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A IMPORTÂNCIA SOCIAL DO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Luzinete da Silva Mussi
Lúcio Mussi Júnior

 

RESUMO:

Frente a discriminação racial, desigualdade e ao preconceito ainda presentes na sociedade brasileira atual, esta pesquisa busca entendimento com relação às causas históricas desses problemas, bem como as condições históricas que levaram a população negra a tal condição desfavorável. Destaca-se ainda a importância de uma data em que a atenção para estas questões seja enfatizada e a discussão estimulada visando levar ao conhecimento da população em geral os fatos históricos determinantes das condições hoje vivenciadas. Haja visto que a conscientização mostra-se como a principal ferramente na busca por uma sociedade mais igualitária e justa. Para cumprimento dos objetivos aqui propostos, valeu-se da metodologia de revisão bibliográfica.

 

Palavras-chave: Consciência Negra. Desigualdade racial. Preconceito.

 

Introdução:

 

É fato que a sociedade brasileira ainda hoje sofre com o preconceito racial e a discriminação contra o negro. A desigualdade social e financeira e consequentemente de oportunidades também mostra-se como um fator marcante na atualidade.

Frente a esse triste cenário, a presente pesquisa tem por objetivo buscar os fatores históricos determinantes desta realidade, bem como destacar a conscientização como o principal ponto capaz de tornar nossa sociedade mais humanizada, igualitária e realmente livre da discriminação e preconceito racial.

Dois fatores apresentam-se com grande destaque na imposição da desigualdade vivenciado pelo negra em nossa sociedade: o período de escravidão e a forma como foi feita a abolição da escravatura.

Fonseca (2010) destaca parte da frustração enfrentada pelos libertos após a assinatura da Lei Áurea:

 

A desejada liberdade pela qual o negro tanto ambicionou e lutou e defendida por inúmeros abolicionistas e parte da população, finalmente chegou. No entanto, junto com a abolição muitas das aspirações almejadas pelos recém-libertos, como o respeito, melhoria de vida, trabalho livre; enfim, sua inclusão na sociedade como um legitimo cidadão não tiveram respostas imediatas. (FONSECA, 2010, p.11)

 

Neste sentido, muitos historiadores relatam um verdadeiro sucateamento do negro liberto e a substituição da mão de obra escrava pela mão de obra assalariada de imigrantes, sobretudo europeus.

Para cumprimento dos objetivos propostos nesta pesquisa, valeu-se da metodologia de revisão bibliográfica.

 

Desenvolvimento:

 

Hoje, 20 de novembro, é o dia da “Consciência Negra” em nosso país. Nesta época do ano é comum ouvirmos questionamentos como o seguinte: “Para quê um dia da Consciência Negra se vários foram os povos que constituíram a sociedade brasileira?”

Tais questionamentos destacam ainda mais a importância desse dia, bem como a carência por conhecimento histórico acerca da formação do povo brasileiro.

Percebe-se, assim, que a disciplina de História não vem sendo valorizada e trabalhada adequadamente no sistema escolar brasileiro, embora tenha havida certa evolução nos últimos anos. Entende-se que o brasileiro comum não conhece realmente a história de formação de nossa sociedade e, deste modo, mostra-se incapaz de entender as relações e desigualdades hoje vivenciadas. Tal fato agrava seriamente os problemas de preconceito e discriminação racial.

Neste sentido, Fonseca (2010) acrescenta:

 

O conhecimento dos fatos históricos e sua análise crítica pode nos auxiliar a entender muitas questões atuais. Por isso, é muito importante que tenhamos o cuidado de investigarmos os assuntos que nos são apresentados. Tomemos como exemplo a questão dos africanos escravizados e seus descendentes. Por que, em alguns casos, eles estão nos piores índices das estatísticas governamentais? O que o passado tem a ver com isso? (FONSECA, 2010, p.11)

 

Primeiro é preciso entender que, durante séculos, o negro foi capturado no continente africano e trazido para o Brasil (e para diversos países) como escravo, para servir como mão de obra em todo o tipo de serviço. Deste modo, o negro não era considerado um ser humano, mas era como um animal cujo destino era decidido por seu dono, sendo inclusive comercializado de forma análogo ao que hoje se faz com uma égua, um cavalo ou um proto, por exemplo.

Como parece óbvio, o negro não tinha acesso à educação ou assistência médica, moravam aglomerados nas senzalas (espécies de currais para escravos), vestiam e comiam o que os senhores os davam e eram punidos fisicamente caso apresentassem algum comportamento indesejado.

Bom, essa parte da história quase todo o cidadão brasileiro conhece. E o fato que os negros, por várias vezes, tentavam lutar contra o sistema escravocrata também é conhecido, assim como as fugas de escravos que se aglomeravam em quilombos tentando viver longe da escravidão.

