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Leitura como prática social: O papel da escola na formação de leitores

Priscila Cristina  Bertagna Silva

 

DOI: 10.5281/zenodo.13821302

 

 

RESUMO

A civilização humana sempre utilizou linguagem para comunicar-se. Por intermédio do surgimento da escrita, puderam ser registrados grandes momentos da humanidade. Com o passar do tempo, habilidades de ler e escrever passaram a ter grande importância para a sociedade, já que a maioria das atividades cotidianas, até mesmo as mais simples, está baseada na leitura, como ler um jornal, um rótulo de um produto, um outdoor, informativos. Daí se considerar a leitura como uma prática social. No entanto, a escola tem apresentado um conceito defasado quanto à leitura, ou seja, valoriza-se muito o ensino do código sem importar-se com a leitura reflexiva. Na sociedade contemporânea, não basta educar para uma leitura de decodificação, mas é preciso estimular a prática reflexiva, formando leitores críticos, que possam construir sua própria identidade e ter condições de atuar em sua comunidade e promover uma mudança no espaço em que se vive. Aquele que possui habilidades de leitura está apto para cobrar seus direitos e entender seus deveres. Porém, pesquisas recentes indicam que o brasileiro ainda tem grande dificuldade em processar informações de textos longos. A escola tem o papel principal de formar leitores capacitados e para isso precisa repensar o espaço escolar como um espaço cultural, permitindo que a leitura seja acessível a todos, buscando promover eventos que motivem o leitor. Os professores têm função fundamental nessa prática também, já que a ele é dada a responsabilidade do encaminhar os novos leitores. Assim, o professor deve se utilizar de estratégias pedagógicas que facilite a inserção do aluno nesse mundo letrado, assim como rever seus conhecimentos e práticas em sala de aula. Com este trabalho pretendeu-se contribuir para uma reflexão sobre a importância da leitura e de uma educação que vise a participação social e a formação integra do aluno, a fim de favorecer o exercício da cidadania.

 

Palavras-chave: Leitura. Prática social. Escola. Professor. Cidadania.

 

 

Introdução

 

O contanto com a leitura se faz constantemente em nossos dias, seja pelas informações de um jornal, receitas, anúncios, outdoors, embalagens ou placas de trânsito. Sendo assim, a exigência pelo domínio da linguagem em nossa sociedade tem sido cada vez maior. A escrita é o meio mais democrático para se ter acesso às informações, apresentando ao indivíduo liberdade de escolha e interpretação. Esse fato contrapondo-se aos meios de comunicação em massa que apresentam informações fáceis que são selecionadas por àquele que lê.

Para Foucambert (1994, p. 124), a leitura permite buscar pontos de vista diferentes, permitindo uma atividade social crítica e reflexiva. O ato de ler acontece nos mais diferentes contextos, sendo assim designado como prática social, mas é no ambiente escolar que essa prática torna-se mais idealizada. No entanto, a escola, em sua maioria, continua tratando a escrita e a leitura com o mesmo objetivo para o qual fora destinado no começo da industrialização, ou seja, valoriza-se a decodificação de códigos, uma leitura automatizada, que forma leitores incapazes de realizar uma leitura significativa e reflexiva.

Não se pode negar que o objetivo da educação deve girar em torno da formação integral do aluno. Assim, em se tratando de leitura, a instituição escolar deve promover estratégias para que a atividade leitora seja algo motivadora. O professor deve ser um membro atuante em todo esse processo, já que está em um lugar privilegiado em relação à construção do conhecimento.

Diante desses fatos, o presente trabalho tem como objetivo analisar a importância da leitura como prática social e fator determinante para inserção do individuo na sociedade. Também será analisado o tratamento dado pela escola no que diz respeito às estratégias de ensino úteis para a formação desses leitores e a importância da instituição de ensino e dos professores na formação de leitores capacitados.

