sinais através da língua de modalidade visual-espacial. A fala através dos gestos não constitui o conceito de gramática igual na modalidade oral, por isso é absurdo querer alfabetizar um aluno surdo através da mesma gramática dos alunos ouvintes. Essa tentativa se torna muito difícil pois os códigos nas duas línguas são diferentes, forçará o aluno surdo a descobrir uma nova língua que não seja a dele natural de sinais e assim coagirá o aluno a desvendar uma estrutura gramatical que ele não possui no pensamento.
É necessário que as metodologias pedagógicas de alfabetização e letramento respeitem as singularidades da aprendizagem dos alunos não-ouvintes de uma maneira que a inclusão social seja significativa e efetiva, contemplando a concepção de homem-sujeito.
De início a diferença entre as Línguas Orais-Auditivas e Línguas Visual-Espacial é a natureza do significante. Ou seja, toda língua compõe-se de signos linguísticos (unidades de significação que possuem um significante) e um significado. Para as Línguas Orais-Auditivas o significante é uma imagem acústica e o significado é o conceito de características que definem as coisas. Já para as Línguas Visual-Espacial o significante é uma imagem cinética (o gesto) e o significado é o conceito de características que definem as coisas.
Portanto, existe uma cadeia de significantes e significados interligados por relações afetivas e socioculturais que são desenvolvidas juntamente com as competências que garantem um efetivo aprendizado da escrita e leitura das pessoas surdas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, discutimos que alfabetizar e letrar as pessoas surdas não se resume em codificar e decodificar, assim como, sua inclusão verdadeira não se limita a colocar o aluno dentro de uma escola regular. Mas compreender, valorizar e possibilitar que o aluno tenha acesso a sua língua num processo de formação de sua identidade e apropriação de sua cultura. Capacitar o aluno a usar e refletir, questionar os códigos e usá-los em suas relações sociais.
Há uma necessidade urgente de que no processo de ensino-aprendizagem nas escolas se valorize e privilegie os modos particulares de expressão e as particularidades da língua de sinais. Para que, através da sua língua, LIBRAS, a pessoa surda constitua sua identidade, determine a significação do próprio eu e se sinta pertencente a sociedade que vive. Não se descara a aprendizagem da língua portuguesa, mas que seja através de uma pedagogia apropriada. Entendo que o processo de alfabetização/letramento será de aprendizagem de uma segunda língua, sendo LIBRAS a primeira. Não transferindo apenas os conhecimentos da primeira para a segunda, mas um processo paralelo onde cada língua possui papéis sociais representados. E a escola é o local próprio para que esse processo ocorra com significado e rompendo as barreiras de longa data.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- nº 9394/96. Ministério da educação. Brasília: MEC,1996. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf> Acesso em: 3 jul. 2015.
BRASIL. Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/2002/L10436.htm> Acesso em 3 de jul.2015.
ARAÚJO, L. C. N. Alfabetização/Letramento Para Surdos: Desafios À Inclusão Qualitativa. In: Congresso Nacional da Educação. 12. 2015, Curitiba. Disponível em: < http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/22096_10625.pdf> Acesso em: 25 jun. 2017.
GOES, Maria Cecília Rafael e LACERDA, Cristina B. Feitosa. Surdez: Processos Educativos e Subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000.
QUADROS, Ronice Muller de. Situando as diferenças implicadas na educação de surdos: Inclusão/Exclusão. Ponto de Vista: revista de educação e processos inclusivos, Florianópolis, n. 5, p. 81-111, jan. 2003. ISSN 2175-8050. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1246/3850>. Acesso em: 25 jun. 2017.
1 Graduação: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA/ Faculdades Integradas de Diamantino, e-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..
2 Graduação: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA/ Universidade federal de Goiás, e-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..
3 Graduação: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA/ Universidade Paulista, e-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
4 Graduação: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA na Universidade Panamericana de Ji-Paraná, e-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
5 Graduação: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA/ Faculdades Integradas Mato-grossenses de Ciências Sociais e Humanas, e-mail:O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
VYGOTSKY, Lev. Semenovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1989.