Buscar artigo ou registro:

 

RESUMO EXPANDIDO

Marcos Antônio Pires

 

Abdala, Rachel Duarte (2008).


A FOTOGRAFIA COMO FONTE E COMO OBJETO DE PESQUISA PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: QUESTÕES E PERSPECTIVAS.

 

IV Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. O Oral, o Escrito e o Digital na História da Educação, 2 a 5 de Abril de 2008. Porto Alegre, RS, Brasil.

Porto Alegre: Editora Unisinos.

ISBN 85-7431-103-0


Neste artigo, Rachel Duarte Abdala introduz seu discurso fundamentado em dois (02) trabalhos (A fonte fotográfica: novos olhares para com a documentação do Arquivo Fernando de Azevedo e A fotografia além da ilustração: Malta e Nicolas construindo imagens da Reforma Educacional no Distrito Federal – 1927 a 1930) onde a fotografia assume um papel extremamente importante do ponto de vista investigativo na historiografia educacional. Para a autora não basta apenas compreender a instrumentalização da fotografia aplicada à pesquisa, mas também, as possibilidades de aplicação como objeto de estudo nos trabalhos desenvolvidos nessa área. Ela ainda ressalta que mesmo como viés reflexivo mediante trabalhos mencionados, sua pretensão consiste apenas na restrição discursivos-teórico-metodológicos sobre “a fotografia como fonte e objeto de pesquisa”, visto que essa temática já vem sendo alvo de profundos debates, reflexões, problematizações e
discussões, o que “a” consolida como fonte de pesquisa.

O artigo é composto de 14 páginas e está organizado de forma contínua, ou seja, sem títulos e nem subtítulos. No decorrer do documento a autora faz menção de outras teorias com suas respectivas metodologias que segundo ela, muito contribuíram para o fomento da temática ora tratada. Embora a fotografia reserve um campo promissor a ser explorado, faz-se necessário antes de tudo, uma reflexão profícua por parte dos estudiosos para que se possa superar as lacunas existentes.

Nesse sentido, Rachel Abdala soma esforços contribuindo com o rol de trabalhos acadêmicos que têm procurado promover uma avaliação crítica da importância da fotografia como meio de expressão e comunicação e como fonte documental. Outro objetivo que a autora menciona se faz presente nas discussões das possíveis linhas de pesquisa que podem ser realizadas com base na fotografia. Desta forma, pode-se conceber que a utilização da fotografia como documento é um conceito que se origina já com os primeiros usos por ela propiciados. A representação fotográfica acompanhou as transformações sociais e necessidades de grupos que dela se serviram.

Segundo a autora, a realização de pesquisas nas últimas décadas, tanto na área educacional quanto na de história tem desmistificado a função da fotografia como mera ilustradora de textos, passando assim por análises e reflexões. A partir de então, Rachel Abdala cita alguns exemplos enfocando pesquisadores que fizeram da fotografia seu objeto de estudo.

Em sua primeira ilustração, a autora cita a dissertação de mestrado de Sônia
Câmara (Reinventando a Escola: o ensino profissional feminino na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930) que dedica todo o primeiro capítulo à questão do olhar na reforma e sobre a reforma. A pesquisadora remete um olhar a detalhes da imagem a partir do texto, estabelecendo um diálogo entre texto e imagens. Portanto, as fotografias presentes nas situações ou locais mencionados cumprem a função de fonte documental.

A título de evento significativo realizado em 1995, Rachel Duarte Abdala menciona o Seminário (pedagogia da imagem, imagem na pedagogia) promovido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Para a autora, o encontro possibilitou a troca profícua de ideias, de estudos, de questões, de possibilidades e considerações acerca dos temas abordados nessa linha.

Ainda como experiência exitosa no campo fotográfico, a autora apresenta uma espécie de portfólio denominado caderno de atividades - intitulado o sujeito da imagem e o objeto do olhar. O caderno foi elaborado e escrito pelo Prof. Armando de Barros para os cursos de Pedagogia de Niterói e de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense.

Organizado de forma sistemática, o documento além de garantir o estudo da imagem e da fotografia, também engloba textos sobre a história da fotografia, questões teóricas do campo, aspectos polemizados por teóricos como Walter Benjamin e Roland Barthes. Além desses textos, o material pedagógico apresenta ainda textos literários e jornalísticos de autores conhecidos que versam sobre a imagem e sobre a fotografia acompanhados de comentários. Compondo esse conjunto, há ainda a proposta de inúmeras atividades (oficinas, análises de filmes, visitas, debates dentre outras). Dessa forma, Rachel Abdala ressalta a importância da utilização desse tipo de material no tratamento do assunto.

Outros autores também contribuíram para a superação da fotografia enquanto imagem que tornava mais agradável a leitura dos textos... Miriam Leite, Diana Vidal, Armando de Barros e Boris Kossoy, teceram considerações a esse respeito em seus trabalhos.

Para Miriam Leite (1993, p. 146) “A utilização mais frequente e antiga da fotografia, nos trabalhos de ciências humanas, é como ilustração do texto. A fotografia seria a vitrine, através da qual o leitor pode tomar um contato imediato e simplificado com o texto”.

