A IMPORTÂNCIA DA AFETIVIDADE NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Cintia Maria Ferreira Martins
Roberta de Almeida
Tamires Aparecida Borges Teófilo
Fernanda Daltro Scorzoni
DOI: 10.5281/zenodo.11495281
RESUMO
Os sentimentos vivenciados no processo de ensino e aprendizagem constitui em um instrumento relevante para a educação, pois contribui para a compreensão dos fenômenos educativos, permitindo investigar os comportamentos diante da escola, a interação entre os sujeitos e a construção de saberes. Nesse estudo iremos investigar quais são as possíveis relações entre a afetividade e o processo de aprendizagem, bem como as implicações das relações vivenciadas entre professores e alunos. Busca-se compreender quais os sentimentos envolvidos na relação com o aprender e quais suas implicações para o desempenho acadêmico, possibilitando dessa forma, uma reflexão sobre a importância das relações entre afetividade e cognição no contexto do processo ensino-aprendizagem e proporcionando momentos de discussão em grupos de formação de professores e estudantes de licenciatura, contribuindo para uma melhor compreensão dos aspectos que compõem o processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Afetividade. Sentimentos. Ensino e aprendizagem. Relação professor-aluno.
ABSTRACT
The feelings experienced in the teaching and learning process constitute a relevant instrument for education, as it contributes to the understanding of educational phenomena, allowing the investigation of behaviors at school, the interaction between subjects and the construction of knowledge. In this study we will investigate the possible relationships between affectivity and the learning process, as well as the implications of the relationships experienced between teachers and students. The aim is to understand the feelings involved in the relationship with learning and what their implications are for academic performance, thus enabling a reflection on the importance of the relationship between affectivity and cognition in the context of the teaching-learning process and providing moments of discussion in training groups for teachers and undergraduate students, contributing to a better understanding of the aspects that make up the teaching and learning process.
Keywords: Affectivit. Feelings. Teaching and learning. Teacher-student relationship.
Introdução
Ao entrarmos em uma sala de aula, não percebemos os sentimentos presentes nesse espaço e a influência dos mesmos para a qualidade das relações ali existentes, seja as relações entre aluno-professor, aluno-aluno e aluno-conhecimento, todas são essenciais para formação do sujeito, que se constrói a partir da relação com o outro. Contudo, ainda temos os nossos olhares muito focados nos aspectos cognitivos, nos preocupamos de forma demasiada com notas, rendimentos, metas, padrões e negligenciando muitas vezes as emoções e os sentimentos vivenciados na escola, como expõe Ribeiro (2010, p.409) “[...] o domínio afetivo permanece marginal na abordagem pedagógica da maioria dos professores, de modo que, historicamente, os elementos cognitivos são situados em prioridade [...]”.
No entanto, estudos sobre os sentimentos apresentam a importância da afetividade para o processo de ensino e aprendizagem e seus impactos para o desenvolvimento dos alunos, pesquisas recentes apresentam que as representações construídas por professores e alunos são influenciadas pelos sentimentos vivenciados por eles e a qualidade das relações ali construídas.
Mediante a isso, teremos como base a teoria das Representações Sociais de Moscovici (2013), que apresenta que, “Sempre e em todo lugar, quando nós encontramos pessoas ou coisas e nos familiarizamos com elas, as representações estão presentes”. (MOSCOVICI, 2013, p. 40), ou seja, em todas as nossas relações construímos representações sobre algo ou alguém. No entanto, as representações construídas por nós em relação ao outro, não influenciam apenas as nossas ações, mas as ações do outro, que percebe e interpreta essas representações, se comportando de forma diferente diante de cada circunstância. Sendo assim, as representações construídas poderão ser positivas ou negativas.
Na escola, por exemplo, alunos e professores constroem representações sobre o modo em que pensam, julgam ou explicam o outro. Sendo que, as representações construídas pelo aluno poderão influenciar na forma como ele vê a escola, o professor, o processo de ensino e aprendizagem, seus pares e a si mesmo. Do mesmo modo que, as representações construídas pelo professor irão influenciar na forma em que ele realizará a aula e no tratamento que dará ao aluno. Portanto, o processo de ensino e aprendizagem será representado pormeio da relação construídas entre aluno e professor, uma vez que uma relação positiva entre eles, construirá a representação de um ambiente tranquilo, confortável, feliz, tendo os educandos e educadores mais facilidade e prazer em ensinar e aprender. Contudo, se a relação entre os mesmos for negativa, construirá a representação de um lugar de mal-estar, desânimo, insegurança, ansiedade, medo, sentimentos esses que podem ocasionar tanto nos alunos como nos professores dificuldades ou desinteresse em ensinar e aprender.
