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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: oposição ou complementaridade

Laelson Santos da Silveira[1]

 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o percurso histórico do processo de alfabetização no Brasil. O processo educacional brasileiro, teve diversos contextos ao longo da trajetória, como o embate teórico entre os métodos sintético e analítico, o tecnicismo, a pedagogia de Paulo Freire, as influências construtivistas e nos dias atuais o Letramento, figura como a principal teoria adotada de forma oficial na formação inicial e continuada. Diante este cenário, surgem divergências entre os significados de Alfabetização e Letramento, visto que o Brasil ainda não fundamentou sua política nacional de alfabetização. Assim, observa-se que, embora se tenha substituído o embate teórico entre diferentes métodos de alfabetização pelo discurso do letramento, ao longo da História da Alfabetização sempre prevaleceu o ensino-aprendizagem do código em detrimento do significado da língua escrita.

 

Palavras-chave: Alfabetização; Letramento; Políticas Públicas.

 

INTRODUÇÃO

 

Afinal, o que é a alfabetização? E o letramento? O que dizem esses estudiosos sobre esses termos? O desenvolvimento dos aspectos linguísticos, cognitivos, culturais e sociais das crianças no processo de aquisição da leitura e escrita, permitem demarcar algumas considerações acerca desses conceitos para repensarmos o quanto é imprescindível a formação do educador que compreenda os métodos de alfabetização e letramento.

O presente trabalho tem por objetivo instigar a discussão teórica sobre essas duas vertentes “Alfabetização e Letramento”, trazendo reflexões e algumas considerações, a partir do processo histórico que cerca essas duas expressões. O estudo é de forma qualitativa, sendo desenvolvida através de pesquisa bibliográfica exploratória, norteado pelos aportes teóricos, como Ferreiro (2002) e Soares (1998), (2003).

 

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: breve histórico

 

Oscar Thompson (1910-1975), primeiro a cunhar o termo alfabetização em 1918, passou a difundir um novo modelo educacional fundado em preceitos da Escola Nova, da pedagogia social e da psicopedagogia (DE MELO; MARQUES, 2017)

 

Observa-se que, durante todo o período ditatorial, o ecletismo pedagógico, através do uso de métodos sintético-analíticos, bem como da aplicação dos Testes ABC, e o abismo entre teoria e prática, entre as pesquisas e o fazer docente permaneceram em destaque no cenário educacional do processo de alfabetização. (DE MELO; MARQUES, 2017, p.330).

 

Assim, surge Paulo Freire, este grande educador brasileiro organizou e difundiu cursos de alfabetização de adultos através de círculos de cultura que, inicialmente, foram apoiados pelo governo federal.

Através da Pedagogia freireana, o professor assume o papel de mediador: educadores e educandos se debruçam juntos na compreensão, na leitura da realidade dos educandos, em uma tentativa de elevar a consciência destes últimos, de ingênua à crítica, em um movimento de ler, interpretar e agir sobre a própria realidade (FREIRE, 2011).

Muitos outros processos surgiram. No entanto, não resolveram o problema de expandir efetivamente a alfabetização, por se constituírem em políticas fragmentadas que não colocaram a alfabetização como um projeto de democratização social efetiva.

O processo de alfabetização tem, até hoje em dia, dois caminhos disponíveis: o método sintético, que tem como ponto de partida a letra, o fonema e a sílaba, ou seja, o aprendiz parte da aprendizagem da palavra, descontextualizada, chegando então, pela somatória das palavras, à frase ao texto. Já o método analítico, parte dos elementos significativos da língua onde a palavra é segmentada a partir do seu fonema, ou da sílaba. Ambos levam a criança a estabelecer relações entre os sons e os símbolos (letras). (ALVES, 2007)

 

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: Rupturas

 

Os problemas da alfabetização começaram a aparecer a partir do momento que “escrever não era uma profissão, mas obrigação, e ler não era marca de sabedoria, mas de cidadania”. (FERREIRO, 2002).  E nesse processo, as crianças apresentaram, e apresentam ainda hoje, dificuldades de leitura e escrita devido a uma série de motivos.

