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RESENHA CRÍTICA: O INSUPORTÁVEL BRILHO DA ESCOLA – OLGA POMBO

Marcos Antônio Pires

 

A análise crítica da obra - O Insuportável Brilho da Escola da filósofa portuguesa Olga Maria Pombo Martins nos remete a profundas reflexões acerca da crise na escola.

Olga Pombo inicia seu artigo fazendo uma referência a grande pensadora do século XX – Hannah Arendt que por sua vez problematiza a questão educativa e a função da escola. Hannah aponta três razões para explicar a crise da educação nos Estados Unidos da América e Olga Pombo faz uso destas para fundamentar seu pensamento, pois acredita que mesmo sendo razões formuladas nos anos 50, ainda podem na atualidade desmistificar os equívocos que rodeiam a atual compreensão da escola.

A primeira razão fundamenta-se no projeto de promover a libertação das crianças face ao julgo da autoridade adulta, de retirá-las da situação de submissão em que anteriormente se encontravam para desabrocharem-se de forma saudável, longe dos impedimentos que rodeiam o mundo dos adultos. As crianças a partir de então, incorporariam suas próprias regras, normas... comportamentos no âmbito social consoante com seu nível de desenvolvimento físico, motor e psíquico. Segundo Olga Pombo:

 

Reconhecemos facilmente a inspiração rousseauista desta primeira razão. Sabemos como em Rousseau, este projeto, definido que é nos seus mais extremos contornos libertários, tem como consequência a necessidade de manter a criança o mais afastada possível das convenções que regulam a vida e atividade dos adultos, de lhe permitir crescer – amadurecer a sua infância - num lugar preservado, um lugar onde seja possível evitar a corrupção, adiar o contágio, entregue apenas aos cuidados maternos da primeira infância, às aquisições da sua própria experiência das coisas e à solitária contemplação da natureza.

 

A ideia de libertação da criança aparece ligada a uma exploração intensiva da ideia da escola, onde ocorre a inversão, pois libertar a criança da autoridade dos adultos implica na defesa da necessidade de proporcioná-la uma convivência saudável com os seus pares. Por essa razão a criança se desenvolve melhor e mais livremente longe da autoridade dos adultos, mas na companhia de outras crianças de sua idade, na escola, analisa Olga Pombo. Não obstante, a escola precisa passar por reformas profundas, tornando-se um espaço totalmente adaptável à criança a fim de que ela possa interagir, aprender autonomamente de forma saudável com outras crianças. Porém, as crianças encontram-se na escola abandonadas a si próprias, expulsas do mundo familiar que considera verdadeiro lugar para abrigo e proteção e assim Olga declara que:

 

Esta tese leva ao estabelecimento de um fosso, que já se agravou para proporções alarmantes, entre, por um lado, os adultos, os mais velhos já educados, a quem cabe unicamente esperar que a criança faça o que lhe apetecer e, quanto muito, tentar as mais das vezes sem sucesso, impedir que aconteça o pior, e, por outro lado, as crianças, abandonadas a si próprias, ou melhor, à autoridade do grupo dos seus pares, autoridade esta bem mais tirânica e feroz que a exercida pelo adulto mais severo.


Crianças e jovens totalmente abandonados, sem identidades visto que o ambiente não lhes permite o desenvolvimento de vossas personalidades. Além do mais, exclusos do seio familiar, do convívio de seus progenitores onde o abrigo, a proteção, o afeto, a educação... se tornam insubstituíveis a nível familiar. Mas porém, a família delega a estranhos esses valores e princípios que nunca jamais poderão ser supridos por outrem. A esse respeito, Olga Pombo evidencia que:

 

Aí temos dias inteiros, entregues ao cuidado de estranhos, esmagadoramente mulheres, ama, educadora, professora primária, arrastando-se pelas salas de aulas e recreios das nossas escolas, vagueando pelos corredores anônimos dos infantários, dos jardins de infância, dos jardins-escola, dos colégios infantis, das escolas primárias, básicas e secundárias. Aí estão, entregues a tribalidade das hordas infantis e juvenis, aos seus despotismos e arbitrariedades. Frágeis e vulneráveis, além disso, a todos os dispositivos de sugestão, de moda, de propaganda. Desprotegidas perante a violência que sobre elas exercem as histórias infantis, as revistas para jovens, os vídeos, a moda, a publicidade, a televisão.