Dessa forma, podemos considerar que a afetividade está presente em todo o processo de ensino e aprendizagem, por meio dos sentimentos vivenciados tanto pelos alunos como pelos professores, porém como destacamos no parágrafo anterior, esses sentimentos não são apenas positivos, de caráter agradável, mas também negativos, de caráter desagradável, podendo ambos influenciar o processo educativo. Logo, os sentimentos positivos poderão tornar o processo de aprendizagem mais seguro e confortável, enquanto, os sentimentos negativos poderão dificultar o processo de ensino e aprendizagem, construindo um processo de ensino e aprendizagem excludente, que poderá gerar possíveis fracassos escolares, fracassos esses que deixarão marcas por toda uma vida.
Estamos falando de um ensino e de uma aprendizagem afetiva, aprendido e ensinado por meio de gestos, palavras, Acredita-se ser muito mais importante do que o produto do processo de ensino e aprendizagem o tipo de relação construída e vivenciada no cotidiano da sala de aula. Os professores ensinam muito além do que se propõem a ensinar, assim como os alunos aprendem muito além do que os professores esperam. condutas e finalmente, por representações. Esses conteúdos são levados pelos sujeitos para além dos muros escolares, ficam gravados, guardados como lembranças da escola. (OSTI E BRENELLI 2013, p.423)
Consideramos então, a importância dos estudos sobre os sentimentos vivenciados no ambiente escolar para a educação, uma vez que por meio deles conseguiremos observar, escutar, compreender, dialogar sobre os sentimentos vivenciados nas escolas, pois assim como os aspectos cognitivos, as questões afetivas influenciam todo processo de ensino e aprendizagem. Além do mais, é a partir dessas observações e discussões que serão possíveis estratégias e atitudes que visam melhor a qualidade das relações entre professor-aluno, amenizando assim as possíveis dificuldades na aprendizagem e tornando o processo educacional mais satisfatório para alunos e professores
Sentimentos presentes no processo de ensino e aprendizagem.
A afetividade, segundo Mattos (2012) é essencial para o processo educativo uma vez que a construção de uma relação afetiva positiva entre professor e aluno é capaz de incluir um aluno ao mundo escolar, despertando- lhe o desejo pelo aprendizado. No entanto uma relação de afeto negativa pode ser responsável pela exclusão e fracasso de muitos alunos do sistema escolar. Nas palavras do autor, “[...]a permanência do educando na escola depende da aceitação, da motivação e da autoconfiança que ele percebe quando entra no ambiente escolar [...]” (MATTOS, 2012, p.226). Podemos assim compreender que a afetividade é capaz de combater o fracasso escolar existente nas escolas e que uma relação afetiva positiva entre professor e aluno pode tornar eficaz o processo de ensino e aprendizagem.
Contudo dentro da escola existe uma negligência referente às relações afetivas, pois segundo Ribeiro (2010, p.409) “[...] o domínio afetivo permanece marginal na abordagem pedagógica da maioria dos professores, de modo que, historicamente, os elementos cognitivos são situados em prioridade [...]”, ou seja, muito se acredita que apenas os aspectos cognitivos influenciam na relação professor-aluno e que somente eles são responsáveis pelo sucesso ou fracasso escolar de um aluno. Entretanto como podemos pensar em uma relação que não envolva afeto. Será a escola um lugar diferente de todos? É claro que não. A escola é lugar onde são construídas as relações afetivas, pois desde uma atitude diante de um problema até o planejamento de uma aula estão envolvidas questões afetivas, sendo assim as relações construídas dentro da escola influenciam no ensino e aprendizagem tanto quanto os aspectos cognitivos.
Dado a necessidade de reflexão sobre aspectos afetivos no processo educativo, iremos observar dois estudos que tiveram como base os sentimentos vivenciados no ambiente escolar.