 

Um dos motivos pelo qual a criança pode apresentar dificuldades na aprendizagem da escrita é o fato que as letras são bastante semelhantes. Outro motivo é o som que as letras produzem, pois o aprende-te em sua dedução supõe que a letra sempre terá o mesmo som. Mas sabe-se que o som da letra vai variar conforme a posição que ocupa. Enfim, se ao passar do tempo o educando não conseguir desenvolver a leitura e a escrita competentemente, é sinal que o mesmo esteja passando por distúrbios de aprendizagem, que de fato, o prejudicarão na sua vida pessoal e social como um todo (OLIVEIRA, 2017)

 

Nesse aspecto, a escrita e a leitura têm o poder de incluir na sociedade aqueles que as possuem, e de excluir quem não as adquiriu. Quando olho para a realidade brasileira, é possível ver que aquelas pessoas que não tiveram a oportunidade de adquirir a escrita e a leitura são excluídas e geralmente isso acontece com a grande massa popular, ou seja, os mais desfavorecidos. SANTOS (2008).

A alfabetização e o letramento são entradas para o mundo da leitura e da escrita, “mesmo sendo processos distintos, mas indissociáveis e que necessitam ser trabalhadas ao mesmo tempo”. A alfabetização é a aquisição do código da escrita e da leitura. Esta se faz pelo domínio de uma técnica: grafar e reconhecer letras, usar o papel, entender a direcionalidade da escrita, pegar no lápis, codificar, estabelecer relações entre sons e letras, de fonemas e grafemas; a criança perceber unidades menores que compõem o sistema de escrita (palavras, sílabas, letras). SOARES (1998). Letramento é a utilização desta tecnologia em práticas sociais de leitura e de escrita.

 

O letramento abrange o processo de desenvolvimento e o uso dos sistemas da escrita nas sociedades, ou seja, o desenvolvimento histórico da escrita refletindo outras mudanças sociais e tecnológicas, como a alfabetização 26 universal, a democratização do ensino, o acesso a fontes aparentemente ilimitadas de papel, o surgimento da Internet (KLEYMAN,2005, p. 21)

 

Como diz Soares (1998), não adianta aprender uma técnica e não saber usá-la. Diante dessas afirmativas, não podemos perder o foco e desconsiderar a especificidade da aquisição do sistema de escrita (ensinar a técnica), sem perder de vista as práticas sociais de leitura e escrita. As crianças que estiveram em contato com leitores antes de entrar na escola aprendem com mais facilidade a ler e a escrever do que aquelas crianças que não tiveram este contato. Dessa forma todas as crianças devem ter um acompanhamento de profissionais qualificados, para ajudá-las a aperfeiçoar suas escritas e leituras.

 

O leitor é de fato, “um ator, ele fala, mas não são suas as palavras”. Jamais podemos reduzir a criança a um par de olhos que veem, a um par de ouvidos que escutam, a um aparelho fonador que emite sons e a uma mão que aperta um lápis sobre a folha de papel. Por trás dos olhos, dos ouvidos, do aparelho fonador e da mão, há um sujeito que pensa e que tenta incorporar a seus próprios saberes esse meio de representar a língua que é a escrita, todas as escritas. (FERREIRO, 2002 p. 67)

 

No processo de alfabetização e letramento, a compreensão das regras que organizam o sistema da escrita alfabética deve ser trabalhada dentro de um contexto, para que assim haja a progressão da construção dos conhecimentos. As discussões coletivas, a orientação, a autocorreção de seus próprios textos, a partição de sílabas, palavras, frases e textos, são alguns dos métodos que devem ser trabalhados constantemente, pois os mesmos proporcionam e desencadeiam a aprendizagem do sistema da escrita alfabética.

Soares (2004), afirma:

 

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização. (SOARES, 2004, p. 10)

 

O trabalho do alfabetizador é muito importante no sentido de que o conhecimento das letras se faz necessário para que seja possível a intepretação do texto que está sendo lido e analisado pelo aluno. A criança alfabetizada pode desenvolver a habilidade de compreensão de textos. A alfabetização deve ser trabalhada em concomitância com o letramento.

Deve-se valorizar a criança e o seu potencial, cada uma tem um ritmo de aprendizagem diferenciada, elas precisam sentir que são capazes e ter oportunidades de expressar-se. Acredito em práticas pedagógicas que desenvolvam metodologias criativas e voltadas para as crianças, e este voltar-se para as mesmas implicaria em atentar-se para o desenvolvimento de suas potencialidades, deixando-as interagir, descobrir, sentir, perceber e vivenciar todas as suas possibilidades no seu processo de aprendizagem.

A alfabetização é um processo que possibilita ao cidadão apenas a identificar o sistema de escrita e saber usá-lo. Ou seja, têm-se capacidades reduzidas do mundo, pois esse somente aprende a aquisição do sistema da escrita, não sendo letrado com uma visão ampla do mundo.

