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MITO DA CAVERNA DE PLATÃO E AS TECNOLOGIAS DO PERÍODO CONTEMPORÂNEO

Inácio Henrique Müller[1]

 

Artigo científico apresentado à Universidade Cândido Mendes, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Ensino de Filosofia.

 

 

RESUMO

A ideia primordial é analisar a mitologia grega buscando como referencial o Mito da Caverna do Filósofo Platão escrito a mais de dois mil e quinhentos anos atrás para compreender melhor as consequências do mundo contemporâneo. O objetivo é apresentar o Mito da Caverna e relacioná-lo com as tecnologias do mundo atual para buscar alternativas e criar um pensamento crítico e o uso racional da tecnologia e da virtualidade. A presente pesquisa bibliográfica foi desenvolvida nas ideias da Filósofa CHAUÍ (2013) e na revista FILOSOFIA (2014) entre outros, procurando destacar a importância de compreender toda nossa realidade para vivermos melhor. Conclui-se que, assim como os prisioneiros da caverna de Platão, vivemos aprisionados no mundo das ilusões e da virtualidade, mas é preciso realizar um trabalho de conscientização para evitar essa fuga do mundo real e das coisas reais.

Palavras-chave: Mito da caverna. Tecnologia. Contemporâneo.

 

ABSTRACT

The primordial idea is to analyze the Greek mythology looking for as reference the Myth of the Cave of the Plato Philosopher written more than two thousand and five hundred years ago to understand better the consequences of the contemporary world. The goal is to present the Cave Myth and relate it to the technologies of today's world to seek alternatives and create critical thinking and the rational use of technology and virtuality. The present bibliographic research was developed in the ideas of Philosophy CHAUÍ (2013) and in the magazine FILOSOFIA (2014) among others, trying to highlight the importance of understanding our whole reality in order to live better. It is concluded that, like the prisoners in Plato's cave, we are imprisoned in the world of illusions and virtuality, but we must undertake a work of conscientization to avoid this flight from the real world and real things.

Keywords: Myth of the cave. Technology. Contemporary.

 

Introdução

 

A mitologia grega sempre esteve presente no decorrer dos períodos históricos e nas explicações humanas para tentar entender parte da nossa realidade existente. Essa narrativa, que relata uma determinada história ou fato criado pela nossa imaginação, tenta sempre explicar uma situação real, algo que ocorre dentro da sociedade ou que está muito presente na vida das pessoas, são verdadeiros fenômenos sociais que por vezes deixam o próprio ser humano alienado e impossibilitado de compreender seu estado de vida atual e o paradigma social existente.

Dessa forma, o mito apresenta-se como alternativa para compreendermos parte da nossa realidade atual e tecnológica, mediante a problematização desenvolvida: qual é a relação do mito da caverna do filósofo Platão com o mundo das tecnologias do período contemporâneo?

O objetivo proposto é apresentar o mito da caverna criado pelo filósofo Platão e sua relação com as tecnologias do mundo contemporâneo apresentando alguns aspectos positivos e negativos decorrentes do aprimoramento tecnológico criado pelo ser humano.

Mediante estudo e análise da mitologia grega, percebe-se uma intrínseca relação entre o mundo mitológico e toda nossa realidade material, humana e abstrata, por isso, podemos valorizar e utilizar toda essa riqueza histórica para compreendermos melhor a vida do ser humano cada vez mais dependente da máquina e do mundo virtual. É preciso manter essa relação filosófica com a mitologia para promover a leitura, a escrita e criar uma fundamentação teórica que propicie uma compreensão maior de toda a realidade humana com o propósito de ajudar as pessoas a viver melhor.

O filósofo Platão escreveu uma obra chamada “A República”, aproximadamente no ano 380 a.C no período antigo da filosofia, na qual encontra-se uma passagem intitulada “O Mito da caverna”. Marilena Chauí (2013, p. 10) apresenta e analisa esse mito perguntando sobre uma realidade que é paralela ao mundo da caverna que Platão descreve e o mundo contemporâneo no qual estamos aprisionados: “Qual é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas?”

Conforme Quaresma:

 

O mito da caverna de Platão, metaforicamente, será utilizado com o intuito de gerar entendimento amplo acerca da mudança radical de paradigma no que diz respeito à transformação da concepção de vida e inteligência, fruto de nossa sociedade tecnocêntrica. (QUARESMA, 2014 p. 15)

 

Nessa perspectiva, do ponto de vista do procedimento utilizado, a pesquisa será bibliográfica, que procura explicar o problema exposto a partir da leitura e análise de referências teóricas publicadas em artigos de revistas, livros, publicações de teses, dissertações e sites, considerando a metodologia adequada e propícia para desenvolver este trabalho.