Saud (2005) ao entrevistar os alunos do 1º ano de Ensino Fundamental para investigar quais os sentimentos vivenciados por eles, afirma que a maioria dos sentimentos estão relacionados a professora e são positivos (alegria, confiança, tranquilidade), demonstrando assim a importância do professor, na criação da imagem de ensino e aprendizagem construída pelos os alunos, que nesse caso olharam para o processo educativo de forma tranquila e prazerosa. Entretanto, no trabalho de Fernandes (2004), os alunos relatam episódios dehumilhação, raiva e constrangimento provocados também por professores, em relação a disciplina de matemática, a qual é temida por eles até hoje e gerou uma dificuldade. Esses dois trabalhos exemplificam que na relação entre professor e aluno surgem diferentes sentimentos que em nossa concepção, tem implicações para o desenvolvimento, podendo assim trazer sucesso ou fracasso para o processo escolar.
A afetividade possui grande influência no processo de ensino e aprendizagem dentro de uma sala de aula é por meio dela que a qualidade das relações ali construídas será determinada. O modo como professor e aluno se relaciona é determinante para o aprendizado dentro da sala de aula, pois é por meio das relações que o aluno poderá ter sucesso ou fracasso no ambiente escolar. O embasamento na teoria das Representações Sociais nos permite afirmar que a imagem que temos sobre nós é construída a partir da relação que temos com outro, ou seja, e por meio do outro que construímos quem nós somos e como nós representamos. Nesse sentido, a imagem construída pelos alunos em sala de aula é fruto da relação com o professor e com o grupo de pares. Considerando que as relações podem ser positivas ou negativas, pois não temos como garantir que seja sempre positiva, essas podem influenciar e repercutir no desenvolvimento de cada aluno. Nesse cenário, se o aluno tiver uma imagem positiva de si, sua aprendizagem pode ser um processo prazeroso e será facilitada, de outra forma, se os alunos tiverem uma imagem negativa de si, podem apresentar maiores dificuldades em aprender, pois para eles o processo de aprendizagem pode ser doloroso, tenso e conflitante.
A relação professor-aluno e aluno-professor
De acordo com Nascimento (2011) os professores são pessoas significativas para a criança e influenciam a forma como ela se vê ou se percebe, pois eles, constantemente lhes fornecem informações sobre suas habilidades, valores, destrezas ou ausência deles. Assim, essas avaliações que a própria criança faz a partir das suas experiências, podem interferir, positiva ou negativamente, no seu desenvolvimento. Nesse sentido, a qualidade do relacionamento professor-aluno influencia no desenvolvimento do conhecimento de si, elaborado pela criança. Em outras palavras, a forma como os adultos expressam os seus afetos por uma criança, o modo como exercem a disciplinae o controle, o clima democrático ou autoritário do meio, o uso de elogios ou reprovações em tarefas realizadas com êxito ou não, são fatores que contribuem para a formação de uma representação positiva ou negativa da criança sobre si.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a experiência é determinante da representação de si, pois quando um professor interage com os alunos através de gritos, xingamentos, ameaças, negligências, agressões físicas (empurrões) e psicológicas, com o objetivo de repreendê-los, isso causa desconforto e constrangimento nos alunos, fazendo com que esses construam uma representação negativa de si e da aprendizagem. O inverso é verdadeiro, ou seja, ao interagir com o aluno de forma positiva, tendo respeito pela dificuldade da criança sem expor isso aos demais, assegurando seu direito de aprender de acordo com suas possibilidades, dando atenção e procurando destacar aspectos positivos, ele, professor, contribui para uma aprendizagem qualitativa que assegura o bem-estar psicológico do aluno.
Em relação a afetividade na relação educativa, Ribeiro (2010) assevera que esta é fundamental por criar um clima propicio à construção dos conhecimentos, no entanto, descreve a existência de situações perversas em sala de aula, tal como o professor ridicularizar um estudante ou permitir que outro aluno o faça, humilhar, não permitir o diálogo, fazer ameaças e terror com as notas. Esclarece ainda que essa intolerância por parte dos professores pode constituir casos isolados e não representativos daquilo que ocorre habitualmente em sala de aula, no entanto, situações conflitantes e vexatórias tem impacto sobre o aluno. Sustenta ainda que a afetividade pode estimular ou inibir o processo de aprendizagem, do ponto de vista negativo, a ausência desse fator é parecer ser a principal fonte de dificuldade de aprendizagem do aluno e do ponto de vista positivo, sua presença favorece a relação do aluno com as disciplinas e com o professor, o que resulta em melhor desempenho.