Diana Vidal (1993, p. 129) foi mais além e constatou também que essa forma de utilização da imagem já foi banida. Não se consegue olhar uma fotografia sem que se faça um exame criterioso e minucioso do documento. “Banida a interpretação das fontes visuais como mera recolha de imagens, como representação de uma realidade conferida ao ontem, elas se abrem a novas leituras”.

Através dessas novas leituras a fotografia se consolida como fonte documental no meio científico, porém outras perspectivas se abrem no seu estudo como objeto de pesquisa. Dessa forma, ela se torna desafiante do ponto de vista do pesquisador que se vê na necessidade de indagá-la em seu próprio código, a linguagem imagética, não verbal.

Armando de Barros (1996, p. 151) também presente no evento acima citado faz algumas ponderações sobre o assunto. Para ele “A utilização de fotografias em
investigações histórico-educacionais embora fascinante não se realiza sem ônus. O recurso ao suporte nos obriga a uma constante problematização das fontes e, principalmente, da tradição positivista que a envolve”.

A fotografia como fonte e objeto de pesquisa contribui para a reflexão acerca dos comportamentos sociais sob diversos ângulos. São aspectos que se firmam perante elementos técnicos e referências de uma dada sociedade. Segundo Boris Kossoy (1989, p.23) “a fotografia é um produto socialmente construído pelo olhar acumulado de diversos sujeitos (o contratante, o fotógrafo, o fotografado e a sociedade), e, portanto, assim deve ser compreendida”. Também ressalta esse autor que uma imagem sem as referências (data, local, fotógrafo, fotografados) perde grande parte de seu potencial.

A priori, as fotografias são recortes da realidade de acordo com as formas pelas quais as sociedades se permitiram representar. A produção do registro fotográfico, portanto, obedece ao universo simbólico de cada grupo social e cultural.

A fotografia como elemento didático-pedagógico numa perspectiva histórica torna possível um olhar dos mecanismos de transformação das práticas escolares relativas aos fatos históricos e educacionais enquadrados nas imagens. A esse respeito Rachel Abdala chama atenção sobre o amplo espectro que a fotografia assume no meio educacional, algo ainda não explorado na sua totalidade e enfatiza que a escola é um dos espaços mais significativos da vida das pessoas. São momentos passíveis de serem fixados, cristalizados para a posteridade. A partir de então, ela cita como exemplo o ingresso na escola (foto clássica, do aluno sozinho, sentado à mesa posando com elementos como o globo, o lápis, o caderno, a lousa, o mapa) dentre outras situações marcantes vivenciadas em parte ou na
sua totalidade.

Não obstante, o universo escolar apresenta seu próprio conjunto de padrões de representações, conforme é possível constatar a partir das lembranças oriundas de experiências escolares e registros fotográficos dessas experiências e, a partir do exame de imagens escolares presentes em arquivos, livros, jornais, álbuns. Tais recursos possibilitam a percepção de construções históricas. Assim, a análise da representação fotográfica viabiliza a compreensão da relação entre as propostas pedagógicas e a formação de práticas escolares.

O registro fotográfico como elemento discursivo constitui um desafio para a história da educação, visto que as imagens apresentadas são como meras ilustrações dos temas pesquisados. A esse respeito, Rachel Abdala deixa claro que se deve estabelecer um diálogo com a imagem já que ela representa uma realidade e, por conseguinte, requer uma articulação com outras informações, provenientes de outras fontes, procurando desconstruir analiticamente o enunciado visual. Assim, a interpretação das fontes deve ser apresentada em dois níveis, o de apreciação do documento como indício histórico e o do objeto sujeito à crítica, visando analisar a maneira pela qual os discursos são constituídos, bem como as apropriações que os redefinem e rearticulam.

Concomitante ao exposto, Diana Vidal (1998, p. 78) compreende a fotografia como um discurso (...) singular na linguagem (não verbal) em que é constituído, e que por sua vez é instituinte de maneiras outras de representar a sociedade e seus conflitos. Uma formação discursiva que produz regras de validação e hierarquização, gestando um próprio ato de fotografar”.

Diante da abordagem acima é pertinente expor que a fotografia sem soma de dúvidas é um texto não verbal dotado de elementos discursivos que deve ser compreendida linguisticamente em consonância com as demais fontes através da intertextualidade, onde cada fonte traz sua singularidade cujas informações intercruzadas compõem o mais completo quadro de fundamentação da interpretação proposta.

Por fim, a autora exorta quando afirma que as imagens fotográficas não se esgotam em si mesmas, e nem poderiam, uma vez que são o produto de uma profusão de fatores; portanto, significam o ponto de partida da investigação. Considerando que elas revelam apenas um fragmento selecionado da aparência das coisas e dos fatos, não podendo assim, tomá-las como verdades únicas e absolutas, como testemunhos do passado que se procura reconstituir e que jamais será visto novamente da forma como foi concebido, pois está impregnado, agora, pelo olhar do historiador.