Maringone (2011) destaca em forte engajamento de diversas classes sociais em defesa do movimento abolicionista, como observa-se abaixo:

 

A campanha que culminou com a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, foi a primeira manifestação coletiva a mobilizar pessoas e a encontrar adeptos em todas as camadas sociais brasileiras. No entanto, após a assinatura da Lei Áurea, não houve uma orientação destinada a integrar os negros às novas regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado. (MARINGONI, 2011, p.1)

 

Percebe-se que muito se lutou até que em 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea, libertando assim todos os escravos negros no Brasil.

Moringoni (2011) ainda salienta a pluralidade de causas e eventos que desencadearam na abolição da escravatura no Brasil:

 

Várias causas podem ser arroladas como decisivas para a Abolição, algumas episódicas e outras definidoras. É possível concentrar todas numa ideia-mestra: o que inviabilizou o escravismo brasileiro foi o avanço do capitalismo no País. Longe de ser um simplismo mecânico, a frase expressa uma série de contradições que tornaram o trabalho servil não apenas anacrônico e antieconômico, mas sobretudo ineficiente para o desenvolvimento do País. Com isso, sua legitimidade passou a ser paulatinamente questionada. (MARINGONI, 2011, p.1)

 

Evidencia-se assim, que parte considerável dos fatores responsáveis pelo fim da escravidão não possuíam relação com preocupações voltadas ao sofrimento do povo negro, ao contrário, eram fruto da evolução social, política e econômica e seguiam (tardiamente) uma tendência mundial.

Neste sentido, Moringoni (2011) complementa com o seguinte:

 

O Brasil das últimas três décadas do século XIX era uma sociedade em acelerada transformação. A atividade cafeeira vinha ganhando o centro da cena desde pelo menos 1840. O setor exportador torna-se o polo dinâmico da economia, constituindo-se no principal elo do País com o mercado mundial. Havia outras atividades de monta ligadas à exportação, como a borracha e a cana. Mas, a essa altura, a supremacia do café era incontestável. (MARINGONI, 2011, p.1)

 

Fonseca (2010) afirma que, segundo vários altores, o movimento abolicionista deu aos escravos uma consciência ainda maior de sua condição estimulando, até certo ponto, as rebeliões e fugas de cativos.

Maringoni (2011) chama a atenção para a importância da crescente entrada de imigrantes, principalmente europeus, no Brasil como um dos fatores de grande importância para o fim da escravidão. Vale destacar que tal fator também foi determinante para o futuro de escravo liberto.

 

Ao mesmo tempo, o País passara a incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores imigrantes – principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um período em que convivem, lado a lado, escravos e assalariados. Os números da entrada de estrangeiros são eloquentes. Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta para 525 mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13 milhão. (MARINGONI, 2011, p.1)

 

Neste cenário, o escravo negro tornava-se cada vez mais uma peça obsoleta no sistema produtivo da época.

Como consequência dessa complicada combinação de fatores, a Lei Áurea foi assina na tarde de 13 de maio de 1888, abolindo definitivamente a escravidão no Brasil.

O setor agrícola que, por um lado ficaram prejudicados perdendo a mão de obra escrava, por outro ficaram beneficiados pela crescente oferta de mão de obra imigrante, como salienta Maringoni (2011):

 

Os fazendeiros – em especial os cafeicultores – ganharam uma compensação: a importação de força de trabalho europeia, de baixíssimo custo, bancada pelo poder público. Parte da arrecadação fiscal de todo o País foi desviada para o financiamento da imigração, destinada especialmente ao Sul e Sudeste. O subsídio estatal direcionado ao setor mais dinâmico da economia acentuou desequilíbrios regionais que se tornaram crônicos pelas décadas seguintes. Esta foi a reforma complementar ao fim do cativeiro que se viabilizou. Quanto aos negros, estes ficaram jogados à própria sorte. (MARINGONI, 2011, p.1)

 

Dada a abolição, os libertos festejaram na esperança de dias melhores em que a liberdade poderia dar-lhes um lugar como seres humanos na sociedade da época.

Naquele momento o mundo estava se industrializando, o Capitalismo estava em ascensão e a Inglaterra (contrária à escravidão) era uma grande potência mundial. No Brasil, a produção e exportação do café fortalecia-se como esteio econômico do país, fortalecendo também toda a estrutura produtiva, logística e financeira em torno de si. Os movimentos abolicionistas se fortificavam e o país já estava recebendo imigrantes (principalmente europeus) para atuarem como trabalhadores assalariados.

Assim, no dia em que a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel, o negro acreditava que passaria a ser cidadão brasileiro e, consequentemente, passaria a integrar a sociedade tendo seu emprego, seu salário e sua dignidade.

Ao contrário das expectativas, o liberto recebeu em primeiro lugar naquele momento o direito de ser pobre (na realidade miserável), sem estudo ou formação alguma, sem emprego, sem salário, sem dinheiro (já que não recebeu indenização de seu dono), sem moradia, sem comida e sem lugar para ir.

Fonseca (2010) destaca esse problema:

 

Analisando o inicio do pós abolição, observaremos que não foi muito promissor para o recém-liberto, que apesar de ganhar a liberdade ela não foi acompanhada de ações, quer seja governamental ou por parte dos seus ex-senhores ou até mesmo pelos abolicionistas, visando lhe proporcionar um recomeço de vida como homens livres. (FONSECA, 2010, p.11)

 

A imigração de mão de obra europeia passou a ser ainda mais incentivada e até subsidiada pelo governo e o negro foi simplesmente descartado, sendo discriminado e abandonado à própria sorte.