Compreendemos assim, que a relação afetiva construída entre professor e aluno impacta de maneira significativa o desenvolvimento de cada criança. Uma vez que poderá ser positiva e conduzir ao sucesso ou ser negativa e conduzir ao fracasso escolar. Além do mais, a representação construída pelos estudantes sobre si e sobre a aprendizagem também são influenciadas por essa relação. Um autor que destaca a importância da afetividade para a aprendizagem é Fernandes (2014). Sua pesquisa foi baseada na sua experiência como professor de matemática em uma turma de Suplência (Educação de Jovens e Adultos). Depois de ser questionado por uma aluna sobre a paciência que ele teria em ensina-los, começou a observar as reações dos alunos diante da matemática e ouvir seus relatos sobre disciplina, percebendo assim o medo, a insegurança e até mesmo de repulsa em suas falas. Sentimentos esses que afetaram o desenvolvimento desses alunos, e lhe causaram dificuldades para toda a vida. Considerando que os sentimentos são construídos a partir da relação professor-aluno, o pesquisador buscou discutir nesse trabalho quem são e como são caracterizados pelos alunos esses professores e de como esses sentimentos dificultam a aprendizagem desses alunos ao retornarem para a escola.
Os sujeitos da pesquisa foram alunos do 5º e 6º Termos do curso de Educação de Jovens e Adultos, de uma escola municipal da cidade de São Paulo. Como metodologia foi utilizado produção escrita (redação) e registros de observação realizados pelo professor/pesquisador. A produção escrita aconteceu no segundo contato desse professor com a turma, onde ele pediu aos alunos que dessem continuidade ao texto “Naquele dia, fui para a escola ter aula de matemática e ...”, o qual já havia sido iniciado por ele com o título “Eu e a matemática”. Já a observação foi realizada através de relatos orais dos alunos e por meio dos comportamentos, reações e atitudes dos mesmos em relação a matemática. Foram selecionadas quarenta e duas escritas, sendo vinte uma de cada turma. Como o foco principal era as redações, as observações apenas auxiliaram nas interpretações das escritas.
Nas escritas dos alunos foram representados dois tipos de professores: o motivador e o bloqueador. O professor motivador é apresentado pelos alunos que gostam de matemática e vivenciaram experiências que possibilitaram o aprendizado tendo como características: buscar meios para tornar o processo de ensino e aprendizagem algo prazeroso; utilizar recursos lúdicos para a aprendizagem; explicar “direito” o conteúdo, sendo incluído nesse “direito” a atenção, paciência e respeito com cada educando; ter qualidade nas relações estabelecidas entre eles e os estudantes; considerar o aluno uma pessoa inteira e por último estar atento as necessidades e os interesses reais de cada um. O professor bloqueador é retratado pelos alunos que possuem dificuldades com a matemática e tiveram suas aprendizagens bloqueadas, suas características são:
expor os alunos em público mostrando seus erros e dificuldades; propor atividades que vão além da capacidade cognitiva dos estudantes; não realizar sondagem para saber quais são os conhecimentos dos alunos; não conhecer e nem querer conhecer os alunos; utilizar notas ruins para puni-los e desconsiderar a influência da afetividade no processo educativo, pois valoriza apenas os aspectos cognitivos.
A análise das redações possibilitou perceber a influência do professor no desenvolvimento de cada aluno e os sentimentos construídos diante das diferentes relações. Segundo Fernandes (2014), nos relatos orais e escritos, os alunos fazem distinção de alguns professores que conseguiram motivá-los para a aprendizagem de matemática. Em contrapartida, outros conseguiram bloquear seu processo de aprender. Também contatou que quem tem medo de matemática traz em sua história de vida lembranças desagradáveis do ensino dessa disciplina. Nas produções dos alunos são relatados episódios de humilhação, constrangimento, raiva, enfim sentimentos que contribuíram para que esses alunos temam essa disciplina. Com a mesma intensidade há relatos de alunos que tiveram a oportunidade de conhecer professores que os motivaram, e por sua alegria elevaram a autoestima, tornando um prazer estudar matemática.
