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CRÍTICA SOCIAL ATRAVÉS DA IRONIA NAS OBRAS DE MACHADO DE ASSIS

Lúcio Mussi Junior[1]

 

Resumo

A presente pesquisa traz um estudo do texto “O alienista” de Machado de Assis, enfatizando a ironia utilizada pelo autor como forma de crítica aos hábitos e costumes políticos e sociais de sua época. Propõem-se também situar o momento histórico, político e social em que a obra foi concebida no intuito de facilitar o entendimento desta ironia presente no texto. Além disso, evidenciam-se também as principais características das obras machadianas que as tornam de certo modo atuais apesar dos mais de cem anos que nos separam de suas publicações.

Palavras-chave: Machado de Assis. Obra. Ironia.

 

Abstract

This research presents a text of the study "The alienist" Machado de Assis, emphasizing the irony used by the author as a way to criticize the habits and political and social mores of his day. It is proposed also to place the historical moment, political and social in which the work was conceived in order to facilitate the understanding of this irony present in the text. It also shows up the main features of Machado works that make a certain current mode despite over a hundred years that separate us from their publications.

Keywords: Machado de Assis. Work. Irony.

 

Introdução

A presente pesquisa objetiva analisar parte da obra de Machado de Assis buscando um maior entendimento com relação à ironia aplicada pelo autor em textos como crítica à sociedade e aos costumes da época.

Joaquim Maria Machado de Assis, um dos mais importantes escritores brasileiros, escreveu diversos poemas, contos, crônicas, romances e peças de teatro. Machado sempre esteve à frente de seu tempo. Com vocabulário simples criava narrativas leves e agradáveis. Foi capaz de criar um estilo próprio que rompia as fronteiras do realismo chegando a antecipar características do modernismo. Entre as características marcantes de seu estilo a ironia é, sem dúvida alguma, uma das mais atraentes. Tal fato se deve principalmente pela sutileza do autor em utilizar-se de tal recurso que em alguns casos requer certa prática do leitor com obras mais complexas para que possa entender de maneira mais completa a mensagem transmitida pelo autor. Machado em suas obras criou personagens multifacetadas psicologicamente, envolvidas em tramas cuidadosamente montadas. Suas obras são de fácil e agradável leitura e ao mesmo tempo trazem como constante a ironia, muitas vezes pessimista, mas sempre crítica.

 

Desenvolvimento

Machado de Assis, Joaquim Maria Machado de Assis, nasceu em 21 de junho de 1839 no Morro do Livramento, periferia do Rio de Janeiro que na ocasião era a capital nacional. Com a antecipação da maioridade de Dom Pedro II, em 1940 teve início o segundo reinado.

Machado de Assis perdeu a mãe ainda garoto, como era de família humilde estudou pouco, frequentou apenas escola pública e nunca ingressou em universidade. Na infância passou por dificuldades financeiras e dividia seu tempo entre o trabalho e o estudo. Durante certo tempo trabalhou vendendo os doces feitos por sua madrasta. Existem relatos de que Machado tinha grande facilidade em aprender e biógrafos afirmam que ele aprendeu francês com a dona de uma padaria. Ainda com 16 anos publicou seu primeiro poema, intitulado “Ela” na revista Marmota Fluminense.

Naquela época, a elite do Rio de Janeiro buscava ser tão culta e glamorosa quanto às elites europeias. Além disso, a cidade enfrentava sérios problemas urbanísticos que eram agravados pelo crescimento desordenado e sem planejamento. As ruas eram sinuosas e estreitas e não existia rede de água e esgoto. A maioria da população concentrava-se na periferia, em espécies de cortiços e as casas de alvenaria eram raridade. A parte mais importante da cidade eram encontrados os palacetes da elite. Entre esses dois pontos extremos estavam os assalariados, funcionários públicos, negociantes, médicos, entro outros que compunham a classe média.

