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PROCESSO HISTÓRICO DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL E SEU CONTEXTO ATUAL NA PRÁTICA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DO ALUNO

 

Luiz Garcia Baptista

 

RESUMO

O referido trabalho teve como foco central a alfabetização no Brasil e seu contexto atual na prática de ensino e aprendizagem do aluno. Parte de uma pesquisa bibliográfica que busca refletir sobre os métodos de alfabetizações a serem utilizados pelos professores para alfabetizar.Teve por objetivo fazer uma releitura sobre as concepções dos métodos de alfabetização utilizados no processo educacional no Brasil ao longo de sua história até o momento em que vivemos. O aprofundamento dessas reflexões contribui como base para compreensão do processo de alfabetização atual em que está calcada a educação brasileira quando a questão são os métodos de alfabetização. Assim se fez fazer uma reflexão detalhada partindo da última década do império e os primeiros anos da República e se estender aos períodos que mais se discutiram os métodos de alfabetização, desde a estruturação tradicional, passanndo pelo construutivismo dos anos 80, as abordagens de alfabetizar letrando, tendo como referência as concepções históricas cultural de Vygotsky.

 

Palavras-chave: História da Alfabetização. Métodos de Aprendizagem. Perspectiva histórico-cultural.

 

INTRODUÇÃO

Ao trazer o tema alfabetização para o campo de uma reflexão histórica quanto a sua forma de pensar e atuação no meio escolar, considerando desde o momento que se começou a definir seus parâmetros de métodos, em especial a partir do final do século XIX, tem-se visto no seio dessas discussões um grupo de intelectuais que divergem entre as “antigas” e “novas” maneiras de atribuírem significado de alfabetização e que os levem a aprender a ler e escrever.

O aspecto positivo dessas discussões em torno dos métodos de alfabetização se torna relevante, uma vez que cria-se uma multiplicidade de ideias, normatizações e conceituações que são significativos para formar um conjunto de conceitos que servem de base na constituição de alfabetização como prática escolar atual.

É com essas diversas formas de pensar que se desenvolve a reflexão quanto aos métodos de alfabetização do referido trabalho, iniciando por uma reflexão sobre o conceito que se tinha no final do século XIX e início do século XX a respeito de alfabetização, sendo aqueles que defendiam os métodos antigos defendido por João de Deus, que pautavam nos métodos sintéticos, alfabéticos ou da soletração, silábico e fônico. E outros que defendiam métodos mais modernos como Antonio da Silva Jardim (1860-1891), cujo método defendido o analítico da palavração.

Com o novo pensamento da Escola Nova a partir de 1920 a 1980, se constituiu uma nova forma de ver o aluno em seu nível de conhecimento, uma vez que com a criação dos testes de ABC definia o momento no qual entraria em salas de alfabetização

Entre 1980 a 2000 tem se aprofundado uma discussão acerca da concepção construtivista na alfabetização. Nesse período marcado posteriormente pela democratização que se configurou um momento bastante delicado para o cenário educacional brasileiro, uma vez que grande parte da população brasileira era analfabeta. Por isso, muitos foram às discussões de alfabetização.

Agregado a essas discussões surge uma nova perspectiva conhecida com “alfabetizar letrando”, defendida por Magda Soares no cenário educacional e difundida no fim da década de 2000, servindo de parâmetros de políticas públicas de formação de professores alfabetizadores. Para muitos estudiosos da área a terminologia do letramento se configura a um pensamento da classe dominante que desqualifica o significado de alfabetizar, conforme o pensamento freiriano que afirma alfabetizar como condição de dar sentido mediante a uma leitura crítica de textos e contextos sociais.

Referencia-se a visão histórico-cultural e alfabetização pautada no pensamento vygotskyano, no qual o processo da aprendizagem do aluno devem sempre levar em conta o desenvolvimento real e proximal.

Por fim, fazem-se as considerações finais procurando relacionar o processo de desenvolvimento dos métodos de alfabetização em sua trajetória como um fator de rupturas. E que o cenário educacional atual precisa criar seus mecanismos de rupturas que coloca os alunos não apenas como sujeitos passivos de sua aprendizagem que saibam apenas codificar e decodificar signos linguísticos, mas que tenham sua formação pautada na capacidade de aprender através das leituras de mundo.