Para realização de tal pesquisa, foram realizados estudos bibliográficos sobre os mais conceituados autores de discorreram sobre o assunto. O trabalho inicia com o capítulo “Considerações sobre a linguagem e a leitura”, que analisará o conceito de leitura e linguagem. No segundo capítulo “A escola e a formação do leitor”, abordará qual o papel da escola na formação de leitores críticos e reflexivos e ainda como o professor pode influenciar na formação desses leitores. Já no terceiro capítulo “Leitura e Sociedade”, pretende-se analisar como a linguagem pode ser determinante na formação de um cidadão atuante. “Práticas pedagógicas na formação do leitor” apresentará um levantamento de técnicas pedagógicas que podem ser aplicadas em sala de aula para facilitar o ensino-aprendizagem. O trabalho será concluído com a análise final do papel da escola na formação dos leitores, sendo a leitura um fator social determinante.

 

 

Breve história da leitura e escrita

 

Desde o começo da humanidade, o homem sentiu a necessidade de comunicar-se. Na pré- história, essa comunicação era praticada por meio de desenhos feitos nas paredes das cavernas, que transmitiam desejos ou necessidades. No entanto, registros da escrita constam de apenas aproximadamente 5.500 anos, na antiga Mesopotâmia. Primeiro, eram ideogramas que formavam uma palavra, depois a escrita passou a adquirir valores fonéticos.

Os fenícios foram os primeiros a decodificar palavras em sons e a escrita passa, então, a ser alfabética. Fato que se expandiu pelo Egito e, devido sua simplicidade, foi adotado pelos Gregos. Origina-se o alfabeto etrusco que, junto com o gótico da Idade Média, dá origem ao que hoje é o nosso alfabeto latino.

A escrita iniciou-se quando o homem passou a registrar o número de animais que possuía e a quantidade de alimentos que havia colhido e estocado. Depois, passou a usar a escrita para registrar dias do ano, ou seja, o calendário. Com o passar do tempo, a escrita passou a registrar grandes batalhas, navegações, feitos, casamentos, dividas e empréstimos, orações e mais tarde, obras literárias. Nesse momento, dominar ou não a escrita não fazia diferença na vida da população.

No final do século XVIII, com o avanço tecnológico e a revolução industrial, os produtos eram fabricados em massa e os trabalhadores explorados. No entanto, no século XIX, a educação escolar passa a ser obrigatória numa tentativa de mudar o perfil da população e a escrita passa a ser sinônimo de sucesso. No século XX, a hierarquia social é bem definida, mas ser analfabeto não é motivo de discriminação, já que as pessoas possuíam meios suficientes para trabalhar em ofícios que não exigiam a escolaridade.

É a partir da década de 50, o ato de ler passa a ser considerado um processo psicológico especifico, no qual é formado pela integração de um conjunto de habilidades. A leitura passou a ser considerada um processo da representação humana da realidade, adotando o modelo psicolinguístico-cognitivo.

 

 

O processo da leitura

 

Leitura é o processo complexo pelo qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, caracterizado pela utilização de várias dimensões: lingüística, cognitiva, semiótica e social. Nesse último sentido, salienta Freire (1984, p.11) que “A leitura do mundo precede a leitura da palavra.” A leitura é a capacidade de entendimento do texto escrito, e para Garcez (2001, p. 23), (...) um processo complexo e abrangente de decodificação de signos e compreensão e intelecção do mundo que faz rigorosas exigências ao cérebro, a memória e a emoção. Lida com a capacidade semiótica e com a habilidade de interação mediada pela palavra. É um trabalho que envolve signos, frases, sentenças, argumentos, provas formais e informais, objetivos, intenções, ações e motivações. Envolve especificamente elementos da linguagem, mas também os de experiência de vida dos indivíduos.

Sendo assim, ler é mais do que decodificação de signos gráficos, de conhecimentos fonéticos e semânticos, mas sim um ato de raciocínio no sentido de uma interpretação da mensagem escrita, seja pelas informações fornecidas pelo texto ou até mesmo pelos conhecimentos já pré-adquiridos pelo leitor.

Para Chartier (1997, p. 20), o texto, apreendido pela leitura, não tem o sentido que lhe atribuiu o autor, pois a liberdade do leitor se desloca àquilo que o livro tenta lhe impor. Liberdade que não é absoluta, devido limitações das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam a prática da leitura. Não se pode negar, nesse sentido, o conhecimento e experiências de vida daquele que lê, suas relações interpessoais, culturais, ideológicas. Por esse fato, pode-se dizer que um mesmo texto tem significados diferentes para cada leitor, já que cada um relaciona aquilo que lê com seu conhecimento de mundo.