Mesmo sem saneamento e sem preocupação com higiene, vendia-se todo o tipo de produto nas ruas cariocas e o comércio era a principal atividade econômica. Todos esses fatores estimulava a proliferação de doenças como cólera, doença de chagas, febre amarela, entre outras.

Nesta época muitas transformações políticas e estruturais ocorreram no Rio de Janeiro e em todo o país. A abolição da escravatura, a proclamação da república, medidas de saneamento da cidade.

Tido como precursor do Realismo no Brasil, Machado de Assis publicou mais de duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, nove romances, mais de seiscentas crônicas, diversas peças de teatro, além de críticas literárias e folhetins. Mostrou-se como o escritor brasileiro que escreveu em praticamente todos os gêneros.

Em 1897, Machado de Assis e um grupo de amigos escritores, fundou a Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, Machado foi eleito presidente da Academia.

Entre as obras machadianas destacam-se “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, “Quincas Borba”, “Memorial de Ares”, “Relíquias da Casa Velha” e “O alienista”.

A temática adotada por Machado é bastante variada, sendo capaz de falar sobre questões sociais, políticas, homossexualismo, escravidão, entre outros problemas enfrentados pela sociedade da época. Chegou a escrever sobre escravidão sobre o ponto de vista do senhor de escravos e, com maestria soube usar o jogo de palavras e a tão conhecida ironia machadiana para criticar a escravidão e as pessoas envolvidas em tal processo.

Suas narrativas são agradáveis, usa vocabulário simples facilitando a leitura.

Outro tema constante em suas narrativas é o homem, tanto seu convívio em sociedade como a sua relação consigo mesmo. Deste modo, Machado mostrou-se preocupado com questões filosóficas e sociais e ainda com a composição psicológica de suas personagens. Neste contesto, Machado de Assis mostra-se tão detalhista e atencioso que parece desvendar a alma humana, unindo a literatura à psicologia.

A ironia, tau como traço psicológico, é constante em suas obras, sobretudo nas obras de sua fase realista, como podemos notar neste trecho de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: ASSIS (1880/1971, p.17) “... possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos!” É notória a famosa ironia machadiana ao apresentar primeiro a fortuna que possuía o narrador morto e logo em seguida colocando os amigos que o acompanharam ao cemitério dando ideia de que se fizeram presentes ao cortejo apenas pelas posses do defunto e não por amizade ou consideração. Como se não bastasse ainda repete exclamativamente o número de amigos presentes, ressaltando de forma irônica que apesar do dinheiro que possuía apenas onze pessoas propuseram-se a prestar-lhe as últimas homenagens.

Outra importante característica que aparece em obras de Machado de Assis é a metalinguagem através de seu narrador intruso comentando a narrativa com o leitor, envolvendo-o de maneira a parecer que este participa do ato de narrar com vemos no trecho a seguir de “Dom Casmurro”.

Em ASSIS (1899/1971, p.14)

Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores, alguns nem tanto. E mais adiante: Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão. (Dom Casmurro)

 

Durante toda a obra, Dom Casmurro, Machado lança mão da metalinguagem aproximando-se do leitor e discutindo com ele a própria criação da narrativa.

Machado de Assis vivenciou toda a mudança política de sua época, não como simples espectador, mas como alguém consciente da realidade circundante, um artista que buscou “desvendar a alma humana” e teve coragem de se posicionar perante a sociedade valendo-se de seu incomparável talento com as letras para criticar o que acreditava estar em desacordo. Talvez por estes motivos suas obras, ainda hoje, despertem tanto interesse e admiração entre leitores e estudiosos e ele seja considerado como um dos maiores escritores da literatura brasileira.

 

Ironia e a interação escritor / leitor

O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define ironia da seguinte forma: “s.f. Tropo que consiste em dizer o contrário do que as palavras significam. / Zombaria, sarcasmo: ironia amarga. // Ironia socrática, espécie de ensino por interrogações, familiar a Sócrates.”