 

2- ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL: última década do império e os primeiros anos da República

No período que compreende os anos 1880 a 1920 o conceito de leitura era entendido como condição de obtenção de um conjunto de conhecimento vasto. O escrever tinha uma importância mais secundarizada, pois seu exercício ficava mais no campo de uma boa caligrafia do que um suporte para se comunicar. Portanto, o conceito de alfabetizar tinha estreita relação com civilizar-se, instruir-se, desenvolver a sociedade. Parafraseando MORAIS; SILVA, 2012. Mortatti (2000) reportam nesse período que havia uma profunda reflexão teórica no qual um grupo de defensores defendia métodos antigos, tendo como o maior expoente o difusor do Método João de Deus, impresso na Cartilha Maternal ou Arte da Leitura, de 1876 que pautavam nos métodos sintéticos, alfabéticos ou da soletração, silábico e fônico

Por outro lado, havia um grupo que tinha uma visão mais moderna de alfabetização, “O ideário desse período, este seria o método intuitivo e objetivo que auxiliaria na construção de um sistema de educação nacional com vistas a aculturar um povo bárbaro e ignorante que aqui se encontrava.” Tendo como defensor deste último, Antonio da Silva Jardim (1860-1891) que considerava o método analítico da palavração, que segundo Mortatti (2000, p. 54) define essa visão.

O contexto atual do país em termos de pessoas alfabetizadas era extremamente deficitário, formando uma população, conforme registrado nos anais da Agência Senado, de mais de 90% dos brasileiros eram iletrados no início do Império.

Surge um agravante de ordem social por meio da lei Saraiva, de 1882, que impedia que os analfabetos votassem. A elite por sua vez na busca de sua manutenção no poder passou a defender um discurso de incentivo a escolarização. Porém conforme ressaltado em Zaccur (2011, p. 76) a “elite dominante brasileira investia em uma instrução que, reduzida às primeiras letras, inculcava no ideário popular sua inferioridade ignorante em prol da superioridade dos letrados”

Iniciou a partir de 1890 a formação de professores no estado de São Paulo, que tinha como meta instruir-se por meio da institucionalização e normatização, com vistas a alfabetizar por meio do método analítico. Aos professores formados nessa perspectiva, tinham que seguir unicamente as diretrizes já estabelecidas cujo principal objetivo seria instruir para o desenvolvimento da linguagem do aluno e condicioná-los a construção de pensamentos e hábitos de leitura (MORTATTI, 2000).

É notório perceber que entre os anos 1890 e 1920 houve discussões profundas com relação à alfabetização em nosso país entre aqueles que defendiam os métodos sintéticos e analíticos. A seguir explicitaremos cada uma delas nos quadros um e dois:

 

 

ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL- 1920- 1980

 

Conforme (ZACCUR, 2011), muitos foram os difusores do Movimento da Escola Nova, podemos citar Lourenço Filho (1897-1970), autor do livro Testes ACB (1934), Fernando de Azevedo (1894-1974) e Anísio Teixeira (1900-1971), Cecília Meireles (1901-1964), que fundou a biblioteca infantil.

Para Mortatti (2000), esse período pôde ser considerado “como a bússola da educação”, uma vez que alinhado aos estudos de Lourenço Filho, criou-se uma estrutura de aplicações de testes denominados ABC, pois esse se tinha como base medir o nível de maturidade que era preciso para desenvolver o processo de alfabetização, assim como várias atividades que poderiam ser aplicadas aos alunos cujo intuito era desenvolver tal aptidão. O que se determinava nesses testes era que se o aluno dominasse os pré-requisitos oferecidos estariam aptos a iniciar em salas de alfabetizações, em contrapartida aqueles que não se encontravam preparados eram direcionados a uma sala anterior a alfabetização.