 

A emancipação da criança está condicionada de forma perversa as transformações sociais e econômicas dos adultos. A partir de então, a escola é vista como solução não só para ensinar, mas para guardar por longos períodos de tempo as crianças. Nos meados do século XX, a mãe passou a trabalhar ficando a casa totalmente vazia. Os avós já não habitam a casa familiar porque se inventou o (s) lar (es) da terceira idade. Tudo isso vem corroborar com a retirada da criança de suas estruturas tradicionais de sociabilidade (família), como também da vizinhança, da rua, do bairro... e trancafiá-la dentro de quatro paredes porque não se sabe reconstruir uma sociabilidade comunitária em que a criança e o jovem possam mais uma vez participar da vida e das atividades dos adultos livremente partilhando das suas alegrias e tristezas, dos seus trabalhos e lazeres. Olga Pombo enfatiza que fomos forçados a encontrar uma forma, digna e moralmente reconfortante de, ao fechar a porta de uma casa que atrás de nós fica vazia, encontrar uma instituição que se encarregue de guardar ou encarcerar as nossas crianças e os nossos jovens. Diante disso, a escola foi responsabilizada a não apenas ensinar nossas crianças, mas garantir a guarda durante o tempo em que os pais passariam ausentes. Dessa forma, a autora considera que:

 

Infantários, creches, jardim-escola, jardins de infância, escolas pré-primárias, instituições oficiais e privadas, de educação pré-escolar e é significativa a multiplicação de designações, tão bizarras como escola “pré-primária”, tão dramáticas como “infantário” ou “creche”, (etimologicamente, “estabelecimento para asilo diurno de crianças pobres”), tão transparentes como as designações francesas de “garderie” ou “école maternelle” aí estão enquanto formas de escolaridade forçada e precoce que se vão inventando para dar corpo a esta recente necessidade, não das crianças mas dos seus pais.

 

Pela manhã, os pais deixam vossas crianças na escola e saem para o labor, confiantes que seus infantes serão alimentados, protegidos, entretidos e cercados de todas as condições necessárias para o cumprimento desta tarefa. Na verdade, pode-se afirmar que essa atitude é um tanto preocupante, pois se durante longas horas diárias, a escola substitui o lar das crianças e dos jovens, aos poucos e de forma indireta a escola é forçada a responder pelos direitos e deveres educativos que, primordialmente seriam de responsabilidade dos pais.

O que é importante ressaltar é que seja em nome das conveniências da família, seja em favor do interesse das crianças, Olga Pombo enfatiza que assistimos a um fenômeno duplo onde de um lado temos a “desprivatização” da vida das crianças, de transformação em tarefa pública das responsabilidades relativas à sua guarda, cuidado e educação e por outro lado, encontramos o “inchamento” da escola que se vê forçada a aceitar essas inesperadas e imensas responsabilidades educativas.

Afastar a escola da sua missão considerada insubstituível que é a de ensinar, transmitir para as novas gerações o patrimônio científico, artístico e filosófico construídos por várias gerações têm efeitos considerados pela autora como perversos. Por razões relativas à vida dos adultos foram transferidas para a escola as funções de guarda e educação das crianças e dos jovens e hoje temos escolas que se afundam diante das tarefas educativas e assim dificilmente conseguem continuar a cumprir a missão maior para que foram criadas: a função de ensinar. Assim, pela análise do artigo, destaca-se que estamos perante dois conceitos: a educação e o ensino, hoje muito confundidos. Neste sentido, Olga Pombo faz uma exortação:

 

Não estou sequer a falar daquela ação educadora da escola que, como resto inexorável, resulta da realização da sua finalidade maior, a transmissão do patrimônio cognitivo que faz de nós aquilo que somos. Refiro-me à transmissão dos valores internos à própria aprendizagem científica, artística, filosófica, humanística, valores de que a ciência, a arte, a filosofia, as humanidades são aplicação, resultado, exemplo - confiança nos poderes da razão, recusa da autoridade, liberdade de pensamento e expressão, exigência de rigor, clareza, elegância, simplicidade, beleza, gratidão para com os gigantes do passado. Numa palavra, valores que definem o perfil daquela educação intelectual que é inerente ao verdadeiro ensino.