 

E sem dúvida, é de suma valia que o processo de alfabetização coexista a um contexto de letramento, para que o aluno conheça os códigos linguísticos e ao mesmo tempo o possa interpretar de forma que atinja uma interpretação satisfatória do mundo em que existe. E para que este processo de coexistência possa ser abordado, o conhecimento das especificidades dos conceitos de alfabetização e letramento devem estar esclarecidos para o educador. (BARROS, 2019)

 

Enquanto a alfabetização desenvolve domínio da leitura e escrita, o letramento se responsabiliza em dar ao cidadão a capacidade social de ler e escrever, ou seja, é a possibilidade que o indivíduo possui, depois de haver se familiarizado com a escrita e a leitura, de exercer e desenvolver o uso nos diversos contextos, sendo que o indivíduo letrado se relaciona de forma coesa com o processo histórico e social da leitura em contextos formais e informais.

Diogo e Gorette (2011, p. 12197) afirmam, “o letramento se torna uma forma de entender a si e aos outros, desenvolvendo a capacidade de questionar com fundamento e discernimento, intervindo no mundo e combatendo situações de opressão”.

Em resumo, conclui-se “enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma sociedade” (TFOUNI, 1995, p. 20).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É importante ressaltar que para realizar um trabalho pedagógico eficaz em relação ao desenvolvimento da leitura e da escrita, faz-se necessário entender e respeitar os limites e a faixa etária da criança fazendo um elo de sua realidade para com o mundo letrado.

Existe a necessidade de favorecer no espaço da sala de aula um clima de maior interação, proporcionando o reconhecimento de ter as crianças como parceiras e sujeitos de sua própria aprendizagem, num constante (re)pensar do processo educativo, principalmente nos aspectos do ensino-aprendizagem em leitura e escrita.

Desenvolver a alfabetização na perspectiva do letramento implica substituir as práticas tradicionais por situações reais de uso dos diferentes gêneros e tipos textuais que circulam no cotidiano. Essa ação, permite a mudança de práticas tradicionais por práticas que façam sentido para o aluno, concedendo-lhe o direito de usufruir da escrita como um direito à cidadania. Como diz Soares (1998), “aprender a ler e a escrever e fazer uso da leitura e da escrita transforma o indivíduo e o leva a um outro estado ou condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, linguístico”.

 

REFERÊNCIAS

 

ALVES, Aparecida Bernardo. Alfabetização e letramento: conceitos, contexto histórico e reflexões didáticas. 2007. 57f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Fortaleza (CE), 2007.

BARROS, Mateus dos Santos. Alfabetização e letramento: um erro de cisão. Revista Desempenho, v. 2, n. 31, 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rd/article/view/26414. Acesso em: 2 out. 2021.

DE MELO, Eliane Pimentel Camillo Barra Nova; MARQUES, Silvio César Moral. História da alfabetização no Brasil: novos termos e velhas práticas. Poiésis - Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, v. 11, n. 20, p. 324-343, dez. 2017. ISSN 2179-2534. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/article/view/5137. Acesso em: 02 out. 2021.

FERREIRO, Emilia. Passado e Presente dos verbos ler e escrever. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Cortez, 2002.

KLEIMAN, Angela B. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever? Brasília: Cefiel / IEL / Unicamp, 2005.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo; FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva. Alfabetização e seus sentidos: o que sabemos, fazemos e queremos? / Maria do Rosário Longo Mortatti, Isabel Cristina Alves da Silva Frade (org.). – Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Editora Unesp, 2014. 352p.

OLIVEIRA, Rosane Machado de. Dificuldade no Desenvolvimento da Leitura e da Escrita nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 02, Ed. 01, Vol. 15, pp. 163-188., fevereiro de 2017. ISSN: 2448-0959

SANTOS, Cristiane Conceição dos. Alfabetização e letramento na escola: memorial de formação/ Cristiane Conceição Santos. Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual de Campinas -- Campinas, SP:[s.n.], 2008. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=41100&opt=1 . Acesso em 03/09/2021

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 1998.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento, Caminhos e Descaminhos. São Paulo: Pátio, 2003.

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. In: Anais da 26ª. Reunião Anual da ANPEd, em outubro de 2003.

SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf . Acesso em 05 de setembro de 2021.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez,1995.

 

 

[1] Laelson Santos da Silveira. Pós Graduado em Informática na Educação (UFMT). Graduado em Pedagogia (UNEMAT). Professor da Secretaria Municipal de Educação, Tapurah, Mato Grosso, Brasil. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.