Vista como primeira pesquisa científica brasileira quanto aos critérios do processo de alfabetização, a obra testes ABC de Lourenço Filho teve sua presença no cenário educacional brasileiro entre as décadas de 1920 a 1970. O teste era construído a partir de oito provas. A aplicabilidade desses testes nem sempre acontecia de maneira pensada, refletida e construída conforme a tutela dos especialistas em suas bases teóricas, uma vez que, na prática, caberia aos professores em posse de manuais de aplicação dos mesmos, fazer a classificação dos alunos segundo manuais pré-moldados por terceiros (MORTATTI, 2000)

No aspecto da formação dos professores também é algo que precisa ser considerado nesse período, pois desde o período imperial não se tinha uma linha de formação que contemplasse as reais necessidades do contexto educacional da época. Em até 1950 a formação de normalistas era aberta, mas fechada sem nenhuma objeção. Somente em 1939, com o decreto 1.190 de 04 de abril de 1939, surge o primeiro curso de Pedagogia, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (TANURI, 2000). Vale ressaltar, que por ser apenas uma faculdade, não conseguia atender a toda demanda de formação de professores, tendo com isso, a maioria dos professores alfabetizadores leigos.

Durante a Ditadura Militar de 1964 predominou a visão tecnicista, a qual tem contribuído ainda mais para o distanciamento entre a teoria e prática. Com os testes ABC continuavam a classificar quais alunos deveriam ingressar ao processo de alfabetização e os professores organizavam em salas conforme a aptidão. Cabia aos técnicos prrepararem os manuais os professores aplicá-los. Foi um período marcado em um contexto social que divergiam entre o ideário das camadas mais pobres com a dominante, como relatado em Frigotto; Civiatta (2003, p. 87) “... o povo almejava escolas para os filhos, e a elite dominante necessitava de mão de obra para alavancar a urbanização e industrialização nacional”.

É notado que nesse período a valorização dada à apropriação da língua escrita, atrelado com o pensamento de desenvolvimento econômico que se tinha como ideologia, serviu para concretizar a visão de que ao codificar e decodificar um código advindo da elite daria condição de transformar o sujeito por ora a margem do saber em cidadãos capazes de compreender o contexto sócio-político e econômico do país, na garantia de sua manutenção e transformação (FRAGO, 1993).

Portanto, no período da Ditadura, no âmbito educacional, foi marcada por uma constância de elementos de várias teorias que buscavam dar sustentação ao ensino de alfabetização, por meio do método sintético-analiticos e com a aplicação dos testes ABC, e com forte distanciamento no que diz respeito aos fundamentos que determinam a teoria e prática. Porém, dentro deste contexto havia discussões pautadas no pensamento de Paulo Freire (1921-1997).

Na visão de Freire (2011) o significado da palavra é parte essencial para o processo de alfabetização. Segundo o autor, é necessário aprender primeiramente a leitura do mundo e, por meio dela, a leitura da palavra. A partir de tal premissa, buscou disseminar sua concepção por meio de cursos de alfabetização de adultos com o conhecido critério “círculos de leitura” que inicialmente teve o aval do governo federal. Porém, com o evento da ditadura e seu exílio, suas bases de ensino foram continuadas pelo Movimento Eclesiástico de Base da Igreja Católica.

Com a pedagogia freireana, o professor é visto como um mediador do círculo: juntos, professor e alunos fazem o exercício do diálogo com vistas à compreensão da realidade vivida dos alunos, cujo intuito é elevar a consciência que a princípio é ingênua para uma consciência crítica em um exercício de ler, interpretar e agir mediante a respectiva realidade.

Com as grandes lutas por vários segmentos da sociedade em defesa da reabertura política que teve início no final da década de 1970 e nos anos de 1980 com a redemocratização do país com o fim da ditadura, iniciou-se uma nova percepção de processo de alfabetização que vai além de competência técnica, exigindo compromisso político e ideológico.

 

CONCEPÇÃO CONSTRUTIVISTA NA ALFABETIZAÇÃO- 1980- 2000

Marcado pela redemocratização, os anos de 1980 tem registrado um momento bastante difícil da história brasileira. Com o novo período da história do país a partir de 1985, traz à tona um cenário educacional muito instável, com altas taxas de analfabetismo, que segundo (MARTATTI, 2000) correspondia a uma média de 25,41% da população analfabeta, assim como um ensino de baixa qualidade aqueles que frequentavam o ensino fundamental.