Nessa discussão da fotografia como fonte de pesquisa é de se ressaltar que Rachel Duarte Abdala recorre, sobretudo às obras de Sônia Câmara, Miriam Leite, Diana Vidal, Armando de Barros e Boris Kossoy, e por vezes de Armando de Barros, dentre outros autores e diversos eventos. Estes autores fazem uma leitura indispensável sobre a imagem fotográfica como fonte documental quanto objeto de investigação num campo pleno de possibilidades e que necessitam de “exercícios constantes do olhar”, da interpretação iconográfica da imagem que é um trabalho sem fim, em que tudo passa pelo conteúdo nela manifestado que por sua vez chega à compreensão de uma unidade e suas interpretações possíveis.

Contudo, a análise das imagens implica no aumento de intensidade do olhar e na qualidade da imaginação que pode revelar a realidade. Não basta apenas vê, mas deve-se olhar com outras visões as imagens que tantos textos nos trazem. É preciso superar a fotografia como imagem-reflexo e admitir a imagem como uma mediação a ser decodificada.

 

RACHEL DUARTE ABDALA é Licenciada em História pela Universidade de São Paulo (1999); Mestre em História e Historiografia da Educação, e Doutora pela Universidade de São Paulo (2003 - Bolsista CAPES). Na Universidade de Taubaté é
Coordenadora de Atividades de Extensão, do Núcleo de Apoio a Eventos – NAE; Foi eleita para o Conselho do Departamento de Ciências Sociais e Letras, e Professora de graduação nos cursos de História e de Letras, e pós-graduação (Lato Sensu). Atualmente é professora assistente da Universidade de Taubaté e coordenadora pedagógica do Curso de História da mesma instituição. Coordenadora do subprojeto de História do PIBID-Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência na UNITAU. Líder do Núcleo de Pesquisas em História NPH-UNITAU. Coordenadora de projetos de extensão. Docente permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Humano da UNITAU. Tem experiência na área de História, com ênfase em História, atuando principalmente nos seguintes temas: fotografia, representação, educação, cultura e reforma.

 

Marcos Antônio Pires

http://lattes.cnpq.br/5028014182882409

 


Referências Bibliográficas

 

ANAIS do Seminário “Pedagogia da Imagem, Imagem na Pedagogia,” Niterói, Rio de
Janeiro: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, Departamento de Fundamentos Pedagógicos, 1996.

 

AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro, 2a. ed., Campinas, SP, Papirus, 1995 (Coleção ofício de arte e forma).

 

AZEVEDO, F. Novos caminhos, novos fins. São Paulo, Melhoramentos, 1950. ________. A reforma do ensino no Distrito Federal. São Paulo, Melhoramentos, 1929. BARROS, Armando Martins de. Da pedagogia da imagem às práticas do olhar: a escola como cartão postal no Distrito Federal do início do século. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, 1997.

 

BARTHES, Roland. “A mensagem fotográfica”, In: O óbvio e o obtuso. Ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990.

 

CAMARA, Sônia de Oliveira. Reinventando a Escola: o ensino profissional feminino na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930, Niterói – RJ, Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Dissertação de Mestrado, 1997.

 

CARVALHO, M.C.W. e WOLFF, S.F.S. “Arquitetura e fotografia no século XIX”. In: FABRIS, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX, São Paulo: Edusp, 1991.


CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2a ed., Petrópolis, Vozes, 1994.


CHARTIER, Roger. A história cultural - entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel, 1988.

 

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio, São Paulo, Loyola, 1996. (Coleção Leituras Filosóficas).

 

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo, Ática, 1989. ________. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. Ateliê: Cotia, SP, 1999.

 

LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Família. São Paulo: Edusp, 1993. (Coleção Texto e Arte, n. 9)

 

NUNES, Clarice e CARVALHO, Marta. M.C. Historiografia da educação e fontes. Cadernos ANPEd (5), set/1993.

 

NUNES, Clarice. “I Congresso Luso-Brasileiro de Educação - leitura escrita de Portugal e no Brasil: 1500-1970”. Modos de Ler, Formas de Escrever. FARIA Filho, Luciano Mendes de. (org.) Autêntica. Belo Horizonte, 1998.

 

OLIVEIRA Jr., Antônio Ribeiro de. Do reflexo à mediação: um estudo da expressão
fotográfica e da obra de Augusto Malta. Campinas, Unicamp, IA, Dissertação de Mestrado, 1994.

 

OLIVEIRA, Mirtes Cristina Marins de. Memória escolhida: imagem e história nas fotografias do Álbum Photographico da Escola Normal – 1895. São Paulo, PUC, Educação, Dissertação de Mestrado, 1997.

 

SAMAIN, Etienne. (org.) O fotográfico. São Paulo, CNPq, 1998.

 

VIDAL, Diana Gonçalves. “Fontes visuais na História: significar uma peça”. Belo Horizonte,

Varia História, FAFICH/UFMG, (13):128-131, 1994. ________. “A fotografia como fonte para a historiografia educacional sobre o século XIX: uma primeira aproximação”. In: FARIA Filho, Luciano M. de (org.) Educação, Modernidade e Civilização. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. P.73-89.