Para melhor se entender o processo de leitura, Heinemann e Viehweger (1991 apud Koch, 2003, p. 21), partem da hipótese de que quanto mais conhecimento o leitor tiver, mais será sua experiência de leitura. Para os autores o processamento textual acontece a partir de três fases: primeiro acontece o conhecimento linguístico, aquele que envolve o conhecimento gramatical, lexical e de construção linguística, facilitando a construção e reconstrução do texto; segundo observa-se o conhecimento enciclopédico ou de mundo, compreendido como um fator importantíssimo para a constituição da leitura e relacionado com conhecimento pré-estabelecido pelo leitor ou aquele que se encontra em sua memória; por último, dá-se o conhecimento interacional, ou seja, conhecimento funcional, comunicativo e metacomunicativo.

Ler, sobretudo, é uma atividade de interação, em que leitor e texto interagem entre si, obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados. É um trabalho constante do sujeito-leitor, para descobrir, recriar e produzir conhecimentos. Mas esse processo possibilita ao sujeito ir ao encontro da linguagem escrita. A leitura dá ao homem a possibilidade de atuar sobre o mundo, por meio da ação e reconstrução sobre a sociedade em que se vive.

 

 

Leitura enquanto prática social

 

A busca pela informação e pelo conhecimento tem se tornado contínua em nossa sociedade, já que é nítida a percepção de que sem esses conceitos o individuo será excluído socialmente, tornando-se ignorante em um espaço marcado pela comunicação. Por meio da leitura tem-se acesso à maior parte dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Pela leitura amplia-se a visão de mundo e desenvolve-se a compreensão, comunicação e senso crítico. Ler, ainda, coloca o sujeito em contato realidades diversas, levando-o a descobrir pessoas e ideais.

O ato de ler nem sempre apresentou significativa importância na sociedade. Zilberman (2001, p.25) afirma que, ao contrário do que se vê atualmente, a leitura já foi considerada até como atividade condenada ou demoníaca, no começo da era moderna, quando a prática da leitura começou a se expandir, foi considerada como corporificação do demônio. Dom Quixote perdeu o juízo por muito ler livros de cavalaria - e bem antes de Cervantes, com os trágicos gregos, já se falava dos males da leitura.

A educação no Brasil apresentou, em todos os tempos, uma escola seletiva, antidemocrática e excludente, privilegiando a poucos. Não se pode esquecer que mulheres, escravos, imigrantes, pobres e portadores de deficiência física e mental não tinham direito à educação, talvez por serem considerados inferiores, inaptos ou não importantes para a sociedade.

Observa-se que os problemas relacionados à leitura estão diretamente ligados a questões sociais que atingem em massa a população: má distribuição de renda, miséria extrema, desvalorização da pessoa humana. Até mesmo dentro do ambiente escolar, como déficits de escolarização, péssimo estado dos materiais das escolas, má formação profissional, falta de bibliotecas ou péssima qualidade delas e dificuldade de acesso ao que hoje se tornou essencial, a internet.

Lajolo (2007, p. 16) faz uma reflexão sobre o papel da leitura em uma sociedade democrática. Constata, então, que ler é essencial, não somente para pessoas que participam de um ambiente de produção cultural, mas para a própria sociedade que utiliza a linguagem escrita para muitas de suas necessidades. Ler um jornal, por exemplo, exige do leitor não somente a decifração de signos, mas uma reflexão sobre o que se lê. Assim, ao procurar um emprego, assinar um contrato de trabalho ou de aluguel, recados aos pais vindo da escola, informativos, até mesmo tomar um ônibus o sujeito faz uso social da leitura.

A leitura tem papel fundamental também no mercado de trabalho. Uma pessoa, que não lê e não escreve, dificilmente conseguirá um trabalho bem remunerado e com boas condições trabalhistas, ficará à margem da sociedade e não poderá exercer seu papel no meio social, já que as empresas cada vez mais exigem do empregado domínio sobre a leitura e escrita.