A concepção dialética se configurava como parte central nas pesquisas das ciências humanas em todo país. O instrumento de uso pedagógico, a cartilha, era uma ferramenta presente nas práticas pedagógicas dos professores. Porém, dentro do mesmo contexto, tem-se grande influência da teoria construtivista pregada por Emilia Ferreiro e Ana Teberosk intitulado como A psicogênese da língua escrita em 1986, começou a fazer parte das normatizações que chegaram até os professores dos anos iniciais de ensino (MELO, 2015). Assim, a concretização dessa concepção tem seu respaldo em 1984 com a implementação do Ciclo Básico no estado de São Paulo. Posteriormente, houve reestruturação nos quesitos didático- pedagógicos e estruturais que buscavam dar concretude para o processo de formação inicial e continuada dos professores (MELO, 2015).

No que tange a formação de professores alfabetizadores, não se abria para a o aprofundamento da formação, uma vez que de acordo com a Lei de Diretrizes e

se dá

Bases (LDB 9394/96), poderia se dar via ensino superior- licenciatura em pedagogia, no ensino médio com curso normal, ou Instituto de Ensino Superior (LIMA; PRADO; SHIMAMOTO, 2011)

Ao adentrar na década de 1990, a educação não havia atendido aos reais objetivos por ora definidos. Por isso, procurando dar um sentido a essa ineficiência do ensino, o estado passou a responsabilizar o professor. Segundo sua visão sobre a má formação seria o fator determinante para a baixa qualidade do ensino, não conseguindo o resultado esperado. A partir dessa constatação, procurou-se a formação inicial do professor da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental a oferecer-lhes os cursos de capacitação.

Para sustentar tal empreendimento, a constituição do Ciclo Básico (1984) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) tiveram suas bases teóricas pautadas na concepção construtivista de Jean Piaget (1896-1980). No que se refere à fundamentação da proposta de alfabetização, permeou a teoria defendida por Emilia Ferreiro (1937) e Ana Teberosk (1944) no livro Psicogênese da Língua Escrita (1986). Tal teoria põe em evidência a construção da escrita pelo aluno em fase de alfabetização, em relações próximas com o objeto de conhecimento que, por vias, é a escrita. Neste contexto, o papel do professor é de mediador entre o aluno e a língua escrita. Melo (2015).

 

A construção da língua escrita, segundo Ferreiro e Teberosk (1996), são constituídas por fatores de desenvolvimento dentro do processo. Primeiro, aquilo que a criança construiu em sua trajetória vivencial antes de entrar na escola; segundo, são ações de ordens pedagógicas provenientes do fazer pedagógico e terceiro, são as experiências individuais com o meio escrito, com leitores e escritores variados.

De acordo com Ferreiro e Teberosk (1986), a leitura e a escrita, assim como os conceitos são condições essenciais que se reconstroem a partir da compreensão do sujeito capaz de aprender e que o mesmo esteja em interação permanente com o objeto do conhecimento. Portanto, a clareza que se deve dar é que o processo de alfabetização não deve estar apenas pautado no conceito de codificação e decodificação do sistema de escrita, uma vez que se entende que a língua escrita não se constitui num processo linear fonético da oralidade. O sujeito provido de capacidade de aprender vai além do copiar ações, pois “[...] compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza etc., em ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva (segundo seu nível de desenvolvimento)” FERREIRO; TEBEROSKY (1986, p. 22)

O papel do professor nesse contexto é procurar conhecer a forma que seus alunos compreendam os conceitos da língua escrita e, de posse desses elementos, desafiá-los no sentido de irem além. Procurar em avançar a cada desafio, instigando-os, assim como tornando possíveis de solução para aluno, considerado por (LERNER, 2002) de “desafios possíveis”.

Ressalta-se que na teoria apregoada por Ferreiro e Teberosky (1986), coloca a aquisição da língua escrita como um processo ascendente, onde a criança em contato com ela cria estruturas capazes de chegar à escrita alfabética convencional por meio de hipóteses. A partir dessa premissa, houve uma mudança no campo do discurso no qual o foco que antes era “como se ensina” passou a ser “como se aprende”. A escrita por sua vez representada como uma forma de representação social usada na escola assim como em outros lugares de vivência da criança, precisa ser ensinada conforme a representação social o qual o aluno esteja inserido.