 

A segunda razão apresentada por Olga Pombo em referência a Hannah Arendt consiste na ideia de que há uma pedagogia ou ciência do ensino em geral, com a independência suficiente para que a atividade de ensino se possa desligar completamente da matéria a ensinar. É importante nesse caso esclarecer que se existem técnicas e metodologias aplicadas ao ensino em geral então, a tendência com que se luta em vão para treinar o professor nessas habilidades e negligenciar a sua competência na disciplina que se vai ensinar. Aliás, existe uma tese sofismática de que não adianta saber muito se não se sabe ensinar. Mas vale saber ensinar do que saber muito e quando se diz que não basta saber muito para saber ensinar, não significa dizer que se possa saber ensinar sem saber muito. Ora, pois além de saber muito é necessário saber ensinar.

O que se observa principalmente nos países de terceiro mundo é a necessidade de formar professores com urgência embora sacrificando o elevado nível de preparação científica que seria legítimo garantir. No entanto, há uma explicação plausível... o professor atualmente assume funções múltiplas que na maioria estão extrínsecas a sala de aula como contactar constantemente os pais (visitar), monitorar a conduta e aplicar medidas socioeducativas, além de todo trabalho burocrático, etc. Daí vem a pergunta que não quer calar – por que as crianças não estão aprendendo?

Não se pode desvirtuar as funções da escola em detrimento da família, sejam quais forem as circunstâncias, ou seja, a educação é papel da família e o ensino é função que deve ser realizada pela escola.

A terceira e última razão citada no artigo discute a ideia de inspiração que só vale se tiver efeitos práticos (pragmatismo). Ideia segundo o qual não se pode saber e compreender senão aquilo que se faz por si próprio. Ao professor cabe ensinar menos e ao aluno aprender mais por si próprio, pelos seus próprios meios. O professor pode está ao lado do aluno, mas cada aluno terá sempre que aprender como se nunca alguém, o tivesse feito.

E assim, Olga Pombo diz:

 

Como se verifica, as duas razões encaixam perfeitamente uma na outra e, digamos assim, potenciam-se mutuamente. O professor precisa mais de saber ensinar que de saber aquilo que se propõe ensinar. Até porque o aluno precisa mais de aprender por si próprio que de ser ensinado. É verdade que, ao saber ensinar sem saber muito daquilo que ensina, o professor perde a única fonte legítima da sua autoridade. Mas também é verdade que, ao aprender por si próprio, o aluno não necessita de reconhecer a autoridade do professor. É verdade que, sem a autoridade que advém da competência, ao professor só resta o autoritarismo ou o laxismo. Mas também é verdade que, sem apoio intelectual do professor, ao aluno só resta o esforço inglório ou o desinteresse. Mais do que um fosso, é uma indiferença que se instala. Mais do que uma distância, é um deserto que se insinua.

 

A escola precisa fazer o que sempre fez: ensinar. Os Gregos a idealizaram para este propósito... deixar o ensino para segundo plano não é sinônimo de escola moderna, de escola que procura fazer um pouco de tudo, menos ensinar. É preciso que a sociedade salvaguarde à missão fundamental que explica e justifica a própria existência da escola. Não é a escola que tem que mudar. Ela tem é que se concentrar na sua missão primeira: o ensino.

A escola cabe ensinar, a família educar. Olga Pombo definiu muito bem cada ação a quem de direito. Porém, a escola não pode se eximir de refletir os valores morais advindos da família.

A escola ainda é um aparelho ideológico do Estado e como tal sofre influências políticas, daí a violência simbólica sofrida pelas crianças e jovens. Isso ainda é um fato. A escola se tornou cobaia do Estado sendo um local de experiências fracassadas. Podem-se citar os programas paliativos, os sistemas de avaliação que na maioria são copiados de outros países, além de políticas educacionais “ineficientes” pensadas por uma espécie de gueto intelectual que nunca leva em conta a realidade onde a escola está inserida. Nesta situação, a escola precisa verificar a relevância social dos conteúdos transmitidos às crianças e jovens.

A verdade é que a escola parece não acompanhar as mudanças ocorridas nos últimos tempos. Houve diversas transformações, a Instituição Familiar se adaptou rapidamente a essas mudanças diferentemente da Instituição Escola. Tal fato é justificável quando a família repassa à escola suas responsabilidades.

De qualquer forma, deve-se reconhecer que é bem melhor que as crianças e jovens estejam na escola do que fora dela. Como Olga bem ressalta em seu artigo existem coisas que apenas na escola é possível de se aprender. E que mesmo que a escola esteja bastante sufocada com tantas novas responsabilidades educativas é lá o ambiente mais apropriado para realizar determinadas funções.

Portanto, é na escola onde se conseguirão as transformações sociais tão urgentes e necessárias a construção de um Brasil igualitário e justo.

 

Marcos Antônio Pires
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