Para Kleiman (1998, p.10), quando se ler qualquer texto, é colocado em ação todo o sistema de valores, crenças e atitudes que reflete o grupo social em que se deu determinada socialização primária. A prática social da leitura está intimamente ligada às raízes sócio culturais das pessoas e na formação de sua cidadania.

A leitura e a escrita constituem instrumentos fundamentais para o desenvolvimento da consciência crítica de toda uma sociedade, para compreensão e intervenção no mundo em que se vive.

A leitura é uma atividade ao mesmo tempo individual e social. É individual porque nela se manifestam particularidades do leitor, suas características intelectuais, sua memória, sua história; é social porque está sujeita às convenções lingüísticas, ao contexto social, à política. (NUNES, 1994, p.14)

Aquisição da linguagem, assim como o desenvolvimento da leitura, significa o desenvolvimento do ser humano como sujeito que tornará a língua como mecanismo social para construção do próprio sujeito. Nota-se, então, que a linguagem não existe somente para veicular informação, mas demonstra o lugar ocupado pelo falante na sociedade e seu papel em relação à própria linguagem. Para obter conhecimento e, consequentemente, tornar-se um membro ativo na sociedade, não basta apenas ler, mas é preciso selecionar, analisar, interpretar e agregar valor ao que se tem em mãos. Na escolha de um livro, jornal ou revista é preciso a interação dos elementos textuais com o conhecimento de mundo que tem o leitor.

Surge, então, a necessidade do senso crítico, que nada mais é do que a reflexão sobre o que se lê, escuta ou vê. Um indivíduo com senso crítico apurado, não se deixa influenciar pela informação e opinião vinculadas na grande mídia, tendo suas próprias convicções.

Observar, refletir, procurar entender o mundo e interagir com ele tem na leitura um caminho para o desenvolvimento dessas competências, na medida em que o conhecimento vai sendo absorvido e a produção cultural da civilização humana aumentando. Se a leitura leva ao conhecimento e à informação, então, desenvolve o potencial criativo do homem, dando sentido às suas ações cotidianas. Assim, os indivíduos tornam-se participantes das decisões públicas que refletem diretamente sobre eles, refletindo em melhor qualidade de vida e consciência de deveres e direitos. Para Foucambert (1994, p. 123), “a escrita é o único meio para se alcançar a democracia, para alcançar a capacidade de entender porque as coisas são como elas são.

 

 

Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF): A realidade da população brasileira

 

O termo alfabetismo funcional vem sofrendo mudanças ao longo dos anos. A UNESCO, em 1958, definia como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um enunciado simples, relacionado com sua vida diária. Após vinte anos, a UNESCO sugeriu os termos analfabetismo e alfabetismo funcional. Alfabetizada funcionalmente é a pessoa capaz de utilizar a escrita e a leitura e matemática no contexto social em que está inserido. Não basta apenas decodificar códigos, mas utilizar estes meios no cotidiano.

O indicador nacional de alfabetismo funcional – INAF é uma iniciativa do instituto Paulo Montenegro, cujo objetivo é oferecer à população brasileira indicadores sobre a prática leitora, escrita e matemática de brasileiros entre quinze e sessenta e quatro anos de idade. A iniciativa visa a motivar o debate público, estimular iniciativas da sociedade civil, subsidiar a formulação de políticas públicas nas áreas de educação e cultura, além de colaborar para seu monitoramento. Pretende-se com tal indicador, coletar índices para que a sociedade e os governantes possam avaliar a situação quanto a um dos principais resultados da educação escolar: a capacidade de acessar e processar informações escritas como ferramenta para processar informações cotidianas. Entre os anos de 2001 e 2005, o INAF foi realizado anualmente, alternando as habilidades discutidas. Um ano se realizava a pesquisa sobre leitura e escrita (letramento) e no outro sobre habilidades matemáticas (numeramento). A partir de 2007, a pesquisa passou a ser bienal, simultaneamente com os dois temas.