Com o passar do tempo a concepção construtivista passou a sofrer críticas acirradas no campo prático metodológico na perspectiva do letramento por não atender sua eficácia de ensino, que se refletia nos altos índices de analfabetismo,

Pois, tirava

uma vez que tal processo tornava-se muito frágil, pois, do controle do professor a autonomia de refletir as dificuldades de aprendizagens dos alunos e criar métodos que poderiam contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem dos mesmos. Gontijo (2002, p. 65) coloca em sua pesquisa que:

 

Apesar de o construtivismo entrar em cena nas diretrizes oficiais, não se tornou uma prática alfabetizadora hegemônica. Isto significa que, durante os anos 2000, ainda se podia, inclusive atualmente, observar o uso de cartilhas e/ou textos acartilhados sendo utilizados em salas de aula.

 

Com o surgimento da nova perspectiva de letramento defendida por Magda Soares e que se enraizou no meio educacional brasileiro com sua difusão no curso de Pró Letramento e Programa de Formação Continuada do governo federal difundido a partir de 2008, contribuiu para uma a abertura significativa do processo de alfabetizar letrando.

 

NOVO OLHAR: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

O surgimento do conceito Letramento aparece no contexto escolar mediante um processo natural, que a circunstância num dado momento se fez necessário para compreender uma dada situação a qual o conceito de alfabetização não cumpria as reais necessidades do ato de saber ler e escrever, pois era necessário além dessas, o saber fazer da leitura e escrita. Para essa situação precisou uma definição conceitual dando novos sentidos ao contexto linguístico. É em meados da década de 1980 que aparece a palavra Letramento cristalizada nos discursos de especialistas na área da educação, tendo como presença marcante autores como Mary Kato (1986), Leda Verdiani, Ângela Kleiman (1995),

Em estudos e pesquisas Magda Soares trás, a partir de 1980 e início de 1990 uma abordagem que define os conceitos de alfabetização e de letramento. Em sua abordagem deixa explicito as diversas formas que se podem contextualizar tais conceitos. Assim, definido “ALFABETIZAÇÃO: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever.” e “LETRAMENTO: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (MAGDA, 2009, p. 47).

Ao trazer o conceito de alfabetização como construção do conhecimento num enfoque tradicional, ou seja, a ideia de ensinar a ler e escrever, conhecer simbolos e códigos, sem base a uma relação com o contexto da palavra com fins de apenas decodificar os códigos para construir palavras não contribui em nada na aprendizagem.

O letramento, por sua vez, faz uma abordagem voltada a construção da escrita e leitura pela pessoa com bases nas práticas sociais. Assim, ao aprender a ler e escrever a pessoa transcende sua condição intelectual de apenas saber decodificar símbolos e código, isto é, ele faz relação com o meio para poder fazer-se entender. Soares (2004a, p. 16):

 

Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e a escrever dentro de um contexto onde a leitura e a escrita tenham sentido e façam parte da vida do aluno. Segundo o dicionário Aurélio, letrado é aquele “versado em letras, erudito”, enquanto que iletrado é “aquele que não tem conhecimentos literários” e também o “analfabeto ou quase analfabeto”.

Toda a teoria em torno da concepção de letramento ganhou impulso no cenário educacional brasileiro na metade da década de 2000, quando os livros didáticos aprovados pelo Ministério da Educação- MEC e serem distribuídos nas escolas públicas precisavam alinhar-se com o termo Letramento, e posteriormente em 2012 firmou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Com base nesse Pacto ocorreu à implementação de novo curso de formação continuada a professores que trabalhavam em salas de aulas em ciclo de alfabetização ligados ao 1º ano, 3º anos do Ensino Fundamental de Nove anos. Conforme Melo (2015, p. 67):

A formação dos professores ficou a cargo da iniciativa privada, especialmente através da Educação a Distância (EaD), bem como a continuidade de seus estudos restringem-se, ou também à iniciativa privada com cursos de pós graduação lato-sensu, ou com aqueles, como o PNAIC, oferecidos pelo poder público com o aval de universidades públicas, as quais deveriam primar pela formação de qualidade destes profissionais através de cursos de graduação, mestrado e doutorado.