Nesse cenário, segundo Almeida e Mahoney (2014) a qualidade do relacionamento que o professor estabelece é fundamental para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, uma vez que esse processo se constitui na relação professor e aluno, ou seja, a qualidade das relações construídas dentro da sala de aula determina as características do processo de ensino-aprendizagem e que tanto professor como os alunos tem influência nesse processo. Dessa forma, uma classe onde são construídos sentimentos positivos e agradáveis existe um clima favorável para ensino- aprendizagem, enquanto outra onde existam sentimentos negativos e desagradáveis, o processo de ensino-aprendizagem poderá ser prejudicado.
Sentimentos vivenciados pelos professores.
Levando em considerações os estudos abordados até o momento, foi possível perceber a presença e a importância dos sentimentos na relação professor-aluno e no processo de ensino-aprendizagem. A afetividade tanto
negativa, como positiva, influencia o desenvolvimento dos alunos dentro da sala, marcando muitas vezes a imagem construída por eles de si e da aprendizagem. Sendo assim, em uma sala de aula não existe, apenas os aspectos cognitivos, mas também os afetivos, que determinam assim como os cognitivos, como irá ocorrer a aprendizagem. Além dos sentimentos construídos pelos alunos, que afetam diretamente a aprendizagem, existem os sentimentos construídos pelos professores, como observaremos agora no estudo realizado por Chaves (2014), em que os professores relatam seus sentimentos diante da indisciplina.
A pesquisa originou do diálogo da pesquisadora com uma professora e posteriormente coordenadora, sobre os desafios da indisciplina na sala de aula e na formação de professores. Os objetivos centraram-se em identificar os sentimentos de professores com relação a indisciplina, verificar a influência dos gêneros para a construção dos sentimentos e a diferença do comportamento dos professores e professoras diante da indisciplina. Participaram da pesquisa dois professores e duas professoras do Ensino Fundamental II, do ensino público, que participaram voluntariamente. A metodologia escolhida foi entrevista semiestruturada. Na escuta das gravações foram analisados os tons de vozes e o silêncio, os quais forneceram informações para a discussão dos dados.
Os sentimentos relatados pelos professores diante de situações de indisciplina em sala de aula foram: impotência, mal-estar, vergonha, tristeza, raiva, nervosismo, irritação, aversão, indignação, frustração, incômodo, sentir-se desrespeitado, sentir-se injustiçado, sentir-se falhando, sentir-se abalado, sentir- se inútil, sentir-se anulado, sentir-se rejeitado, dentre outros. Todos os sentimentos expressos pelos professores são negativos e demonstram o conflito criado a partir da indisciplina, porém o que deve ser evidenciado é que os professores possuem esses sentimentos diante dos prejuízos causados pela indisciplina, e esses prejudicam principalmente a relação com os alunos e o processo de ensino e aprendizagem.
Por outro lado, se pensarmos a indisciplina na perspectiva do aluno, pode-se refletir que ela seja uma forma dos alunos demonstrarem seus sentimentos, causados muitas vezes pela insatisfação e exclusão do ensino, entretanto o estudo de Chaves (2014) não aborda claramente esses sentimentos, sugerindo apenas meios de solucionar esse conflito, tal como:
espaços de escuta e expressão para professores e alunos, reflexões individuais e coletiva, formação continuada para os docentes, entre outras ações.
Almeida e Mahoney (2014) também realizaram um estudo buscando compreender os sentimentos de professores do ensino superior em relação ao processo de ensino e aprendizagem. Levando em consideração que no ensino superior há uma dominância dos aspectos cognitivos em relação aos afetos, as pesquisadoras buscaram identificar e compreender quais sentimentos e emoções que estão presentes no ensino superior. Dessa forma, participaram da pesquisa dezessete professores com formação em diferentes áreas, idades de vinte e oito a cinquenta e nove anos e com tempo de docência entre um a trinta e três anos. A coleta de dados foi realizada em duas etapas, a primeira por meio de questionários com questões abertas, em que os professores tinham que descrever a rotina de um dia de trabalho e comportamentos que estimulam/desestimulam os professores. A segunda etapa aconteceu por meio de relatos orais, em entrevistas com cinco participantes da primeira etapa.