Existem quatro níveis de alfabetismo em português: Analfabetismo, rudimentar, básico e pleno. O analfabetismo corresponde à condição de não conseguir realizar tarefas simples do cotidiano, como ler palavras simples ou frases, embora uma parcela das pessoas consiga ler números. Nível rudimentar corresponde à capacidade de localizar informações explícitas em textos curtos ou familiares, ler e escrever números e realizar operações matemáticas simples. Em nível básico se encontra aquela pessoa que pode ser considerada funcionalmente alfabetizada, ou seja, lê e compreende textos de média extensão e localizam informações mesmo que sejam necessárias algumas interferências. Àqueles que compreendem textos mais longos, analisando-os e relacionando suas partes, sendo capazes de avaliá-los, encontram-se em nível pleno.

O INAF Leitura e escrita 2009 revela avanço no alfabetismo funcional dos brasileiros na faixa etária estudada. A pesquisa aponta que no país há 7% de analfabetos absolutos, com redução de dois pontos percentuais desde 2007; 21% da população encontra-se como alfabetizados de nível rudimentar; 47% em nível básico, apresentando crescimento de treze pontos percentuais desde 2001; 25% em nível pleno, não apresentando crescimento, já que oscila dentro da margem de erro.

Observa-se, então, que grande parcela da população não apresenta um grau de leitura avançado, ou seja, uma pequena minoria possui habilidades plenas em leitura e conseguem se utilizar de textos de maior complexidade em favor próprio e da sociedade em que está inserido. O mais preocupante é que esse número não tem aumentado nos últimos anos. Embora o nível básico tenha aumentado, o Brasil ainda não apresenta uma população que tem na leitura sua fonte de conhecimento e transformação da realidade atual. O Brasil ainda é sinônimo de exclusão social, má distribuição de renda e falta de políticas públicas em favor da população mais necessitada e a população pouco (ou nada) tem se colocado quanto a esse fato.

 

 

A escola e a formação do leito

 

A escola tem, ao longo do tempo, corrompido o verdadeiro significado de ensinar a ler. O bom aluno é considerado aquele que é capaz de ler corretamente as palavras de um texto, porém esse aluno nem sempre faz uma reflexão sobre o que lê. A escola alfabetiza não produz leitores capazes de, socialmente, exercer habilidades de leitura e escrita que o contexto atual exige. O saber decifrar não é mais significativo para a sociedade contemporânea.

Para Foucambert (1994, p.19) a escola ainda continua centrada nos objetivos para o qual foi criada na industrialização, quando a alfabetização girava em torno da leitura de métodos e procedimentos de forma automática e sem visar o mínimo de reflexão sobre o que se lia. O acesso à escrita se deu pelo ensino do código, negando ao sujeito qualquer relação mais íntima com a leitura. Tratavam-se os alunos com homogeneidade, ou seja, tinha-se a visão de que todos aprendem da mesma forma, sem considerar o aspecto cognitivo de cada um.

Na educação do século XIX, a relação leitor – contexto era privilegio de poucos. Fato não muito distante do que se é apresentado hoje, já não se considera o saber que o aluno traz consigo antes de chegar à escola e nem o conhecimento que já tem quando determinado texto é discutido. Ainda na escola atual, lê-se para avaliar, para fazer um resumo do livro, para responder a algum questionário de interpretação de texto. Não há na escola um espaço reservado cujo único objetivo seja a leitura por prazer e para reflexão.

Paulo Freire, ao discorrer sobre a importância do ato de ler, nos remete a esse tema: Linguagem e realidade se aprendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura critica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais da minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica do ato de ler se veio em mim constituindo. (...) Primeiro a “leitura de mundo”, do pequeno mundo em que me movia; depois, a leitura da palavra, que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da palavramundo. (FREIRE, 2003, p. 11-12)

Freire remete-se aos momentos em que a leitura fez-se presente em sua vida. Podemos observar o quanto o contexto, a realidade do leitor deve ser levada em consideração ao tratar-se aprendizagem da leitura. A escola atual tende a ensinar leitura e escrita como coisas distintas, sendo que a última tem sido mais valorizada. Por isso, sugere a leitura da palavramundo, que nada mais é do que considerar leitores – texto – contexto (mundo) como fundamentais dentro da aprendizagem.