A mitologia grega do período antigo da nossa história é utilizada até os dias atuais, mesmo depois de vários séculos de criação, são mitos bem elaborados com um processo de adaptação muito grande a cada época ou período da história humana, por isso o mito da caverna será utilizado para compreender aspectos do mundo contemporâneo e explicar parte da nossa realidade tecnológica tão presente na vida cotidiana das pessoas.

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Desenvolvimento

 

Historicamente o mito teve muita influência sobre a cultura, as artes, a pintura, as crenças e o modo de pensar das nossas civilizações e compreender o mundo e o universo desde a era antiga. Por volta de 700 a.C. (setecentos anos antes de Cristo), quase tudo era explicado através da mitologia, buscava-se  neste contexto compreender as mais diversas situações, principalmente a divindade em deuses, pois na Grécia antiga a religião era politeísta, e que por vezes eram consultados os oráculos, espécie de mensageiros que transmitiam determinadas mensagens aos humanos.

Segundo o dicionário básico de filosofia, podemos definir mito como:

 

Narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo. Discurso alegórico que visa transmitir uma doutrina através de uma representação simbólica. Ex.: o mito ou alegoria da caverna e o mito do Sol, na República de Platão. (JAPIASSÚ 1934 p. 189)

 

 

Fruto da evolução humana, o pensamento racional fez-se necessário em um momento em que o mito já não conseguia mais atender aos anseios e curiosidades do homem frente a todas as questões e dúvidas que surgiam sobre a vida, o mundo, o universo e muitos outros temas que levaram à criação de um modo de pensar diferente, mais realista e mais convincente, nascia então a filosofia para opor-se às explicações mitológicas e dar respostas racionais aos problemas que surgiam.

Foi em torno do século VI a.C. que nasceu a filosofia, significando amor ou amizade à sabedoria, ao conhecimento e pensamento racional,  na cidade de Mileto, uma das colônias gregas da Ásia menor, na Grécia. A filosofia ganhou um espaço imprescindível ao longo da história humana, esteve muito presente desde a era antiga com os primeiros períodos e primeiros filósofos, passando por todos os períodos da nossa história tendo muita influência principalmente na antiguidade, idade média, cristianismo, renascimento, período moderno, pós-moderno chegando até nossos dias, o período contemporâneo.

Essa conexão será efetivada através de um dos grandes pensadores da Grécia antiga, o filósofo Platão, como era conhecido, mas que verdadeiramente se chamava Arístocles, e o consagrado mito da caverna, passagem encontrada no livro VII, em sua obra intitulada de “A República”. O filósofo grego nasceu em Atenas, por volta de 427/428 a.C., foi seguidor de Sócrates e mestre de Aristóteles, outros dois grandes filósofos.

O mito da caverna que Platão cria apresenta um cenário pré-histórico, tudo se passa no interior de uma caverna, como é descrito nas palavras da filósofa Marilena Chaui:

 

Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos estão acorrentados ali, sem poder mover a cabeça na direção da entrada nem se locomover até ela, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do sol. Estão quase no escuro e imobilizados. (CHAUI 2013 p. 10)

 

A luz que existe no lado externo projeta as sombras de todos os seres que passam em frente a caverna na parede dos fundos. Os seres humanos acorrentados no seu interior visualizam essas imagens crendo em algo que representa a realidade mas que não é a realidade em si, são apenas sombras dos seres e não o ser real. Enquanto estiverem acorrentados e aprisionados dentro da caverna vendo apenas uma representação de um ser concreto, passam a viver no mundo da ilusão, a crer naquilo que é fictício, na mera aparência das coisas.

Depois de tantos séculos de existência, a ideia platônica ajuda-nos a compreender uma realidade que o próprio ser humano criou e que agora encontra-se aprisionado na mesma, a tecnologia. Numa profunda análise entre o mito da caverna e o período contemporâneo, percebemos que a tecnologia está cada vez mais presente na vida de cada pessoa atraindo-as pela rápida mudança e aperfeiçoamento. Numa esfera praticamente sem retorno, as tecnologias estão dominando o ser humano deixando-o dependente e alienado, é uma situação em que ele criou mas que não consegue sair facilmente, por isso, a filosofia de Platão busca analisar e compreender toda essa situação para que se crie uma consciência de limitação e de uso correto de tudo aquilo que está disponível para ajudar o ser humano a viver melhor e resolver seus problemas, não fazendo dele próprio um refém, aprisionado e acorrentado na grande caverna virtual.

Desde a era antiga até os dias atuais com a criação do mundo virtual, da internet e de toda a tecnologia que temos, tudo mudou de uma maneira muita rápida e por vezes sem a real consciência das consequências que viriam. Não podemos descartar a ideia de que a tecnologia ajuda e muito o ser humano no seu cotidiano, porém, aspectos negativos não estão sendo observados e que tem efeito direto na vida das pessoas, criando doenças mentais e de cunho social, produzindo ainda muito lixo eletrônico que degrada o meio ambiente principalmente pelo seu descarte incorreto.