Deste modo, entende-se que abolição da escravatura não foi simplesmente a troca de um sistema escravista por um sistema de trabalho livre e a assalariado, mais que isso, foi a troca da mão de obra negra escrava pela mão de obra imigrante assalariada.

Maringoni (2011), apud Azevedo, complementa com o seguinte:

 

A força de atração destas propostas imigrantistas foi tão grande que, em fins do século, a antiga preocupação com o destino dos ex-escravos e pobres livres foi praticamente sobrepujada pelo grande debate em torno do imigrante ideal ou do tipo racial mais adequado para purificar a ‘raça brasílica’ e engendrar por fim a identidade nacional. (MARINGONI, 2011, p.1)

 

Fica evidente assim, uma espécie de sucateamento sofrido pela população negra da época assim que escravidão foi abolida.

Contudo, basta olharmos com atenção para a sociedade atual para vermos as cicatrizes deixadas pelos fatos históricos citados acima. Toda a desigualdade e o preconceito racial enfrentado pelo negro hoje, é fruto da escravização seguida pelo sucateamento. Daí a maior importância de um dia (feriado de preferência) destinado à “Consciência Negra”, destinado a levar o conhecimento histórico e a discussão sobre a desigualdade e o racismo à toda sociedade.

Já com relação ao dia da “Consciência Negra”, Bezerra destaca o ano de 1971, em Porto Alegre (RS), um grupo de universitários negros se reuniu e criou o Grupo Palmares para protestar em defesa dos negros. A autora destaca que, na primeira reunião eles buscaram uma data que simbolizasse o movimento negro.

 

O dia 13 de maio era tradicionalmente usado para este fim, mas algumas pessoas não se sentiam representadas. Apesar de ser o dia da Abolição da escravatura, tratava-se de um momento que lembrava um gesto realizado por uma pessoa branca, a Princesa Isabel. (BEZERRA, p.1)

 

Assim, a autora informa que o grupo escolheu o dia 20 de novembro como uma homenagem ao líder negro Zumbi dos Palmares como sendo o dia da Consciência Negra.

Silva 2020 destaca a importância de Zumbi na história de lutas do povo negro pela liberdade:

 

Nascido em 1665, Zumbi dos Palmares comandou o Quilombo dos Palmares por quase 15 anos e liderou a resistência de milhares negros contra a escravidão. Ele chegou em Palmares com 15 anos de idade e assumiu o comando do quilombo após a morte do antigo líder, Ganga Zumba. Durante a sua liderança, Palmares enfrentou diversas batalhas para defender o território e a liberdade dos negros no quilombo. (SILVA, 2020, p.1)

 

A autora ainda destaca que em 1694 o Quilombo dos Palmares foi destruído por forças do governa da época. Na ocasião, Zumbi foi preso e executado cerca de um ano depois, no dia 20 de novembro de 1695.

Legalmente, o dia da Consciência Negra foi criado no Brasil no ano 2003, embora ainda hoje parte dos estados e dos municípios brasileiros não adotem esta data como feriado.

Mas independente de ser feriado ou não, a data mara a luta da população negra por igualdade, além sugerir discussões sobre o tema e levar à população em geral a conscientização sogre as questões raciais no Brasil.

 

Conclusão

 

A presente pesquisa demonstra os impactos históricos sobre a vida do negro ainda hoje em nossa sociedade. Notou-se que a escravidão, seguida pela uma abolição que na prática foi totalmente despreocupada com a situação do negro liberto, foram os principais pontos históricos a determinar a marginalização do negro na sociedade brasileira.

É preciso, portanto, que a sociedade brasileira entenda o absurdo (ou sequência de absurdos) cometido. É preciso que nos tornemos uma sociedade igualitária de fato, sem preconceitos ou discriminação, sem piadinhas, “torcidinhas de rosto”, prejulgamentos ou comentários racistas. Todos somos iguais, as diferenças estiveram nas oportunidades dadas ou negadas em nosso passado histórico como nação.

 

Referências:

 

BEZERRA. Juliana. Como surgiu o Dia da Consciência Negra. Todamatéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/origem-consciencia-negra/. Acesso: nov. 2020.

 

FONSECA Jr., João Batista da. O negro no pós-abolição (1879 - 1930). Governo do Estado do Paraná. Paraná. 2010. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_fafipa_hist_pdp_joao_batista_da_fonseca_junior.pdf. Acesso: nov. 2020.

 

MARINGONI, Gilberto. O destino dos negros após a abolição. IPEA. São Paulo. 2011. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23. Acesso: nov. 2020.

 

SILVA, Gabriele. O que é e para que serve o Dia da Consciência Negra? Educa Mais Brasil. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/dicas/o-que-e-e-para-que-serve-o-dia-da-consciencia-negra. Acesso: nov. 2020.