Lerner (2002, p.17) diz que para incorporar todos os alunos e cidadãos à cultura do escrito “é necessário reconceitualizar o objeto de ensino e construí-lo tomando como referência fundamental as práticas sociais da leitura e escrita (...) requer que a escola funcione como uma microcomunidade de leitores e escritores”. Para a autora, reconceitualizar significa uma reflexão sobre a prática educativa, em que ler significa questionar o mundo e as respostas podem ser encontradas naquilo que se está escrito, em uma interação entre leitor e texto.

O necessário é fazer da escola um âmbito onde a leitura e escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir. (LERNER, 2002, p.18)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997, p.15), em sua apresentação reforçam que “o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista”. Os parâmetros colocam como responsabilidade da escola “garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos”.

No mesmo documento, é citado como motivo do fracasso escolar a dificuldade encontrada pela escola no ensino do ler e escrever, apontando a necessidade da reestruturação do ensino para efetiva aprendizagem. No entanto, a escola não pode ser considerada a única responsável pela formação dos leitores, até mesmo devido a grande diversidade de texto que circulam na sociedade. No entanto, ainda cabe à instituição escolar a obrigação de formar leitores, iniciando- os no mundo letrado e formando-os como leitores autônomos que cultivem o gosto pela leitura no decorrer da vida.

Na redação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p.69-70),

 

(...) a leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seus conhecimentos. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas.

 

Um dos mais aliados espaços para a disseminação da leitura e do fortalecimento do vínculo leitor – leitura é sem dúvida a biblioteca. Programas públicos como o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD apresentam certa preocupação dos governantes quanto ao tema. Ainda que haja investimentos por parte do governo, o conceito de biblioteca tem sofrido alguns preconceitos enraizados historicamente. O ambiente ainda é considerado com um lugar de silêncio e ordem. As bibliotecas não estimulam a curiosidade dos leitores e nem abrem espaço para discussões ou projetos que estimulem a leitura. Outro problema é que muitas bibliotecas escolares simplesmente não abrem suas portas aos alunos para que não haja desorganização ou danos dos materiais que ali se encontram, evitando a circulação dos livros entre os estudantes.

 

 

O papel dos professores enquanto formadores de leitores

 

Ainda são grandes as dificuldades encontradas pelos professores no decorrer de sua carreira dificultando, consequentemente, a formação de leitores reflexivos. O próprio ambiente escolar não promove um debate acerca da aprendizagem. Há ainda a péssima remuneração do magistério, precariedade dos recursos didáticos, práticas pedagógicas inadequadas. O próprio planejamento pedagógico muitas vezes é baseado em ideias vagas, fora do contexto social, limitando o professor a uma prática que não condiz com a realidade do aluno.

Nem sempre os professores estabeleceram relações positivas como a leitura; uma grande parte não gosta de ler ou não veem a leitura como prazer e outros se utilizam da leitura apenas para preparar aulas. Se o educador é aquele que tem o papel de formar o aluno, não tem prazer pelo ato de ler, como poderá formar um leitor ativo? Se os professores não forem leitores dificilmente poderá levar os alunos ao encanto dos livros.

A grande maioria dos professores, ao entrar na sala de aula, depara-se com alunos desmotivados, que não gostam de ler e não veem sentido na leitura. Assim, professor desmotivado, desmotiva o aluno, que por sua vez desmotiva o professor. No entanto, muitos professores também já têm se conscientizado quanto a importância de novas práticas na formação do aluno leitor, tendo consciência de que essa formação reflete diretamente na construção da cidadania que gera grandes mudanças para o país.

Para que a instituição escolar cumpra com sua missão de comunicar a leitura como prática social, parece imprescindível uma vez mais atenuar a linha divisória que separa as funções dos participantes na situação didática. Realmente, para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos do leitor, é necessário que o professor os encare na sala de aula, que proporcione a oportunidade a seus alunos de participar em atos de leitura que ele mesmo está realizando, que trave com eles uma relação de ‘leitor para leitor’. (LERNER, 2002, p.95).

Cabe a todos entender a formação de leitores como um despertar para o novo, para a autonomia. O professor tem o papel de conduzir o aluno, sendo o espelho de leitor que na maioria das vezes não encontra nos pais. O professor precisa ser um mediador da leitura, criando condições para que os alunos possam ler. Acredita-se que uma mudança efetiva no ensino da leitura não parte de novos métodos pedagógicos, mas da própria postura do professor na sala de aula.