Os resultados indicam que os sentimentos agradáveis relatados pelos professores em um dia típico de trabalho se configuram nas seguintes situações: animação em estar com uma turma que tem afinidade e é de fácil convivência; alegria em perceber que os alunos leram o texto, apresentaram um bom trabalho, demonstraram ter aprendido um novo conceito, em ter feito diferença na vida dos alunos, em sentir que seu trabalho é importante e por gostar de seus alunos e colegas; satisfação quando há discussões, boas intervenções dos alunos, olhares atentos e envolvimento; alívio por conseguir cumprir seu dever; esperança quando acontece boas discussões e há interesse dos alunos; satisfação diante de problemas resolvidos, de objetivos cumpridos; realização quando as tarefas foram feitas; dentre outros sentimentos. Como podemos observar no relato abaixo:
Fico satisfeita quando consigo resolver os problemas que aparecem no cotidiano da sala de aula. Um momento no qual fico feliz é quando os alunos apresentam um trabalho ótimo, falam o que aprenderam comigo e se mostram alegres com os resultados. (ALMEIDA E MAHONEY, 2014, p.158).
Em relação aos sentimentos desagradáveis, os professores apontam as seguintes circunstâncias: ansiedade e angústia em preparar um bom roteiro, emter pouco tempo para o preparo das aulas, dificuldade em conquistar os alunos, em mostrar a importância do ensino, em encontrar tempo para auxiliar a todos; desânimo quando não possuem afinidade com a turma e esta é de difícil convivência, quando tem consciência que a aula não foi adequada, quando as turmas são grandes, quando não conseguem resolver os problemas, quando os objetivos não foram atingidos; preocupação quando a maioria dos alunos apresentam não gostar da disciplina; irritação quando os alunos não leem o texto e há conversas paralelas, quando não há participação; tristeza e raiva quando os alunos faltam com o respeito com os colegas e professores, não tem comprometimento; insegurança quando a classe está dispersa; estresse e cansaço quando existem problemas de indisciplina e os alunos não interagem; dentre outros. Assim como podemos verificar no relato abaixo:
Fico extremamente triste e com raiva quando há um desentendimento com algum aluno, ou quando faltam com o respeito comigo ou com os colegas, ou quando tentar transferir os problemas deles para mim. [...]. (ALMEIDA E MAHONEY, 2014, p.158).
Compreende-se por meio desses trabalhos que a sala de aula acaba constituindo um ciclo vicioso que se retroalimenta. Ou seja, assim como os alunos constroem representações e vivenciam sentimentos negativos e positivos, os professores também estão imersos nesse contexto e, mediante o comportamento dos alunos e das condições e relações de trabalho, também produzem representações e sentimentos.
A influência da afetividade no processo de ensino e aprendizagem.
Ao longo do estudo foi possível perceber que as representações construídas por professores e os alunos, tem influência sobre o processo educativo, determinando a qualidade das relações construídas entre eles. As representações construídas dentro de uma sala de aula podem ser identificadas pela forma como os professores e alunos pensam ou julgam fatos, acontecimentos, explicam teorias. Temos assim um ciclo representativo, onde um está continuamente percebendo o outro e construindo representações nesse contexto e estas podem influenciar intensamente o comportamento de cada um deles, podendo assim construir relações positivas ou negativas ou seja, as representações construídas por um sujeito em relação ao outro, não influencia apenas as suas ações, mas as do outro que percebe e interpreta essa representação, comportando-se de maneira diferente diante de cada situação. Sendo assim, a representação que o professor tem em relação ao aluno, interfere na forma em que ele irá realizar a aula e no tratamento que dará ao estudante. O aluno também possui representações sobre o professor, as quais podem determinar a sua postura diante do processo de ensino e aprendizagem. Sendo assim, a representação que os alunos possuem dos seus professores, podem despertar sentimentos positivos, como prazer, confiança, alegria, entusiasmo, entre outros ou sentimentos negativos como, desinteresse, indiferença, medo, raiva, tristeza, entre outros, sentimentos esses que influenciam a relação construída entre eles e os professores.