No entanto, a ironia aqui abordada e, portanto, a ironia empregue por Machado de Assis em sua obra vai além desta primeira definição, trata-se de algo bastante sutil podendo, eventualmente, passar despercebido por leitores menos experientes. São expressões que tangem o limite da dúvida sendo ditas, muitas vezes, sob extrema seriedade disfarçando a crítica em um segundo plano. A ambiguidade está presente também em muitos casos, fazendo parte da ironia exigindo do leitor conhecimento mais amplo para que possa, através da intertextualidade, interpretar de maneira clara os fatos expostos no trecho de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

ASSIS (1880/1971, p.17)

... a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

 

O trecho acima mostra claramente a interação do autor com o leitor, a ironia trágica se faz marcante e a intertextualidade torna-se um ponto importante para o bom entendimento do parágrafo.

Esta carga trágica se faz presente em muitos momentos nas obras machadianas mostrando-se como uma forma mais incisiva de trazer o leitor para a realidade que é exposta pelo autor.

Nota-se ainda, que o trabalho de se empregar a ironia em um texto é uma ação conjunta entre autor e leitor e tal intento torna-se perdido caso o receptor não consiga decodificar adequadamente o sentido proposto pelo escritor.

Desse modo, pode-se afirmar que parte da ironia presente nas obras de Machado de Assis só pode ser percebida por leitores mais experientes, que estejam acostumados com textos mais aprimorados e que possuam bom conhecimento literário. Mas, apesar disto, os textos de Machado de Assis são relativamente simples, de modo que mesmo os leitores menos experientes podem entender o sentido mais geral do enredo.

 

Conclusão

Nota-se ao fim desta pesquisa que Machado de Assis, apesar de ter uma fase produção predominantemente romântica e outra predominantemente realista, desenvolveu um estilo singular no qual um misto de características integram-se de maneira sinergética fazendo de seus textos verdadeiras obras de arte da literatura brasileira atraindo até hoje a atenção de curiosos, estudantes e críticos.

Mostra-se importante ao estudar um clássico como “O alienista” situar o momento histórico, político e social em que ele foi concebido, assim como foi realizado no início desta pesquisa. No entanto percebemos que embora o texto tenha sido produzido em 1882 em pleno 2º Reinado em uma sociedade escravocrata e ainda bastante dependente culturalmente de Portugal e mesmo da Espanha a maioria das críticas sociais e políticas podem ser empregues nos dias de hoje, fato que, de certo modo, torna a obra de Machado atual embora escrita a mais de cem anos.

Foi possível notar ainda importantes características nos textos machadianos como a profundidade psicológica de suas personagens, a metalinguagem sempre aproximando autor e leitor e a ironia, sempre presente como fator de crítica social.

Através da complexidade psicológica de suas personagens Machado evidencia o comportamento humano por trás das aparências bem como a relação do ser humano com a sociedade onde está inserido, suas falhas de caráter e de comportamento.

Com tudo, fica claro que tal conjunto de características mostram Machado de Assis como um escritor bem à frente de seu tempo, dotado de excelente percepção crítica e a capacidade de valer-se de elementos como a ironia para a construção de narrativas capazes de romper a barreira do tempo e prender a atenção dos leitores mesmo tantos anos após terem sido escritas.

 

Referências

ALAVARCE, Camila da Silva. A ironia e suas refrações.  São Paulo: UNESP, 2009.

 

ASSIS, Machado de.  Dom Casmurro.  Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

 

ASSIS, Machado de.  Memórias póstumas de Brás Cubas.  São Paulo: Ática, 1971.

 

ASSIS, Machado de.  O alienista.  Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

 

FISCHER, L. A. Contos de Machado: da ética a estética. Rio de Janeiro: In-Folio, 1998.

 

http://machado.mec.gov.br/, acesso dia 05/10/2013 às 17h52min.

 

http://www.klickeducacao.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR-4277-32678-,00.html, acesso às 18h15min.

 

PESSOA, Patrick. A ironia trágica de Machado de Assis. Viso - Caderno de Estética Aplicada volume 1. Revista Viso, 2007.

 

 



[1] Coordenador do Instituto Saber de Ciências Integradas.