 

 

Vale ressaltar que a formação dos profissionais da educação na perspectiva do letramento passou a ser difundida numa formação técnica de professor alfabetizador, compondo-se um viés progressista da teoria do letramento. Os conteúdos a serem trabalhados pelos professores na sua maioria eram impressos em cadernos de formação docente, assim como os jogos para alfabetização. Portanto, em última análise, propunham-se textos relacionados com o contextosocial para alfabetizar e fragmentados em frases, palavras, sílabas, letras e fonemas descontextualizado de uma visão relacionada ao contexto social, político, econômico e ideológico.

É devido à falta de um olhar mais politizado no que se refere ao processo de alfabetização, que o termo letramento passou a sofrer críticas por parte de pesquisadores, dentre eles citando Geraldi (2011), Zaccur (2011), Gontijo e Schwartz (2011), Melo (2015).

Segundo Geraldi (2011), a terminologia Letramento é um mecanismo pelo qual a classe dominante utiliza para desqualificar um sistema de alfabetização aplicado por Paulo Freire, onde o processo de alfabetizar está relacionado a condição de dar sentido e significado a partir da leitura crítica de textos e contextos sociais, que carecem dos conhecimentos a respeito da leitura e da escrita.

 

VYGOTSKY: PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL E A ALFABETIZAÇÃO

A teoria histórico-cultural formulada por Vygostsky (1896-1934) e colaboradores, dentre eles Leontiev (1903-1979) e Luria (1902-1977), iniciou-se nas décadas de 1920/30 no Instituto de Psicologia de Moscou, na Rússia pós-revolução. Este instituto foi fundado com o objetivo conforme explecita Rego (2014, p.89) “Contribuir para com a erradicação do analfabetismo e pretendia, através de suas pesquisas, maximizar o processo de alfabetização popular que se iniciava" Calcada em uma linha de pensamento marxista, o conceito histórico-cultural tem sua representatividade no Brasil através de pensadores como Ana Luiza Bustamante Smolka, Claudia Maria Mendes Gontijo que viam nessa visão histórico-cultural por um processo alfabetizador que tenha estreita relação entre a visão de “como se ensina” e “como se aprende” e “o que se aprende e para que se aprende”. Assim, alfabetizar se torna um processo que tenha que contemplar aspectos linguísticos, psicológicos e interacionais, uma vez que a interação de ambos possibilita que a criança possa construir os conceitos da escrita por meio das interações e interlocuções vivenciadas na relação com o outro. Para Vygotsky (2007, p. 83):

 

O indivíduo, desde a mais tenra idade, apropria-se dos conhecimentos construídos histórica e socialmente através da linguagem, e esta ocorre nas interações sociais. Assim, para este teórico, o homem caracteriza-se enquanto um ser cultural, o qual se humaniza através das relações que mantém com outros seres humanos. Por isso, todas as funções psíquicas superiores, tais como pensamento lógico, memória ativa, atenção seletiva, afinal, os atos voluntários em geral, são dependentes de interações sociais.

 

Na concepção Vygotskyana (2007) há no processo de aprendizagem dois fatores de desenvolvimento que devem ser considerados: o Real, sendo o que o sujeito já sabe e é capaz de executar de forma autônoma; e o Desenvolvimento Proximal, quando o sujeito não é capaz de realizar sozinho e depende do acompanhamento do outro que tenha maior experiência. Segundo Vygotsky, um ensino eficaz e de qualidade é aquele se antecipa ao desenvolvimento, sendo este visto como fator biológico. Assim, a aprendizagem deve sempre antecipar ao desenvolvimento, tendo como base as interações sociais nas quais os professores devem colocar os alunos constantemente a desafiar-se e, juntos, buscarem a superação dos obstáculos a fim de apropriarem dos novos conhecimentos.

O surgimento do gesto como um signo visual é muito importante para o desenvolvimento da aprendizagem da escrita na criança. Para Vigotski (1992, p. 121) “O gesto é o signo visual que contém a futura escrita da criança, assim como a semente contém um futuro carvalho [...]. Os gestos são a escrita no ar e os signos escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados”.

Compreender os motivos que levam a criança a desenvolver-se na atividade que até então complexa que é de escrever e ler. Vigotski, (1991, p. 122) coloca dos motivos na perspectiva do gesto como signo visual, foocalizando dois domínios, sendo:

O primeiro domínio é o dos rabiscos das crianças. Ao estudar o ato de desenhar, ele pode observar que, frequentemente, quando as crianças usavam a dramatização, demonstravam por gestos o que deveriam mostrar nos desenhos; os traços constituíam somente um suplemento a essa representação gestual.