Pensando então no aluno e na influência que essas representações podem causam na sua aprendizagem e no seu desenvolvimento, percebemos que quando é construída uma relação positiva entre ele e o professor, este se sente confortável e seguro, construindo assim uma representação positiva da escola. Já os alunos que vivenciam uma relação negativa desenvolvem atitudes de rejeição em relação à escola, atitudes essas que podem ser representadas através da desvalorização pessoal e baixo rendimento na aprendizagem cognitiva, social e emocional.
Dessa forma, o ambiente de aprendizagem é percebido pelos os alunos por meio da relação construída com seus professores e os pares, sendo assim, se for construída uma relação positiva entre os sujeitos, o ambiente de aprendizagem, ou seja, a sala de aula e a escola serão vistas por ele como um ambiente positivo, tranquilo, confortável, feliz, tendo esses alunos mais facilidade e prazer em aprender. Contudo, o oposto também foi analisado e percebemos que os alunos que possuem uma relação negativa com o professor ou com os pares, representam o ambiente de aprendizagem como um lugar de mal-estar, desânimo, desprazer, insegurança, ansiedade, medo, sentimentos esses que podem ocasionar nos alunos uma futura dificuldades ou desinteresse em aprender.
Podemos então considerar, que a forma como professor e aluno se relacionam e os sentimentos que estão envolvidos nessa relação são responsáveis pela representação que os alunos possuem dos professores e que os professores possuem dos alunos. Além do mais a representação que os alunos possuem sobre ensino e aprendizagem também é influenciada pela sua relação com o professor. Logo, os alunos que manifestam sentimentos negativos têm menor vínculo com a aprendizagem, apresentam uma percepção negativa da relação com seu professor, não possuem adequadas estratégias de aprendizagem o que resulta em baixo desempenho acadêmico. Enquanto os alunos com sentimentos positivos, possuem maior vínculo com a aprendizagem, têm percepções positivas da relação com o professor, desenvolvem melhores estratégias de aprendizagem, o que implica em melhor desempenho, sendo assim, os sentimentos vivenciados pelos alunos têm implicações para o seu desempenho acadêmico.
Consideramos que as contribuições desta pesquisa residem sobre o seguinte aspecto: a afetividade está presente no processo de ensino e aprendizagem, por meio dos sentimentos vivenciados pelos alunos e professores. Contudo devemos considerar que esses sentimentos não são apenas sentimentos positivos de caráter agradável, mas também sentimentos negativos, de origem desagradável. Destaca-se que os sentimentos vivenciados pelos alunos e professores possuem influência sobre a suas representações, representações essas que irão influenciar no processo de ensino e aprendizagem. Fica assim evidente, a importância dos sentimentos para o processo educativo, pois assim como os aspectos cognitivos, eles ocupam um lugar importante na construção da aprendizagem. Contudo não podemos negar uma maior valorização dos educadores em relação aos aspectos cognitivos, o que direciona para a necessidade de maiores reflexões e atenção em relação aos aspectos afetivos.
Mediante o exposto, podemos refletir sobre a importância que damos aos sentimentos dos nossos alunos, o quanto os escutamos por meio das suas palavras, suas expressões e até mesmo pelo o seu silêncio. Em quantos momentos, deixamos de lado os conteúdos que devem ser atingidos e olhamos para cada um dos nossos alunos como sujeitos únicos, repletos de emoções, vontades e opiniões. Será que a matemática, o português, a ciências e todas as outras disciplinas são mais importantes que o carinho, a alegria, a tranquilidade, a confiança e outros tantos sentimentos presentes no processo educativo? Dessa forma, é necessário que os educadores percebam a importância dossentimentos construídos na escola, pois os conteúdos são fundamentais para a aprendizagem, porém sem a afetividade, todo processo educativo é prejudicado, resultando em possíveis dificuldades.
Esperamos que essa pesquisa possa promover uma reflexão sobre a importância das relações entre afetividade e cognição no contexto do processo ensino-aprendizagem e instigar momentos de discussão, visando colaborar para a formação de professores da educação básica e ensino superior e estudantes dos cursos de Pedagogia e demais licenciaturas contribuindo para uma melhor compreensão dos aspectos que compõem o processo de ensino e aprendizagem.
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