O avanço da tecnologia proporciona meios pelos quais beneficiam o ser humano em quase todas as suas atividades cotidianas e não conseguimos conceber, em plena era de pós-modernidade, uma vida sem a ajuda dos equipamentos eletrônicos. Inúmeros segmentos em nossa vida social e individual utilizam esses meios tecnológicos para seu benefício e conforto, como o celular, televisão, computador, o progresso científico, educacional, avanço na medicina, no laser, no progresso de uma nação inteira, por exemplo, resultado da invenção e criação tecnológica e virtual.

Esse mundo moderno também produz consequências negativas e irreparáveis para o ser humano e para o meio ambiente como um todo. Compromete-se o próprio relacionamento intersubjetivo entre as pessoas, o contato direto é imprescindível, não deveríamos substituir um diálogo e um contato pessoal apenas por conversas e bate papo das redes sociais, ou até mesmo manter relacionamentos virtuais, isso faz com que a essência humana seja prejudicada. Essa evolução toda ainda trás consigo o desemprego, muito lixo eletrônico, doenças psicológicas, dependência da máquina e dos produtos virtuais, armamentos com maior precisão e eficácia, entre outros aspectos negativos.

Segundo Bornheim, o ser humano pós moderno possui uma certa dificuldade em perceber a verdadeira realidade, por que vive constantemente na obscuridade da caverna:

 

O mundo das sombras apresenta, fundamentalmente, as características por nós descritas como próprias do comportamento dogmático: é o mundo dos homens voltados para a ação, ocupados com as coisas, perdidos no mundo das sombras. (BORNHEIM 2009 p. 79)

 

Toda essa realidade pode ser comparada com a ideia platônica de que depois de tanta evolução, estamos cada vez mais aprisionados dentro de uma enorme caverna virtual e tecnológica, assim como os seres humanos que estavam aprisionados no interior da caverna conforme o mito. Para Platão, pensar e ter a percepção de que a vida não deve ser vivida dentro de uma caverna e nem acreditando em sombras e virtualidades, é o primeiro passo para ter uma atitude e tentar sair desse mundo de obscuridade e conseguir visualizar o mundo real tal como é, com seres e coisas reais.

 

Conclusão

 

O antigo mito da caverna, criado a mais de dois mil e quinhentos anos atrás pelo filósofo Platão, possui uma conexão muito forte com as tecnologias do mundo contemporâneo. Assim como os prisioneiros da caverna que viviam acorrentados no mundo das sombras e da ilusão, acreditando que essa era a sua realidade, o ser humano também é seduzido e aprisionado pela tecnologia, passando a viver nesse mundo da ilusão e da alienação, esquecendo-se da sua própria realidade material.

Essa fuga do mundo real e do contato intersubjetivo com outros seres da mesma espécie pode resultar em consequências irreversíveis, tanto na esfera psicológica e estrutural da pessoa com doenças causadas pelo mau uso da tecnologia, como também sérios danos ao meio ambiente pela maneira incorreta de descartar o material eletrônico.

Toda essa situação já foi abordada e apresentada diversas vezes pela comunidade científica e percebida pelo senso comum, porém, é necessário dar ênfase a todas essas consequências para que o ser humano não se torne vítima de algo que ele próprio criou, é preciso acima de tudo conscientização das pessoas e usar a tecnologia de um modo correto, bem como o descarte adequado de todo lixo eletrônico produzido para que a vida neste planeta não seja ameaçada e extinta.

Diante da mitologia grega, podemos repensar toda nossa realidade com o propósito de compreendermos melhor o ser humano e sua relação com os meios tecnológicos. Estamos acorrentados pela tecnologia e pelo mundo virtual, e como o filósofo Platão nos orienta, somente a filosofia pode tirar o ser humano desse mundo da ilusão, da grande caverna digital.

 

REFERÊNCIAS

 

BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. 3ª ed. São Paulo: Globo, 2009.

 

CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2013.

 

GOYANO, Jussara. Revista Filosofia: ciência & vida. P. 15. Ano VII, ed. 91, fevereiro de 2014.

 

MIRA, Eugênio. Platão e a caverna digital. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/07/a_caverna_digital.html. Acesso em 16 de janeiro de 2016.

 

Portal de Pesquisas Temáticas e Educacionais. Lixo eletrônico. Disponível em: www.suapesquisa.com/o_que_e/lixo_eletronico.htm. Acesso em 08 de fevereiro de 2016.

 



[1] Licenciado em Filosofia pela FAFIMC - RS. Pós-graduado em Ensino de Filosofia pela Universadade Cândido Mendes.