O segundo domínio, que se refere à esfera de atividades que une os gestos e a linguagem escrita, é o dos jogos das crianças em que alguns objetos podiam denotar outros, substituindo-os e se tornando seus signos. Neste caso, a similaridade entre a coisa com que a criança brincava e o objeto que era denotado não era importante, mas sim, a possibilidade de executar, com eles, um gesto representativo. Isso podemos observar com facilidade quando vemos uma criança brincar de “cavalinho” ou de “armas de guerra” com um mesmo cabo de vassoura, tanto como poderia fazê-lo com um outro objeto qualquer.

Ao trazer a reflexão dentro da perspectiva histórico-cultural no âmbito educacional atual entende-se ser uma teoria que, talvez, possa oferecer uma formação mais contemplativa das reais necessidades presentes de nossa atualidade. Tal formação também se aproxima das perspectivas freirianas, uma vez que parte do principio de uma educação libertadora, dialógica, que faz referências ao meio social e que busca a superação das dicotomias existentes nos grupos envolvidos. Ao mesmo tempo, não perde de vista a construção do saber por meio da alfabetização, tendo como suporte a necessidade do ensino-aprendizagem nas conexões de grafemas/fonemas, sendo elas partes essenciais para a mediação, apropriação, sentido e significado do que se quer construir em termos de leitura e escrita. Parafraseando Freire (2011) por meio da leitura do mundo e, portanto, tendo consciência de si e no mundo que o rodeia e com o mundo, para que assim possa transformá-lo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao fazer a reflexão acerca dos métodos de alfabetização utilizados no processo educacional no Brasil ao longo de sua história até o momento em que vivemos, fica evidente que não se trata de uma discussão nova, pois desde que estruturou um sistema de ensino no Brasil, várias foram as formas de orientar como desenvolver um método de alfabetização que levasse o aluno a desenvolver suas competências de leitura, conforme o interesse de cada época.

Na atualidade não é diferente, há muitas discussões sobre métodos de alfabetização que buscam de alguma forma atender ao processo de ensino- aprendizagem.

Ao trazer um ideário de alfabetização que forma o aluno na sua integralidade linguística, psicológica e interacional faz-se necessário uma reflexão que vai além de um método que ensina apenas grafemas/fonemas, mas sim em consonância com ambas,se constrói um conjunto de saberes que fazem parte do mundo vivencial do aluno que é capaz de aprender.

Mesmo tendo a luz das discussões no cenário educacional a perspectiva histórica-cultural de Vygotsky e Libertadora de Paulo Freire, ainda se faz muito aquém dos governantes em elaborar políticas públicas de formação continuadas de alfabetização que contemplem a formação integral do aluno. Por ser revolucionária, que incide um alfabetizar a partir da palavra, do mundo, da realidade social, política, econômica e ideológica, inibem os governantes em estabelecer uma normatização ancorada no viés acadêmico. Ou ainda, por entender que a perspectiva histórico- cultural colocada no chão da escola possa ser um instrumento que possibilita a maioria de reivindicar por direitos, colocando em xeque os privilégios de um grupo. Por isso, tal concepção mantém afastada dos cursos de formação continuada, dos livros didáticos e das diretrizes oficiais.

Portanto, pode-se concluir que é preciso conhecer os modos de pensar que se constitui e se constituiu ao longo da história educacional no Brasil. Não ficar sendo submetidos a uma regra reducionista de apenas ensinar os alunos a aprender codificar e decodificar signos linguísticos sem nenhuma relação com a leitura do mundo. Simplesmente para atender aos interesses ideológicos de um pequeno grupo. Faz-se necessário que os professores alfabetizadores tenham a percepção em detectar as reais possibilidades de encaminhamento das mudanças reais que leve a formação de qualidade dos alunos em um contexto de cultura letrada que há muitos anos vem sendo extirpado do direito de aprender a ler e escrever.

 

REFERÊNCIAS

 

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Dados profissional do autor:

Baptista, Luiz Garcia: Formado no Magistério, licenciado em Pedagogia, pós graduado em Interdisciplinaridade e Metodologia do Ensino Superior e Mestre em Educação.

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