Quando uma criança não encontra utilidade na leitura, o professor deve fornecer-lhe outros exemplos. Quando uma criança não se interessa pela leitura, é o professor quem deve criar situações mais envolventes. O próprio interesse e envolvimento do professor com a leitura servem como modelo indispensável: ninguém ensina bem uma criança a ler bem se não se interessa pela leitura. (BARBOSA, 1994, p.138)

Deve, então, estar atento á diversidade cultural dos alunos, seus aspectos psicológicos, contexto social, para que a leitura possa ser uma alavanca para a promoção social e uma fonte de prazer inigualável. Para isso, o educador deve livrar-se de todo preconceito e estar disposto a mudar, transformar, buscar novos conceitos para aprimorar sua prática educativa. A sala de aula deve ser um ambiente interativo, onde haja discussão e cada um possa fazer a interferência quando achar necessário.

 

 

Prática pedagógica no ensino da leitura

 

Isabel Solé (1998, p. 70-75), em seu livro “Estratégias de leitura”, propõe uma série de estratégias com finalidade de ajudar o professor na prática docente e na formação do leitor. A autora define como estratégia um conjunto de ações voltadas para a execução de uma meta, ou seja, ações selecionadas pelo leitor para atingir seus objetivos. As estratégias de leitura permitem uma atividade planejada sobre o ato de ler e por ser uma atividade metacognitiva, permite conhecer sobre o próprio conhecimento.

Segundo a autora, para uma ação significativa, deve-se haver estratégias prévias à leitura. Assim, o conhecimento prévio do tipo de texto, objetivos da leitura, atualização sobre o conhecimento prévio do leitor, estabelecimento de expectativas quanto o que será lido e formulação de perguntas sobre o texto manterão os alunos atentos.

Para Solé (1998, p.116) durante a leitura, acontece a atividade compreensiva: “a leitura é um processo de emissão e verificação de previsões que levam a compreensão do texto.” Enquanto se lê, as expectativas do leitor devem ser confirmadas ou substituídas para que, unidas às informações do texto, possa haver compreensão.

Como finalização da leitura, a autora ressalta a importância do ensino da “ideia principal” do texto, ensino do resumo e da formulação e respostas de perguntas. Solé (1998, p. 72) ressalta que as estratégias de leitura precisam ser ensinadas, já que as crianças não nascem sabendo (o desenvolvimento se dá de forma generalizada). As estratégias de leitura precisam ser entendidas e aplicadas em diversas situações cotidianas, em outras palavras, “o ensino de estratégias de compreensão contribui para dotar os alunos dos recursos necessários para aprender a aprender”. A autora defende, ainda, a ideia de que o ensino da leitura deve acontecer como um processo compartilhado entre professor e aluno, no qual o primeiro deve ser um orientador no sentido de estabelecer um elo entre o conhecimento pessoal do aluno e o conhecimento socialmente estabelecido.

Ainda para Solé (1998, p. 43), para que qualquer pessoa sinta-se envolvido pela atividade da leitura é necessário que ela se sinta capaz de ler e compreender o texto de forma autônoma, a exemplo de autores experientes. Segundo ela, a “leitura de verdade é aquela que temos o controle: relendo, parando para saboreá-lo ou para refletir”.

Para a autora, essa autonomia se dá de forma progressiva, ou seja, o suporte natural que é dado ao aluno-leitor deve ser retirado aos poucos, até que ele possa controlar sua própria aprendizagem. Para que isso ocorra, é necessário entender que o leitor maduro se utiliza de estratégias durante a leitura, o que é feito por meio de atividades diversificadas de leitura.

A escola deve apropriar-se de textos dos mais diversos temas para o ensino da leitura, escolhendo com critério os materiais que serão utilizados, baseando-se sempre que possível em situações reais e mais próximas possível da realidade do aluno. O professor deve planejar o momento de leitura para que seja o mais ideal possível. Além disso, cabe ao educar sempre promover uma discussão sobre o que se leu e como o conteúdo lido pode ser útil na comunidade em que se está inserido.

As bibliotecas também devem ser espaços onde a leitura seja estimulada. Neves (1998) ao citar Freire (1989, p.223) diz que,

o ato de ler “a” e “na” biblioteca transcende, portanto, ao processo de leitura de sinais gráficos. Envolve, no dizer de Freire (1989) a leitura do mundo. Constitui-se em ação multidimensional que, no momento de sua realização, aciona, no individuo que a pratica, uma gama de processos mentais que lhe permitirão apreender, rememorar, associar, compreender, interpretar e assimilar para, em seqüência, reelaborar, de uma ou várias formas, seqüencial ou simultaneamente, a mensagem que se lhe apresenta.

Os alunos apresentam certa dificuldade para se localizar dentro da biblioteca, por isso o professor deve ser um orientador, ajudando na localização de livros, informações, selecionando e refletindo sobre o que se lê.

Não se pode deixar de citar a interdisciplinaridade como fonte de leitura. Outras áreas podem ser utilizadas para garantir ao aluno a habilidade leitora, como por exemplo, leitura de imagens, fotografias, leitura de um quadro, conforme salienta Seffner (1998, p.121):

Uma leitura chama o uso de outras fontes de informação, de outras leituras, possibilitando a articulação de todas as áreas da escola. Uma leitura remete a diferentes fontes de conhecimento, da história à matemática. Nesse sentido, leitura e escrita são tarefas fundamentais da escola e, portanto, de todas as áreas.

 

Considerando a leitura como algo social, porque não promover dentro da escola atividades que estimulem sua socialização, como projetos de histórias narradas e produzidas pela própria comunidade escolar, recital de poesia ou dramatizações. Também se torna muito interessante a presença constante de jornais e revistas atualizados ou até mesmo o uso da internet como ferramentas de uma reflexão crítica.

 

 

Conclusão

 

A leitura é uma experiência que promove o crescimento pessoal e deve ser um dos mais importantes objetivos da vida escolar. Quando o indivíduo domina a leitura, aumenta a visão que tem do mundo e é motivado a participar ativamente da vida social.

Não há como ter significativa participação social sem ter pleno domínio da leitura, pois vivemos em uma sociedade em que aquele que não lê não possui voz ativa. A leitura abre novos caminhos para o cidadão, pois contribui para busca de conhecimentos. A leitura torna o indivíduo capaz de decidir sobre o que é bom ou não para si e para a sociedade. O leitor reflexivo não se deixa influenciar por opiniões alheias, pois é capaz de selecionar os materiais de leitura, possuindo opinião sobre o que se leu.

A escola precisa deixar antigos conceitos sobre a leitura e estar aberta par uma nova prática pedagógica que promova o desenvolvimento de um leitor crítico e participativo. Para isso, é necessário entender a leitura como um processo que se dá a partir de interações sociais e é um processo intimo entre leitor – texto – autor. Um texto tem valor diferente para cada leitor, já que ao ler coloca-se toda a experiência daquele que lê, assim como a visão que ele tem acerca de certo conteúdo. O próprio PCN de língua portuguesa aponta a necessidade de um ensino que possibilite o uso da língua no cotidiano do indivíduo e favoreça o acesso aos bens culturais e a participação plena no mundo.

O professor tem papel fundamental na formação do leitor, já que é um dos primeiros a apresentar a leitura para os alunos, mas muitos profissionais não entendem a leitura como potencial transformador, outros se apresentam totalmente desestimulados perante a realidade encontrada no ambiente escolar. Embora a escola apresente muitos problemas, o professor precisa repensar sua prática pedagógica e apresentar-se como um exemplo para seus alunos, já que dificilmente se formará alunos leitores quando o próprio docente não gosta de ler.

Vista a importância da escola e do professor para a formação de leitores, não se pode esquecer que toda a sociedade deve ser responsável pela leitura, já que é ela mesma que indica o conteúdo a ser discutido.

Com este trabalho, buscou-se refletir sobre a leitura, discutir seus conceitos e sua importância para a sociedade, além de buscar alternativas para a formação de leitores reflexivos e propostas que possibilitem o prazer em ler e favoreçam o entendimento do ler como prática social.

 

 

Referências

 

BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e Leitura. 2ªed. São Paulo: Cortez, 1994.

 

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Acesso em 14/11/2010.

 

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